Tempestade por Ana Pizani
Capítulo 6 – Feliz Cumpleaños
“É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado.”
Alguns dias depois aconteceria o evento do ano: o aniversário de Débora. Desde a discussão na cozinha, Aline estava dormindo no quarto de Rosa e as duas estavam mais amigas do que nunca.
A aniversariante estava incomodada com toda aquela aproximação. Ainda assim, o que mais a incomodava era Aline dormir todos os dias no quarto da amiga. É claro que sabia que Rosa era heterossexual, mas a ausência da menina no quarto poderia ser sentida até na energia do ambiente.
Ao mesmo tempo, ela não tinha mais desculpa para fugir da investidas de Maurício. Ele estava dormindo quase todos os dias com Débora e ela estava cansada de fingir orgasmos noite após noite. O cara era legal, eles se conheciam há tempos, porém após a noite com Aline, diferentemente do que ela havia dito naquela manhã terrível, tinha sido maravilhosa e foi a primeira vez que soube o que era um orgasmo.
Ainda assim, sabia da impossibilidade de qualquer tipo de relacionamento entre elas, na verdade pensava nisso todos os dias a todo momento, mesmo sabendo que seria impossível algo assim acontecer.
Quando Maurício a tocava imaginava que estava sendo tocada pelas mãos delicadas de Aline. Quando Maurício a beijava, ela imaginava o beijo de arrepiar que Aline te dera.
Débora vivia um suplício sem fim e ainda por cima com essa ideia da festa de aniversário, sentia que o cansaço começava a tomá-la por inteiro. Roupas, decoração, os pais pegando no pé e querendo que ela desse alguma espécie de golpe no rapaz. A cabeça estava cheia demais e se ela pudesse ficaria na cama até o dia passar. (Melhor ainda se aí incluída uma tal de Aline).
Aline terminou de assistir a única aula de sexta feira e poucos alunos estavam na sala. O relógio já marcava quase nove quando entrou no coletivo. Sabia que a festa de Débora estava quase começando e que ela deveria estar uma pilha de nervos, mas na verdade só queria chegar em casa e não encontrar ninguém.
Não iria à festa e havia saído bem cedo de casa para evitar qualquer situação estranha com Débora. O que ela não contava era que a garota ainda estaria se arrumando em volta de várias amigas.
_ Boa noite! _ Aline passou quase correndo pela sala e entrou no quarto de Rosa. Rosa estava magnificamente vestida e terminava de fazer a maquiagem de alguma amiga que ela não conhecia.
Afinal eram tantas meninas e todas tão iguais que Aline quase pensou que estaria numa dessas séries de ficção científica de clones. Todas lindas, bem arrumadas e claro, olhando com indiferença para ela.
Débora bateu na porta do quarto e perguntou decidida:
_ Aline, eu posso conversar com você?
Sabendo que aquele era o dia de aniversário da garota e sabendo que nada mais poderia ser dito que pudesse magoá-la, resolveu concordar com a tal conversa. Estranhou, obviamente, quando ela pediu para duas meninas saírem do quarto e fechou a porta. Será que ela não tinha medo do que as pessoas pudessem falar?
_ Por que você não vai a minha festa? _ Débora parecia nervosa, prestes a chorar.
_ Estou muito cansada, Débora, tive um dia cheio.
_ Eu pensei que você passaria o dia aqui em casa. Fiquei o dia inteiro esperando você chegar. As meninas e eu assistimos a um ótimo filme e você nada. Eu até tive a impressão que você estava me evitando...
Aline sentou-se na pequena poltrona que estava alinhada a sua velha cama sem saber muito bem o que dizer.
_ Sinceramente, Débora, hoje é o seu aniversário e o seu ficante está dando uma festa de arromba para você e eu não quero atrapalhar ou te deixar sem graça ou te envergonhar com a minha simples presença.
_ Chega de suas ironias toscas, Aline! Fale comigo direito. E pare de se fazer de coitada, eu não pude evitar essa festa e se tem alguém que não queria ir, esse alguém sou eu. Mas eu pensei assim: nossa, a Aline vai estar lá e podemos nos divertir, nós e as garotas, só que você chega com essa cara de poucos amigos e nem sequer está vestida.
_ Eu não vou, Débora, desculpa. _ Aline fez que ia se levantar, mas o braço de Débora a impediu. _ Débora, por favor, eu ainda não esqueci todas aquelas coisas que você me disse na cozinha.
_ Foi tudo da boca para fora.
_ Mas foram ditas e me magoaram e eu não vou ceder as suas chantagens. Agora, por favor, me deixa passar.
Neste momento a porta do quarto se abriu e Rosa flagrou o começo de um beijo. Um beijo interrompido.
Assustada, Rosa fingiu não se abalar com a cena e tentou brincar:
_ As suas “outras mulheres” estão te esperando. Maurício mandou alguns carros nos buscarem. E ele parece que está subindo.
Foi a interrupção que Aline precisava. Sem olhar para trás, ela passou como uma bala por Rosa e se trancou no banheiro. Minutos depois era possível escutar o barulho de água caindo.
Débora evitou os carinhos de Maurício e só conseguia imaginar os lábios de Aline lhe tocando a boca há poucos minutos.
Aline terminou o banho e desabou na sua cama verdadeira. Colocou o colchão de volta em seu quarto, afinal ela também pagava por ele. Nem percebeu que chorava, a não ser quando sentiu a fronha molhada embaixo da cabeça. Adormeceu imaginando a festa, imaginando Maurício, aquele cara de capa de revista, rico e de boa família ao lado de uma Débora deslumbrada pela enorme comemoração em torno dela. Imaginou todas aquelas mulheres ao lado dela, falando o quanto ela estava linda e o quanto aquele casal era perfeito. Sem falar dos pais dela que também estariam lá, pressionando a filha para um possível, cada vez mais possível casamento/salvamento.
Os olhos ardiam e a cabeça explodia quando Aline conseguiu enfim adormecer. Já passava das três horas da manhã.
Fim do capítulo
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