Cinco Minutos – EriOli
Quantas coisas cabem em cinco minutos? Eu poderia listar aqui uma série de atividades produtivas como, meditar, tomar um chá ou um café, comprar um livro, fazer uma reflexão e até fazer planos ou simplesmente não fazer nada, como eu, e aproveitar o momento para introspecção ao som daquela música que você escuta todos os dias e ainda põe no repeat. Por um tempo essa era basicamente a minha rotina, e até então não tinha um espaço de cinco minutos favorito, mas isso mudou a mais ou menos quatro meses. Foi quando me deparei pela primeira vez com aquela boca. Traços perfeitos formavam aqueles lábios ou era a minha imaginação transformando tudo em algo muito maior, não saberia dizer ao certo. Só sei que passei a amar aqueles cinco minutos de atendimento. E esse espaço de tempo compreendia os exatos instantes necessários para comprar meu bilhete do metrô todas as manhãs, já que nunca me preocupei em adquirir o bilhete único. E não seria agora que me preocuparia.
Cinco minutos, bom, eu passei a precisar desses valiosos cinco minutos todos os dias. Uma dose de arrebatamento diária, pois era exatamente assim que me sentia, além é claro, de todo formigamento e falta de palavras mais coerentes e corajosas. Sentia-me arrebatada apenas com a visão daquela boca, não sei se era imaginação, mas para mim aqueles lábios moviam-se numa cadência sensual, quase erótica. Sentia-me a arrepiar com a voz rouca que se desprendia daquela boca que tanto me tirava o sono naqueles dias. E eu mal conseguia articular meu pedido e isso era frustrante, na verdade tem sido frustrante a minha vida inteira. A coragem nunca era minha companheira, é sucessivamente a mesma coisa desde que me entendo por gente, sempre que convidei alguém para sair foi um desastre, não importa o que eu faça. Mesmo se o encontro for arranjado por amigos, ou em sites e aplicativos de encontro, eu nunca sei como me portar, e o nervosismo me deixa em pânico. Então depois de alguns anos deixei de tentar.
Meu amigo me diz que eu deveria falar com ela, mesmo achando a coisa mais estranha do mundo que eu tenha me apaixonado por uma boca em apenas cinco minutos. E honestamente, também não sei dizer como isto é possível e você deve estar se perguntando, como assim? E o restante do corpo, não chama atenção? Na verdade, ainda não tive a oportunidade de vê-la por completo, a única parte que aquela pequena tira transparente e com pequenos furos arredondados daquele painel fosco e impenetrável, me permite enxergar é exatamente aquela boca que me tira o chão e, parte do uniforme que ela usa, em frente ao painel eu sentia minhas faces queimarem e um sorriso envergonhado surgia me delatando, às vezes tinha a impressão de que ela conseguia perceber o frisson que me causava, por vezes notava um sorrisinho de canto ao me entregar o troco ou bilhete, e ela sempre aproveitava para resvalar à mão na minha, um toque sutil e involuntário ou era apenas o meu subconsciente me traindo mais uma vez.
Agora você deve estar me achando louca e eu digo, a verdade é que de médico e de louco... Enfim, eu poderia abaixar-me ao menos uns centímetros e talvez conseguisse enxergar os olhos, mas como disse se nem palavras eu consigo articular, quanto mais realizar um gesto tão ousado, ora não ria de mim, por favor, para mim esse gesto significava uma ousadia além de minha capacidade. No entanto, aquela manhã em particular seria atípica para mim. Todas as manhãs, eu procurava o guichê em que ela se encontrava e só então ia para o fim da fila e incrivelmente deixava que as pessoas passassem na minha frente, uma vez que só o guichê em que ela estava me interessava. Até então, não fazia a menor ideia de que ela havia percebido isso, muito menos que ela me notava. Quando cheguei ao balcão minhas pernas tremiam, como em todas as manhãs e ela me saudou com um bom dia entusiasmado, acompanhei o movimento daqueles lábios e quase me perdi em pensamentos indecorosos. Gaguejei estupidamente ao responder e senti meu rosto enrubescer, que idiota! Prestes a virar-me ela me chamou outra vez, respondi debilmente enquanto ela empurrava por baixo do vidro o bilhete. Não dava pra ser mais idiota do que eu estava sendo.
— Você esqueceu.
Ela dissera sorrindo e aquele sorriso me ofuscava, meneei a cabeça incapaz de dizer qualquer coisa inteligível e saí apressadamente, e ainda mais embaraçada. Quando olhei para o bilhete em minhas mãos notei que junto a ele havia um pequeno pedaço de papel dobrado, o abri e minha surpresa não poderia ser maior. Arregalei os olhos e quase não acreditei.
“Não me canso de ver esse rostinho tão lindo e envergonhado, todas as manhãs. XXXX-XXXX, me liga ou adiciona no WhatsApp, quero muito te conhecer,
Ayla.”
Era inacreditável, pelo menos eu não conseguia acreditar, passei o dia sorrindo bobamente e ao mesmo tempo tentando decidir se ligaria ou não. Minhas mãos suavam, só com a possibilidade de estragar tudo como sempre. Voltei para casa no fim do dia sem conseguir resolver-me. Naquela mesma noite, já em minha cama, com o papel em mãos tudo o que conseguia pensar é que a vida raramente é perfeita, mas é geralmente complicada. Então não estava muito ciente se poderia me considerar uma pessoa de sorte por ter sido notada por ela. Eu estava nas nuvens e isso era fato, entretanto, isso não abonava a realidade de inquietação que crescia dentro de mim a cada minuto que passava. Era frustrante. Ao menos minha frustração e inquietação agora tinham um nome. Ayla! Um bonito nome, diga-se de passagem. Resolvi adiciona-la no aplicativo de mensagens e com muito custo mandei-lhe um miserável “Oi”. Agora aquela boca tinha um rosto e era igualmente belo, combinava perfeitamente com o sorriso sensual. Olhei aquela foto vezes sem conta, me sentindo uma stalker imbecil e achando muito errado, abria e fechava a foto várias vezes enquanto esperava. Esperei por duas longas horas uma resposta, mas ela nem sequer visualizara e a noite correu assim, entre reflexões e apreensões.
Adormeci. Sonhei com ela. Em meu sonho para minha surpresa, ela olhou-me mordendo o dedo indicador sensualmente, beijou-me de forma delicada e finalmente pude sentir a doçura de sua boca. Separamo-nos e seu olhar acendeu como um carvão em brasa. Aproximei a cabeça até minha boca estar a centímetros da dela, então a beijei de volta. Apertei-a de encontro a mim e o beijo foi molhado, longo e fez meu corpo inteiro esquentar. Acordei com o som do despertador, o coração batia acelerado, a pele estava em chamas, as mãos suando, os pelos eriçados, uma fome gigante daquela boca que, eu sabia, nunca seria totalmente saciada, por mais que eu tentasse. E, ah, eu vinha tentando, mas enquanto eu não a sentisse de verdade e esse era o efeito dela sobre mim. O telefone vibrou outra vez.
Ayla: Olá, bom dia, senhorita Pietra! J
Ayla: A propósito, que bom que mandastes mensagem, será um grande prazer conhecer vc! Rsrsrs
O sorriso logo brotou em meu rosto.
— Bom dia! Como sabes meu nome? Ainda nem me apresentei! Rsrsrs
Ayla: Pois, ainda bem que sei ler! Hahaha, desculpe pela piadinha.
— Sem problemas, acho que é um bom sinal saber que acordas de bom humor!
Ayla: Na verdade, o seu “oi” melhorou consideravelmente meu humor matinal, baby. J Agora tenho que ir, mas espero por vc no meu guichê! ;) Bjs
— Hahaha, estamos combinadas, então. Bjs
Não foi tão ruim quanto imaginei e bom já era um começo. Pela primeira vez em meses sairia feliz para ir trabalhar. Dessa vez quem sabe tudo será diferente.
Fim
Fim do capítulo
O Grupo Conexão Literária Agradece a Participação da Autora e informa que a mesma autorizou o compartilhamento do seu texto.
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marianamarques
Em: 20/07/2019
Hahha o que sao 5 min
Resposta do autor:
Então, tecnicamente são 300 segundos Hahahahah, mas é precisamente o tempo exato para se apaixonar!
Obrigada pelo comentário Mari, há braços!
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