Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 7  

Domingo    07:10 

Alicia jogou no porta-malas uma mochila com roupas e seus objetos.  

-- Vamos nessa -- ela fechou a mala do carro e esfregou as mãos para esquentar. 

-- Cara, bem que eu queria ir junto com você -- Cristina tremia de frio e cruzou os braços sobre o corpo para se proteger. 

-- Por que não vem? -- Alicia se encostou na porta do carro com uma perna para dentro -- Seu plantão é só segunda-feira à tarde. 

-- Não vai dar. Natália ficaria uma arara quando descobrisse que fomos para a casa de seus pais e não a convidamos. Ela ama aquele lugar. 

-- Eu sei. Todos amam -- a ortopedista entrou no carro e girou a chave -- É uma pena, poderíamos encher a cara de vinho e pizza. 

-- Delicia! -- Cristina se debruçou na janela do carro -- Escuta, loira. Estou precisando trocar o plantão de segunda. Será que poderia me dar essa força? Eu faço pra você na terça. 

-- Claro, sem problemas -- Alicia concordou, sem pestanejar -- Qual o setor? 

-- No setor de internamento. 

-- Tá combinado. 

-- Valeu. Toma cuidado na estrada, loira. Sabe que eu te amo, né? 

-- Também te amo, polaca. Quando eu chegar em Itatiaia, te envio um WhatsApp. 

Finalmente Alicia deu partida e pôs-se a caminho da casa de seus pais.  

08:15 

Suélen deu uma espiadinha para dentro do quarto. 

-- Está sozinha? -- perguntou, só com a cabeça para dentro -- O noivinho? 

-- Estou sozinha. Salomão foi até em casa -- Fernanda sorriu, ajeitando-se no travesseiro -- Entra. 

A enfermeira parou ao lado da cama segurando uma bandeja com medicamentos.  

-- Aproveitei que tenho medicação para a paciente do quarto ao lado e dei uma passadinha para ver como você está. 

-- Fez bem em vir. Quero mesmo falar com você. 

Suélen revirou os olhos. 

-- Não vai me dizer que voltou a amar o Salomão gostosão? 

Fernanda riu. 

-- Lógico que não, sua bobona. 

-- Vai saber! -- ela deu de ombros -- Então o que é? 

-- Estou com desejo de comer empadinhas. Por favor, Suélen! Consiga algumas pra mim. 

A enfermeira ficou séria por um curto tempo, depois caiu na risada.  

-- Você só pode estar brincando -- Suélen deu um tapa de leve no braço dela -- Você está em uso de suplemento nutricionais que fornecem substrato suficiente para o organismo realizar a cicatrização e melhorar a resposta imunológica para prevenir possíveis processos infecciosos. Não pode ficar comendo qualquer besteira. 

-- Empadinhas não é besteira. Eu quero empadinhas! 

-- Sossega, Fernanda. Quando o doutor liberar, você poderá comer um caminhão de empadinhas -- a enfermeira se virou e saiu resmungando -- Era só o que me faltava. 

10:30 

O tempo estimado do percurso da viagem entre a cidade do Rio de Janeiro e a cidade de Itatiaia é de aproximadamente 2 horas.  

Itatiaia é a região mais fria do estado fluminense e o lar do ecoturismo. O Parque Nacional de Itatiaia é o atrativo da região e faz divisa com o Rio de Janeiro e com Minas Gerais. Na parte do Rio, é possível fazer passeios mais leves além de aproveitar as paisagens e cachoeiras com piscinas naturais, como a Véu de Noiva e Itaporani.  

Depois que Alicia foi embora para morar com Thais, tudo modificou. A casa passou a ser o refúgio delas, o lugar sagrado para as férias, a fuga para os problemas. O melhor lugar para elas estarem mesmo que fosse por dois dias ou duas semanas. Foi o lugar que celebraram novas conquistas, reuniram-se para os aniversários, feriados em família e o seu casamento. Sempre foi o cantinho que segurou as barras e acolheu os problemas e alegrias. 

Quando recebeu a notícia da morte de Thais, sua mãe a reconfortou da melhor maneira possível. E apesar, da enorme dor que seus pais também sentiam, mantiveram-se fortes para ampará-la. 

A porta estava aberta, mas não havia ninguém quando Alicia chegou. A casa estava em completo silêncio, e no estado de espírito em que se encontrava, tudo lhe parecia triste. 

Caminhou pela sala e parou diante da estante.  

-- Meu DEUS, como eu queria que você estivesse aqui comigo -- disse olhando para os porta-retratos na estante, repletos de fotos dela com Thais. Sentia-se perdida, abandonada, e, apesar de tentar controlar-se, as lágrimas começaram a correr -- Volta pra mim, amor. Mesmo que seja apenas para se despedir. 

-- Não tente precipitar a comunicação, minha filha. 

Alicia se virou, bruscamente. 

-- Mamãe! -- ela correu até a mãe e se jogou em seus braços -- Preciso tanto de vocês. 

-- E nós estamos aqui sempre prontos a te ajudar e te dar carinho, meu amor. 

Simone abraçou a filha com força, correu os dedos pelo cabelo de Alicia do mesmo jeito que fazia quando ela era criança. Ficaram por um longo tempo abraçadas. A mãe deu um longo suspiro e olhou para longe, como se estivesse à procura de algo milagroso para dizer. 

-- Muitos são os planos no coração do homem, mas o que prevalece é o propósito do Senhor. (Provérbios 19:21) Thais sempre trouxe na face um sorriso de anjo e sua alma pura sempre nos iluminou. Sua missão aqui na Terra foi cumprida, Ali. Não fique alimentando a tristeza dela e a sua, dessa forma, ambas sofrem e afundam juntas. É necessário permitir que a alma ascenda ao plano espiritual e não fique aprisionada na matéria. Portanto, uma forma de diminuir a dor é permitir a partida do espírito para que ele não fique preso a terra. 

Alicia se afastou da mãe, tirou a Jaqueta e jogou-a sobre uma cadeira. 

-- Onde está o papai? -- ela mudou de assunto, rapidamente. 

-- Quando soube que você viria, correu comprar uma garrafa de vinho. 

-- Opa! Isso é bom demais -- ela disse, secando as lágrimas -- Vamos pedir uma pizza? 

-- Pizza só a noite, para o almoço preparei carne de panela com molho picante. Fiz porque sei que você adora. 

Alicia abraçou a mãe. 

-- Obrigada, mãe. Eu amo carne de panela. 

Dona Olivia beijou a testa da filha, com carinho. 

-- Por que você não descansa um pouco enquanto eu término de preparar o almoço? 

-- Vou arrumar as minhas coisas e depois tirar um cochilo. 

-- Faça isso enquanto o seu pai não chega. Aquele velho babão não vai te deixar em paz um minuto. 

Alicia abriu a porta que dá para o corredor, nem se deu ao trabalho de acender as luzes e subiu para o primeiro andar. 

Tirou a roupa da mochila, guardou no armário e deitou-se na cama, com o coração partido, ao lembrar que haviam feito planos para aquele dia dos namorados. Fizeram reservas num dos grandes hotéis da cidade e pretendiam ficar até o final de semana. Suspirando, se levantou devagar e foi até a sacada. 

O nome da cidade de Itatiaia, de origem tupi, significa pedra cheia de pontas. E bastava observar seus arredores para perceber que os índios acertaram em cheio na hora de batizar a privilegiada região. Emoldurado pelo Parque Nacional do Itatiaia, o município é a principal porta de entrada para a reserva, a mais antiga do país, criada em 1937 e famosa por suas imensas formações rochosas. 

Da sacada de seu quarto, Alicia contemplava os altos e famosos picos. Embora acostumada a esse cenário, não se cansava de admirá-lo. Suspirou e tornou a entrar no quarto. Penteou os cabelos, consultou o relógio e apressou-se a descer. Na cozinha, encontrou o pai já sentado a mesa.  

Senhor Germano Becker, tinha a aparecia jovial, ele parecia muito mais jovem do que seus cinquenta e dois anos. Os olhos verdes e brilhantes, os cabelos ainda não haviam embranquecido, o corpo magro e o rosto bronzeado, tinha uma tonalidade mais escura que o tornava diferente da maioria dos alemães da região. 

-- Filha! -- ele se levantou de braços abertos -- Como você cresceu! 

Alicia riu, balançando a cabeça. 

-- A gente se viu faz menos de uma semana, pai. 

-- Sério? Você está tão diferente -- ele comentou, distraído. 

-- Nisso você tem razão, pai -- seu sorriso desapareceu. 

-- O almoço está pronto -- dona Olivia, interrompeu, querendo acabar com a conversa -- Abra logo esse vinho, homem e, para de falar besteira. 

15:00 

-- Cris! 

Ao ouvir a voz de Natália, Cristina se virou rapidamente. 

-- Espera, Cris. Preciso muito falar com você. 

Cristina sorriu e ficou esperando-a se aproximar. 

-- Vai querer carona? 

-- Não, aos domingos eu venho de carro. 

-- Verdade. Até esqueci que hoje é domingo. Bem, o que tem de tão importante pra me dizer? -- a médica pensou por um momento -- Espera aí, nem vem com aquele papo de que está naqueles dias, com dor de cabeça, exausta... De hoje não passa! Comprei até morangos. 

-- Deixa de ser boba! Não tem nada a ver com isso -- Natália riu, balançando a cabeça -- Hoje, o SAMU trouxe um paciente cardiopata pra nós, porém, ele precisará passar por uma cirurgia para retirada de um tumor do coração. 

-- Caramba! -- Cristina enfiou a mão no bolso do jaleco e tirou o estetoscópio -- É uma cirurgia complexa e rara. 

-- Exatamente! Por isso temos que transferi-lo para o Hospital do Coração, que é referência em cardiologia. É uma transferência de risco, por isso, preciso que acompanhe o paciente. 

-- Tem um pequeno problema, Natalia -- ela pendurou o estetoscópio no pescoço e cruzou os braços. 

O olhar de Natália se fixou nela. 

-- Você está na escala de segunda, que problema poderia ter? 

-- Eu troquei o meu plantão com a Alicia. 

Casos interessantes de pessoas que teve órgãos transplantados e junto vieram lembranças e mudança de personalidade. 

Amy Tippins 

Amy Tippins tinha 17 anos quando passou por um transplante de fígado e, pouco tempo depois de se recuperar, percebeu que passou a sentir grande interesse pelos assuntos de sua comunidade e a desenvolver um profundo senso de moral e dever. Como se fosse pouco, a moça passou a se pegar vagando em lojas de material de construção - e inclusive começou a criar pequenos projetos em casa e a ter vontade de comer hambúrguer o tempo todo. 

Então, quando Amy encontrou com a família de seu doador, ela descobriu de onde vinham esses novos - e completamente estranhos - interesses. O homem que salvou sua vida era um militar aposentado chamado Mike James, cuja missão pessoal era ajudar e proteger os demais. Além disso, ele adorava construir as mais variadas coisas em casa e tinha os hambúrgueres como uma de suas comidas favoritas. 

Fim do capítulo