Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 24  

Alicia parou diante da porta do apartamento e antes de abri-la segurou a mão de Fernanda com firmeza. De um modo muito estranho a psicóloga, sentiu que ela a havia aprisionado, que a mantinha sob seu poder.  

-- Tudo bem? -- perguntou Alicia.  

Fernanda engoliu em seco para tomar coragem e disparou as palavras, sem nem mesmo tomar fôlego. O que queria era livrar-se logo daquela situação tão constrangedora.  

-- Não sai do meu lado. A Natália me causa arrepios. Não sei o que é, mas sinto um sentimento muito ruim quando estou próxima a ela.   

Alicia puxou-a para si, fazendo-a deitar a cabeça em seu ombro.  

-- Não se preocupe, não sairei do seu lado -- ela sorriu e abriu a porta.  

Cléo falava sem parar deixando Natália com os nervos à flor da pele.   

-- Se a vida me derrubar aproveito que estou no chão e durmo. Eu sou assim nunca me deixo desanimar. Raramente fico doente. Esses dias peguei uma gripinha, tomei um remedinho que a doutora me deu, pronto. No dia seguinte estava novo em folha. Nem tomei a vacina, aliás, tenho quase certeza que a vacina é um esquema do governo para ver a nossa bunda. Já percebeu que a moda agora é vitaminas? Dias atrás comprei um shampoo com tantas vitaminas que não sei se lavo o cabelo com ele, ou tomo de 12 em 12 horas.  

Natália fechou o punho com vontade de socar o rapaz.  

-- Você não respira, não? -- perguntou irritada. 

-- Estou te incomodando?  

Natália se levantou do sofá, impaciente. Um rápido olhar ao relógio deu-lhe noção do tempo. Ela bufou e ajeitou o vestido.  

-- O problema não é você, sou eu... que não sei aturar gente chata.  

Cléo fez uma careta.  

-- Grossa! Se você não gosta de mim, eu não estou nem aí. Nem eu gosto.  

A porta abriu-se e o olhar de Natália encontrou os olhos verdes à altura dos dela.   

-- Finalmente! -- Natália pegou o copo com água de cima da mesa e bebeu um gole, enquanto a porta abria-se totalmente para as duas entrarem -- Tenho mais o que fazer, Alicia -- reclamou.   

-- Não parece. Se realmente tivesse mais o que fazer, não estaria se metendo na vida dos outros -- Alicia, muito séria, parou diante dela -- O que a fez agir assim, Natália? Com que direito você entra em meu apartamento e ofende a minha amiga?  

A inesperada gargalhada de Natália surpreendeu Alicia.  

-- Amiga? Vocês passaram a noite juntas. Eu não transo com minhas amigas -- ela apertou o copo que mantinha nas mãos -- Não percebe que essa mulher está se aproveitando da sua bondade? Ela se bancou aqui e não vai sair mais.  

Foi a vez de Alicia rir.   

-- Tenho vinte e quatro anos, Natália. Não sou nenhuma criança.  

-- Se não fosse, não agiria como uma.  

Fernanda estava quieta. A expressão no rosto de Natália deixava seu coração apertado. Chegou a conclusão que Natália amava Alicia e estava com ciúme. Tentou ler nas entrelinhas aquelas palavras e desejou que estivesse equivocada com o que acabara de pensar. Mas, parecia óbvio demais.  

-- Eu vou embora, Alicia -- Fernanda levantou a cabeça, desafiando o olhar frio de Natália. Não aguentava mais. Por que ficava ali ouvindo tantos desaforos? Ela não era nada disso que a médica estava dizendo -- Não vê que é impossível eu ficar? Por favor, me deixe ir, Alicia.  

Alicia ficou furiosa, os olhos lançando faíscas de ódio.   

-- Sempre a achei arrogante e mal-educada, Natália, mas agora vejo que é muito mais do que imaginei! -- Alicia mudou o tom da voz. Agora ela parecia enfurecida e autoritária -- Fora, Natália! Você já extrapolou todos os limites -- Alicia fez um gesto em direção a porta, pedindo a ela que saísse -- Só volte aqui, depois de pedir desculpas a Fernanda.  

-- Pedir desculpas? -- a insolência dela era de tirar o fôlego -- Para essa vagabunda? -- ela não resistiu a agredi-la -- Jamais!  

Alicia até pensou que ela partiria sem olhar para trás, mas ela parou, com a mão na maçaneta:   

-- Você agiu de forma ingênua, colocando dois estranhos para dentro de seu apartamento. Tem noção do perigo que está correndo?   

Natália mal conseguiu terminar a frase. Cléo deu um passo para frente, e fechou a porta na sua cara.  

-- Que Deus te guarde, e esqueça onde -- comentou o rapaz -- Que personalidade intragável!  

Fernanda sentou-se cansada, começava a achar que o dia não terminaria nunca. Desde o nascer do sol que aquele dia era só turbulências. Alicia olhou em seus olhos enevoados e se inclinou para roçar a boca em sua bochecha rosada.  

-- Não dê tanta importância a Natália. Ela sempre foi assim, super protetora -- Alicia tentou amenizar o clima e tirar aquela sombra que insistia em cobrir os olhos de Fernanda -- Daqui a pouco ela vai perceber que a julgou errado e vai pedir desculpas.  

-- Sabe de uma coisa Alicia, estou pouco me lixando com o que a Natália pensa ou deixa de pensar ao meu respeito -- disse Fernanda, com cara de brava -- E você deveria pensar a mesma coisa, doutora! -- irritada, ela foi para o quarto pisando com força.  

Alicia recostou-se, descontraída a uma coluna e cruzou os braços.  

-- Hiii... já deu chilique!  

-- Fernanda tem razão, você está de muito mimimi com essa mulher. Cuidado com certas amizades, cobra mata abraçando.  

Prontamente, como se tivesse lembrado de algo, Alicia inclinou-se para frente e, em um tom de voz baixo falou para o rapaz:  

-- Prepara um cappuccino para mim?  

-- Que tal um Frappé de cappuccino? -- ele perguntou com entusiasmo -- É muito gostoso, cremoso e refrescante. É feito com café forte, gelo, creme de leite, essência de baunilha e ameixas secas. Pode ser adoçado com leite condensado, mel, açúcar ou adoçante.  

-- Parece delicioso -- Alicia riu, abraçando o amigo -- Vamos até a cozinha, enquanto você prepara o cappuccino, conversamos um pouco sobre você.  

Cristina levantou-se nervosa e começou a esbravejar, enquanto andava pela sala, batendo nos móveis.  

-- Você Poderia ter evitado toda esta cena desagradável -- ela passou a mão pelos cabelos, num gesto quase de desespero -- Por que foi até lá sem me dizer nada? Fiz papel de idiota! -- exclamou, olhando-a nos olhos -- Você ainda ama a Alicia -- sussurrou a médica, tristemente.  

-- Não é isso, Cris. Por favor -- tentou explicar Natália.  

-- O que é então? Me dê um único motivo para você ter feito o que fez --insistiu Cristina.  

-- Conheço bem o tipo de mulher que é a Fernanda. Alicia é muito jovem e se impressiona por mulheres mais velhas. A última coisa que quero ver acontecer é ela se apaixonar pela primeira aventureira que aparecer!  

Cristina engoliu em seco, tomou fôlego e encarou Natália com olhos angustiados.  

-- O que acontece, Natália, é que Alicia não a vê como uma vagabunda que sai por aí à cata de mulheres bobonas. Pelo contrário, ela considera a Fernanda uma mulher pura e sensível, que precisa do apoio de uma amiga e um lugar tranquilo para ficar enquanto coloca a sua vida nos eixos.   

-- O quê? -- perguntou Natália, como quem não acredita no que acaba de ouvir -- Ela não presta. Não vale nada -- disse Natália com desprezo -- Você deveria estar preocupada. Alicia é a sua melhor amiga.  

-- Eu gostei dela também. Fernanda é uma pessoa confiável e vai fazer muito bem a Alicia. Se gosta tanto assim dela, deveria estar feliz. Alicia me parece bem mais animada depois que conheceu a Fernanda.  

Com um suspiro, Natália desistiu. Sem força para argumentar ela pegou a bolsa que havia jogado sobre o sofá e ajeitou-a sobre o ombro.  

-- Preciso ir, meu plantão começa às 13.   

Cristina se inclinou e abraçou-a.  

-- Deixe a Alicia fazer as suas próprias escolhas. Você pensava a mesma coisa da Thais, lembra?  

Natália virou o rosto.  

-- Não discutiremos mais isso -- disse Natália, olhando-a com os olhos faiscando -- Te ligo mais tarde -- deu um beijo rápido na namorada e saiu.  

Natália saiu deixando-a pensativa. Queria ser forte e corajosa para correr o risco e terminar tudo com Natália. Pobre coração, recebia migalhas e considerava um banquete.  

Cléo serviu o cappuccino e Alicia tomou um gole antes de comentar:  

-- Tem namorado? -- perguntou, curiosa -- Se não quiser falar, tudo bem. Eu sobreviverei sem essa informação.  

-- Sem problemas, não tenho muito o que esconder. Minha vida amorosa é tipo o programa, "Mais médicos": um monte de gente se interessa, mas ninguém comparece.  

Alice sorriu, ele também sorriu.  

-- Ninguém mesmo? Nem um casinho, um ficante?  

-- Ah, isso sim! Vários, mas a verdade é que nunca confiei em relacionamentos mais sérios! Em minha opinião, amor e casamento não andam necessariamente juntos!   

Alicia olhou para Cléo, ao mesmo tempo que tamborilava com os dedos o tampo da mesa.  

-- Discordo totalmente. Quando você está profundamente apaixonado, é difícil não imaginar o resto da sua vida ao lado dessa pessoa. Saber que você está com uma pessoa incrível é uma coisa. Mas saber que você conheceu "A pessoa" que você pretende passar o resto da sua vida do lado, é outro nível.  

-- Você conhece uma pessoa, se apaixona e daqui a pouco ela começa a botar as garrinhas de fora. Que decepção!  

-- Com o seu amor, você pode mostrar todos os seus lados. O bom, o ruim e o "estou de ressaca e não tomei banho faz 2 dias".  

-- Urgh! -- Cléo fez careta de nojo -- Que horror!   

-- Tá bom, não precisa ser assim -- Alicia riu -- Mas falando sério, é muito fácil ser você mesmo com o seu amor. Você não sente que tem algo a esconder, ou acanhar sua personalidade pra mostrar apenas as suas boas qualidades. Ninguém é perfeito. Você sabe que conheceu "A pessoa" quando ele ou ela sabe disso e ama até suas imperfeições.  

-- Talvez -- ele balançou os ombros -- Mas, ultimamente ando engolindo cada cobra, que um dia desses vou vomitar uma anaconda.  

-- Talvez demore um tempo até aparecer alguém que faça você sentir borboletas no estomago, mas vai aparecer -- Alicia falou e mudou de assunto: -- Posso te perguntar uma coisa? -- ela inclinou a cabeça.  

Cléo se encostou no balcão de pia, segurando uma caneca com café.  

-- Claro -- ele respondeu, erguendo as sobrancelhas.   

-- Como foi que você chegou até mim? De onde você veio? 

Créditos:  

https://mariee.com.br/blog/sinais-pessoa-certa-para-casar 

Fim do capítulo