Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 12 

Quarta-feira 09:00 

Suélen não conseguia esconder a alegria que sentia por aquela notícia. A amiga estava, finalmente, pronta para seguir em frente, sem medo de ser feliz.  

-- Estou tão feliz por você, Nanda. Logo vai poder retornar ao trabalho e a tudo que costumava fazer antes do seu coração pifar.  

Fernanda balançou afirmativamente a cabeça e sorriu. 

-- Você não faz ideia de como sinto falta do meu trabalho. Das crianças e, até mesmo dos familiares briguentos e irresponsáveis. 

Durante algum tempo as duas não disseram nada e Suélen pensou que, finalmente, Fernanda tiraria da cabeça a ideia louca de procurar a doutora misteriosa. Mas foi só impressão. 

-- Agora vou poder procurar a doutora -- ela disse com tanto entusiasmo que assustou Suélen. 

-- Que obsessão é essa pela doutora? 

Sem pestanejar, Fernanda deu a resposta, enquanto se levantava da cama. 

-- Não sei se é obsessão, mas preciso vê-la. Tentei tirá-la da minha cabeça, pensar em outra coisa qualquer, mais tudo isso foi trabalho perdido, não sei mais o que fazer, acho até que estou ficando louca. 

-- Está ficando louca! Pronto, disse -- Suélen estendeu a mão para ajudá-la a descer da cama -- Já parou para pensar que ela pode ser hétero, casada, homofóbica... 

-- Meu gaydar apitou assim que bati o olho nela. 

A enfermeira caiu na gargalhada. 

-- Só se for o seu "querodar" que apitou, querida -- ela continuou rindo -- Você não é lésbica, Fernanda. Na verdade, você está curiosa em saber como será fazer sex* com alguém do mesmo sex*.  

-- Não é isso, então, por que não sinto esse mesmo desejo por outra pessoa? 

-- Muito simples, minha amiga. Aquela mulher desperta o tesão em qualquer um, basta olhar para ela que tanto homens quanto mulheres ficam excitados. 

-- Até você? 

-- Até eu -- ela disse e deu uma risadinha -- A doutora de olhos verdes é gostosa demais, não tem como não ficar molhadinha. 

-- Sua tarada! -- Fernanda berrou, indignada -- Como posso confiar em você? 

Suélen apenas riu. 

-- Como ficam as coisas entre você e o seu noivinho, agora que está voltando para casa? Vai ficar com ele no apartamento ou na casa de seus pais? -- perguntou, não resistindo à curiosidade.  

-- Ainda não decidimos nada. Vamos deixar para resolver isso quando eu estiver deixando o hospital. 

-- Agora, falando sério, Nanda. Essa sua paixão pela doutora é algo bem estranho, né. Nunca vi disso. 

-- Não sei como explicar, Suélen. Fui tomada de um desejo repentino por aquela estranha de olhos verdes profundos e brilhantes -- comentou, cruzando os dedos para ocultar o tremor -- Só sei que vou procurá-la, será algo que farei assim que estiver liberada para sair de casa. 

Suélen coçou a cabeça. Por mais que tentasse, sabia que não a demoveria de sua intenção. Ela estava decidida. Parecia uma mula empacada. 

-- Estou vendo que não tem jeito, mesmo -- ela sorriu e fez um gesto com a mão -- Apesar de achar uma grande loucura, eu vou ajudá-la. Me dê uma horinha, vou acionar os meus contatos e assim que tiver alguma novidade, trago para você. 

10:00 

Cristina segurava a sua xícara vazia na mão, enquanto Alicia olhava para o fundo de sua xícara, como que à procura de uma solução em uma bola de cristal. 

-- Não sei o que é pior, a perseguição dos espíritos ou, da dona Joana. 

-- Bem feito para você -- Cristina se levantou, irritada -- Tanto que eu te falei: Deixa o espírito da Thais em paz; Você vai atrair espíritos sofredores; Não abra a porta para que qualquer espírito entre... Não adiantou de nada. Você não deu a mínima para os meus conselhos. 

Alicia deu de ombros, como sempre fazia quando não estava nem aí para a opinião dos outros. 

-- Ouvir os seus conselhos não quer dizer que irei segui-los. Não vou desistir de falar com a Thais, mesmo que tenha que andar com um batalhão de espíritos atrás de mim. 

-- Então se vira -- disse Cristina, irritada -- O que vai fazer para ajudar o espírito do Vinícius? 

-- Ele está no Umbral por conta da raiva e mágoa que sente por um desafeto. Combinei de me encontrar com a mãe dele no centro espírita. 

-- Ao menos o médium Juarez estará presente e poderá intervir. 

-- Foi o que pensei. O espírito de Vinícius gosta de barganhar e fica me provocando o tempo todo. Com Juarez será diferente. 

O celular assobiou com uma mensagem no whatsApp. Alicia, pegou o aparelho e verificou quem tinha mandado a mensagem:  

100Palavras  

Cristina, Natália, Raquel, Alicia, Thais, Sérgio...   

Natália  

Alguém para substitui o doutor Márlon 

10:28  

Sérgio  

Não posso  

10:30 

Alicia levantou os olhos da tela do celular para fitar Cristina. 

-- Thais era a única administradora do grupo do hospital? 

-- Não. A doutora Débora é a outra administradora. Ela está de férias.  

-- Preciso reaver o celular da Thais. O pessoal da empresa Ecoponte não encontrou o aparelho no local do acidente.  

-- E o pessoal que rebocou o carro até o pátio? 

-- Também não. Me entregaram a bolsa, mas o celular, sumiu -- Alicia passou a mão pelo cabelo loiro -- Eu devia ter ido com ela para Niterói.  

-- E o que teria podido fazer se estivesse ao seu lado? -- Cristina sorriu com doçura -- É bem provável que também tivesse morrido. 

-- De que adianta se estou totalmente sem forças, fria, vazia tipo morta sem emoção nenhuma... 

-- Para com isso, Alicia. A vida nem sempre é fácil. Sofremos, quebramos o coração e a cara, choramos e temos que lidar com decepções e desilusões. Mas no final, e por mais difícil que a vida seja, ela vale a pena ser vivida.  

-- Pois, pra mim não vale mais a pena. 

-- Você me assusta falando desse jeito. Como pensa ajudar o espírito do Vinícius se não consegue ajudar a si mesma? 

-- Não fui eu quem me ofereci para ajudá-lo, ele é quem me procurou. Portanto, não vou me preocupar com isso. 

Cristina levantou uma sobrancelha. 

-- Cruel você! -- disse com ironia. 

-- Com certeza não sou mais a bobinha de antes, não mesmo -- Alicia ficou surpresa com a firmeza da própria voz. Levou a mão à testa para esfregar o cenho franzido -- Mas acho melhor mudarmos de assunto. 

-- Também acho -- concordou, Cristina -- Natália me contou que você está planejando comprar um cachorro. Tem alguma raça em mente. 

-- Quero comprar um Sharpei. Tive um quando criança, amava ele. 

-- É aquele cachorro fofo e cheio de dobrinhas, né! 

-- Esse mesmo. Eles são de natureza tranquila e muito independente. Ideal para mim. 

-- Vai ser bom para você ter algo com o que se distrair. 

-- É o que espero -- Alicia se levantou com a caneca na mão -- Mais café? 

13:00 

Salomão sabia que Fernanda não queria passar mais nenhuma noite no hospital, o que o agradava, porque gostaria de levá-la para casa e cuidar dela pessoalmente. Apenas precisava de mais informações, para poder fazer esse trabalho da maneira mais correta possível. 

-- Então, doutor Daniel, quais as suas orientações para casa? -- Seu Osvaldo e dona Matilde também se aproximaram para ouvir. 

-- A alimentação ficará a cargo da nutricionista. Daqui a pouco ela conversará com vocês. Para a sua recuperação ser mais rápida Fernanda, você deverá fazer exercícios aeróbios, como caminhar 40 a 60 minutos, 4 a 5 vezes por semana, a um ritmo lento de 80 metros por minuto, para que a sua recuperação seja mais rápida e você consiga retornar as atividades do dia a dia. 

Fernanda sorriu animada. 

-- Quer dizer que vou pra casa e já posso sair para caminhar? 

-- Como já disse, com ritmo lento. Não vá abusar, mocinha. 

-- Pode deixar comigo, doutor. Eu vou ficar de olho nela -- Salomão levantou a cabeça e olhou para ela cheio de si.  

Fernanda retorceu os lábios. Doutor Daniel, prosseguiu. 

-- É importante que fiquem atentos e observem sinais que possam indicar complicações, como febre, dificuldade para respirar, inchaço das pernas ou vômitos, por exemplo e, caso aconteça você deve vir imediatamente ao pronto-socorro para iniciar o tratamento adequado -- o médico pegou a prancheta e colocou-a debaixo do braço -- Enquanto você arruma as suas coisas, eu vou prescrever a sua receita. 

-- Com licença! -- Suélen entrou no quarto empurrando o carrinho com medicações -- Estou trazendo a sua medicação pela última vez. Que felicidade! Não aguentava mais essa chata. 

Fernanda sorriu para a amiga com carinho. Depois do coração novo, conhecer Suélen foi a melhor coisa que lhe aconteceu naquele hospital. 

-- Você vai para o apartamento com o Salomão, Nanda -- afirmou dona Matilde -- Ele é o seu noivo e deve cuidar de você. 

-- Mas é claro que ela vai comigo para o apartamento. E não se preocupem, não sairei um instante de perto dela. 

-- Você é um menino de ouro, Salomão -- disse dona Matilde, com admiração. 

Fernanda revirou os olhos, um pouco impaciente.  

-- Será que vocês poderiam me deixar um pouco a sós com a Suélen? Quero me despedir dela. 

-- Claro, meu amor. Já vou levando as suas bolsas para o carro. 

Fernanda esperou todos saírem para então, falar com Suélen.  

-- Descobriu alguma coisa sobre a doutora? 

A enfermeira deu uma risadinha misteriosa, sacudindo a cabeça. 

-- Não existe missão impossível para a enfermeira Suélen -- a moça entregou um papel dobrado para ela -- Aqui está o nome do hospital que a doutora gata trabalha. 

Fim do capítulo