Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 22 

Alicia rolava de um lado para outro na cama, sem conseguir dormir. O inebriante perfume que Thais usava invadia o ar, envolvendo-a como uma nuvem. Uma tristeza genuína escureceu seus olhos verdes enquanto pulava da cama e calçava o chinelo. Decidiu ir até a cozinha preparar um chá de maracujá, com certeza o seu efeito calmante a ajudaria a dormir. Porém, quando abriu a porta do quarto deu de cara com Fernanda.  

-- Nanda? O que faz aqui? Pensei que já estivesse dormindo! -- a médica olhou-a de alto a baixo, revelando sua admiração. Ela usava uma blusinha de tirinhas e um short curto, exibindo o umbigo. 

Envergonhada, Fernanda corou, colorindo suas pálidas bochechas.  

-- Eu... eu...  -- os lábios da psicóloga se abriram, mas ela não conseguia articular as palavras. Foi então que suas pernas amoleceram. Sentiu uma contração na boca do estômago e o pânico ganhou-a no mesmo instante. Ela agarrou-se ao braço da médica, inspirou fundo, rezando para não desmaiar.  

-- O que houve, Fernanda? -- insistiu, sem resposta. 

De repente, as luzes começaram a piscar rapidamente, como nunca havia acontecido antes. Alguns porta-retratos caíram da estante se espatifando no chão e a temperatura caiu bruscamente. Yuki corria e latia incessantemente. Alicia viu a sombra de um homem de pé no canto da sala, seus olhos brilhavam na escuridão.  

Ela voltou a sua atenção para a mulher em seus braços.  

-- Nanda! -- Alicia a sacudiu, energicamente -- Diga alguma coisa, o que está sentindo? -- havia uma nota de ansiedade na voz habitualmente calma. Ela estava assustada, não era Fernanda quem estava ali. Seus olhos estavam vidrados, a boca mole, murmurando palavras que ela não conseguia entender. 

Fernanda sentia-se estranhamente tonta e letárgica, a cabeça pesada e a garganta áspera e seca. Tentou lembrar o próprio nome, aonde estava, mas não houve jeito: estava confusa. Como se os pensamentos não fossem seus, quase como se seu monólogo interno tivesse sido ocupado por outra pessoa. Com dificuldade ela levantou a cabeça e olhou fixamente para Alicia.  

-- Você tem que ajudar a minha filha, Alicia -- ela abriu a boca e as palavras saíam de forma inconsciente e involuntária -- Eu te imploro, Milena corre perigo. 

Alicia se afastou de Fernanda, assustada. Não podia ser!  

-- Thais? É você? -- Lágrimas súbitas inundaram os olhos dela -- Meu amor, é você? Como pode? 

O homem saiu das sombras e mostrou sua face branda. Naquele momento Alicia percebeu que era o espírito de Thiago Bueno. Ele não estava sujo e nem maltrapilho como no dia do funeral de Thais, ele vestia roupas limpas e joviais.  

-- Thais está aqui conosco -- ele disse, ansioso -- Por favor, Thais. Fale para ela que a culpa do acidente não foi minha. 

Fernanda fechou os olhos e prosseguiu, transmitindo a mensagem de Thais.  

-- Não o culpe, Alicia. Não foi culpa dele e nem minha -- Alicia sentiu o amor que emanava da presença de sua falecida esposa.  

-- Então, o que aconteceu? 

-- Posso lhe assegurar, que a verdade sempre prevalece no final. Não esqueça que Milena precisa de você! 

O espírito de Thiago Bueno sorriu radiante. Agora, havia uma luz em torno dele que parecia vir do seu interior.  

-- Obrigada! -- o espírito do rapaz agradeceu parecendo ainda mais brilhante -- Agora, posso ir em paz -- ele disse vitorioso -- Por favor, diga a minha mãe que a amo muito e que agora estou pronto para sair do plano terreno e rumar em direção à luz superior -- o espírito lentamente, retornou para a penumbra e desapareceu. 

Segurando o rosto de Fernanda entre as mãos, Alicia beijou-a nas pálpebras, a curva da face e a testa. 

-- Thais, meu amor. Não vá, fique comigo eu te peço. 

Fernanda correspondia plenamente, de olhos fechados, sentindo as pernas trêmulas, mas não de frio. Era uma sensação estranha que não conhecia e que a deixava totalmente indefesa nos braços dela. Ela já havia despertado de seu estado de transe e, aos poucos foi recobrando parte de sua lucidez. Sua última recordação era a de estar nos braços de Alicia, sendo beijada e chamada pelo nome de Thais. 

-- Eu sou a Fernanda! -- ela se afastou, irritada -- Quem é essa tal de Thais, Alicia? -- disse, ainda mais brava. 

Alicia ergueu as sobrancelhas e deu um sorriso torto. 

-- Por favor, me desculpa! Eu sei que você é a Fernanda -- ela disse sem jeito -- Imagina se não sei! -- Fernanda tem a personalidade forte, os dois pés no chão e vive segundo suas regras e valores. Totalmente diferente de Thais. E pelo pouco que conhecia dela, quando estava brava, era melhor não contrariar. Porém, agora parando para pensar, por algumas vezes observou nela o jeito meigo, compreensivo e apaziguador de sua falecida esposa. Que loucura, pensou. 

-- Acho bom, mesmo! -- Fernanda passou a mão pelo cabelo, parecia esgotada -- Preciso sentar. Estou me sentindo fraca. 

Alicia olhou Fernanda nos olhos. Havia algo mais sério por trás daquele cansaço. 

-- Vem, se o seu mau humor passou e você não está mais rabugenta, gostaria de conversar.  

-- Quero entender o que aconteceu aqui -- disse, Fernanda -- Quer falar sobre isso? 

-- Quero sim -- Alicia respondeu com convicção, mas continuou calada. 

-- Sabe que não vou deixá-la em paz até que me diga o que está acontecendo -- Fernanda se aproximou e perguntou baixinho: Quem é Thais? 

Alicia balançou a cabeça e sorriu.  

-- Vem, ciumenta. Eu vou te contar tudo -- Alicia entrou no quarto, Fernanda foi atrás reclamando. 

-- Ciúme? Ah, mas é muito convencida! -- Fernanda estava inconformada com o comentário -- E você acha que eu vou ter ciúme de uma loira aguada e insuportável que pensa que o mundo gira em torno do seu umbigo? Conheço pessoas bem mais interessantes que você. 

-- Quem? A Suelen? -- Alicia caiu na gargalhada -- Aquela mulher só fala besteira, 40 segundos de fala dela eu entendo, depois disso só vejo a boca mexendo. Gente chata é igual pentelho no sabonete: fácil de grudar, mas difícil de soltar. 

Fernanda olhou pra ela de boca aberta. 

-- Eu não acredito que você está falando isso sobre a Suelen!!! Como você é falsa! 

-- "Preciso sentar. Estou me sentindo fraca" -- Alicia imitou a voz de Fernanda -- Pra falar sem parar, não está fraca. 

-- É feio imitar as pessoas, bem coisa de gente que fica sem argumentos -- Fernanda se sentou na cama -- Você está com ciúme. Ela é uma pessoa maravilhosa, qualquer pessoa que ficar com ela vai ter um relacionamento bem saudável. 

-- Quer um relacionamento saudável? Namore uma alface. 

Fernanda bufou, se desse trela ficariam discutindo até de manhã. 

-- Não tente mudar de assunto. Diga logo o que está havendo de errado. 

Alicia deitou na cama apoiada sobre um cotovelo. Fernanda deitou de lado, de frente para ela. 

-- Começo por onde? -- perguntou Alicia, sem muita vontade de falar. 

-- Que tal por: quem é Thais? 

-- Eu sabia! -- resmungou. 

-- Então por que perguntou? 

-- Sabe de uma coisa? A polícia está perdendo uma ótima detetive. Já pensou em seguir carreira? 

-- Não me enrola, Alicia. 

-- Thais era a minha esposa -- finalmente sussurrou e, apesar de estarem tão próximas, Fernanda teve que se esforçar para entender. 

-- Então, você é casada? -- Fernanda pôs-se de pé. 

-- Espera, deixa eu terminar -- pediu Alicia, meio que rindo. 

Fernanda fez um gesto de indiferença aos protestos de Alicia. 

-- Todo esse tempo que nos conhecemos e você não teve a capacidade de me comunicar que é casada? A mulher mais deliciosa do mundo, muito perfeita para ser solteira. 

Alicia franziu a testa. 

-- É isso que você acha de mim? -- ela sorriu cinicamente -- Pensei que me achasse uma loira aguada.  

Fernanda nem respondeu. Eu e minha impulsividade. Pensou. 

Alicia se deitou de costas e ficou olhando fixamente para o teto. 

-- Thais morreu em um acidente de trânsito -- o tom de voz de Alicia era baixo, e ela olhou tristemente para Fernanda. 

Fernanda abaixou de leve a cabeça. Em seguida, foi até Alicia e deitou-se ao seu lado, na enorme cama com lençol lilás.  

-- Sinto muito -- ela a fitou com carinho -- Quando ela morreu? 

-- Vai fazer dois meses. 

-- Poxa, tão pouco tempo! Como está se sentindo? 

-- Quase todas as manhãs, me sinto como cinzas de uma fogueira apagada -- deu um riso fraco -- Apenas sobrevivo -- acrescentou. 

Fernanda sentiu-se muito mal por ter forçado a barra com Alicia. Mas, como podia saber que aquela mulher sorridente e pronta para ajudar todo mundo, acabará de perder o amor de sua vida. Ela não resistiu à tentação de acariciar aquele rosto tão lindo, tão próximo. 

De repente, os olhos de Alicia encheram-se de lágrimas. Irritada, ela as enxugou com as mãos. 

-- Droga, ainda não aprendi a controlar essa montanha-russa emocional. Achei que com o passar dos dias ficaria mais fácil, não mais difícil. 

Era preciso ignorar o próprio desejo, atiçado por aquele momento tão terno, pelo calor do corpo de Alicia junto ao seu. Ignorar o perfume floral que sua pele macia exalava. 

Lutando com as próprias emoções, beijou-lhe a testa e recostou o rosto em seus cabelos. 

-- Está se sentindo melhor? -- Fernanda segurou o rosto da médica para que ela parasse de evitar fitá-la nos olhos. Ela reagia ao seu toque de forma aceitável, não se esquivando. Então, havia a esperança de um futuro ao lado de seu amor. Até lá, se manteria por perto o quanto fosse necessário.  

-- Estou bem, mas... -- Alicia estacou, mordiscando os lábios, constrangida -- O que você pensa sobre espíritos? 

-- Eu reprovo qualquer comunicação com os mortos, acredito que, os mortos ficam em um lugar intermediário, seja paraíso ou inferno, por isso não é possível saírem desses lugares para falarem com os vivos a não ser que voltem a viver. Assim a prática de consulta aos mortos é espiritualmente perigosa, pois se expõe aos espíritos demoníacos. Anjos caídos que podem tirar proveito da situação. 

-- Hoje você me pediu para ajudar a sua filha, você tem uma filha, Nanda? 

Fernanda ficou silenciosa, parecendo hipnotizada pelas palavras de Alicia. 

-- Você até falou o nome dela: Milena. 

-- Filha? Que viagem! -- ela achou graça -- Provavelmente estava delirando. 

-- Milena é a filha da Thais -- Alicia apoiou-se sobre os cotovelos e encarou Fernanda -- Como explica isso? 

Fernanda ficou calada por um momento. Não sabia o que falar. 

-- Sei lá, talvez tenha ouvido ou visto algo aqui em seu apartamento. Deve haver alguma explicação lógica. 

-- E tem. Milena está morando com o pai e deve estar passando por alguma dificuldade. Muitos espíritos ficam presos a terra porque tinham assuntos de família pendentes. Pode ser um marido que morreu sem contar à mulher que deixou uma apólice de seguro que lhe fará falta. O marido tentará contatá-la de todas as maneiras possíveis, por mais que isso demore, para que ela tome conhecimento da apólice de seguro. Ele não irá adiante até que a situação se resolva. Espíritos presos à Terra com frequência são almas-perdidas e precisam de ajuda para sair do plano terreno e rumar em direção à luz superior. Às vezes eles precisam da ajuda dos vivos para fazer a travessia. 

-- Isso é loucura, Alicia -- Fernanda estava cética -- Ou coisa do inimigo. 

-- Espíritos querem se comunicar conosco, mas a maioria quer nos ajudar, e não assustar. Apesar disso, espíritos presos à Terra podem nos assustar. Como ainda não alcançaram a luz, ficam presos entre a dimensão terrena e o reino espiritual. Eles geralmente estão cheios de medo, zangados ou solitários e se comunicam passando esse tipo de emoção. 

-- Você sabe o que está falando, Alicia? Isso é demais para a minha cabeça. 

Sem tirar os olhos da morena, Alicia respirou fundo. Estava exigindo demais dela. Tinha que ir com mais calma.  

-- Tudo bem, desculpa. Mas me promete uma coisa? 

Fernanda sorriu e balançou a cabeça. Como não atenderia um pedido daquela loirinha tão fofa? 

-- Fala. 

-- Ponha se de Joelhos em uma oração sincera, e peça para Deus falar com você assim como ele falou comigo, peça com toda sinceridade para que ele lhe mostre a verdade e ele virá até você e lhe mostrara tudo que precisa saber. 

-- Sim, eu prometo! -- ela levantou a mão com um sinal de escoteiro -- Estou começando a ficar com sono -- confessou. 

-- Eu também -- Alicia se deitou ao lado dela, relaxada -- Pode dormir comigo hoje, mas não pode me agarrar. Sei que é difícil, mas tente se controlar. 

-- Convencida! -- ela apertou as mãos da médica e fechou os olhos, dormindo logo em seguida. 

Cléo entrou no apartamento e foi direto para a cozinha. Parou na porta e levou as mãos a cintura. 

-- Limpar essa cozinha é mais difícil que limpar Nova Orleans depois do furacão Catrina. Eita mulherada relaxada -- o rapaz colocou os restos das pizzas em uma embalagem e guardou na geladeira -- Andam falando que eu tenho mania de limpeza. Esse pessoal, primeiro tem que lavar a boca pra depois falar de mim! 

A campainha tocou. Cléo fez uma careta e deixou tocar. Quando começou a limpar a mesa, a campainha insistente recomeçou, mas novamente a ignorou e colocou os pratos na pia. 

-- Como esse povo consegue comer tanta pizza? Eu como 15 pedaços já estou satisfeito. 

A campainha continuou tocando intermitentemente durante todo o longo tempo em que lavava a louça. Serviu-se de um copo de leite que estava na geladeira. Quando parou na sala de visitas, a campainha tocou novamente. Parou, andou até a porta e ficou olhando. 

-- Que criatura insistente! 

No sexto toque ele abriu a porta. 

-- O que deseja? 

Natália empurrou a porta com violência e entrou. 

-- Quem é você? -- ela perguntou irritada -- Por que não abriu logo?  

-- Me chamo Cléo e se realmente quer saber, estava fazendo toto. 

-- Fazendo o que? -- ela perguntou sem entender. 

-- Cagando! -- ele revirou os olhos -- E quem é você? 

-- Sou a Natália, onde está a Alicia? 

-- A doutora está dormindo. 

Natália deu uma espiada no relógio e franziu o cenho. Era estranho, Alicia sempre acordava cedo. 

-- Até essa hora? 

-- A festa deve ter sido muito boa ontem à noite -- comentou com ironia. 

Natália olhou fixamente de volta para Cléo com determinação fria. 

-- Eu vou acordá-la. 

Cléo deu de ombros. 

-- Essa aí é tão chique, que não peida, assovia -- resmungou. 

Natália se virou para ele. 

-- O que disse? 

-- Nada, não! Vai lá vai. 

Créditos: 

http://anti-heresias.blogspot.com/2018/01/a-diferenca-entre-evangelicos-e.html 

http://alma.indika.cc/wp-content/uploads/2015/04/Espiritos-entre-nos-James-Van-Praagh.pdf 

Fim do capítulo