Tempestade por Ana Pizani
Capítulo 7 – Suspeitas
Capítulo 7 – Suspeitas
“(...) quando percebi que eu sou poetisa fiquei triste porque o excesso de
imaginação era demasiado.”
Carolina Maria de Jesus
Quando Débora entrou no quarto, sozinha, uma chuva fininha caía lá fora. O dia já estava nublado desde às sete da manhã e ela estava simplesmente morta de cansada. Levou um susto ao notar que Aline estava dormindo ali, na cama próxima a sua. Quis ver neste ato um sinal, mas preferiu não se enganar e ir dormir sem fazer barulho.
Estava no seu limite. Cumprimentar todas aquelas pessoas, sorrindo e abraçando um sem número de tipos, todos mais interessados em trocar uma palavra com o importante Maurício Mendes a ter com uma simples conversa com ela.
Imaginou que aquela era a vida que sua mãe havia levado a vida toda e agora amargavam a falência de um cara (seu pai) que não soube fazer o seu trabalho bem feito. Ao mesmo tempo, sentia pena de sua família, afinal eles sempre estiveram ao lado dela e ela pode ter uma vida de rainha durante toda a sua vida até o ano anterior, quando a crise começou. Agora pesava sobre o seu corpo uma vida que não era a sua. Ainda conseguia imaginar as mãos pesadas e grandes de Maurício rodeando a sua cintura enquanto dançavam na pista de dança. Lembrava-se também de seu cheiro de homem, com um perfume tão caro que poderia pagar uma mensalidade de sua faculdade. Só de imaginar passar a vida ao lado de um cara daqueles sentia arrepios. E no fundo até ele sabia que ela não estava ali de verdade, tantas vezes quando estavam nos momentos mais íntimos ele perguntava onde ela estava que não olhava para ele.
Ela desconversava, evitava o assunto, evitava pensar no futuro. Mas chegar quase aos trinta e nem sequer poder viver um grande amor era por demais frustrante e Débora não conseguia dormir. Acabou nem percebendo que Aline começava a acordar. Fingiu dormir e tratou de fechar os olhos depressa.
Aline levantou-se pé ante pé para não acordar Débora. Foi para a cozinha e deu de cara com uma Rosa ainda de vestido e maquiagem tomando café sozinha.
_ Bom dia, Rosa! _ Aline abraçou a amiga lhe deu um beijo carinhoso na face. _ Pela sua cara a festa foi boa, hein?
Rosa não estava sorrindo, apenas mirava o café na xícara enquanto conversava:
_ Sentimos sua falta. Luíza foi deitar agora. Parece que brigou com o namorado e foi uma barra agüentá-la reclamar a noite inteira. Por mais, foi bom você não ter ido, senão iria ter que conviver com a cena degradante de uma Débora extremamente submissa a um namorado extremamente chato e aparecido.
_ Namorado? _ Aline só conseguiu prestar atenção àquela palavra.
Rosa sorriu para a amiga:
_ De tudo o que eu disse e você só conseguiu prestar atenção nesta bendita palavra! Sim, ela foi pedida em namoro na frente de todo mundo e acabou aceitando. É claro que dava para notar a cara dela de desespero, mas quando viu o enorme anel de rubi acabou passando rapidinho.
Aline ficou sem palavras, ao menos tempo notava que Rosa estava irritada com alguma coisa.
_ Amiga, você está com uma cara... aconteceu alguma coisa, alguém te encheu o saco?
Rosa tomou o último gole de café e se levantou. Com os braços cruzados começou a andar de um lado para o outro na cozinha enquanto Aline terminava de fazer um chá.
_ Sabe o que me incomoda? Saber que mesmo após tudo o que você escutou da boca da Débora aqui mesmo nesta cozinha, você ainda cogite algo com ela. A ponto de voltar para aquele maldito quarto e quase a ter beijado se eu não tivesse entrado.
_ Rosa, me perdoe, mas eu sinto algo muito forte por ela e não vou esquecer isso do nada, assim de um dia para o outro. Ontem quase nos beijamos porque quando estamos perto parece que somos dois pólos de um ímã, negativo e positivo. Agora, não entendo o porquê deste papo assim logo cedo. Sinceramente, você volta de uma festança que aposto que estava cheia de marmanjo bonito e vem com esse mau humor para cima de mim. Sei lá, é melhor eu ir dar uma volta.
Rosa entrou no quarto e bateu a porta. Aline toma um banho e antes de sair ainda tromba com ela indo pegar algo na cozinha.
Ela estava com raiva de Aline que não conseguia entender o motivo de tudo aquilo. A historiadora não conseguia imaginar o motivo de toda aquela rusga e nem fazia ideia que Rosa estava gostando dela e gostando de verdade, muito, intensamente. Quem percebeu rapidinho que havia algo estranho no ar foi Débora.
Depois que Aline começou a dormir no quarto com Rosa, Débora percebeu o quanto a amiga de anos estava diferente e distante. Antes ela era a campeã de pegação da turma e agora vivia dispensando os caras mais lindos. Ela também vivia falando em Aline, seja de algo que tinham conversado ou algum caso que havia escutado antes de dormir.
A intuição de Débora era forte demais, mais forte ainda eram todos aqueles anos de convivência. Rosa era uma dessas garotas que nunca se deixavam levar pelo sentimentalismo, vivia correndo de paixões e achava loucura se jogar em um relacionamento. Só não imaginava que ficaria caidinha por uma mulher e ainda por cima a mulher que sua melhor amiga gostava.
Quando resolveu sair da cama, Débora não havia dormido quase nada. Acabou resolvendo dar uma caminhada no centro da cidade com uma Luíza super animada. No caminho, elas pegaram um Uber e foram conversando.
_ Lu, eu tenho algo para te contar, uma suspeita minha que preciso falar com alguém porque está me deixando louca.
_ Claro, amiga, fale.
_ Você tem notado o quanto a Rosa está estranha, fechada, distante da gente?
Luíza pareceu pensar por um minuto antes de responder:
_ Eu nem quero pensar no que você vai me dizer...
_ Então você desconfia tanto quanto eu, certo?
Luíza parecia desconfortável. Olhava para o motorista e depois para a paisagem sem graça lá fora. A cidade lotada de pessoas querendo fazer compras em pleno sábado.
_ Olha, Débora, dias desses eu peguei o celular dela e vi uma coisa que me chamou a atenção.
Débora nem piscava, ela teve a impressão que nem o motorista piscava também.
_ Eu precisei usar o Google para pesquisar algo da faculdade, nem lembro o que foi. Estávamos com o pessoal da faculdade lanchando e ela me deixou usar o telefone. Quando eu cliquei na barra de pesquisa, tinha as coisas que ela havia pesuisado por último e ...
Neste instante o motorista acelerou no sinal amarelo e Débora parecia presa naquela história com medo de escutar a confirmação de suas suspeitas.
_ Fala logo, Luíza.
_ Eu fico sem graça, são coisas íntimas de nossa amiga e não me sinto bem falando sobre isso.
_ Nós vamos conversar com ela sobre, eu pelo menos vou.
_ Bom, ela tinha assistido a vídeos pornôs lésbicos. E tinha um tanto de página sobre se descobrir lésbica. Quando dei por mim, eu estava xeretando o telefone todo. Ela parece estar numa fase de dúvidas, a mesma fase que você está. Sinceramente Débora, acho que ela está sentindo algo pela Aline. Ela não para de falar nela. Um saco. Está pior que você que fica com a garota.
O motorista engoliu em seco, não se sabe de excitação ou susto.
_ Luíza, eu agradeço por ter me contado isso. Eu tinha quase certeza, agora não muitas dúvidas.
_ E o que você vai fazer? Se eu não me engano você está namorando Maurício e ele não merece ser traído. Ele gosta de você de verdade e você sabe disso. Não magoe mais ninguém com essa história. Deixe a Aline e a Rosa viverem a vida delas em paz.
_ Você está do lado delas, certo?
_ Não, amiga, estou do lado da felicidade de todas nós. Eu pareço ser a única acertada neste grupo. Aline e eu afinal sabemos e assumimos o que queremos. Ela quer mulheres, eu quero rapazes, agora você e a Rosa parecem mais confusas que tudo no mundo.
_ O que você está dizendo?
_ Que tanto você quanto a Rosa estão brincando com os sentimentos dos outros e com os de vocês mesmas. Não sabem o que querem e ao invés de descobrirem isso em silêncio, em meditação consigo mesmas, vocês ficam usando a pobre da Aline. E com toda certeza isso que estão sentindo não é de agora. Já devem ter sentido algo no passado por alguma mulher, mas nada tão forte quanto sentem por Aline.
Débora ficou calada, até porque Luíza estava dizendo grandes verdades. Seguiram a viagem em silêncio. Deixassem para depois o resto do papo, da próxima vez na frente de todas as envolvidas.
Fim do capítulo
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