Capítulo 9
Capítulo 08
Pov Mirela
Um mundo havia despencado sobre mim. Meu corpo estava trêmulo. Parei o carro em um estacionamento perto de um bar, adentrei o lugar. Pedi um uísque, - dose dupla e sem gelo - eu disse. Logo o garçom voltou, eu sorvi de uma vez só e pedi mais outro. O céu estava claro e nuvens brancas dançavam de um lado para outro, talvez estivessem perdidas como eu. Sim, era desse jeito que eu me sentia, estava perdida. Um vazio imenso ia aumentando ainda mais dentro de mim e uma vontade de quebrar tudo ali naquele lugar me invadiu. Meu coração estava acelerado e um sentimento de ódio ia me consumindo. Pedi mais uma dose dupla e sorvi. Depois paguei a conta e segui para um hotel, um flet sei lá, eu só queria um lugar para deitar um pouco e tomar o restante da garrafa de uísque que eu havia comprado pelos olhos da cara no bar. Segui para o quarto andar depois de pagar a conta e pegar a chave. Fernanda não tinha bloqueado o meu cartão, mas com certeza tinha colocado um limite e eu não sabia qual, então precisava ser comedida, essa palavra era para mim desconhecida desde que me casara com Fernanda. Peguei um copo no frigobar que tinha ali e me servi de mais uma dose do uísque. A imagem de Helena aparecia diante meus olhos como se realmente ela estivesse no quarto, isso aumentou ainda mais o meu desespero. Como podia tudo aquilo ser verdade? Helena era uma mentirosa, uma vadia... ela havia me envolvido para tirar vantagem, assim como tinha feito com muitas. Vivia de golpes, a fala de Fernanda reverberava em meus ouvidos e a raiva ia me dominando cada segundo mais. Fernanda me pagaria caro tudo isso. E Helena? Meu Deus como eu pude ter me deixado levar dessa maneira? Como eu pude ser tão displicente, descuidada? Meu Deus eu havia perdido a noção do perigo. Meus olhos vertiam grossas lágrimas e uma dor aguda assolava meu coração, uma sensação horrível de solidão crescia dentro do meu peito. O medo me rondou naquele quarto simples de hotel mediano, e sob o piso eu podia quase que ouvir seus passos, encolhi-me ainda mais ali sentada naquela poltrona pequena ao lado da cama e sorvi mais uma dose de uísque. Minha mente estava embaralhada e sentindo meu ódio aumentar com o fantasma de Helena a me rondar, eu peguei o celular e liguei. Estava desligado. “- Desgraçada, maldita, vaca... vadia...” – Liguei de novo e nada. Tomei a última dose da garrafa de uísque. E adormeci.
O sol estava a meio céu quando eu acordei. Uma dor miserável de cabeça. E eu tomei um comprimido e voltei para a cama sentindo que as dores malditas voltavam. Contorci meu corpo na cama, depois levantei e procurei os remédios que o médico havia passado, para aquela dor e tomei dois. Voltei para a cama e me deitei em posição fetal. A dor era lancinante, meu estômago revirava e apesar de toda a dor segui para o banheiro e vomitei. O cheiro do uísque me causava náuseas e joguei para fora toda a garrafa que eu havia ingerido, mas tive e impressão que ela dobrou de volume. Minha boca estava amarga e escovei os dentes. O cheiro do creme dental revirou ainda mais meu estômago e vomitei novamente. Minha cabeça doía, latej*v* e às vezes eu tinha quase certeza que ali dentro tinha uma banda musical bem desordenada. Deitei-me novamente em posição fetal para ver se aliviava aquela dor horrenda que sentia. O medo estava ali de olhos arregalados e a morte já tinha a sua foice em punho como se fosse mesmo me ceifar. Talvez fosse o melhor, eu não tinha mais nada. Helena era uma mentirosa e Fernanda, desgraçada havia armado tudo àquilo para mim, mas ela não perdia por esperar. Pedi o café da manhã no quarto depois de explicar que estava passando muito mal. Comi um pedaço de pão, tomei um leite com café e um pedaço de mamão. Eu não consegui ingerir mais nada, a sensação que eu tinha era que estava inchada. Adormeci. Depois de três horas de sono eu acordei, olhei o celular. Liguei novamente para Helena, queria falar...gritar...xingar... e nada, o maldito celular estava desligado. Levantei devagar e segui para o banheiro, as dores haviam amenizado um pouco e eu consegui tomar um banho. A água morna descia sobre meu corpo enquanto lágrimas de ódio vertiam dos meus olhos, mas eu sabia que não eram somente de ódio. Eu não queria aceitar, mas estava sentindo uma saudade imensa de Helena. Ela não era digna do amor que meu coração sentia e limpei meu rosto com a água morna que caía. Desliguei o chuveiro. Vesti algo confortável, pois a dor não tinha cessado totalmente.
- Boa tarde senhora Mirela, entre, o médico já está lhe esperando.
Adentrei a sala do médico, seu olhar complacente deitou sobre mim, provavelmente eu estava desfigurada, não usava batom. Meus cabelos estavam molhados e os cachos começavam a dar sinal de vida. Uma calça jeans velha e uma blusa eram o que me cobriam naquele dia. Meu rosto estava pálido e a dor tinha voltado.
- Como se sente Mirela? – indagou o doutor Messias. – Sente-se. Não veio acompanhada?
- Não senhor. Estou sozinha... “era assim mesmo que eu me sentia, sozinha...abandonada...traída...
- Mas tem alguém que possamos ligar?
Milena era a única pessoa que eu tinha e ao pensar nela senti uma ira intensa, mas não tinha nenhuma outra opção. Fernanda com certeza não viria, estava com ódio de mim e Helena, essa tinha desaparecido. Passei o meu celular que já discava o número de minha irmã para o médico. Não demorou mais que trinta minutos e Milena chegou.
- O que aconteceu Mirela? – ela indagou quando o medicou levantou-se e foi ao seu encontro. Pediu que ela sentasse. Os olhos de Milena marejavam, eu pude ver, apesar de todo o seu esforço.
- Precisamos internar a sua irmã hoje, se possível. Os exames feitos não foram nada admiradores, então quanto antes fizer uma histerectomia, melhor.
O olhar de Milena estava apavorado e eu podia ver amor naqueles olhos verdes, mas meu coração estava muito carregado de raiva para me comover.
- Mirela... eu estou aqui... – ela disse e seguiu com o médico para adiantar algumas coisas, depois que pegou o meu cartão do convênio. Algum tempo depois eles voltaram.
- Seu convênio foi suspenso Mirela...
- Eu imaginei... Fernanda com certeza.
Milena saiu da sala depois que pediu licença.
Eu segui para o hotel. Deixei meu carro no estacionamento do hospital e voltei de uber, a dor me impedia de dirigir. Um sangramento quente descia da minha vagin* e eu tinha a impressão que iria parir um filho ou sei lá o que. Segui para o banheiro. A água misturada ao sangue me enojava e eu sentia minhas forças indo embora. Segurei-me a parede para finalizar o banho. Deitei-me depois de me vestir com uma camisola de tecido. Um frio horrível me assolou. Ouvi a campainha do quarto e levantei com imensa dificuldade para abrir a porta, desejando no fundo do meu coração que fosse Helena para me salvar, ou a morte para me levar de vez.
Era Milena. E por trás dela estava Fernanda.
- Vamos para o hospital, - foi Nanda quem falou.
Com o cheque que Fernanda assinou eu fui imediatamente internada. O doutor Messias colocava suas luvas... uma picada aguda atingiu parte do meu corpo e eu...
O dia nascia. Da janela do quarto do hospital eu podia ver a alacridade do dia que começava, menos um para mim, era assim agora que eu via. Os passarinhos lá fora faziam algazarra. Eu estava sonolenta. Um enjôo imenso no estômago. Milena adentrou devagar e eu a olhei com raiva e atingi seus ouvidos com rudeza.
- Está feliz? Milena, você está feliz?! – eu gritei. - Creio que eu vá morrer afinal essa doença é a desgraça do ser humano. E acredito que você deve está torcendo para que isso aconteça logo, não é? Assim poderá ter Fernanda livre...
- Pare de falar bobagens Mirela, descanse.
Ela disse isso e saiu, com os olhos marejados. A porta se fechou e novamente a solidão tomou conta de mim. Fernanda havia liberado o convênio e todos os gastos que fossem preciso para o meu tratamento, mas também não estava ali. Os olhos esbugalhados do medo me rondaram naquele quarto de paredes brancas e exilado. Uma enfermeira veio, tomei o remédio.
- Quantas horas eu dormi?
- Três dias, - ela disse, - mas foi bom para o seu descanso. Logo virá o seu café, procure se alimentar tome mais esse remédio... – e ela saiu.
O medo era um sentimento que eu acho que nunca tinha conhecido. Sempre que me olhava no espelho me via como eterna, como alguém que tinha nascido para brilhar e que nada e nem ninguém poderiam me dizer, não. Deus para mim era somente quando eu desejava algo que o ser humano não poderia me dar ou o dinheiro não poderia comprar, até porque eu não o tinha. E depois que me casei com Fernanda, então nunca mais pedi nada a ele, porque o dinheiro, para mim, comprava tudo. Estava remoendo minhas conjecturas quando o doutor Messias adentrou o quarto ao lado de Milena.
- Mirela... – ele pigarreou, depois olhou para Milena e prosseguiu. – O resultado da biópsia saiu. Seu caso é um tumor maligno e vamos precisar da quimioterapia para erradicar uma possibilidade de volta ou até de um alastramento, caso ele persista...
O sol lá fora desapareceu. A voz dela, da morte parecia gritar o meu nome através da fala do médico. E o medo ria de mim trazendo um manto da solidão e me cobrindo ainda mais naquele instante. Milena colocou sua mão sobre a minha, um calor agradável aqueceu meu coração e eu não disse nada. Fechei os olhos e as lágrimas desciam. Milena beijou meu rosto e disse.
- Mirela você não tem o que temer, porque sempre foi forte e vai vencer...
Eu não queria brigar com ela. Não disse nada. Ela seguiu para casa dizendo que voltaria a noite para ficar comigo. A porta se fechou e logo se abriu novamente.
- O que você quer aqui? Vai embora, eu não preciso da sua piedade...
- Não é piedade... eu quero ficar perto de você nesse momento...
Era Helena que tinha aparecido. Eu sentia meus olhos pesarem e um sono tomou conta de mim, por mais que eu lutasse contra.
O dia nascia quando eu acordei. Um vazio imenso me envolvia, olhei para o lado e numa poltrona estava Helena. Eu confesso que achei que estivesse sonhado e seus olhos deitaram sobre os meus quando ela caminhou em minha direção.
- Não quero que me perdoe, só quero que me deixe ficar, pelo menos até que fique melhor...
- Ou que eu morra?... Não posso lhe perdoar Helena, nunca vou conseguir. Mas também não quero que fique aqui, sua piedade não me ajuda em nada...
- Eu sei que nada que eu falar vai adiantar, mas não estou com pena de você, não estou aqui por isso. Mirela eu sei que errei muito, sim, eu sei disso. Eu menti, enganei você, mas ao longo dos dias eu me apaixonei por você...
- É claro que não quer que eu acredite nisso, não é mesmo? Olha Helena vá embora, por favor, não quero que Nanda chegue aqui e te veja.
- Estão juntas novamente?...
- Ainda não, mas vamos ficar, pode ter certeza... vá embora...
Helena saiu. O médico adentrou o quarto ao lado de Milena e Fernanda alguns minutos depois.
- Você pode ir para casa Mirela, muito descanso, alimente-se bem. Segunda-feira nós iniciaremos com a quimioterapia.
Olhei para Milena que se aproximou de mim. Seu olhar verde estava carregado de amor, não tinha como não perceber e senti emoção com isso, ela me amava, talvez fosse a única pessoa.
- Vamos querida, vou levar você para casa... – ela disse me ajudando a levantar.
Eu segui para o carro, amparada por ela e adentrei o grande espaço da casa de Fernanda, sem entender muito bem o que estava acontecendo.
- Essa é a sua casa Mirela...
Desci do carro. O olhar de Fernanda não continha somente piedade, mas um ódio que eu senti medo. Segurei forte a mão de Milena e sussurrei em seu ouvido quando ela me abraçou na despedida.
- Por favor, fique comigo essa noite... – minha voz estava embargada e eu não segurei as lágrimas.
Um quarto na parte inferior da casa tinha sido arrumado para mim, subir a imensa escada da mansão seria um esforço quase impossível diante a fraqueza que eu sentia. Deitei-me na cama macia. O perfume de folha de algodão adentrou o meu nariz e eu respirei com prazer. O olhar sereno de Milena me cobria e eu me sentia constrangida diante aquela mulher tão dedicada.
- Eu vou em casa, pego algumas coisas de higiene e volto, está bem?
- Sim. Eu espero você para jantar.
Milena saiu. O medo adentrou o quarto e me abraçou mais uma vez. Era a morte que me rondava, persistente e cruel. Comecei a perceber que as coisas que eu tanto valorizava, não eram mesmo tão valiosas assim. Eu estava condenada. Morreria com certeza. A imagem da minha mãe veio a minha mente e era como se ela estivesse me abraçando quando eu senti uma brisa suave adentrar a enorme janela de vidro do quarto que agora eu ocupava. “Mirela não seja malvada com a sua irmã, ela te ama, filha...” – era como se a brisa trouxesse a voz aveludada da minha mãe aos meus ouvidos e eu chorei mais uma vez.
Fernanda adentrou o quarto depois de pedir permissão. Seu olhar era duro, cortante... e neles não tinha mais amor... eu via raiva...
- Não pense que está voltando para essa casa, não mesmo, Mirela. Está aqui não porque me apiedei de você, também não, está aqui pelo pedido de Milena, somente. O nosso divórcio seguirá e mesmo que faça qualquer coisa para dificultar, se valendo da doença, não vai adiantar. O litigioso será uma opção que não descartarei caso não aceite o amigável. Você ficará o tempo que precisar, somente. E saiba, estou fazendo isso por sua irmã.
Terminou a frase e saiu.
Fim do capítulo
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