Capítulo 6
Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 6
Sábado 08:00
Alicia jogou fora a torrada que havia queimado.
-- Droga!
Cristina riu da amiga.
-- Vou ter que te dar umas aulas de como fazer torradas.
-- Não só de torradas. Aulas de como fazer café, suco, fritar ovo...
Cristina se encostou na pia e ficou observando a loira tentando fazer algo para comer.
-- Sai daí, sua desastrada. Deixa que eu preparo esse café -- a médica despejou água fervente em duas xícaras nas quais já pusera café instantâneo.
Alicia afastou as mechas louras do rosto e foi sentar-se a mesa.
-- Gosto dos meus ovos mal passados, o café bem forte e as torradas, não tão torradas.
-- Mais alguma coisa, madame?
Ouvir a voz doce e suave do meu amor cantando para mim. Pensou Alicia, com tristeza profunda.
Cristina a conhecia o bastante para saber o quanto a tragédia devia tê-la atingido. Quando Alicia começou a trabalhar no Hospital da Barra, era ainda uma médica recém-formada com cara de menina, indefesa e assustada, usando um jaleco emprestado que não lhe caía muito bem. Thais era a sua chefe no PS e jurou que a transformaria em uma grande profissional. A oncologista fez muito mais. Além de uma grande profissional, Alicia se transformou em um grande ser humano. Um exemplo de humanidade e de bondade.
-- Tudo bem? -- Cristina a fitava com uma expressão de compaixão em seu rosto bonito.
-- Nada bem -- ela disse, desabafando com tristeza -- Parece que o chão foi tirado. Que tudo é um pesadelo. Tento controlar o meu desespero porque não quero atrapalhar o ingresso de Thais no mundo espiritual, mas é tão difícil, Cris.
Cristina se sentou ao lado dela e a abraçou.
-- Você pode chorar. Não tenha receio de chorar e colocar toda a carga para fora. Não é o choro em si que prejudica os desencarnados, mas o apego com clamores de retorno. Ficar pensando fixamente no espírito, desejando que ele retorne, torcendo para que ele fique conosco e reapareça. Isso sim atrapalha o ingresso do espírito no mundo espiritual -- Cristina olhou seriamente para ela -- Você não está fazendo isso, não é mesmo? -- questionou ela, franzindo o cenho.
O silêncio foi sua única resposta.
-- Eu não acredito que você está fazendo isso, Alicia. Eu te pedi tanto.
Mas, novamente Alicia, manteve seu silêncio.
-- Por que não espera ela vir espontaneamente? Não devemos evocar nenhum Espírito, é preferível esperar que eles se comuniquem -- Cristina se levantou e foi até o balcão de pia -- Como terá certeza que é o Espirito dela que está se apresentando? Estamos sempre rodeados de Espíritos, na maioria das vezes inferiores, que anseiam por se comunicar. Você pode estar abrindo a porta a todos que querem entrar. E bem sabemos o que disso resulta.
-- Eu sei, mas eu preciso falar com ela, pelo menos, mais uma vez. Eu preciso disso, Cris.
Cristiana se virou para fitá-la.
-- A frase "o telefonema vem do lado de lá", dita por Chico Xavier, diz bem como o assunto deve ser encarado com mais seriedade. Evocar um "morto" é questão que precisa, portanto, ser bem avaliada, tendo sempre em mente a finalidade a que ela se presta.
-- Não concordo -- Alicia se levantou e foi até a geladeira -- Quando se quer comunicar com um Espírito determinado é absolutamente necessário evocá-lo.
-- Teimosa -- Cristina ligou a torradeira e cruzou os braços -- Vai terminar por atrair espíritos maus.
Alicia sacudiu os ombros.
-- Preciso me despedir dela.
-- Você já se despediu -- replicou Cristina -- Vigiou, orou, enviou cargas mentais favoráveis de bençãos e de paz, através da oração sincera. O que mais quer?
-- Conversar com ela -- insistiu -- Frente a frente, cara a cara, olho no olho. Será que você entendeu?
Cristina colocou as torradas em um prato e entregou para Alicia.
-- Você é irritantemente cabeça-dura, Alicia -- murmurou, entregando-a uma caneca com forte café preto -- Bem, depois não diga que não avisei. O que garante que aquela luz que acendeu ontem na sala, não foi obra de um espírito inferior querendo chamando a sua atenção?
Alicia não deu muita atenção a ela, sorveu um gole de café e recostou-se na cadeira, com a testa franzida.
-- Que veneno!
Cristina a fulminou com o olhar.
-- Além de dar, tem que arreganhar?
Alicia balançou a cabeça dando um meio sorriso.
-- Sua malcriada!
-- Chata! -- respondeu Cristina.
-- Banana!
-- Também te amo, sua folgada. Até mais tarde.
Cristina beliscou-lhe a face, como se ela tivesse seis anos, e foi embora.
Hospital do Coração 10:00
Salomão entrou no quarto com o máximo de cuidado. Fernanda estava dormindo. Ele se acomodou na poltrona ao lado da cama e a observou por algum tempo. Notou que a noiva estava tendo um sono agitado. Podia sentir que o calor do corpo dela estava além do normal, o que o deixou muito preocupado.
Decidiu sair do quarto e procurar alguém que pudesse lhe oferecer informações a respeito do quadro clínico que Fernanda apresentava.
-- Enfermeira! -- ele parou diante do balcão de enfermagem e se inclinou um pouco para frente -- Minha noiva, Fernanda, parece estar com um pouco de febre.
-- Ah! A Fernanda, claro. A paciente que veio da UTI hoje cedo.
-- Ela mesma.
-- O doutor Daniel passou por aqui e deixou prescrito a medicação para ela. Não se preocupe que já estamos indo aplicar uma dipirona. Rapidinho a febre vai baixar.
-- Obrigado.
Salomão retornou ao quarto mais tranquilo. Acomodou-se na poltrona com as pernas recolhidas e o rosto virado na direção dela. Pegou um livrou e começou a ler.
Fernanda percebeu quando Salomão saiu e quando retornou. Pressentia a presença das pessoas, ainda que estivesse adormecida. Talvez pela razão de sentir-se segura com alguém por perto.
Ela abriu os olhos, ainda entorpecida pelos remédios. Salomão curvou os cantos da boca num meio sorriso.
-- Bom dia! Como se sente, meu amor? -- Salomão apertou a mão dela com carinho.
-- Estou um pouco tonta e fraca.
-- Ontem conversei um bom tempo com o doutor Daniel. Fiz várias perguntas a ele.
-- Acredito! Agora me conte o que ele disse.
-- Parece satisfeito com o resultado do transplante, mas devido à complexidade da cirurgia, será uma recuperação lenta e rigorosa.
-- Então, ainda deverei ficar muito tempo no hospital, não é mesmo? -- ela perguntou, esperando ansiosa a resposta.
-- Se Deus quiser, cerca de uns quinze dias e, depois disso, começará o tratamento em casa. Você é uma mulher forte. Tenho certeza de que conseguirá superar isso -- Salomão passou uma das mãos por sua cintura com naturalidade. Fernanda se remexeu incomodada. Notando o desconforto da noiva, ele perguntou preocupado: -- Algum problema?
-- Não, não -- disse ela se apressando para tentar amenizar a situação -- Estou um pouco dolorida.
-- Por que não reclina a cama e descansa?
-- Não precisa -- ela protestou.
-- Teimosa! -- Salomão, então, a ajudou com a cama e afofou os travesseiros. Depois os ajeitou da maneira como ela considerasse mais confortável -- Pronto. Está melhor agora?
A psicóloga balançou a cabeça concordando. Olhou para ele, mas logo desviou o olhar. Sentia-se estranha, como se Salomão fosse um desconhecido.
A mão áspera do rapaz acariciou sua bochecha por poucos segundos, o suficiente para que ela percebesse que seu toque causava mais repulsa que afeição.
Hospital da Barra 16:00
Para surpresa de Natália, Alicia apareceu no hospital para o seu plantão no Pronto Socorro.
-- Alicia, se você não estiver bem para trabalhar, não se preocupe. Arranjarei um substituto -- ela disse, demonstrando preocupação.
-- Não, obrigada, Natália. Eu estou bem.
-- É isso mesmo que você quer?
-- Será bom para mim. Nesse sábado, mais do que nunca, quero ocupar o meu tempo para não pensar.
Natália se encostou no armário do vestuário e cruzou os braços, enquanto Alicia colocava o jaleco branco.
-- Foi um grande choque, não foi? Eu não consegui acreditar enquanto não li várias vezes a mensagem que a Cris me enviou.
-- Sim, o primeiro momento é desesperador.
-- Se precisar de mim, me liga. Não importa se eu estiver dormindo, se eu estiver trabalhando ou qualquer outra coisa. Eu estarei lá.
Alicia deu um sorriso fraco enquanto se dirigia para a porta.
-- Obrigada.
Alicia saiu rapidamente do vestiário. Natália sempre foi apaixonada por ela. E no início também pensou estar apaixonada por Natália. Porém, assim que conheceu Thais, não teve mais dúvida de quem era o seu grande amor.
Hospital do Coração 19:00
A porta se abriu e Suélen apareceu sorridente.
-- Recebi o seu recado, não podia ir embora sem vir até aqui saber o que tem para me falar.
Fernanda sorriu feliz para a enfermeira.
-- Pensei que não viesse mais.
-- Preferi não vir durante o plantão, nesse horário posso lhe dar mais atenção -- a moça se sentou na poltrona e fitou Fernanda, com curiosidade -- Fala.
Antes de começar a falar, Fernanda olhou para a incomoda aliança em seu dedo.
-- Eu não sei o que está acontecendo comigo, Suélen. Preciso me abrir com alguém antes que enlouqueça.
A amiga de repente ficou séria.
-- Você está me assustando.
Fernanda riu.
-- Calma! Não estou apaixonada por você, não.
Suélen passou a mão pela testa.
-- Ufa. Que alívio!
-- Idiota! -- disse a psicóloga, jovialmente.
-- Então, o que é?
-- Eu acho que não amo mais o Salomão -- ela disse e cobriu o rosto com as mãos -- Não suporto mais o seu beijo, o seu toque...
Suélen ficou atônita.
-- Como assim, não ama mais? Você o amava até alguns dias atrás, Nanda!
-- Então, amiga! Me sinto a pior pessoa do mundo, minha vontade é de sumir. Estou sendo extremamente ingrata e injusta com ele. Salomão é carinhoso, honesto, verdadeiro, companheiro, fiel, gentil, mas...
-- Caralh*! -- Suélen tapou a boca com a mão -- Desculpa, amiga, mas é bem isso.
-- Eu sei. Estou desesperada. O que direi para ele? Para os meus pais?
As duas ficaram se olhando, como se buscassem uma na outra, respostas para todos os questionamentos de Fernanda.
O QUE É A MATERIALIZAÇÃO PARA O ESPIRITISMO?
A materialização é uma das principais manifestações dos espíritos no mundo dos encarnados. Quando ela acontece, significa um voto de confiança do plano espiritual com o nosso mundo, um laço que foi possível criar entre um desencarnado e um encarnado. Quando um espírito se materializa, ele é capaz de tomar formato, cheiro e até se tornar tátil - sendo possível ser tocado.
Créditos:
https://www.tuasaude.com/como-viver-depois-de-transplante-do-coracao/
http://www.mundoespirita.net/materializaccedilatildeo.html
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
perolams
Em: 08/06/2019
Tô com dó de Salomão, parece ser um cara legal. Vai sofrer bastante quando perceber a rejeição de Fernanda.
Ainda bem que Alícia tem certa reserva com Natália, porque a bichinha se mostrou nociva demais.
Sobre a conversa entre Cristina e Alicia no início do capítulo, o que prejudica o espírito é também o fato de não conseguir deixar de pensar na pessoa, lembrar dos bons momentos e algumas vezes comentar ou apenas ficar desejando o retorno obsessivamente?
Resposta do autor:
Olá perolams!
O que prejudica os desencarnados é o apego com clamores de retorno. Ficar pensando fixamente no espírito, desejando que ele retorne, torcendo para que ele fique conosco e reapareça. A não aceitação da morte e a revolta pelo desencarne, isso sim prejudica.
O nosso sofrimento excessivo, os fazem sofrer, o nosso apego as lembranças com dor os atingem e os afligem. As lembranças boas, não causam sofrimento.
O ato de chorar, quando representa uma catarse, ou seja, uma liberação das emoções retidas, não deve ser evitado, porém,
No entanto, há algo que devemos prestar atenção. Quando o choro se perpetua pelos meses seguintes e passa a ocorrer com frequência, esse pode ser um choro de apego e não um choro de descarga emocional. No caso de ser um choro de apego, ele pode sim prejudicar o espírito, se não é um espírito elevado.
Joanna de Angelis nos alerta quanto nossa atitude perante nossos desencarnados entes queridos, na obra Rumos Libertadores. Ela diz assim:
"não digas, ou interrogues, antes os que desencarnaram: "deixaram-me, e agora? O que será de mim?
Estes conceitos, profundamente egoístas, atestam desamor, antes do que devotamento.
Nem te entregues ao desejo de partir, também sob a falsa alegação de que não pode continuar sem eles.
Esta atitude fá-los-ás sofrer.
Beijão. Até.
[Faça o login para poder comentar]
Mille
Em: 08/06/2019
Ola Vandinha
A Alicia não quer deixar a Thais, mesmo com os conselhos da Cris o lado sentimental fala mais alto. A necessidade de reencontrar de ouvir pela última vez a voz.
Nanda não sente mais nada pelo Salomão, e ter com quem se abrir será melhor, mais acho que ela logo falara com ele sobre o noivado, e espero que ele entenda e torça pela felicidade dela
Por isso que devemos sempre dizer o sente e numa deixa para amanhã ou depois.
Bjus e até o próximo capítulo, um ótimo final de semana
Resposta do autor:
Olá Mille.
Como é dificil terminar um relacionamento, não é mesmo? Muita coisa está envolvida e a familia é uma delas.
Os pais de Fernanda também estão apaixonados por Salomão. E agora?
Beijão. Até.
[Faça o login para poder comentar]
HelOliveira
Em: 08/06/2019
Nanda está segura que não sente mais nada pelo Salomão, então o melhor é terminar, bem interessante saber que o coração transplantado mantém as memórias de sentimentos.
Quanto ao lado espiritual tá sendo de aprendizado e estou gostando muito
Parabéns adorando a história
Resposta do autor:
Bom dia, HelOliveira!
Obrigada, minha querida. É muito legal te encontrar por aqui. Seu comentário é muito importante. Continue comigo.
Beijos. Até.
[Faça o login para poder comentar]
NovaAqui
Em: 08/06/2019
Pobre Salomão vai ser dispensado e sem motivo aparente para ele. Dó do cueca....
Alicia está tentando ficar bem, mas chamando sua amada não vai melhorar e ainda vai atrapalhar Thais também
Gostando muito de saber como o transplantado se comporta após receber um órgão
Abraços fraternos procês aí!
Resposta do autor:
Bom dia, NovaAqui.
Uma segunda, cheia de paz e luz para todos nós. Beijos.
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]