Capítulo 11
Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 11
Terça-feira 19:00
Fernanda se encolheu sob a coberta, com as pernas encolhidas junto ao peito. Intrigado, Salomão sacudiu a cabeça de cabelos ralos.
-- Saia daí, Nanda! -- disse, com firmeza -- Precisamos conversar.
-- Não quero! -- sua voz saiu num sussurro sufocado.
-- Não me faça perder a paciência, Nanda -- disse ele em um tom de voz irritado -- Sai logo.
Fernanda colocou a cabeça para fora e sorriu para ele.
-- Feliz dia dos namorados! -- disse, ela ainda sem encará-lo.
-- Nanda, Nanda, olhe para mim! -- e quando ela levantou os olhos, ele disse, lenta e pausadamente, como se estivesse falando com uma criança -- Não foi nada engraçado o que você fez.
-- Sinto muito -- disse Fernanda, bruscamente, sentando-se na cama -- Creio que exagerei.
Ele a olhou, esperando que continuasse.
-- Por favor, me perdoe, Salomão.
Ele se sentou ao lado dela e lhe deu o presente.
-- Feliz dia dos namorados -- o rapaz inclinou a cabeça e beijou-a na boca com ternura e suavidade. No início o beijo foi terno, mas à medida que a emoção tomava conta de Salomão o beijo foi ficando mais intenso, mais ardente. Fernanda tentava corresponder, mas algo a impedia de se entregar. Era uma sensação estranha que não conhecia e que a deixava totalmente desconfortável nos braços dele.
-- Eu não sabia que o perfume era tão caro -- disse Fernanda, bruscamente, afastando-o de si -- Queria usar um perfume bem gostoso só para você.
O rosto sério de Salomão desmanchou-se subitamente num sorriso
-- Sério? -- ele ainda estava segurando a mão dela e apertou suavemente. Estavam bem perto um do outro, os corpos quase se encostando. Fernanda sentiu remorso, mas era a única forma que ela encontrou para amenizar a situação.
-- Sim. Só para você, meu amor.
-- Que fofa! -- falou de forma emocionada -- Pena que, para comprar o perfume, tive que usar o dinheiro que tínhamos reservado para comprar a geladeira.
Ela arregalou os olhos, indignada e puxou o folego antes de explodir.
-- O que?
20:00
Cristina, que caminhava à frente de Alicia, parou e se virou para falar com ela.
-- Essa mulher chegou com uma conversa muito esquisita sobre o filho falecido. Aquele que morreu no acidente de moto. Lembra? -- Cristina voltou a andar, mas Alicia puxou-a pelo braço para que ela ficasse de frente para ela.
-- Espera, espera -- ela engoliu em seco, os lindos olhos verdes fixos na amiga, que esperava nervosamente -- Estamos falando da mãe do Vinícius Ferrari?
-- Sim. Por que? Você conheceu ele? -- ela perguntou, curiosa.
Alicia sentiu vontade de dizer: Sim, acabei de conversar com ele na sala de emergência, mas ela preferiu omitir o fato de que o espírito de Vinícius ainda vagava pelo hospital. Qual seria a reação da amiga? Era tudo muito louco e, Alicia sabia disso.
-- Não! Apenas me lembro que você falou sobre o acidente, de como é triste a morte de um jovem e da dificuldade que tem de conversar com os familiares.
-- Ah, pois é -- Cristina segurou a mão de Alicia e levou-a até a porta da sala de acolhimento -- Conversa com ela, Alicia. Você tem mais jeito pra falar com os familiares do que eu. Faz isso por mim, vai!
Alicia ergueu uma sobrancelha, com a expressão de quem parecia hesitar. Sabia que estava em terreno perigoso. Estava se envolvendo com um espírito sofredor que parecia saber tudo a seu respeito, de suas fraquezas, medos. Não podia cair nas artimanhas dos obsessores. Queria conversar com Thais, não com espíritos sofredores e necessitados. Já tinha problemas demais para resolver.
-- Não, Cris. Me perdoe, mas estou fragilizada demais, tirando forças não sei de onde pra poder continuar. Como poderei ajudar essa mãe desesperada?
-- Entendo. Desculpa...
A porta se abriu e apareceu uma mulher muito magra, com o semblante abatido e com um copo de água na mão.
-- Doutora, Alicia! -- o copo partiu-se no chão e a água molhou a sapatilha que ela usava.
As duas amigas entreolharam-se.
-- A senhora me conhece?
21:00
-- Não acredito que o Salomão usou o dinheiro que era pra comprar a minha geladeira -- disse Fernanda, ainda revoltada.
Suélen caiu na gargalhada e precisou se sentar na cama para se recompor.
-- E você queria o que? Que ele fizesse um consignado?
-- Ele podia tirar do dinheiro da festa que não me importaria.
Suélen ficou séria na hora.
-- Não! Da festa, não. Casamento Gay ou Hétero, o que importa é o Buffet.
-- Nem sei mais se quero me casar -- disse baixinho, sacudindo a cabeça, em seguida, escondeu o rosto com as mãos -- Aquela mulher não sai de meus pensamentos e eu mal posso esperar para vê-la novamente.
Suélen olhou para cima, tomada de surpresa, mas logo se recobrou e disse, meio impaciente:
-- É sério? -- a enfermeira olhou-a nos olhos e ergueu as sobrancelhas com aquele jeito de quem está pasma e esperou uma resposta.
Fernanda jogou os cabelos para trás e olhou para ela com uma expressão engraçada, misto de desespero e entusiasmo. Tentou controlar a voz quando falou.
-- É sério -- sua voz era firme e ansiosa -- E preciso que você me ajude a encontrar a doutora dos olhos verdes -- sorriu com ar de desafio -- E então, você é capaz disso? -- provocou.
21:30
-- Sente-se melhor, dona Joana? -- perguntou Cristina.
-- Acho que sim -- ela respondeu, esticando as pernas -- Não estou mais tonta -- Levantou-se para andar pela sala.
-- Acho melhor a senhora permanecer sentada. Não faça esforço -- aconselhou, a ortopedista.
-- Estou bem, doutora Alicia -- ela apressou-se em dizer.
-- Como sabe o meu nome? -- quis saber, a médica.
-- Está bordado no bolso do seu jaleco.
-- Ah, tá -- Alicia sentiu-se ridícula.
Dona Joana sorriu de leve, baixou a cabeça e sussurrou:
-- Eu não aguento mais. Está tão difícil se conformar com a perda de meu filho. Os sonhos destruídos, uma vida interrompida de forma tão violenta. É cruel demais!
-- Eu entendo perfeitamente -- sua expressão era séria, e não julgadora. Alicia conhecia muito bem aquela dor. Perder alguém que amamos é uma das piores provações que passamos na vida.
-- Por que ficou tão transtornada, quando viu a Alicia? -- Cristina aproximou-se da senhora, fitando-a com curiosidade.
-- Vocês podem achar que estou ficando louca, mas na manhã seguinte da morte do meu filho, o nome Alicia estava escrito no espelho do banheiro. E isso se repetiu em todas as manhãs seguintes. Estou com muito medo.
Cristina ficou sem saber o que dizer, os lábios trêmulos, morta de medo. Alicia enfiou as mãos nos bolsos do jaleco e sentou na beirada da mesa.
-- O espírito do seu filho me procurou -- disse Alicia e, ficou esperando pela reação de dona Joana.
Num impulso, a senhora foi até ela e segurou-a pelos ombros, com gentileza. Ela esboçou um sorriso triste e percorreu as mãos pelos cabelos da médica.
-- Pelo amor de Deus, me diga o que Vinícius falou. Ele mandou alguma mensagem para mim?
Alicia a fitou, sorridente, mas em seguida desviou o olhar, e seu semblante tornou-se de repente sério.
-- Precisamos conversar em um outro local -- disse, tentando dar um tom normal à voz -- Seu filho está precisando de ajuda e nós vamos tentar ajudá-lo.
Quarta-feira 07:00
Uma leve batida na porta do quarto e Doutor Daniel, entrou, com sua prancheta na mão.
-- Bom dia, Fernanda!
A psicóloga levantou a cabeça do travesseiro, atendendo ao chamado do cardiologista.
-- Bom dia, doutor -- respondeu, sonolenta.
-- Um ótimo dia, creio eu -- o sorriso dele se abriu -- Tenho uma excelente notícia para você.
Fernanda sentou-se na cama. Passou a mão pelos cabelos despenteados e ergueu a cabeça.
-- A única notícia que considero excelente é... -- ela olhou para o médico com os olhos brilhando -- É isso?
-- Não sei, diga você mesma -- ele falou em tom divertido.
-- Vou para casa! -- exclamou com um ar de felicidade estampado no rosto -- É isso mesmo? Eu vou para casa? -- era tão maravilhoso que nem parecia verdade. Lágrimas inundaram os olhos dela -- Finalmente, depois de tanto tempo vou voltar a viver! Obrigada, meu Deus! Obrigada, minha querida doadora!
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]