Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 4 

Quinta-feira  03:00 

A porta se abriu e entrou uma jovem enfermeira.  

-- Acorda Fernanda! -- ela chamou, baixinho -- Acorda, o doutor já vem vê-la -- disse, eufórica. 

Fernanda se sentou encostada aos travesseiros. 

-- O que aconteceu? 

Doutor Daniel entrou naquele momento. 

-- Bom dia! -- ele disse, se aproximando da cama -- O Hospital recebeu a informação de um possível doador.  

Os olhos castanhos da psicóloga brilharam de alegria. 

-- Você será submetida a uma série de testes para saber se o órgão é compatível. 

-- Meu Deus, me ajude! -- lágrimas súbitas inundaram os olhos dela -- Em tuas mãos coloco a minha vida, pai. E que seja feita a tua vontade! -- orar foi a sua primeira reação. 

Suélen escancarou a porta e entrou. 

-- Fiquei sabendo que há um possível doador! -- a enfermeira abraçou Fernanda com entusiasmo. Tinha se tornado amiga da psicóloga, gostava de conversar com ela nos momentos de folga e assim que soube correu para junto dela. 

-- Já que estão tão empolgadas, comecem a coletar o material para exame. A partir de agora temos uma corrida contra o relógio. O tempo máximo entre a extração do órgão do doador e a colocação no corpo do receptor é de quatro horas -- ele bateu duas palmas -- Vamos, vamos. O tempo urge, por isso temos que correr. 

05:12 

Todos os exames e testes foram realizados para saber se o órgão seria compatível. Com o resultado positivo, Fernanda foi liberada para a cirurgia. 

Ela entrou no Centro Cirúrgico no começo da manhã e o procedimento duraria cerca de 5 horas. 

Santa Casa     07:00 

Alicia continuava sentada na sala de espera. Perdida, olhando pro nada. Mesmo agora, tantas horas depois de recebido a dolorosa notícia, ela não conseguia acreditar que aquilo tivesse realmente acontecendo. Tinha se apaixonado por Thais, quase a partir do momento em que começou a trabalhar no hospital. Todos perceberam logo o amor lindo e verdadeiro que nasceu entre elas e não foi surpresa para ninguém quando o casamento foi anunciado. Se amavam incondicionalmente e faziam infinitas juras de amor. Elas se completavam, na mais pura felicidade. 

Silenciosamente a mãe de Thais sentou-se ao seu lado, acariciou a mão da médica e sorriu com ternura.  

-- Em alguns momentos, ficar sozinha pode parecer uma boa opção, mas é importante estar na companhia de amigos e familiares. Eles nos fazem bem, acalentam o nosso coração tão dolorido. 

Alicia deitou a cabeça no colo dela, e ela começou a fazer cafuné. 

-- Me diga como continuar vivendo com essa dor que me invade, que me enche de angústia, como se tivesse uma faca rasgando meu peito? 

-- Se estivermos desesperados e emocionalmente mal, o encontro poderá ser desastroso para Thais exatamente num momento que mais precisa da nossa compreensão e ajuda. 

-- Eu estou tentando ser forte. Sei que o meu descontrole a prejudica e os meus sentimentos a aflige de maneira direta. Mas, é tão difícil aceitar a separação. 

-- A dor da separação dói dos dois lados.... Não quero que a minha filha sofra nesse momento. O espírito desencarnado é sensível à lembrança e aos lamentos daqueles que amou, portanto, a nossa tristeza pode lhe afetar e causar sofrimento. 

Alicia começou a soluçar silenciosamente, desconsolada. A mãe de Thais inclinou-se e beijou a sua cabeça. 

-- Se desejamos ajudá-la, procuremos aceitar a ausência temporária dela e oremos, endereçando nosso pensamento a Jesus, rogando pela paz e felicidade dela. 

Alicia levantou a cabeça e secou as lágrimas com as mãos. Verônica era o exemplo de força e fé. O conforto que essa mulher, que acabara de perder a filha, lhe transmitia era algo divino. 

-- Eu vou sair e preparar o velório. 

-- Não prefere que o meu marido se encarregue dessas obrigações? 

-- Não, Verônica. Prefiro eu mesma cuidar de todos os detalhes. 

Segurando o rosto dela entre as mãos, Verônica beijou a face pálida e sofrida. 

-- Obrigada! Você foi uma companheira perfeita. Devolveu a minha filha, a alegria de viver. 

Alicia balançou a cabeça e deixou escapar apenas um suspiro.  

Hospital do Coração     10:15 

Depois de cinco horas de cirurgia, doutor Daniel apareceu sorridente na sala de espera. 

-- Então, doutor? -- Salomão perguntou, ansioso. 

-- Ei -- disse o cirurgião e deu um tapinha em seu ombro -- Calma, rapaz. Ela está bem. 

Dona Matilde se levantou nervosa. 

-- E agora, doutor. O que vai acontecer com minha Nanda? 

-- Bem, para recuperação de uma cirurgia como essa, é preciso que o paciente respire com o auxílio de aparelhos e permaneça por cinco dias na UTI. Depois, ela deve ficar internada por mais uma ou duas semanas no hospital. 

-- Quais os riscos que ela corre, doutor? -- Salomão esfregava as mãos, nervosamente. 

-- As complicações mais comuns deste procedimento são a rejeição ao órgão transplantado ou a infecção. Infecções podem ocorrer em qualquer procedimento cirúrgico, entretanto, em casos de transplantes de órgãos elas são agravadas pelo uso de medicamentos imunossupressores. Eles são utilizados para atenuar as defesas do organismo contra os órgãos transplantados, a chamada rejeição, e acabam também atenuando as defesas contra outras infecções, que podem ocorrer em qualquer etapa do processo. 

-- Podemos vê-la? 

-- No momento não -- disse doutor Daniel, olhando em torno da sala -- Entendam que, precisamos tomar muito cuidado com o paciente transplantado. Isso inclui: O cuidado de evitar o máximo possível, contato direto com pessoas. Ao menos nesse primeiro momento. Mais alguma pergunta? 

Todos balançaram negativamente a cabeça. 

-- Estarei por aí. Qualquer dúvida é só pedir para a enfermeira me chamar. 

-- Obrigado, doutor -- Salomão agradeceu, naquele momento mais tranquilo -- Bem, vocês ouviram o doutor. Dona Matilde, seu Osvaldo, acho melhor vocês irem para casa descansar. Podem ir tranquilos que eu fico essa noite. 

-- Obrigado, meu querido, você sabe que o amamos como um filho -- disse dona Matilde, aproximando-se para abraçar o rapaz com carinho. 

-- Eu também os amo como se fossem os meus pais -- ele curvou-se para beijar o rosto da senhora -- Vão com Deus. 

15:13 

Cristina abraçou Alicia com carinho. 

-- Está precisando de ajuda na preparação do velório? 

-- Obrigada, mas já resolvi tudo -- respondeu Alicia, se sentando próxima a janela. 

-- Me passa o endereço, quero colocar no grupo. Os amigos estão perguntando. 

Alicia levantou a cabeça e fitou a amiga. 

-- Na capela mortuária do cemitério da Lapa.  

-- Pensei que seria em um lugar maior. Acho aquelas salas tão apertadinhas. Com certeza ela receberá dezenas de coroas e... 

-- Não queremos coroas de flores dentro da sala.  

-- Como assim, Alicia? 

-- Não queremos coroas de flores, nem velas. Tão pouco uma reunião social onde os velhos amigos se reencontram e põem a conversa em dia. Pode colocar aí no grupo: Queremos um ambiente calmo, que convide à oração. Conversas em voz baixa, de assuntos edificantes. Se nada tiver que possa falar de bem a respeito de Thais, limite-se a calar. Nem mentiras, nem recordações ruins, que a prejudicam agora. 

Cristina coçou a cabeça. 

-- Quer que eu diga isso mesmo? 

-- Quero. Você conhece muito bem o pessoal do hospital e tudo o que nós passamos. Pessoas que viviam cochichando pelos cantos nos difamando, hoje estarão lá como ovelhinhas chorosas. 

-- Você tem razão -- Cristina, concluiu com pesar -- Tem alguma previsão da hora que o corpo será liberado? 

Involuntariamente Alicia comprimiu os lábios e olhou para o relógio. 

-- Depois das 20:00 

Capela Mortuária     20:35 

Cristina abriu a porta de vidro e afastou-se para Natália passar. 

-- Está lotado -- Cristina olhou ao redor, à procura de Alicia, mas não a viu -- Thais é muito conhecida e querida por todos. Ela era uma médica maravilhosa.  

-- "Ah, depois que morre todo mundo vira santo". Quanta hipocrisia! 

Cristina se irritou com o comentário maldoso de Natália. 

-- Thais realmente era uma pessoa maravilhosa e você sabe muito bem disso.  

Natália deu de ombros. Não queria que Cristina percebesse o quanto a notícia a havia abalado. A oncologista perfeitinha sempre foi a sua maior rival. Nunca a perdoou por ter roubado Alicia. 

-- Alicia agora deve ser uma viúva riquíssima. 

-- Por Deus! Como você pode falar em dinheiro numa hora dessas, Natália? -- Cristina protestou -- Como você pode ser tão insensível.  

-- Não sou insensível, sou pratica e realista. Você não pode negar que a Thais deve ter deixado muito dinheiro para a Alicia. Elas eram casadas no cartório. Então, ela poderá receber esse dinheiro -- Natália continuou, friamente. 

-- Quero acreditar que as besteiras que você está falando é devido ao impacto da notícia -- murmurou Cristina, movendo a cabeça de um lado para o outro, desanimada. Alicia estava coberta de razão ao afirmar que preferia que algumas pessoas não comparecessem ao velório -- Vem, vamos conversar com os familiares -- falou, irritada. 

Alicia lavou o rosto com a água gelada que saia da torneira dourada. Logo em seguida, inspecionou o rosto no espelho do banheiro, sentindo-se morta por dentro. 

-- Meu Deus, me dê forças -- abaixou a cabeça e quando voltou a olhar para o espelho, viu uma pessoa atrás de si. Virou-se bruscamente com o braço erguido e mão fechada, pronta para enfrentá-lo -- Quem é você? O que faz aqui? 

O homem estava molhado e sujo. Sua fisionomia desesperada assustou a médica. 

-- Me perdoe -- ele caiu de joelhos e bradou: -- Eu sinto muito. A culpa foi minha... 

Alicia empalideceu, um brilho assustado destacando-se em seus intensos olhos verdes.  

-- Quem é você, me diga! -- ela insistiu. 

-- A culpa foi minha, me perdoe -- ele repetia a frase com uma voz trêmula. 

-- Por que eu devo perdoá-lo? 

O homem nada respondeu. Um silêncio permeado de gemidos sofredores a fez estremecer. 

Alicia se contraiu, como se uma corrente elétrica passasse pelo seu corpo. O silêncio se prolongou desconfortavelmente até que Cristina entrou no banheiro e ela desviou a atenção do rapaz para fitar a amiga com atônitos olhos arregalados. 

-- Você está bem? -- Cristina perguntou, preocupada -- Está tão pálida! Quer que eu busque um copo de água? 

Os olhos de Alicia procuraram pelo rapaz, mas não o encontraram mais. 

-- Não, não é preciso, Cris. Eu estou bem -- ela levou uma mão a fronte, apertando o cenho franzido em profunda preocupação. 

-- Então, vamos sair daqui. Brrrr...Esse lugar está frio demais! 

Casos interessantes de pessoas que teve órgãos transplantados e junto vieram lembranças. 

Jamie Sherman 

Jamie Sherman tinha 24 anos de idade quando passou por um transplante de coração e, curiosamente, a primeira coisa da qual ela se recorda de quando acordou da cirurgia foi de sentir uma enorme vontade de brigar. Isso mesmo, ela voltou da anestesia sentindo uma profunda raiva. 

Além disso, após se recuperar, a jovem desenvolveu o gosto pela culinária mexicana, especialmente por enchiladas de queijo - prato ao qual ela nunca havia dado muita bola até então. O mistério sobre as novidades só foi solucionado quando Jamie conheceu a família do doador de seu "novo" coração, um rapaz de 29 anos chamado Scott Phillips. 

Ela descobriu que a comida favorita do moço era a mexicana e que ele era fã de enchiladas de queijo. Mas o mais sinistro foi que Jamie descobriu que Scott havia falecido durante uma briga em um bar, depois de receber uma forte pancada na cabeça. 

https://www.portalrg.com.br/noticia/casos-interessantes-de-pessoas-que-teve-orgaos-transplantados-e-junto-vieram-lembrancas-32480.html 

Fim do capítulo