Tempestade por Ana Pizani
Pessoal, quero pedir desculpas pela demora em postar os capítulos. Diferentemente dos grandes, esta pequena escreve apenas quando inspirada e durante as férias ( professor às vezes descansa rsrs) tem sido difícil conter a velocidade dos diálogos em minha mente. Por isso a demora.
Também quero agradecer a todos os comentários carinhosos e sugestões.
Um beijo carinhoso em cada uma que está acompanhando a história. Obrigada de coração.
;) Hasta luego!
Capítulo 8 – Cacos no chão
”Nada ficou no lugar
Eu quero quebrar essas xícaras
Eu vou enganar o diabo
Eu quero acordar sua família
Eu vou escrever no seu muro
E violentar o seu gosto
Eu quero roubar no seu jogo
Eu já arranhei os seus discos
Que é pra ver se você volta
Que é pra ver se você vem
Que é pra ver se você olha
Pra mim”
Adriana Calcanhoto
Não há pobres coitados em histórias modernas. E não poderia ser diferente nesta história tão comum, que poderia ter acontecido com qualquer pessoa. Quando eu escutei este enredo a primeira levei algum tempo para acreditar. Talvez porque as histórias de amor estejam cada vez mais raras e também porque a pessoa que me contava dizia que havia participado da história de forma, digamos, bem ativa, em todo o sentido do termo.
O fato era que a esta altura dessa história o leitor atento já deve ter tomado partido e assim escolhido a sua melhor candidata para Aline. Alguns defenderão a Rosa até o fim, até porque ela parece mais forte e mais segura de seus sentimentos que a outra, sua rival, chamada Débora, que é toda errada e ainda não ousa falar de seus sentimentos.
O que poucos sabem é que viver uma vida de mentira dá muito trabalho por mais perfeita que esta vida seja. Os melhores restaurantes, as melhores boates, as melhoras roupas e sapatos, nada disso ao final de um dia faz sentido.
Outra coisa também que eu sei (e você também) é que histórias de amor dificilmente terminam como queremos até mesmo o autor se vê convencido por esta ou aquela personagem e acaba mudando todo o enredo que havia pensado anteriormente.
Não há pobres coitados em lugar algum. O que há, sem dúvida, são histórias de amor, todas belíssimas.
Depois de alguns dias se preocupando com o último período da faculdade, Aline pegou o ônibus, sobrecarregada de livros e pensamentos. Se pudéssemos vê-la, naquela momento, dificilmente poderíamos notar qualquer ansiedade ou nervosismo em seu olhar, mas lá dentro, por detrás da face de nerd ela tremia inteira.
Em plena quarta-feira ela resolveu observar a cidade já velha a seus olhos enquanto aguardava o seu ponto. Todos aqueles prédios enormes, carros, buzinas, pessoas, cores, um borrão diante dos olhos de Aline que havia chegado ali num caminhão sujo de terra e sem nenhuma perspectiva de futuro. Uma vida toda voltada para permanecer viva em meio ao caos.
Geralmente Aline não se permite ficar remoendo o passado, somente agora se aproximando de sua formatura ela parece se lembrar de quem é e de onde veio realmente. Há de se convir que por vezes as tolices de nossas vidas cotidianas nos levam a caminhos bem longe de nós mesmos.
Voltar-se para o passado é um ato de coragem quando esse passado é doloroso. Ainda assim, nada de abalos sísmicos. Ninguém viria porque já não havia ninguém para vir. A tia, a referida tia do começo da história que fizera o papel de mãe, morrera há muitos anos vítima de uma dessas doenças comuns. Quando se é pobre, ter saúde é ato de força e ela tinha sido forte por muito tempo.
Poucas ligações, não houve visitas após a chegada de Aline na cidade grande. A própria tia não havia se importado, estava muito magra a abatida e não era essa a imagem que ela queria deixar na sobrinha querida.
Nem ao velório, um dia quente de abril, Aline havia comparecido. Não tinha ido em vida, não iria em morte. Somente agora a saudade apertava tão forte a ponto de doer as costelas, como nos tempos de fome.
Segurou as lágrimas com um livro aberto no colo, nem percebeu que havia passado do ponto e deu sinal apressada.
Na rua escura e pouco movimentada caminhava distraída. Não participaria da formatura nem iria ao baile, não tinha dinheiro para isso. A única garantia que tinha era que precisava arrumar serviço em uma escola logo e fazer de tudo para continuar a estudar. Fazer uma pós, mestrado até chegar ao sonhado doutorado. Quando se é pobre o conhecimento pode mover montanhas e garantir o alimento na mesa.
Aline nem percebeu quando chegou à porta do imenso prédio em que morava. Olhou para cima, nunca poderia imaginar que conseguiria morar num lugar daqueles. Que conseguiria estudar, trabalhar e ainda ter tempo para ter problemas amorosos. E lá estava ela, à beira da formatura e com sonhos cada vez maiores.
Girou a chave na fechadura e ouviu alguns gritos. Correu para ver o que era e se deparou com uma cena pra lá de estranha.
Débora discutia com um Vinícius na cozinha. Ele estava exaltado, nervoso e falava muito alto com ela. Aline encarou os dois e resolveu ir para o quarto. Foi quando sentiu uma mão no seu braço.
Rosa a puxou para dentro do seu quarto. Fez um sinal de silêncio de quem estava escutando a briga desde o início.
_ Eles nem me viram passar. _ disse Aline enciumada. _ O que está acontecendo?
Rosa permaneceu com a porta entreaberta e com o ouvido colado para escutar o que acontecia.
_ Não sei bem, parece que ele estava ficando com a nossa amiga e mais outras duzentas meninas da cidade. E ela pegou as conversas no celular dele. Desde então está essa confusão lá fora.
_ Mas ele não está sendo violento com ela não, neh? Achei ele bem exaltado. Nem me viu passando.
_ Isso tudo não passa de um teatro. Ela não gosta dele e fica fazendo tipo para convencê-lo. A família dela disse que ela precisa se casar logo, a família chegou ao fundo do fundo do poço.
Aline sentiu a saliva queimar na garganta. Sentou-se na cama de Rosa mais triste do que já estava.
Rosa notou a carinha desanimada da “amiga” e sentou-se na cama para abraçá-la.
_ Desculpa por ter falado dessa maneira, sei que você gosta da Débora, mas ela só quer se dar bem. E a sua formatura, você me disse que ficaria sabendo de datas hoje na faculdade.
_ Pois é, vou participar apenas da colação de grau. Terei direito a três convites apenas e estou bastante desanimada para te falar a verdade.
_ Não deveria. É uma grande vitória e tenho certeza que do jeito que você é inteligente rapidinho conseguirá emprego na área. Na verdade, tenho uma tia que é diretora de uma escola particular, posso ver com ela uma oportunidade para você por lá.
_ Seria maravilhoso.
_ E será. O que eu puder fazer para te ajudar, farei.
Rosa sempre solícita. Rosa sempre ali.
Lá fora a discussão parecia perto do fim, a porta do apartamento bateu e elas saíram do quarto.
_ O que está havendo, Débora? _ perguntou Rosa fingindo não entender nada.
_ O cafajeste do Vinícius parece que trans* com todas as garotas da cidade. Uma coisa seria ele fazer isso na calada da noite, outra coisa é o meu nome ficar na boca das pessoas a ponto de virar motivo de deboche. Poxa, ele me pede em namoro e age como um ogro.
Aline sentiu aquelas palavras como murro na beira do estômago. Resolveu tomar um bom banho quente para se deitar. Deixou as duas conversando na sala e entrou no banheiro.
Minutos depois escutou alguém bater a porta do apartamento novamente. Logo em seguida Rosa bateu na porta do banheiro.
_ Amiga, Débora foi comprar algo para a gente comer. Você ainda vai demorar ai, porque eu preciso pegar meu creme noturno.
_ Você quer entrar? A porta não está trancada. Só abrir.
Rosa respirou fundo antes de entrar. O vidro do box estava todo embaçado pelo vapor do chuveiro, mas ainda assim era possível ver o corpo nu de Aline. Ela estava lavando o cabelo enquanto se ensaboava. De costas, Rosa a observava pelo espelho da pia enquanto aplicava o produto na pele do rosto. Demorou-se mais que deveria. Pensou no apartamento vazio, Luíza estava viajando, Débora fora comprando comida e elas duas ali, sozinhas, separadas por poucos metros.
Rosa imaginava coisas na sua cabeça e tentava conversar para disfarçar seu nervosismo.
_ Eu espero que você me leve na colação. Já estou pensando em qual vestido comprar.
_ Claro, um dos convites já é seu. Ainda bem que não preciso me preocupar com roupa, só mesmo aquela beca horrenda que ainda tenho que alugar. E não se preocupe com isso, vá bem simples. Nada de gastar por causa de uma bobagem dessas.
_ Uma historiadora! Nem acredito que passou tão rápido estes últimos meses. Parece que já nos conhecemos há tempos.
_ Verdade. Fico feliz demais por ter encontrado vocês.
Aline terminou de tomar banho e não estranhou a demora da amiga no banheiro, afinal ela estava terminando de retirar o creme verde do rosto.
Enquanto se secava com a toalha, por um segundo, Aline percebeu. Percebeu o olhar de Rosa, percebeu o desejo ali. E o que nunca havia passado em sua cabeça de repente fez sentido.
Estavam muito próximas, Rosa preferia ficar com ela a sair com os amigos, logo ela, uma festeira de mão cheia.
Débora cada vez mais distante, ocupada com os compromissos sociais envolvidos com o ato de namorar um homem importante. Rosa sempre ali, assistindo a filmes tarde da noite, almoçando com ela quando podia.
Apenas nos horários da aula elas se desgrudavam.
Por um segundo, Aline percebeu, mas não ousou pensar naquele assunto o resto da noite. Débora foi se deitar cedo após comerem e Rosa percebeu que Aline havia desconfiado de algo no banheiro. Estava diferente, distante, quase área.
_ Vamos assistir àquele filme que você queria ver? Ele já está disponível.
Aline concordou com a cabeça. Estavam no quarto de Rosa. Ambas deitadas na enorme cama de casal. Débora havia deixado o quarto a contragosto, não conseguia engolir aquela amizade entre as duas. Mas confiava demais no caráter de Aline, que sempre separava muito bem amizade e relacionamentos. Julgava também que a garota gostava dela demais para pensar em outra mulher.
Só que Aline pensou, desde o banheiro pensava e pensava sem parar. Nem prestou atenção na comida. Não se lembrava o que haviam conversado durante a refeição. Apenas a cena do banheiro, os olhares, o desejo que viu.
Rosa era uma mulher linda, educada, que sempre esteve ao lado de Aline nos bons e maus momentos e mesmo alimentando um sentimento velado, Rosa disfarçava muito bem.
Só que naquela noite em específico ela sabia que Aline percebeu algo e pela primeira vez na vida, ficou sem saber como agir. Ir para cima ou esperar Aline? E se Aline nunca a procurasse? E se a amiga estivesse assustada com o que notara?
_ Rosa, posso te fazer uma pergunta que está me matando, talvez uma impressão que eu tive no banheiro, uma bobagem da minha cabeça... enfim, deixa pra lá.
_ Não, não, Aline, fala logo. O que é?
O coração de Rosa estava na boca àquela altura.
_ No banheiro eu por um momento tive a impressão...
_ Sim.
_ Tenho receio de falar e você me interpretar mal, falar que é coisa da minha cabeça.
Rosa não sabia o que dizer.
_ Rosa, eu acho que você...
_ Acha que eu...
_ Me olhou...diferente no banheiro.
Aline estava vermelha de vergonha, mas a escuridão do quarto não permitia ver muito. Rosa se aproximou do rosto de Aline e nem se deu o trabalho de falar nada. Apenas a beijou.
Meses sonhando com aquele momento, até que a porta do quarto abriu deixando um feixe de luz entrar.
Débora estava parada na porta e milhares de cacos de um copo antes cheio de água jazia no chão.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
annagh
Em: 22/07/2019
Olá Ana!!! Tudo bem???
Comecei a ler ontem essa história...e me surpreendi!!! To adorando!!! Parabéns Autora!!!
Mas vamos lá..."cacos no chão" ficou o meu coração com esse beijo de Rosa e Aline...ok, Rosa é um amorzinho, um doce, incrível, excelente Amiga...mas sabe quando não rola química? Ela seria sim a mulher ideal para Aline, digamos que para Aline ter um pouco de paz e não sofrer tanto. Porém, acredito que ninguém entra em nossa vida por acaso. E Aline e Débora se pertencem sim...somente um grande amor para Débora superar seus desafios, vencer os próprios preconceitos e tenho certeza que Aline pode conseguir isso. Sabe essa energia que Aline sente quando Débora chega perto? Até eu sinto...kkkkkk...isso signigifa Autora que tu é muito boa na escrita viu...
Débora é chata sim...mal humorada..patricinha...egocêntrica...mas acredito em mudanças, basta ela querer e ter um forte motivo que a incentive e impulsione a querer realmente mudar. A lutar pelo que ama e por quem ama. E seria lindo vê essa mudança, mas enfim, não sei quais são os planos da Autora né...rsrsrsr...
Esse lance de Rosa e Aline (beijo ou possível namoro) fará com que a cabecinha de Débora dê um rebuliço...ela vai surtar...intriga com a amiga de tantos anos é complicado né...justo nesse momento. E poxa, Rosa sabe que no fundo a Amiga ta confusa e que gosta de Aline e foi beijar a garota mesmo assim? Não gostei...sério. Eu ficaria p*** da vida se uma amiga minha de tantos anos que morasse na mesma casa iniciasse um relacionamento com a garota que eu gosto.
Vou ficando por aqui ansiosa pelo próximo capítulo. Volte logo!!!
Beijo!!!
Resposta do autor:
Olá, AnnaGH. Seu nome me lembrou um livro da Clarice rsrs Enfim, que bom que gostou e eu adorei o seu comentário. Realmente, a Rosa deixa a desejar ao ir para cima de Débora, mas a pergunta é? O que irá acontecer de agora para frente? Espero que continue por aqui.
Bju carinhoso!
Ana Maria
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Brescia
Em: 21/07/2019
Bom dia prof.
E agora José, qual estrada escolher, antes não tinha nenhuma, além de sofrer por uma mulher que já tem o destino traçado e com dificuldade para admitir o que sente e agora descobre em sua melhor amiga um sentimento de desejo e admiração que não havia percebido.
Baci piccola escritrice.
Resposta do autor:
Olá!
Sim, muita coisa vai rolar e muita coisa irá mudar...espero que goste!
Bjus
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