Tempestade por Ana Pizani
Capítulo 9 - Desordens
(...)E as coisas findas
Muito mais que lindas
Essas ficarão."
Carlos Drummond de Andrade
Aline deu um pulo na cama assustada com o barulho. Débora estava parada na porta petrificada e os cacos de vidro estavam espalhados por todo canto. Ainda assim, Rosa permaneceu com a sua postura inalterada.
_ Tudo bem, Débora? Você está bem? _ Aline correu para acender a luz do quarto. A mão de Débora pingava um pouco de sangue.
_ Sim, só acho que me cortei um pouco. _ Débora não conseguia encarar o rosto de Rosa. Sentia-se traída, como se alguém a houvesse apunhalado pelas costas.
Aline foi até ela preocupada com o pequeno corte.
_ Precisamos lavar a sua mão e colocar um curativo. Venha.
Rosa fez um muxoxo baixo e foi atrás das duas, triste pela interrupção. Aline, sempre muito solícita, limpou o machucado e fez um carinho no rosto de Débora.
_ Está tudo bem, fique calma.
A futura arquiteta nem se deu conta das lágrimas que pendiam pelo seu rosto. Estava magoada e com medo de perder seu grande amor para sempre.
_ Talvez seja melhor irmos ao médico. _ Rosa perguntou tentando evitar o clima quase romântico entre as duas garotas. Com a sua garota. _ O corte parece fundo.
_ Não, não, não precisa. E me desculpe se interrompi algo entre vocês. Acho que já vou voltar para a cama. _ Débora se desvencilhou da mão de Aline e foi em direção ao quarto.
E Aline parecia enfeitiçada. Deu um boa noite sem graça para uma Rosa que estava prestes a explodir de raiva.
_ Acho melhor irmos dormir. Amanhã eu limpo os cacos de vidro.
_ Então é assim? Essa garota surge na porta do quarto, quebra um copo para nos interromper e você me diz que precisamos dormir? Sinceramente, Aline, às vezes eu acho que Jhon Green tem muita razão quando afirma que recebemos o amor que achamos que merecemos e por isso você aceita o amor lixo dessa garota, porque não consegue se ver como alguém digno de um amor que preste.
Olhos em fúria. Assim poderíamos descrever os olhos de Rosa. Apesar de ter falado baixo, ainda na sala, as palavras repercutiram dentro de Aline como se fossem ondas. Um maremoto inteiro. Então todas as suspeitas eram verdade. Realmente Rosa sentia alguma coisa por ela, que lerdamente, não havia desconfiado.
Sem saber muito bem o que pensava a respeito, a ideia de perder uma amiga por causa de um sentimento era por demais forte naquele momento.
_ Olha, Rosa, sinceramente não sei o que te dizer. Jhon Green talvez tenha razão, mas ele também tem razão quando falamos que temos escolha e talvez devamos respeitar a escolha das pessoas. Eu não estou falando que eu estou certa, mas coloque-se em meu lugar. Nós nos beijamos e agora você me diz essas coisas e quer que eu me sinta como? Quer que eu durma na sua cama, que a gente fique a noite inteira e amanhã eu leve café na cama para você? Acha que eu sou o que? Eu não fico com as pessoas por acaso, eu não sei fazer isso que vocês fazem nessa casa, que é dormir com pessoas desconhecidas. E eu não estou julgando vocês, afinal cada um vive a sua vida do jeito que bem quer. Eu só não sei fazer isso e estou surpresa com o beijo, com...com tudo isso.
Rosa só conseguia olhar da boca para os olhos de Aline. Nem escutava direito todas aquelas palavras sem sentido àquela hora da noite. Só conseguia lembrar da primeira parte em que ela dormiam juntas e alguém fazia o café da manhã. E talvez só por isso, ela segurou as mãos de Aline entre as suas e as beijou. Ela nunca tinha feito aquilo com ninguém, ela nunca havia sentido nada suficiente forte para fazer isso ou qualquer ato delicado. Apenas segurou aquelas mãos quentes entre as suas e as beijou repetidamente.
_ Rosa, eu... _ Aline não conseguia dizer nada.
Depois das mãos, Rosa beijou o pescoço de Aline, a bochecha e por último a boca novamente. E novamente ela sentiu as pernas tremerem e quase caiu se não fosse as mãos de Aline em torno da sua cintura a segurando contra si.
Elas se beijaram, só que dessa vez sem copos quebrados, sem sangue, sem interrupções, sem lágrimas. Enquanto isso, no quarto, Débora chorava em silêncio imaginando mil motivos para a demora de Aline. O que elas estariam fazendo? Terminando algo que ela havia interrompido? Sentiu vergonha daquela cena ridícula onde ela chorava feito uma criança na frente de sua melhor e mais antiga amiga que agora beijava a mulher que ela amava.
Ela amava uma mulher. Uma mulher! Débora nunca poderia imaginar sentir algo assim por uma igual. Era demais para a sua cabeça, mas se ela fosse assim era melhor aceitar logo para parar de sofrer e parar de mentir para ela mesma e para os outros. Estava vivendo um namoro de mentira, tinha uma família de mentira e agora não conseguia aceitar a única coisa verdadeira em sua vida: aquele sentimento.
E pior, um sentimento correspondido. Um sentimento forte e maior que tudo que a fazia questionar a sua vida inteira, todos aqueles anos jogados no lixo tentando agradar a seus pais. Estava farta de viver uma farsa mal planejada que nem o pior do escritor poderia escrever.
Rosa jogou Aline contra a parede do seu quarto e elas começaram a se tocar para valer. Arrancaram os pijamas e trans*ram ali mesmo, em pé no quarto escuro.
Rosa já havia goz*do várias vezes, é claro, mas aquele orgasmo tinha sido diferente. A boca de Aline parecia que iria devorá-la inteira e que quando tudo sumiu, quando ela sentiu que planava nas nuvens, ela pensou ter morrido.
Quando terminaram, não demorou muito para Aline vestir suas roupas e sair. Rosa fingiu não se importar, mas não teve tempo para segurá-la. Adormeceu num sono pesado que há tempos não tinha.
Aline também sentiu forte o impacto daquelas mãos sensuais que Rosa possuía. Ainda assim, teve medo de sentir qualquer coisa a ponto de não ficar para dormir após o término.
Quando saiu, Rosa já estava dormindo, mas Débora não. Esta após tantas lágrimas e pensamentos, permanecia com os olhos vidrados na porta do quarto esperando que Aline entrasse e a abraçasse forte e a prometesse que tudo ficaria bem.
Ao entrar, Aline nem percebeu que a garota estava acordada. Foi pé ante pé até a cama e deitou-se sem fazer barulho. Já estava embaixo das cobertas quando escutou uma voz baixinha.
_ Aline, você está ai?
_ Sim, Débora.
_ Deita aqui comigo?
Que noite, minhas amigas, que noite!
Aline não se deu a chance de pensar, levantou-se e logo estava deitada na cama de Débora a uma distância saudável e segura.
_ Você estava com a Rosa?
_ Sim.
A voz chorosa de Débora denunciava as lágrimas que haviam voltado com tudo.
_ Vocês trans*ram, certo? Posso sentir o perfume dela em você.
_ Se quiser, eu volto para a minha cama.
Aline não sabia o que fazer. Débora se virou para ela e mesmo no escuro podia sentir aquele olhar queimando-lhe a face.
_ Você sabe que nós não temos nada, certo? Que você está namorando Vinícius e que me deu vários e seguidos nãos, certo?
_ Eu sei disso, Aline, não estou te cobrando nada, afinal não estamos juntas. Mas ainda assim dói saber que a Rosa me deu uma paulada pelas costas ficando com você.
Aline enfim entendeu o verdadeiro drama ali. Era a questão da amizade que doía.
_ Eu sei, eu sei que vocês são muito amigas e não quero em momento algum atrapalhar isso. Por favor, em momento algum eu fiz nada de cabeça pensada. Na verdade...
_ Na verdade ela te agarrou que eu vi. Eu resolvi ir assistir ao filme com vocês e me deparo com aquela cena toda. Nem consigo imaginar aquilo novamente. Nem consigo imaginar em vocês duas juntas.
Aline fica em silêncio sem saber o que dizer, não havia mais nada a ser dito. Fez que iria se levantar, quando sentiu a mão de Débora a segurar.
_ Fica, por favor.
Aline não teve forças para dizer não. Ficou. E elas dormiram abraçadas enquanto Rosa sonhava seus melhores sonhos.
Fim do capítulo
Pessoas, há perdão para tanta demora? A maioria dos líderes religiosos com certeza diriam que sim. Espero que tenham a mesma paciência para comigo, fiquei sem internet e a parte boa é que consegui me embrenhar em várias hipóteses para o fim desta história. Sim, a história segue aberta. E eu só posso dizer que as senhoras recatadas e com problemas cardíacos necessitam de um bom copo de vinho para ler o que aqui despejo... Bjos e obrigada por lerem.
Ana Maria
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