A luz da manhã, tocou meu rosto cegando-me. O ambiente era quente e aconchegante, o que tornava muito difícil abrir os olhos e encarar a realidade que poderia me esperar. A possibilidade de tudo desmoronar, era torturante demais. Minha vida era um constante castelo de areia, construído à beira mar. Sempre que estava pronto, e frondoso, a maré vinha e destruía grão por grão. Era preciso recomeçar de novo. Sem desistir ou perder a vontade de deixá-lo cada vez mais alto.

Ainda de olhos fechados, tentei escutar qualquer reação que me desse um alerta, do quão ruins as coisas poderiam estar. 

O barulho de um programa de culinária na televisão, o apito irritante de batimentos cardíacos vindo de algum monitor do meu lado. Um catéter afundava em meu braço esquerdo.

Abri os olhos.

Dante estava dormindo sentado em uma cadeira de plástico. As olheiras escuras eram evidentes em seu rosto pálido. Sentei na beira da cama, não sentindo nenhum tipo de dor abrasadora. Ótimo foi só a perna mesmo. Arranquei o catéter do braço. Coloquei uma perna para fora, ela estava enfaixada na panturrilha. Nada sério.

- Dan?-Chamei. Ele se remexeu e despertou.

- Oque? Hã!?- Piscou várias vezes, limpou a baba da boca e me olhou tentando focalizar o fato de eu estar sentada sem agulhas no braço.

- O que você está fazendo?

- O que aconteceu quando eu apaguei? E Piper? E Reed ? E Luke?- Disparei sem respirar.

Ele se indireitou.

- Calma Phie. Piper, está bem. Está no outro quarto sendo medicada. Ela perdeu bastante sangue mas, não ficará seqüelas. Temos o mesmo tipo sanguínio então doei um litro. Ela está mais impaciente do que você.- Ele riu.

Relaxei. Um peso enorme saiu das minhas costas. Ela estava bem. 

- E Luke e Reed?

Ele sorriu de orelha à orelha.

- Luke e Reed estão presos Phie. Quando você desmaiou, pedimos reforços. Peguei o celular do nosso antigo parceiro, e enviei uma mensagem para Reed- Ele pigarreou, e levantou as mãos como se estivesse lendo no ar.- " Venha ter o prazer de comer esse ratinho. Venha sozinho." e o babaca acreditou! Acho que inteligência não é o forte dele.

- Às vezes mesmo à força, tem que se curvar à sabedoria. Estou orgulhosa Grace!- Falei sorrindo.- E depois?

Ele coçou a cabeça.

- Colocamos você na ambulância enquanto Sammy dava voz de prisão. À propósito parabéns Sargento.- Me congratulou sorrindo.

Quê!? Eu fui promovida?

-Tá falando sério?- Gaguejei.

Agora ele ria de verdade.

- Sim cara, o Sr. Carter te promoveu. Contra a vontade mas sim. Sam deu uma ajudinha.

Não pude evitar de sorrir.

Levantei vacilante e quase caí de cara, mas Dante me amparou.

- Onde você..?

- Piper. Me leva até ela.

Mesmo contra a vontade ele sustentou meu peso e saímos do quarto. Quando entramos ela estava deitada assistindo algum seriado. Seus olhos brilharam quando nos viu.

Manquei o mais rápido possível até seu leito e sentei na cama. Abracei-a com cuidado, enterrando sua cabeça no meu peito. 

- Acabou- sussurrei.

Ela assentiu com a cabeça.

- Não se desculpe.- Falou prevendo o que eu faria.- Não foi sua culpa. Agora acabou. Estamos bem.

Estamos bem. Naquele momento eu à amei mais ainda. Ela não disse, vai ficar tudo bem, ou vamos superar. Estávamos bem. Estávamos juntas. Isso era o que importava.

Levantei seu queixo e beijei-a devagar.

- Sim- Sorri em seus lábios. - Estamos.

Entrelacei nossos mindinhos, ligando nossos fios mais uma vez. Ela sorriu satisfeita.

E ali percebemos, que a vida somente é dada, para quem se deu por completo.

9 Anos depois

A brisa marítima batia em meu rosto, espalhando meus cabelos. Retirei os óculos escuros e contemplei as três crianças que brincavam à beira mar construindo um castelo de areia.

- Precisamos de um forte com crocodilos!- Exclamou o garotinho de cabelos negros e olhos azuis intensos.

- Aonde vamos achar crocodilos Matt?- A garotinha de cabelos loiros se levantou colocando as mãos na cintura.

- Podemos pegar peixes!- Falou Matt apontando para o mar.

Ela fuzilou Matt com seus intensos olhos multicoloridos.

- Não vou aprisionar animais Mathew!- Protestou.

O terceiro garotinho permanecia sentado na areia sentindo as ondas tocarem suas pernas. Ele suspirou.

- Tudo bem Nichole, nada de aprisionar peixes-Falou com a voz calma. Passou a mão no cabelo cor de chocolate tirando uma mecha dos olhos. O sol incidia em sua pele café com leite. Era um belo indiozinho, com olhos cinzas como tempestade.

- Eles só vão nadar Ben, não vão se machucar- Contestou Matt.

Benjamin sorriu.

- Conhece sua prima, ela sempre consegue o que quer.- Respondeu simplista.

Eu ri alto, fazendo-os olharem na nossa direção.

Piper ainda estava deitada de costas em uma toalha. Raphael e Dante tomavam uma cerveja olhando o filho.

- Eles tiveram à quem puxar- Falou Dan sorrindo.

- Sim, Nichole tem 5 anos e manda no irmão de 8. Sei à quem ela puxou mesmo.

Piper riu.

- O que isso quer dizer Smith?

- Mandona igual à mãe- Respondi acariciando suas costas.- Ao menos Benjamin é mais tranquilo.

- Matthew é inteligente, mas um pouco lerdo. Rapha tem culpa nisso

-Ei!- Protestou ele. Nós rimos.

- Enfim paz não é?- Suspirei bebendo um gole de cerveja.

- Mãe! Mamãe!- Nichole vinda correndo. Seu biquiní rosa estava cheio de areia.- Matt quer caçar peixes fala pra ele que não pode!

Abracei minha filha.

- Não podemos machucar nenhum animalzinho Matt-Falei branda.

Benjamin sentou ao lado de Piper. Matthew no colo de Dan.

- Eu não ia machucar- Resmungou para o pai. Rapha bagunçou seus cabelos.

- Porque não jogamos uma partida de vôlei campeão?-Perguntou ao filho.

- Ta bom pai!- Respondeu sorrindo e pulando do colo de Dan. Pegou a bola do chão e nos olhou.- Vamos tia Piper e tia Phie, vamos brincar!

- Juro que já iremos-Falei soltando minha filha-Vão brincar com seus primos.

Nichole tomou a bola de Matt e saiu correndo rindo. Matt e Rapha correram atrás. Benjamin revirou os olhos e levantou, batendo a areia de sua sunga. Me deu um beijo na testa e saiu rindo.

- Fizemos lindas crianças não acha?- Falou Piper virando de barriga para cima preguiçosa. Me puxou, deitei ao lado dela.

-Sim- Sorri boba.- Não podiam ser melhores.- Ela se apoiou no cotovelo e olhou as crianças longe, sorrindo.

- Amo a nossa família Phie. Amo o que aquele dia horrível nos trouxe.

Eu ri.

- Foi um pouco irônico, que algo tão ruim gerassem frutos tão bons.

- É preciso passar da época das mostardas para se colherem os trigos-Recitou.

- Acho que os papéis se inverteram um pouco. - Falei rindo.

- Você foi promovida, nos aproximamos mais, juntamos o suficiente para começar à construir nossa vida. Foi algo bom.

- Algo excepcional- Corrigi.

Ela riu e me puxou para um beijo.

- Akai ito- Sussurrou em meus lábios.

E o nosso fio vermelho da vida, se alongou à cada ano que passava. Hoje não apenas enrolado em nós, mas nos nossos dois lindos filhos. Nos unindo de forma única, e sobrenatural.

Depois de anos, entendi o conceito de família.

Olhei mais uma vez para as ondas que quebravam na areia, tudo estava bem.

Era como deveria ser.

Dessa vez meu castelo ficaria de pé por éons

Fim do capítulo