Capítulo 9
Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 9
Segunda Feira 14:05
Fernanda saiu do banheiro nua. As gotas d'água rolavam lentamente pelo ombro e pelas curvas sinuosas de suas costas e nádegas. Ela fitou Alicia por alguns instantes e subitamente seu coração começou a bater descompassado. Aquela mulher a sua frente era linda demais, seus cabelos loiros e olhos verdes; essa combinação de cores fazia sua beleza tão chamativa que não conseguia parar de olhá-la com espantada admiração.
-- Quem é você? -- sua voz saiu em um sussurro.
Alicia engoliu em seco, sem conseguir desviar seus olhos dos olhos de Fernanda.
-- De...Desculpa -- ela gaguejou. Não conseguia deixar de fitá-la nos olhos. Sentia-se tão zonza que não conseguia articular sequer uma palavra.
-- O que faz aqui? -- Fernanda tinha certeza que seu coração antigo não teria suportado aquele ritmo alucinado de batidas -- Deseja alguma coisa? -- Uma poça de água se formou no chão, enquanto ela a encarava e esperava a resposta.
-- Acho melhor você se secar -- evitando olhá-la, Alicia se aproximou e pegou a toalha que Suelen havia deixado sobre a cama -- Tome -- ela estendeu-lhe a toalha.
Fernanda sentiu-se corar de repente. Tinha confiança em sua aparência, e que não assustaria ninguém com a sua nudez, mas, aquela mulher causava uma sensação de familiaridade a ela, algo sensual, erótico, safado e ao mesmo tempo de ternura.
Fernanda pegou a toalha e se enrolou com rapidez, olhando para a desconhecida, com o rosto fervendo.
-- Desculpa, a porta estava aberta e acabei entrando -- explicou-se, Alicia.
-- Tem gente que não pode ver uma porta aberta que já vai entrando! -- resmungou, ajeitando a toalha. Os pensamentos confusos de Fernanda tornavam-se emoções conflitantes.
-- Bem, preciso ir -- antes de dar-lhe as costas, Alicia observou Fernanda mais uma vez -- Você tem a voz muito bonita -- ela arqueou os cantos da boca, os olhos verdes centrados na moça.
A psicóloga se sentia derreter sob aquele olhar reluzente.
-- Obrigada! -- respondeu, cruzando os dedos para ocultar o tremor. Pela expressão dela, a desconhecida devia ter percebido alguma coisa, pois olhou-a fixamente.
-- Adeus!
Adeus? Fernanda se desesperou. Adeus é uma palavra muito forte e cruel. Que significa: "estou indo para sempre".
-- Como se chama? -- Fernanda apressou-se em perguntar. Não podia deixa-la ir sem ao menos saber o seu nome. Sorriu para ela, que respondeu com um olhar desconfiado. Provavelmente devia estar pensado que ela era uma lunática, parada ali de toalha, tentando descobrir o seu nome para depois persegui-la como no filme: Colega de Quarto, onde a nova amiga estava tão obcecada por ela a ponto de representar um perigo real para todos que a cercavam. Coisa insana!
-- Sou a Doutora Alicia -- ela estendeu a mão para cumprimentá-la.
A risada de Suelen soou pelo quarto fazendo Alicia recolher a mão e se afastar dela.
-- Desculpa a demora -- a enfermeira fitou-a com uma expressão cômica -- Tem visita?
-- Preciso ir -- Alicia falou da porta -- Foi um prazer conhecê-la...
-- Fernanda -- ela completou -- Me chamo Fernanda.
-- Fernanda -- Alicia repetiu, sorrindo. Abriu a porta e saiu.
Suelen se virou para a psicóloga.
-- Amiga, quem é esse pedaço de torta alemã?
Fernanda piscou os olhos. Teve dificuldade para esconder o entusiasmo. Tudo que queria fazer era sair pulando de alegria.
-- Você não a conhece? Ela é a Doutora Alicia.
-- Doutora Alicia? Aqui no hospital não tem nenhuma Doutora Alicia.
-- Como não? -- ela saiu à procura de roupas limpas -- Tem certeza?
-- Você acha que se uma deusa dessas trabalhasse aqui no hospital, eu já não a teria levado pra casa? -- comentou ela, encostando-se na parede e examinando uma das unhas.
Fernanda ergueu uma sobrancelha, com a expressão de quem parecia não ter gostado do comentário. Depois de se enxugar e começar a se vestir, Fernanda deu um tapa na enfermeira.
-- Passei a maior vergonha e a culpa foi sua.
-- Minha? -- Suelen apontou para si mesma -- Por que a culpa é minha?
-- Saiu e me deixou pelada no banheiro, sem toalha e sem roupas. Como você acha que me senti estando nua na frente de uma estranha?
-- Com tesão! -- Suelen disse, sorrindo para ela -- Por favor, pessoa totalmente safada e tarada, saia desse corpo e devolva a minha amiga Nanda!
Elas riram juntas.
-- Para de falar besteira, Su.
-- Você tem razão. Deite-se. E não faça mais esforço. Diga-me o que quer e eu pegarei para você.
19:00
Quando chegou ao setor de ortopedia, o corredor cheirava a tagetes, também conhecidos como cravos-de-defunto.
-- Mas que cheiro forte! -- ela abriu a porta que dava para a sala de gesso e não pôde acreditar no que viu.
Alicia entrou na sala com cautela. Deu dois passos em direção a maca e parou.
-- O que faz aqui sozinho? Não tem nenhuma enfermeira te acompanhando?
O jovem negou com um gesto de cabeça.
-- Acho que quebrei a minha perna -- disse, casualmente, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
-- Não está com dor? -- Alicia perguntou preocupada.
-- Quero falar com a minha mãe -- pediu o jovem, olhando para o chão -- Você pode chamar ela pra mim?
-- Com certeza, mas primeiro vou chamar uma enfermeira para levá-lo a sala de RX. Já volto.
Alicia saiu para o corredor, em direção ao balcão de enfermagem da ala ortopédica. Uma enfermeira baixinha e morena estava entrando naquele momento, empurrando um carrinho com medicamentos.
-- Por que ninguém me avisou que tinha um paciente aguardando na sala de gesso? -- disse, fazendo um gesto na direção da sala.
A moça olhou-a em silêncio por alguns momentos, surpreendida.
-- Nenhum paciente passou pela triagem ortopédica nas últimas horas. A doutora tem certeza? -- a enfermeira abriu a porta e olhou para dentro da sala -- Uai! Não tem ninguém aqui, doutora.
-- Não? -- havia uma nota de ansiedade na voz habitualmente calma -- Mas, eu acabei de falar com ele!
-- Então, olhe doutora. A sala está vazia.
Alicia colocou a cabeça para dentro e ficou olhando para a pequena sala, vazia e para a maca com o lençol bem-arrumado. Olhava para tudo aquilo incrédula, com um ar de assombro estampado no rosto. Fechou os olhos por um momento, tentando imaginar o que estava acontecendo.
Alicia evitou encarar a técnica de enfermagem e seus lábios tremeram.
-- Por favor, desculpe-me, Renata. Devo ter imaginado.
A moça olhou para ela com desconfiança, coçou atrás da orelha e voltou a empurrar o carrinho, desaparecendo no fim do corredor.
-- Ah, mas que droga é essa? Só podem estar de sacanagem comigo!
Ela balançou a cabeça, tentando clarear a mente.
-- Vamos trabalhar que é melhor -- Alicia bateu de leve na porta e entrou no quarto de dona Arminda, uma paciente de certa idade, que havia fraturado o fêmur em um acidente doméstico.
-- Boa noite, minha paciente preferida -- disse, com um sorriso largo -- Como está hoje?
-- Estou bem, minha filha -- a idoso fez uma careta ao se mexer depois, sorriu -- Na medida do possível, é claro.
-- Deixe-me ver -- disse a ortopedista, pegando uma prancheta na parte frontal da cama.
-- Você está com um ar abatido e um pouco triste. Não devia ficar assim, principalmente em sua idade e sendo casada com uma mulher, tão encantadora!
Alicia tentou sorrir. Durante o dia inteiro, havia feito o possível para disfarçar a angústia que lhe invadia a mente e o coração e manter o sorriso de sempre, que os pacientes esperavam dela. O comentário inocente de dona Arminda fez com que a dor de cabeça que fizera parte de sua vida nos últimos dias, voltasse ainda mais forte.
-- O que aconteceu? Você parece estar a ponto de chorar -- disse a idosa, muito preocupada -- Eu sei que alguma coisa não está bem, doutora. Não quer me contar?
Alicia abaixou a cabeça, enquanto a idosa lhe fazia perguntas.
-- Não é nada, não -- respondeu sorrindo, para disfarçar a tristeza, a angústia e a dor que sentia. De nada adiantaria contar com a piedade de alguém que já possuía suas próprias dores -- Acho que estou cansada.
A senhora não pareceu muito convencida, mas resolveu encerrar o assunto.
-- Desculpe a chatice, mas a sua alegria nos cativa. Você é o único remédio de que precisamos! Então, seja lá o que for, que se resolva logo.
Alicia beijou a testa da idosa e saiu do quarto com os olhos marejados de lágrimas. Quando os pacientes ficarem sabendo da morte de Thais, será uma avalanche de condolências e frases de conforto. Pensou.
20:00
A imagem da médica linda povoava a sua mente enquanto estava deitada na cama olhando para o teto. E, lembrou a si mesma: você é hétero, noiva de um homem maravilhoso, data do casamento marcado, não podia ficar perdendo tempo com coisas insignificantes.
Se virou na cama e a imagem da médica voltou a sua cabeça. Desejava saber se Alicia também estava pensando nela.
Suelen entrou no quarto e encostou a porta.
-- Hum, pensando na médica linda de hoje de manhã?
Fernanda não a escutara entrar no quarto e a pergunta a fez dar um salto.
-- Desse jeito meu coração novo vai pro pau logo. Logo - resmungou.
Suelen deu de ombros. Houve um silêncio, depois a enfermeira disse, calmamente:
-- Loira, linda. Aquela médica deve ter uns vinte e poucos anos, o que significa nova demais para você -- comentou ela, esperando o efeito da provocação.
-- Está me chamando de velha? -- as sobrancelhas dela estavam unidas, forte indicativo de que não gostara do comentário.
Suelen gargalhou.
-- Devo ter algo que adora os seus chiliques. Estava só te provocando, sua bobona. A diferença de idade entre vocês duas deve ser apenas de uns dez a quinze anos.
Fernanda jogou o travesseiro na amiga.
-- Sua desagradável! -- ela xingou, fingindo estar brava -- Onde está o meu noivo? Gostaria de ter uma palavra com ele.
-- O Salmão cru está lá fora -- ela fez uma careta -- Vou chamá-lo.
Casos interessantes de pessoas que teve órgãos transplantados e junto vieram lembranças
Claire Sylvia
Em 1988, Claire Sylvia, de 47 anos de idade, passou por um transplante de coração e pulmão que salvou a sua vida. No entanto, logo após a cirurgia, Claire relatou que passou por algumas experiências bem estranhas. Tanto que a primeira coisa que ela teve vontade de fazer ao acordar da operação foi tomar uma bela cerveja - embora não fosse muito fã da bebida antes do transplante.
Com o tempo, Claire também começou a sentir desejo de comer coisas de que ela não gostava ou sequer tinha provado anteriormente, como pimentões, determinadas barras de chocolate e, a mais esquisita delas, nuggets de frango do McDonald's. Entretanto, o mais bizarro é que Claire passou a ter sonhos frequentes com um jovem magro que ela acreditava se chamar Tim L.
Claire, então, decidiu investigar e, depois de vasculhar os obituários locais, descobriu que um rapaz chamado Timothy Lamirande havia morrido no mesmo dia de seu transplante. O jovem tinha 18 anos de idade e faleceu em um acidente de moto quando voltava para casa depois de passar por um McDonald's. Claire ainda ficou sabendo que os paramédicos encontraram uma porção de McNuggets com Tim enquanto tentavam salvar sua vida.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Mille
Em: 15/06/2019
Oi Vandinha
A Nanda tomando iniciativa no primeiro encontro, já quer saber o nome da médica.
Suelen é uma graça kkkkk
Olha que os espíritos gostam da Alicia, e até o momento são espíritos tranquilos.
Bjus e até o próximo capítulo
Resposta do autor:
Beijos Mille. Até.
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