CapÃtulo 14
Capítulo 13
Pov Helena
O dia estava amanhecendo. Eu estava sentada naquele sofá. O sono não seria meu companheiro naquela noite, isso eu já sabia. Eu sentia meu coração oprimido e uma vontade imensa de chorar, olhando de segundo em segundo para o meu relógio. A cirurgia de Mirela tinha terminado era um pouco mais de meia-noite. E tinha sido ainda mais invasiva que a última, grande parte de seu fígado fora retirado. O seu intestino grosso também, o que forçaria Mirela a usar uma bolsa de colostomia. Mas, assim que terminou a cirurgia ela entrou em coma. Uma sensação horrível de impotência tomou conta de mim e sei que de Saima também. Mirela tinha desenvolvido uma metástase e talvez nada mais pudesse ser feito, a não ser um milagre. As lágrimas desceram pelo meu rosto ali naquela sala vazia e fria, quando Saima adentrou me entregando uma caneca com café. Limpei meu rosto com um lenço de papel e agradeci. Ela sentou-se ao meu lado e ficamos ali, caladas, sorvendo o café e esperando que o milagre fosse feito. O dia já tinha nascido completamente. O sol tingia o universo de cores variadas que iam se misturando umas as outras e eu ainda estava naquele sofá, com a cabeça enfi*da entre as mãos, esperando...
- Helena... – era Saima, - vamos comer alguma coisa e vá para casa. Eu também vou, preciso de um banho e de algumas horas de sono, eu a aconselho a fazer o mesmo.
Sentia-me sem vontade de fazer nada, mas eu precisava de um banho e de algumas horas de sono, porque meu corpo estava exaurido. Peguei minha bolsa e segui para casa depois de comer um sanduíche na lanchonete do hospital ao lado de Saima que também denunciava o seu estado de tristeza e cansaço.
Abri a porta. Um vazio imenso tomava conta de tudo. Segui para o quarto e o cheiro de Mirela estava ali. Fui para o banheiro, liguei o chuveiro e deixei a água morna cair sobre o meu corpo desejando que ela me libertasse daquele pesadelo, quando meu celular tocou. Eu terminei o banho, cheguei ao quarto e ele tinha parado. Olhei o número constatando que era do hospital e quando fui retornar, Saima me ligava.
- O que houve Saima? – eu indaguei sentindo meu coração ainda mais angustiado.
- Mirela morreu... – ela disse entre lágrimas.
O sol lá fora sumiu. Uma escuridão aterradora tomou conta da Terra e da minha vida também, e eu sentia que minhas pernas falhavam. Busquei a cama e sentei-me.
- Não pode ser Saima, não pode ser...
- Eu sinto muito minha querida, sinto muito. Eu estou voltando para o hospital, quer que eu passe aí?
- Não, não é preciso, eu vou de uber...
Desliguei o celular. Vesti-me atordoada. Uma dor imensa me atingiu o estômago como se eu tivesse levado um soco e eu chorei ali deitada na cama que muitas vezes tinha acolhido o corpo de Mirela ao lado do meu. Chorei a dor que me dilacerava feito punhais afiados quando a campainha soou.
- Milena... ela se foi... – eu disse em pranto diante a imagem de Milena que era tão parecida com a da mulher que eu amava.
Milena me acolheu num abraço e choramos juntas. Uma dor inenarrável tomava conta de nós e ficamos alguns minutos ali sem dizer nada, apenas sentindo o vazio que tomava conta de nossas vidas. Depois de algum tempo seguimos para o hospital.
Olhando para Mirela ali inerte, acariciei-lhe o rosto que já denunciava a frieza da morte e chorei silenciosamente sentindo um vazio inconsolável, e por algum motivo recordei-me de minha mãe, talvez porque tinha sido a única mulher que vi coberta pelo frio da morte. E recordei-me, adormecida pelo sofrimento que me abatia.
Minha mãe era uma mulher linda e ao se casar contra seu desejo, viveu ao lado do meu pai, um nordestino bruto e possessivo, dias de muito sofrimento. Sua beleza e juventude despertavam em meu pai, um homem muito mais velho e desprovido de beleza, um sentimento de posse e ciúmes doentios. E eu presenciei muitas vezes o seu choro, após as surras que ela recebia e carregada de ódio, eu indagava:
- Por que a senhora não deixa ele, mamãe? – eu via marcas arroxeadas em seus olhos e ela buscava esconder com uns óculos de sol que Juliana, a nossa vizinha tinha lhe dado.
- Não temos para onde ir, filha... venha cá, - e ela me puxava para o seu colo com carinho e me beijava repetidas vezes nas bochechas e dizia:
- Helena meu amor, eu não sei por quanto tempo vou suportar tudo isso, mas quero que você saiba filha, que eu amo você e que um dia iremos embora para bem longe. E nunca mais você vai me ver chorar...
Um dia Juliana chegou a minha casa, e ia sempre quando meu pai estava na lida num pequeno sítio que tínhamos, no qual trabalhava para tirar o sustento para a família quando não estava em casa vigiando a esposa. Minha mãe seguiu para o quarto com ela e eu fiquei na janela da pequena sala observando para ver se ele aparecia, caso isso acontecesse eu informava a minha mãe e Juliana saía rapidamente pela porta da cozinha. Isso acontecia muitas vezes. E as duas ficavam algum tempo no quarto em conversação e risos e eu ficava feliz porque sabia que Juliana fazia bem para a minha mãe. Meu pai apareceu de repente, desesperada, eu abri a porta sem avisar, e quando adentrei o quarto, as duas estavam se beijando. Minha mãe ficou constrangida e no desejo de me explicar, eu tomei a mão de Juliana e disse:
- Vá logo tia, ou meu pai vai lhe ver...
E ela seguiu correndo pela porta da cozinha que dava caminho para uma cerca onde ficava a fazenda que seu pai trabalhava. Minha mãe me olhou com os olhos marejados e eu segurei a sua mão e nos sentamos na cama, e ela começou acariciar os meus cabelos, iniciando neles, uma trança bonita quando meu pai abriu a porta.
- Quem estava aqui, Estela? Quem estava aqui, Helena? Diga ou eu surrarei as duas...
- Não tinha ninguém aqui, Severo, deixe de ver fantasmas.
E os dias seguiam assim. Juliana ia quase todos os dias na minha casa. Um dia minha mãe explicou-me por que ela e Juliana estavam se beijando, disse que a amava e que um dia iríamos embora para bem longe, nós três.... Eu confesso que achava mais bonito ela beijar, Juliana, a mulher que tanto lhe fazia sorrir, do que meu pai, o homem que somente lhe fazia chorar. Eu entendi naquele dia o amor, porque o vi nos olhos azuis de minha mãe.
Eu contava treze anos e ao chegar em casa vi minha mãe caída ao chão com o peito vertendo sangue, onde eu podia ver uma faca enfi*da. A visão era desesperadora e eu saí rumo ao sítio gritando pelo meu pai, que apavorado veio ao meu encontro e seguimos de volta para casa. A pequena cidade de Itu no interior do Ceará ficou alarmada com a crueldade, todos lamentando a violência que minha mãe tinha sofrido. Eu chorava desolada, imaginando quem poderia ter cravado aquela faca no peito dela, quem poderia fazer aquilo com a minha mãe, mas não cogitava o autor de tamanha desgraça. Meu pai não dizia nada. Sua feição sisuda não demonstrava nenhum tipo de sentimento e por mais que eu tivesse visto meu pai surrar a minha mãe, eu jamais poderia atribuir a ele tamanha maldade.
Era tarde e o sol já começava a se despedir do universo quando a marcha fúnebre saiu da minha casa, um pequeno barraco de madeira com piso de chão batido, o qual minha mãe tanto desejara abandonar um dia. Agora ela estava indo embora, mas não cumpriu o que me prometeu, pois não me levava com ela e eu estava entregue somente à companhia de meu pai. Eu olhei o rosto de todos os presentes na marcha, não eram muitos, minha mãe não tinha amigos, mas dentre todos eu não via o rosto lindo de Juliana e senti falta dela, além de minha mãe ela era a única que me tratava com gestos de amor e a quem eu também amava.
O enterro terminou. Meu pai tomou a minha mão, agradeceu a todos com duas ou três palavras e seguimos para casa. A noite tomou conta da minha pequena cidade, a casa do sítio que eu morava foi imersa na escuridão e eu sentia que a minha vida também. Eu senti muito medo naquele instante e chorei muito, baixinho receosa que meu pai escutasse. Meu coração estava de luto e eu não sabia com quem dividir a dor que me rasgava o peito feito à faca que atingiu o da minha mãe. Estela era o nome dela, uma mulher de olhos azuis como o mar e de uma beleza estupenda, por isso, meu pai tinha tanto ciúmes dela, era o que ele me dizia para justificar o motivo pelo qual a deixava sempre em casa.
O dia amanheceu e eu não tinha sequer cochilado, sentia medo de dormir e o assassino de minha mãe aparecer para me matar também, talvez fosse melhor do que viver com o senhor Severo. O grito do meu pai me fez levantar e até a pequena sala.
- Sim meu pai.
- Coloque suas coisas num saco e vamos embora daqui...
Eu sabia que não poderia indagar ou questionar qualquer coisa, era o meu pai quem mandava e cabia-me somente obedecer, era o que minha mãe tinha feito a vida inteira e o que havia me ensinado também. Peguei um saco de estopa e coloquei dentro dele os poucos vestidos de chita que eu tinha. Ele seguiu segurando a minha mão rumo à delegacia que tinha ali sem dizer nada.
- Pois não, senhor Severo, - disse o homem da lei que mandava naquela cidade.
- Eu vim aqui dizer que sei quem matou a minha mulher, senhor delegado.
- Sente aqui homem e conte tudo.
Meu pai pediu que o soldado que tinha ali na sala saísse, alegando está constrangido pela história que ele iria narrar. O delegado ordenou ao soldado que saísse e meu pai começou a falar, fazendo com meus olhos marejassem pelas lágrimas de dor que eu lutei tanto para não descerem.
- Senhor delegado, olhe que o que eu vou lhe contar é de matar um homem de vergonha. Um dia cheguei em casa e peguei minha mulher em fornicação com outra...
- Outro, o senhor quis dizer, não foi?!
- Não senhor, eu peguei a desgraçada com outra, mulher. Mas, olhe senhor delegado que eu amava tanto a danada que perdoei ela, desde que falasse para a moça que, ela não lhe queria mais e que era comigo e com nossa filha que ela queria continuar vivendo.
Meu pai parou um pouco, passou a mão pelo bigode grosso, demonstrando a raiva que sentia e continuou.
- Estela fez isso, falou pra moça que não podia mais ficar com ela e que seu desejo era voltar a ser a mulher honesta que sempre tinha sido. A moça encheu a cabeça da minha pobre Estela, senhor delegado, ela era muito inocente. Então a moça ficou contrariada, com muita raiva e disse que Estela ia pagar caro, então eu tenho certeza que foi Juliana Junqueira.
Eu não sei bem o que aconteceu, mas o nome da moça fez o delegado ficar de pé e esmurrar a mesa com tanta força que eu me assustei.
- Isso não pode ser, o senhor deve está enganado, senhor Severo...
- Não estou, não. Juliana era amante ou sei lá o que da minha mulher, e acho que cabe ao senhor fazer a justiça correta. Foi ela quem matou a minha Estela.
Meu pai disse isso e saiu tomando a minha mão. Seguimos a pé até a rodoviária velha e de lá seguimos num ônibus para Fortaleza. Um barraco de madeira era mais uma vez a nossa casa, num amontoado de outras casas, também denotando a pobreza do lugar.
- Helenaa... – meu pai gritou quando adentrava o barraco, - a comida já está pronta?
Para o meu azar, a comida ainda não estava terminada. O cinturão de couro desceu sobre minhas costas e senti uma dor que muitas vezes minha mãe tinha sentido. Naquele dia constatei a veracidade do ódio que sentia por meu pai e jurei que um dia, eu também iria embora.
- Maldita, imprestável, pra que tu serve peste ruim? Tu é igual a tua mãe...
E daquele dia em diante eu levava uma surra quase todos os dias, por qualquer coisa que descontentasse aquele homem.
- Senta aí, - um dia ele disse, - eu ando muito cansado, agora ta na hora de tu trabalhar. E vê se não volta pra casa sem dinheiro, se não tu já sabe... – sua voz era ameaçadora e meu corpo estremeceu.
Três anos tinham se passado e minha vida era cada dia pior, meu pai bebia todos os dias e geralmente me surrava. E se eu voltasse da rua sem dinheiro, a surra era ainda maior. Arrumar emprego era muito difícil, pedir esmolas era ainda mais humilhante, então comecei a descobrir que o sex* era algo que me dava dinheiro, embora me causasse nojo, várias vezes. E passei a chegar em casa sempre com dinheiro que meu pai usava para bebidas ou sei lá mais o quê, mas isso não me livrava das surras quando ele sentia vontade.
- Tu é igual a tua mãe, vai ch*par mulher também, vagabunda? Tua mãe era uma vagabunda, mas teve o fim que mereceu. A outra que ela dizia amar fez o serviço que eu quis fazer e não tive coragem.
Eu nunca mais tinha me recordado de Juliana com o carinho que eu sentia quando ela ia visitar a minha mãe, o que eu sentia por ela era ódio. Meu coração passou a alimentar um sonho, um dia poder ver Juliana, presa. Mais um ano havia se passado e eu já tinha dezessete anos. Nesse dia eu sentia uma tristeza imensa, ali sentada na grama em frente ao açude daquela fazenda a qual eu tinha adentrado sem permissão. Nunca ninguém tinha adentrado aquelas terras, mas eu desejei o desafio, quem sabe aquele senhor tão valente pudesse me dar um tiro no peito ou quem sabe fincar uma faca... e tudo, qualquer coisa, seria melhor do que continuar vivendo daquele jeito. Durante o dia eu me vendia a um ou dois homens e mesmo chegando em casa com dinheiro, meu pai me surrava, mas o que mais me doía eram as palavras que ele pronunciava em ofensa à minha mãe. Naquela manhã eu tinha saído de casa para nunca mais voltar, se o senhor daquelas terras não me matasse por invadir seu espaço e me banhar no açude, eu seguiria de encontro à morte, quem sabe assim eu pudesse estar com ela, com a minha mãe, em algum lugar... Eu pensava tudo isso imersa na água do açude sentindo um prazer quase inenarrável. Saí da água e segui para uma cabana velha que tinha um pouco afastada embaixo de umas árvores o que a escondia da vista de muitos. Deitei numa cama velha que tinha ali, nua, deixando de lado o meu vestido velho de chita, desejando ficar escondida ali, para sempre.
Meu corpo estremecia de maneira estranha quando acordei. O perfume que exalava daquela cabeleira negra era delicioso e os cabelos desciam sobre meu corpo enquanto uma boca macia e quente sugava com suavidade um dos meus seios, fazendo com que toda a minha epiderme arrepiasse. Uma mão macia acariciava o outro numa massagem maravilhosa e eu suspirei. Abri os olhos devagar e fitei uma mulher de cabelos longos e negros, ela sorriu maliciosa e indagou:
- Quer que eu pare?... – era uma voz aveludada e macia tanto quanto as mãos que ela tão bem deslizava do meu seio até a minha barriga.
- Não, não quero... continue...
Ela beijou-me os lábios e eu saboreei aquele beijo como nunca tinha saboreado o beijo dos homens que me pagavam. Sua língua macia e ágil bailava dentro da minha boca em busca da minha e eu lhe entreguei com gemid*s abafados e travamos uma batalha deliciosa no céu de nossas bocas. Sua mão tocava meu corpo com a destreza de um pianista e deslizou até atingir a minha intimidade que estava molhada e ela gem*u me chamando de gostosa, eu adorei aquilo. Os homens com os quais eu tinha ficado, me chamavam de vadia...
Senti meu corpo estremecer quando ela engoliu meu clit*ris e o ch*pou como se fosse uma manga madura, deixando um barulhinho gostoso chegar aos meus ouvidos e depois de algum tempo, eu senti meu corpo amolecendo, enquanto eu ia subindo e descendo os quadris num rebol*do alucinado de tanto prazer que ela me dava e pela primeira vez, eu g*zei.
Ela sorriu. Eu sorri de volta e a deitei sobre o colchão de palha que cobria a cama improvisada. Desci minha língua pelo seu corpo, tocando com carinho cada pedaço, observando que ela era uma mulher maravilhosa. Seus seios eram fartos e firmes. Sua v*gin* era grande e macia e eu senti um prazer inenarrável quando passei a língua naquela cavidade macia e molhada. Estremeci e a engoli como se estivesse desesperada por aquele néctar que minava ali fartamente quanto mais eu lhe ch*pava e ela dizia.
- Minha nossa, que coisa maravilhosaaaa... continua gostosa... – e rebol*va aquele quadril largo me deixando enlouquecida. Ela gem*u alto e eu recebi um líquido quente e perfumado de presente num orgasm* intenso. Depois ela me puxou e uniu sua v*gin* à minha e disse:
- Dança gostosa, assim, olha, - e foi me ensinando a dançar junto a ela e atingimos um orgasm* ainda mais intenso.
Paramos. Ela cobriu-me com um manto que ela trazia sobre o vestido de seda florido e depois me indagou:
- Qual o seu nome?
- Helena e o seu?
- Cíntia Menezes... sou filha...
- Do senhor Antero Menezes... – eu complementei.
Cíntia me levou para a casa da fazenda que ficava muito distante daquela cabana que nos amamos, depois que contei a ela toda a minha história. Seu pai não contestou o seu pedido e daquele dia em diante nunca mais voltei à casa do meu pai, passando a morar ali, sob a guarda daquela mulher maravilhosa.
Dois anos depois eu seguia com Cíntia para a pequena cidade de Itu, onde ela tinha um noivo filho de um rico fazendeiro. Cíntia despertava em mim o que Juliana despertava na minha mãe, risos. E eu me sentia feliz ao seu lado, mas temia que alguém soubesse sobre nós duas e o que o meu fim, fosse igual ao da minha mãe, eu temia muito. O noivo de Cíntia era um jovem de olhar negro e frio, porte alto e cabelos castanhos claros amarrados num rab* de cavalo na nuca. Quando ela me apresentou a ele, percebi que seu olhar carregava algo parecido com o que o olhar de meu pai carregava, então reconheci o sentimento de posse e ciúmes. Ele estendeu-me a mão e disse:
- Se és amiga de minha noiva, é minha também.
Fazia uma semana que eu estava na cidade de Itu e segui com Cíntia para a cadeia onde Juliana estava presa, depois de muito empenho de minha amada que tudo fizera para satisfazer o meu desejo. Cíntia tinha influência na cidade pelo nome do pai e do noivo, que era conhecido em toda a cidade e a quem muitos deviam favores. Ela pediu ao delegado que nos permitisse ficar em uma sala a sós com Juliana e ele consentiu.
- Minha nossa senhora, é você Helena, minha querida...
- Não toque em mim sua assassina maldita. – eu disse quando Juliana veio ao meu encontro no desejo de me abraçar.
- Pelo amor de Deus, Helena, não fui eu, eu juro, eu nunca mataria sua mãe, eu amava Estela...
- Eu não acredito nisso, meu pai contou tudo para o delegado que era outro... No tempo que tudo aconteceu...
- Por favor, Helena, me escute, eu não matei sua mãe, deixe-me contar tudo... Por favor, ouça-me um pouco e depois faça o que achar melhor...
Os olhos negros de Cíntia pousaram sobre mim quando ela disse:
- Helena sente-se aqui ao meu lado, - e ela sentou-se num banco de madeira que servia para duas pessoas, enquanto apontava para uma cadeira desejando que Juliana também sentasse.
- Conte-nos a sua história senhorita Juliana... – Cíntia disse cobrindo Juliana com um olhar penet*ante.
- Seu pai tinha descoberto sobre sua mãe e eu. Naquele dia, sentindo a saudade macerar nossos corações, nós nos arriscamos a nos encontrar sem que você estivesse em casa, o que era mais tranquilo, pois que você vigiava caso ele aparecesse antes da hora. Seu pai nos viu, por infelicidade deixamos a porta aberta. Seu pai não nos surpreendeu como era o esperado, não. No outro dia surrou a sua mãe, como nunca tinha surrado antes e exigiu que ela terminasse com o nosso amor. Estela contou-me tudo um dia e combinamos fingir que tínhamos terminado. Eu ia pedir ajuda a alguns amigos da capital para que pudéssemos fugir assim que você voltasse da casa de sua avó, porque Estela e nem eu seguiríamos lhe deixando para trás. Mas, seu pai descobriu tudo, eu não sei como. Um dia fui visitar a sua mãe e ao chegar lá perto, vi pela janela do quarto, que estava aberta, quando ele cravou a faca em seu peito. Voltei desesperada para casa e o restante você já sabe...
- E não contou sua história para o delegado? Não teve um advogado, senhorita? – era a voz macia e aveludada de Cíntia que preenchia o ar mais uma vez.
- Não senhora, tudo o que eu dizia era inútil e estou aqui até hoje, pagando por um crime que eu não cometi.
- Vou sair por um momento, Helena, fique com sua amiga, volto logo.
Cíntia saiu. Juliana me cobria com seu olhar amoroso e indagou:
- Você acredita em mim?
- Sim, - e nos abraçamos e choramos ali aquecidas no amor que nunca tinha morrido.
Uma hora tinha se passado quando Cíntia adentrava a sala novamente com um homem muito bem vestido. O delegado seguiu junto a eles adentrando a sala em último lugar.
- Esse é o seu advogado, senhorita Juliana, ele vai se encarregar de tirar você daqui, ainda hoje, de preferência...
E ela olhou em direção ao delegado que passou a escutar junto ao advogado o que Juliana tinha nos contado. O delegado que não era mais o mesmo da época que meu pai tinha feito a denúncia, ouvia atentamente e meneava a cabeça sempre de maneira positiva, dizendo:
- Sim... o senhor tem razão... sim...
E a tarde encerrava quando Juliana via a luz do sol deixando o universo colorido, ao deixar a prisão após todos aqueles anos. Um abraço carinhoso de Cíntia fez Juliana vibrar de emoção e eu me juntei a duas e rimos muito.
- Tem para onde ir, senhorita Juliana?
- Eu acho que não, meu pai morreu um ano depois da minha prisão, mas, por favor, não se preocupe, eu encontrei um meio...
- Por favor, se é tão amada por Helena, tem um lugar em meu coração e em minha casa também, vamos.
Um mês depois voltamos para Fortaleza. E embora soubesse onde meu pai morava, eu nunca mais tinha buscado notícias suas. Juliana seguiu conosco. O passar do tempo eu percebia que as duas estavam cada dia mais íntimas e embora isso me causasse desconforto, eu nunca indaguei Cíntia, afinal ela havia deixado claro desde início que era noiva e que embora gostasse mais de mulher do que de homem, ela se casaria com Jorge Galvão. Um ano tinha se passado e a intimidade de Cíntia com Juliana era ainda mais visível. Cíntia não me procurava mais para o amor, embora cuidasse de mim com desvelo, pagando honestamente por meus serviços junto a ela.
O sol já tinha nascido. A mistura dos sons dos bichos ali na fazenda parecia uma orquestra desordenada. Cíntia levantou-se cedo e seguiu com Cíntia para algum lugar, eu sentia uma tristeza imensa com tudo aquilo, mas decidi suplantar aquela dor e nunca cobrei o amor que eu tinha antes e também nunca falei nada com Juliana sobre o que eu tinha vivido com aquela mulher deslumbrante e ao mesmo tempo, cruel.
A chegada do noivo de Cíntia a fazenda não impediu que ela e Juliana continuassem saindo, o que eu acho despertava nele o mesmo sentimento que despertava no meu pai, eu podia ver isso nos seus olhos o brilho do ciúme...
Na choupana velha que tinha perto do açude, onde Cíntia e eu tínhamos nos amado muitas vezes, o corpo de Juliana foi encontrado com uma faca enfi*da em seu peito numa manhã de sol, depois de alguns dias de seu desaparecimento. A visão do corpo daquela mulher que eu tanto havia amado fez-me recordar o da minha mãe. E eu chorei escondida a dor que me dilacerava mais uma vez, sentindo meu mundo ruir novamente. Eu sabia que tinha sido Jorge Galvão, mas eu não poderia nunca dizer e nem sequer lidar com o poder daquele nordestino. Então no fim de tarde daquele dia eu abandonei a fazenda e para sempre o sertão nordestino, apesar dos pedidos de Cíntia para que eu ficasse. Eu sabia que se eu continuasse ali, o meu fim seria igual o de Juliana. A verdade é que eu não desejava mais a morte, eu sentia vontade de viver, apesar de todas as desgraças que tinha na minha existência. Com o dinheiro que eu tinha guardado pelo trabalho na casa da fazenda e com tudo o que Cíntia me dava, eu segui rumo à Brasília e continuei minha vida me envolvendo com mulheres mais velhas que pudessem me proporcionar situação financeira melhor, apesar de sempre trabalhar, mas sem nunca me envolver emocionalmente. Cíntia tinha sido o meu primeiro e último amor, e tinha me ensinado o quanto amar, era doloroso, até conhecer Mirela.
Saí das minhas conjecturas quando Saima se aproximou dizendo:
- Helena, venha, vamos comer alguma coisa. O corpo já vai ser levado...
Meu Deus, o corpo de Mirela seria levado, sim para um lugar frio, onde seria confinado, onde eu nunca mais poderia acessar. Levantei-me como se estivesse dopada e Saima abriu seus braços me acolhendo num abraço caloroso onde eu chorei... muito...
Milena me olhava e eu sabia que sua dor era igual ou maior do que a minha, mas eu não sabia o que dizer, não tinha consolo, nada poderia diminuir aquela dor, a não ser o tempo... E com carinho acariciei sua mão, depois cumprimentei Fernanda que acabava de chegar abraçando Milena que chorou sentida naquele aconchego.
O dia terminou.
- Helena... – era Saima, - vá para casa minha querida, não há mais nada a ser feito aqui. Vá descansar um pouco... amanhã será um longo dia.
Não havia mais nada a ser feito, não. O câncer tinha feito tudo, não era uma faca enfi*da no peito de Mirela, mas era como se eu tivesse aquele aço rasgando o meu peito. Um vazio inexorável me assolava e eu parecia não ter para onde voltar.
- Quer uma carona? Eu posso deixar você em casa...
- Eu aceito, sim, Saima...
O carro parou frente a minha casa, eu agradeci a Saima e desci. Abri a porta da sala...um vazio enorme dominava cada pedaço da casa...as paredes pareciam ter olhos imensos e eu pela primeira vez depois da morte da minha mãe de Juliana, provei do medo, eu via o medo... era como se ele tivesse rosto... corpo... Joguei minha bolsa no sofá e me servi de uma dose de uísque. Acendi um cigarro, abrindo as janelas. Puxei uma baforada imensa e soltei devagar, tentando entender se tudo aquilo que eu vivia era verdade. Sorvi o resto da bebida e me servi de mais uma dose enquanto baforava novamente o cigarro, um refúgio que eu buscava quando sentia medo.
A noite já estava quase acabando quando eu segui para o banheiro, a água morna descia sobre meu corpo e eu parecia alheia a tudo, só não à dor maldita que eu sentia. Sequei meu corpo e deitei-me. Vencida pelo sono e cansaço e pelo uísque eu adormeci.
O dia nasceu. Minha cama estava vazia assim como a minha vida. Abri os olhos e passei a mão sobre o lençol de seda macio onde Mirela deitava. “Nunca mais ela se deitaria ali, nunca mais seu corpo envolveria o meu pela manhã e nunca mais, eu faria amor com ela... essa era a minha realidade... Mirela tinha partido para sempre...” – eu pensava olhando pela janela aberta quando meu celular tocou. Era Milena indagando se eu desejava que ela passasse na minha casa para seguirmos juntas ao cemitério. Aceitei, eu estava sem vontade de dirigir e muito menos de seguir sozinha em visita à última morada da minha amada.
Saima já estava lá na capela e me abraçou com carinho, depois fez o mesmo com Milena e Fernanda. Alguns amigos chegaram. Algumas pessoas do hospital que haviam convivido com Mirela e que lhe queriam bem também iam chegando devagar e dirigiam-se ao caixão prestando-lhe suas últimas homenagens. Eu custava acreditar, mas diante a urna fúnebre e o corpo frio da mulher que eu amava, não poderia seguir mais negando. Mirela estava morta. Minha mãe tinha morrido, Juliana tinha morrido e agora Mirela, era como uma sina maldita, tudo o que eu amava, morria... Olhava para Mirela ali inerte, alheia a tudo e a todos deitada para sempre, mas não num berço esplêndido, e limpei uma lágrima que descia pelo meu rosto.
- Precisamos seguir... está na hora, - disse Milena me abraçando.
O corpo inerte e frio de Mirela desceu na urna num adeus doloroso e eu segui para casa sozinha, ao deixar a minha amada sozinha, também, ali naquela morada triste e cheia de corpos ou restos mortais, desconhecidos.
O calor do abraço de Saima envolveu meu corpo e seguimos silenciosas para o estacionamento.
- Eu a deixo em casa, venha...
Contar com o carinho de Saima naquele momento de dor extremada era algo que me trazia acalanto e eu adentrei o carro.
- Você ficará bem sozinha? – ela me indagou de frente ao portão da minha casa. Não, eu não ficaria bem sozinha, mas precisava e eu respondi.
- Eu preciso... Obrigada, querida, pelo seu carinho e seu cuidado comigo.
- Não tem motivo para agradecer, somos amigas e é isso que os amigos fazem. Helena, se precisar de alguma coisa, ligue, por favor.
Seu beijo quente aqueceu não somente o meu rosto, mas o meu coração, fazendo-me sentir o quanto Saima era valiosa para mim naquele momento.
Adentrei a minha casa, que antes era nossa, de Helena e minha, agora era minha por está na solidão e no vazio que a partida de Mirela me colocara. Fiz um chá e comi um pedaço de bolo de mandioca. Segui para o quarto depois de tomar um calmante e adormeci, quando o dia ainda ia se despedindo.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Brescia
Em: 18/07/2019
Boa tarde mocinha .
Não podemos julgar ninguém, a Helena sofreu, se fechou para os sentimentos e jogou com a única arma até então conhecida até finalmente amar novamente. Ela sempre teve uma alma boa, mesmo quando usava o seu corpo para ganhar dinheiro . Foi lindo!!!
Baci piccola .
Resposta do autor:
Cada um de nós tem uma história, não é verdade? Helena sofreu, mas aprendeu o caminho de volta aos reais valores da vida. Obrigada, Brescia e vamos aguardar por mais emoção, tá quase acabando.
Bjinhos no coração.
Leoni
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]