Patrícia

 

 

 

O churrasco estava indo de vento em popa. Todos os presentes estavam encantados com a simpatia e a simplicidade das duas “celebridades”.

 

— Filha, mas que casal bonito essas duas fazem, né? – Vovó disse enquanto admirava tia Zefa e AnaLu dançando um xote que o sanfoneiro “importado” do Rio Grande do Sul, tocava. Luiza estava rodeada por uma peonada e várias mulheres. Todos riam e gargalhavam do que a minha amiga contava.

 

— São sim, vovó.

 

— Não que você e a Lorenza não sejam! O que eu tô dizendo, Patyta, é que quando a fofocalhada que as duas estavam juntas e que, além de serem mulheres, terem mais de vinte anos de diferença... a Luiza praticamente criou a AnaLu que é sua afilhada... confesso para você que até mesmo eu, que tenho essa cabeça boa, fiquei um pouco “incomodada”... – Vovó continuou admirando tudo a sua volta. – Mas depois de conhecer as duas, Patricia do céu! Vejo que até mesmo eu, que sou lésbica assumida e completamente pra frente, tenho preconceitos!

 

— Te entendo, vó... A Luiza me contou que foi difícil o início, mas aos poucos as pessoas entenderam que as duas eram almas gêmeas... a expressão que ela usou, vó, “almas gêmeas”. Lindo, né? – Suspirei.

 

— Muito, filha! – Sorriu, olhando para a sua alma gêmea que dançava toda alegre.

 

 

 

A festa continuou até que se formou uma roda de viola. Aprendi a gostar muito dessa tradição. Os peões tocavam suas violas e violões cantando modas e músicas sertanejas. Mesmo não sendo meu estilo de música, o jeito que eles se doavam me tocava profundamente.

 

Sentei abraçada a minha noiva, ouvindo enquanto ela cantava junto músicas desconhecidas por mim. Sua voz melodiosa me acalmava. Percebi que Tonho sorriu meio debochado para AnaLu.

 

— A menina já viu uma dessas? – Mostrou o instrumento de 12 cordas para a minha amiga. — Não é igual a essas coisa da cidade que tem que ligar na tomada! Isso aqui tem que saber tocar.

 

— Deixa eu dar uma olhada, seu Tonho. – AnaLu sentou mais próxima ao homem que dedilhava a viola todo orgulhoso. — Som bonito, né?

 

— Arra, o melhor! Aqui não fazemos essas música da capital, não. Aqui é coisa da terra do coração.

 

— Posso tentar, seu Tonho?

 

— Mas a menina sabe alguma música?

 

— Meu biso gostava muito de uma... Vou cantar pro senhor, seu Tonho... Posso? – AnaLu pegou o instrumento, a principio desengonçada, e a peonada deu um sorrisinho. Tonho entregou a ela uma coisa que tinha no dedo... Parecia um dedal daqueles que as costureiras usam... Depois pergunto o nome. AnaLu pegou e sorriu feliz. — Loirão, pega o violão e me ajuda?

 

— Eita diacho, que música é? – Lô foi até AnaLu e as duas cochicharam.

 

— Primeiro, seu Tonho, uma só pra eu conhecer o instrumento.

 

Então AnaLu começou a dedilhar a viola para peão nenhum botar defeito, como se tivesse nascido com as 12 cordas entre os dedos. Minha Lorenza sorria orgulhosa, acompanhando com o violão.

 

(N/A: Ouça Bruna Viola - Solo de Viola https://www.youtube.com/watch?v=zYe0Ko3T1TQ   )

 

Depois as duas emendaram Sinônimos de Chitãozinho e Chororó com todos cantando juntos num coro às vezes meio que desencontrado, mas até que bonito. (https://www.youtube.com/watch?v=kJ-XNh7d4qQ).

 

 

 

Vejo as minhas avós abraçadas, cantando juntas. Algumas vezes os olhares se encontravam e no refrão eu vi uma lágrima solitária cair no rosto da tia Zefa que apertava minha avó nos braços.

 

 

 

 

 ♫ “O amor é feito de paixões
E quando perde a razão
Não sabe quem vai machucar
Quem ama nunca sente medo
De contar o seu segredo
Sinônimo de amor é amar” ♫

 

 

 

No final, vovô a olhou com carinho e secou sua face. Não entendia o que falavam, mas devia ser alguma coisa linda porque os olhos azuis da vovó estavam vermelhos brilhantes. O beijo que se seguiu foi intenso e cheio de significados que apenas as duas sabiam, mas quem estava de fora poderia imaginar.

 

Quando a música acabou, a peonada foi ao delírio!

 

— Muito obrigada por me emprestar seu instrumento, seu Tonho, muito lindo. – AnaLu agradeceu ao homem que ficou todo orgulhoso com o elogio. — Desculpe as lágrimas... – Disse enquanto passava a camiseta no rosto. — É que eu me lembro dos meus falecidos bisavós quando eu canto essas músicas.

 

— Ai, meu amor! – Luiza a abraçou, beijando-a e acarinhando a sua face. Notei que vários presentes engoliam o choro, até mesmo aqueles peões mais brutos.

 

— Bom, vou aproveitar que a gente deu uma parada. – Minha noiva pegou a sua viola que estava dentro de uma case. — Quero falar pra vocês que estão reunidos aqui que eu não poderia estar mais feliz. – Ela virou para mim — Paty, a primeira vez que eu te vi, naquela estrada empoerada, toda de branco, parecendo uma “Barbie Greys Anatomy”... Brava, mas põe braba nisso – Todos riram. — Trocando o pneu errado... Eu não imaginei o que você se tornaria para mim... Hoje eu não consigo imaginar a minha vida sem você.

 

Ouvimos um “awn” das mulheres e um risinho dos homens que por respeito à Lorenza não deixaram escapar nenhuma piadinha porque sabiam que ela não iria gostar.

 

— Hoje eu imagino... Como eu fiquei essa vida toda sem você? Sem a minha oncinha? – Lógico que eu chorava de emoção. Nossa, vou desidratar hoje! — Várias vezes me perguntam se vale a pena trocar aquela minha vida por você... e eu sempre digo... Vale mais que o infinito. Trocaria mil vezes...

 

Fui abraçá-la, mas ela pediu que eu ficasse onde estava.

 

— Então... Nalu e eu preparamos um trem aí... Porque eu sei que você gosta...

 

— Lu... Sabe o que a Lô disse? Então... Tudo igual só que eu pra você, tá ligada? Deu pra entender, né? – AnaLu riu, todos gargalharam e a Luiza só meneou a cabeça. AnaLu sendo AnaLu. Só que ela se aproximou ajoelhando-se ao lado da Luiza beijando a palma da sua mão — Te amei, te amo e te amarei. Onde você estiver... Eu vou te encontrar... – Voltando para o seu lugar, minha amiga tirou de trás das costas um ukulele. PUTA MERDA! Como assim? AnaLu virou um personagem de The Sims 4? Não tinha reparado onde esse treco estava.

 

O meu coração batia completamente descompassado. Luiza segurou as minhas mãos e eu notei que ela também tremia olhando para nossas mulheres. Lindas! Cada uma no seu estilo único!

 

Então as duas começaram a cantar e tocar “Fica” de Anavitória. As vozes, sozinhas e às vezes em uníssono, combinavam tanto que parecia algo... Algo celestial, eu e Luiza... Puta merd*, ou como ela diz sempre ‘Puta que los pariu’, chorávamos como duas bobas tamanha era a emoção. (N/A https://www.youtube.com/watch?v=-QdZ2VtOkhc)

 

 

 

♫ “Mapeei a dedo tuas sardas

 

Contornei sem jeito tuas linhas

 

Que te entregam e desvendam o melhor em ti

 

Me perdi no céu das suas pintas

 

Me encontrei no céu da tua boca

 

Tu é labirinto, rua sem saída

 

Me rendi a tua alma nua, vem cá

 

Congela o teu olhar no meu

 

Esconde que já percebeu

 

Que todo meu amor é teu amor

 

Então vem cá

 

Que nós até Caio escreveu

 

Parece que nos conheceu

 

Em mel e girassóis te peço, só te peço

 

Fica

 

Fica, me queira e queira ficar” ♫

 

 

 

— Lô... eu te amo tanto! – Falei nos braços da minha noiva. — Como você sabe tudo o que eu mais desejo, o que eu mais quero... O que me toca – Apontei para meu coração — Como pode isso?

 

— Eu presto atenção em você, coração... Eu vejo você. – Subimos para o nosso quarto sem nos despedir. Hoje o clima estava diferente.

 

O tesão acumulado ainda estava presente, mas tudo o que ela me disse me encheu... Me soterrou de uma ternura extrema, gigantesca, que se eu pudesse me fundir a ela naquele momento... O faria sem nem pensar.

 

No nosso quarto... Sim... Já o considerava meu, até porque quase todas as minhas coisas já estavam ali... Eu a coloquei sentada na cama. Lorenza me olhava sem entender, suas mãos inquietas querendo me tomar.

 

— Lô... A Luiza me falou uma coisa que eu fiquei pensando...

 

— Uhm... – Ela estava muito ocupada beijando meus seios por cima do meu vestido, suas mãos agarravam a minha bunda e já sentia a minha calcinha umedecer.

 

— Amor... Presta atenção – Segurei seu rosto fazendo com que seus olhos ficassem fixos nos meus. — Eu presto atenção em você, Lô... Eu também vejo você... Como na verdade você é. – Tirei sua franja do rosto. — A Lorenza que todo mundo conhece, marrenta, muitas vezes chamada de arrogante, turrona, bruta, safada... Essa Lorenza é apenas uma casca que você teima fazer com que todos “comprem”.

 

— Eu sou tudo isso sim, diacho... – Fez aquele bico marrento que eu amo tanto.

 

— Pode até ser, mas não o tanto que quer aparentar e não tudo isso! – Beijei sua testa. — A Lô que eu vejo é aquela que sai todo dia de manhã, mas sempre... Sempre beija a sua Bá, onde ela estiver. A Lô que me manda mensagem para saber como esta sendo o meu dia. A Lô que roi a unha quando tá concentrada lendo algo. A Lô que cuida de todos a sua volta, mas faz o possível para que ninguém fique sabendo. A Lô que canta no banho. A Lô que quando acha que eu estou dormindo levanda de mansinho e fica horas rabiscando desenhos meus. A Lô que não usa chinelos e mente que esqueceu. A Lô que liga dia sim dia não para os pais para saber como eles estão. A Lô que daria um braço pelo seu melhor amigo. A Lô que se emociona e chora em filme, mesmo escondendo para que eu não veja. Essa Lô... Essas “Lôs” que eu amo.... – O meu amor me olhava como se eu fosse a coisa mais preciosa do universo. — Eu te amo tanto que chega a doer... Nunca pensei que poderia amar alguém dessa maneira.

 

— Oncinha...

 

— Eu quero te agradecer, Lô... Não pelo amor... Mas pelo cuidado. Hoje eu me sinto inteira... Não curada – Vi que ela iria começar a falar — Fica tranquila, não vou cometer a besteira de largar a terapia sem ter recebido alta. – Ela suspirou aliviada. — Eu estou aqui e feliz porque você me viu... E deixou que eu visse você.

 

— Eita, diacho... Paty...

 

— Não precisa falar nada, coração... Você já disse tudo! – Deitei meu corpo sobre o dela, beijando aquela boca que eu sabia de cor o gosto, a textura e todos os recantos escondidos que me enlouqueciam tanto.

Fim do capítulo