Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 10 

 

Terça-feira   08:00 

 

-- Natália! -- Alicia a chamou da porta do elevador. 

Com um movimento rápido, a médica se virou para ela e sorriu. 

-- Alicia! -- ela esperou a ortopedista se aproximar -- Tudo bem? 

-- Na verdade, quero te pedir uma coisa. 

Natália a fitou longamente. 

-- Fala, meu amor. 

Ligeiramente constrangida, Alicia respirou fundo e continuou: 

-- Ainda está de pé os dias de folga? 

-- Mudou de ideia? 

-- Sim, está sendo mais difícil do que imaginei. Gostaria que não tocassem tanto no assunto, mas, parece impossível. 

-- Todos gostam muito de você e estão preocupados. Eles só querem de alguma forma te confortar. 

-- Eu sei, mas nesse momento a única coisa que quero é ficar longe de perguntas e comentários que não mudarão em nada o meu atual estado de espírito. Preciso de uma semana mais ou menos a fim de organizar minha vida. 

-- Se quiser pode ficar na casa de Angra. É um lugar tranquilo com paisagens linda. 

-- Obrigada, Natália, mas prefiro ficar em casa. Quero comprar um cachorro pra me fazer companhia então, preciso de um tempo até ele se adaptar no apartamento. 

-- Que fofo! Quer uma ajuda para escolher o cachorro? Conheço um ótimo petshop. 

-- Prefiro que o cachorro me escolha. 

Elas riram no momento em que um grupo pequeno de enfermeiras conversando passou por elas, cochichando. Natália as fitou com cara de poucos amigos.  

-- As "Cobras" saíram da toca para destilarem seu veneno. 

Alicia deu de ombros, depois enfiou as mãos nos bolsos do jaleco. 

-- Na boca de quem não presta, quem é bom não vale nada. 

-- Verdade -- Natalia consultou o relógio -- Vamos tomar café? 

Alicia pensou um pouco antes de responder:  

-- Bem, o PS está tranquilo, então, creio que posso aceitar o seu convite, mas você paga. 

Natalia sorriu. 

-- É assim, quem convida paga? 

-- Sempre foi -- disse Alicia e saiu caminhando na frente -- Lembra? 

Natalia balançou a cabeça sorrindo e a seguiu em direção a cantina do hospital. 

 

 

08:30 

 

-- Posso escolher o meu presente de dia dos namorados? 

Salomão olhou para ela, surpreso com o pedido. Fernanda nunca deu a mínima para presentes. 

-- Claro, mas não era você quem dizia que dar e receber presentes é uma manobra do comércio para obrigar as pessoas a consumirem muito além do que necessitam visto que presentear não é uma necessidade básica e incentiva o materialismo e o consumismo? Um beijo, um abraço ou até mesmo um sorriso também são presentes e com certeza quem receber irá amar. 

Fernanda ficou olhando para o noivo, atônita e incrédula. Que cara chato! Pensou. Sua paciência com Salomão estava no limite. Custava apenas dizer: Claro, meu amor! 

-- Então, o que você quer? 

-- Perdi o tesão -- ela respondeu, irritada. 

Suelen que entrava naquele momento, ouviu apenas a resposta de Fernanda. 

-- Ops! Saindo -- murmurou ela, girando nos calcanhares -- Volto mais tarde. 

-- Espera, pode ficar, Suelen -- disse Salomão, irritado -- Acho que além do coração, você recebeu também um novo cérebro. Eu não estou mais te reconhecendo Fernanda.  

A psicóloga, contudo, permaneceu em silêncio e nada replicou. Ele tinha razão, em sentir-se ferido. E ela, não sentia vontade de se explicar. 

-- Eu só queria um presente do dia dos namorados. Poxa, você não é nada romântico. 

Salomão encostou-se na parede e cruzou os braços na altura do peito. 

-- Tá, o que você quer ganhar no dia dos namorados? 

Fernanda espirou fundo e ajeitou-se na cama antes de falar. 

-- Quero o perfume Love in white da Creed -- ela disse, em alto e bom som. 

Suelen deu um grito estridente de surpresa, e então tapou a boca para conter uma risada. Salomão a olhou com cara de bobo. 

-- O que foi? 

Suelen passou a mão pelo rosto se recompondo. 

-- Cólicas. Sabe como é, gases presos. 

-- Hum -- Salomão pegou um bloco de papel e uma caneta e entregou a Fernanda -- O nome desse perfume é muito complicado, escreve pra eu não comprar errado. 

Fernanda escreveu e entregou o papel para ele. 

-- Obrigada, amor -- ela agradeceu sorrindo. 

Salomão deu um beijo nela e saiu. Assim que a porta se fechou, Suelen caiu na gargalhada. 

-- O que foi sua louca? Tá rindo de que? 

-- Sabe quanto custa esse perfume? 

-- Não. 

-- De 1.200,00 a 1300,00 reais. 

-- JESUS!!! O Salomão vai me matar! -- exclamou, apavorada -- É feito de que essa coisa? 

-- Deixe-me ver -- Suelen pegou o celular do bolso e acessou o Google -- A fragrância Love in white da marca Creed é a escolha de grandes nomes, como Angelina Jolie e a ex-primeira dama Michelle Obama. O perfume contém em suas notas de cabeça cascas de laranja. Já no coração, a composição se dá por magnólia, jasmim italiano e narciso. Por fim, ao fundo estão a baunilha e sândalo. 

-- Tá explicado -- Fernanda disse, desanimada. 

-- De onde você tirou a ideia de querer justo esse perfume? 

Fernanda olhou para a amiga, um tanto relutante, com as sobrancelhas arqueadas. 

-- Não sei, Suelen. Simplesmente veio a minha cabeça, nunca ouvi falar desse perfume. Coitado do Salomão. 

 

 

13:30 

 

Ainda sem fôlego por causa da corrida desde o restaurante, Alicia passou pela grande porta de vidro e parou na recepção. A recepcionista, olhou para as roupas dela, calça jeans apertada, uma camiseta colorida, bem solta, e um par de All Star. 

-- Estou atrasada, não é? 

-- Trinta minutos atrasada -- ela respondeu, olhando o relógio -- A doutora Cristina está a sua procura desde as 13:00! 

-- O que será que ela quer? 

-- Não sei -- a recepcionista respondeu, sem interesse -- O seu crachá doutora, Alicia? 

-- No armário. 

-- Hum, não toma jeito né -- ela deu um profundo suspiro e balançou a cabeça de um lado para o outro. 

-- Alicia! 

A ortopedista virou-se depressa ao reconhecer a voz de Cristina. 

-- Tudo bem, Cris? 

A médica parou diante dela com o rosto vermelho. 

-- Onde você estava? Procurei-a por todo o hospital e não a encontrei. 

-- Estou na minha hora de almoço, fui ao restaurante do outro lado da rua. O que aconteceu? -- perguntou, observando o rapaz do dia anterior parado ao lado da porta de emergência -- Espera um pouco -- pediu para Cristina, mas a amiga a segurou pelo braço. 

-- Não, Alicia. É muito importante. O que há com você?  

Alicia virou-se para encará-la e ela a fitou com curiosidade. 

-- Tem uma pessoa com quero conversar e não vou perder a oportunidade. 

Ela livrou-se rapidamente da mão de Cristina e saiu caminhando em direção a emergência. Passou pela imensa porta bate e volta e viu o rapaz caminhando até uma das macas de emergência. 

-- Espera -- pediu, Alicia -- Precisamos conversar. 

Ele virou e se encostou na maca. 

-- Minha mãe está aqui -- ele disse, pulando para se sentar. 

-- Sua mãe? O que ela faz no hospital? 

-- Veio buscar as minhas coisas. 

Uma enfermeira passou por ela observando-a desconfiada por um longo instante. 

-- Algum problema, doutora?  

-- Não. Só estou aqui meditando sobre a influência da lua sobre o humor das pessoas. Você já parou para pensar que a Lua e o nosso humor têm relação direta? Por isso, em alguns dias as pessoas estão mais dispostas e felizes, enquanto em outros parece que todo mundo está de mau humor e melancólico, sem nenhum motivo aparente.  Isso ocorre porque esse astro é poderoso e afeta diretamente o homem, influenciando, por exemplo, na nutrição, fertilidade e emoções. Além disso, há mais um detalhe importante: cada fase da Lua representa uma vibração diferente, por isso as variações de humor do ser humano, principalmente das mulheres, por exemplo, na lua cheia, as pessoas mais sensíveis podem ficar irritadas com situações pequenas, precisando de muito controle para não matar alguém.  

Louca. Pensou a enfermeira. Depois, se virou e saiu rapidamente.  

Alicia voltou a sua atenção para o rapaz. 

-- Você é um espirito, não é mesmo? 

-- Estou no Umbral -- ele colocou as pernas sobre a maca -- Dizem que estou sofrendo muito por conta da raiva e mágoa que sinto por um desafeto. 

-- Você deve perdoar o desafeto, pois a lei do amor é a nossa salvação. 

O espírito, com olhar penetrante, disse: 

-- E porque devo confiar em você? 

-- Ora, em nosso centro espírita, onde os ensinamentos de Jesus são praticados, ajudamos todos os espíritos sofredores e necessitados. 

-- E você também ajuda a si mesmo, ou só pensa em ajudar os outros? -- Perguntou o espírito. 

Alicia ficou surpresa com a pergunta, mas como conhecedora da doutrina sabia que não podia cair nas artimanhas dos obsessores, e disse: 

-- Não estamos aqui para falar de mim. Você está no umbral e precisa de ajuda. Você não quer sair do umbral? 

-- Sim, eu quero -- disse o obsessor. 

-- Alguns espíritos vivem no umbral porque não conseguem se desprender da raiva e mágoa que sentem de um desafeto.  

-- Mas você, doutora, perdoa todas as pessoas? Não sente também raiva e mágoa de alguém? 

Alicia estava ficando irritada com o obsessor. Estava pensando numa resposta, mas o espírito completou: 

-- Não é verdade que a doutora também sente raiva e mágoa do motorista que causou a morte de sua esposa? Não é verdade que você não consegue perdoa-lo? 

Alicia ficou assustada com aquelas colocações. Como o espírito poderia saber disso? pensou. Começou a sentir raiva do obsessor, e não muito confiante, disse: 

- Não vou entrar na sua cilada. Você como obsessor experiente deve atacar as pessoas em seus pontos fracos. Portanto, saiba que... 

-- Eu sou um obsessor, doutora? -- perguntou o espírito interrompendo Alicia -- Eu me pergunto se todos nós não somos um pouco obsessores das pessoas que dizemos amar, mas que no fundo as tentamos controlar e ganhar seu afeto a força.  Não é verdade que você foi quase uma obsessora da sua esposa? Quantas vezes por dia você ligava pra ela perguntando onde ela estava e se ia demorar? Quantas vezes você tolheu a liberdade dela por conta dos próprios medos e incertezas que guarda em seu íntimo? Você podia estar sendo uma grande obsessora encarnada dela e nem percebia... 

Alicia ficou atônita com aquelas revelações. Aquele espírito parecia saber tudo a seu respeito, e estava ali desnudando seus defeitos um a um. Alicia ainda não queria dar o braço a torcer e ficou com mais raiva. Resolveu fazer uma oração, dizendo: 

-- Senhor Jesus, peço que conduza esse irmãozinho perturbado a um local de tratamento no plano espiritual.  

O espírito disse: 

-- Por que me chamas de irmãozinho, se nesse momento você quer, na verdade, pular no meu pescoço? De que adianta fazer uma oração a Jesus com toda essa raiva que quase transborda de você? Não, Jesus não vai te atender nesse momento... Você precisa, Alicia, parar de fugir dos seus problemas e emoções e olhar para as impurezas do seu ser. 

Alicia, após alguns segundos em silencio, olhou para o espírito e perguntou: 

-- Quem é você? 

O espírito olhou para ela e disse: 

-- Me chamo, Vinicius Ferrari. 

-- Alicia! -- chamou Cristina, da porta -- Encontrou a pessoa? -- Cristina se aproximou lentamente olhando para os lados -- Podemos conversar agora? 

Alicia precisou de alguns segundos para se recompor daquela enxurrada de emoções. 

-- Claro. Pode falar. 

-- Lembra daquele jovem que morreu na sala de emergência? Aquele do acidente de moto? Pois é, a mãe dele veio buscar os seus pertences. Será que você pode conversar com ela no meu lugar? 

 

 

19:00 

Salomão entrou no quarto, respirou fundo e abriu a boca para falar. 

-- Você só pode estar de sacanagem, né Fernanda! 

 

 

 

 

Créditos: 

https://www.mensagemespirita.com.br/md/ad/um-obsessor-no-centro-espirita 

 

 

 

 

 

 

 

Fim do capítulo