AVISO: Esse capitulo contem passagens de violencia.
CapÃtulo 57
Capítulo 57- Fernanda
A vida depois da inauguração do hospital finalmente voltou aos eixos, e vou dizer pra vocês está uma delícia morar com a Caroline, dormir com ela toda noite, abraçadinha e sentindo ela perto de mim. É engraçado como uma vida simples ao lado dela pode ser tão gostosa e me fazer tão bem. No decorrer desses dias ela já fez vários partos e atendeu algumas emergências, apesar do hospital estar aberto a apenas uma semana, o saldo já está sendo bem positivo.
No domingo passamos o dia em casa, assistindo televisão e comendo, ela e seu máximo de compromisso e profissionalismo foi deitar umas 20 horas, teria uma cirurgia complicada no dia seguinte. Eu fiquei organizando mais algumas coisas quando ouvi uma batida na porta da casa de pedra, eu até estranhei, mas o Pingo latindo e correndo igual um louco confirmou que a campainha realmente havia tocado. Quando dei uma olhada no olho mágico, meu coração apertou e eu claramente entendi que havia problemas a vista. Abri a porta e lá estava a Milena, em todo seu estilo fazendeira, de calça de couro, bota e um casaco para aguentar o frio de Urros.
- Fefa, como você está linda? Não consegui vir para a inauguração do hospital. Posso entrar? - No momento em que ouvi essa frase, juro que enxerguei a expressão de não gosto da Carol, por mais que nem na sala ela estivesse.
- Mi, está meio tarde, não é melhor conversarmos amanhã de dia?
- Claro que não Fefa. Está frio, vou entrar. - e foi entrando na casa - É só você me oferecer um vinho daqueles gostosos seu e a gente já conversa.
Eu abri espaço para ela entrar enquanto eu fui indo até a cozinha, pegar o vinho e duas taças. Espero quer a Carol esteja dormindo e que a Milena vá embora rápido, só vai me gerar problema. Quando voltei da cozinha ela estava sentada no sofá, afastando o Pingo que queria brincar com ela.
- Saí daí Pingo. - Ele me olhou e saiu arrastando a cara para dentro do meu quarto, onde a Carol estava dormindo - Pronto Mi, vinho, taça e eu. Diga.
- Ah, não é nada não. É que sei que a inauguração do hospital foi quinta, eu não consegui vir, mil desculpas. Como sua amiga eu deveria estar aqui.
- Acontece, fica tranquila. depois você passa lá para conhecer. Seu pai acabou indo.
- É eu pedi pra ele ir, era o mínimo. Eu tive que resolver um problema do escritório de Londres, acabou demorando mais que o esperado.
- Seu pai me falou, ele foi muito gentil em participar da inauguração e do almoço.
- E como ficou a internet? Funcionando bem?
- Sim, todos os computadores do hospital já estão interconectados. O que é ótimo, principalmente com as emergências, esse foi um presente muito bom Mi, de verdade.
- Ah, eu sabia que você estava a “precisaire”. Já tinha gastado tanto, o mínimo como uma empresa grande na região era ajudar.
- Sim, foi muito bom. Obrigada mesmo.
- Não tem que me agradecer, faço o que for necessário para te ver bem - e colocou a mão na minha perna, sorrindo de orelha a orelha, tentei disfarçar e puxar outro assunto.
- E como foi em Londres, muito problema?
- Ah, estou tentando expandir uns negocios que eu tenho por lá, mas uma equipe concorrente está me dando muito trabalho. Logo vou ter que voltar para lá, para resolver mais algumas coisas, até conseguir encaixar Urros e não precisa mais ir.
- Essa questão de concorrência é complicado, não que eu entenda muito. Você bem sabe que só assino os papéis.
- A outra equipe da região está pegando fornecedores antes, esse tipo de coisa. Vai me dar trabalho, mas nada que não dê pra resolver. E me conta, como você ficou com a inauguração? Porque é um sonho seu, eu fiquei alguns anos fora, mas eu lembro de você comprando o espaço, organizando as coisas no começo.
- Foi bem agitado, tinha uns jornalistas, eu tive que fazer discurso. Sabe como eu fico tensa com isso né?! Odeio falar em público. A melhor parte foi quando acabou mesmo.
- Você fala super bem, só fica nervosa. E depois o almoço, foi bom?
- Foi tranquilo, mas aquela melação, puxando o saco. Eu patrocinou a maior parte, mas preciso de todos eles.
- Eu estou te achando estranha Fefa, está tudo bem? - Claro que não, a Carol vai sair daquele quarto ali logo mais.
- Está sim Mi, eu só estou preocupada com alguns problemas, pensando em uns pacientes complicados que tenho amanhã. Só isso.
- Só isso mesmo? Não quer me contar nada?
- Claro que não, fica tranquila.
- Sabe que se precisar de mim, pra o que for, eu estou aqui né?! Sei lá um chá no final do dia, um vinho. Agora que tem telefone, pode me ligar quando quiser, eu venho pra cá, assistimos um filme. Eu acho que você fica tão sozinha aqui em Urros, deveria voltar a morar em Maçores.
- Claro que não Milena, aquele lugar só me traz lembranças ruins. Vou lá de final de semana só pra assinar as coisas da fazenda, por mim, nem iria.
- Aquela fazenda é sua, você tem direito a tudo que ele te deixou, sabe disso.
- Ter direito não significa que eu goste do que ele me deixou - tentei ser o mais direta possível com a Milena, mas acabamos emendando na conversa. Eu realmente gosto muito de conversar com ela. A todo tempo dava uma olhadinha na porta para ver se a Carol não estava olhando ou coisa assim, mas ela não apareceu nenhum minuto, o que é bem estranho e me deixa mais alerta ainda. Talvez a calmaria que foi esses dias esteja continuando, não sei. A conversa com a Mi foi indo que abri mais uma garrafa de vinho, quando sentei no sofá, servindo mais um pouco de vinho a Milena, só escutei:
- Fernanda, já passou das 10 horas. Vai ficar fazendo barulho ou dá pra ter respeito? Amanhã cedo eu tenho cirurgia - quando eu olhei, a Carol estava na porta do meu quarto, de camiseta e calcinha só, como ela costuma dormir, me olhando com uma cara tão de raiva que eu quase morri. A Milena ficou branca de assustada, eu quase derrubei o vinho no chão.
- Eu não sabia que sua namoradinha tinha voltado Fefa - a Mi falou pra mim, provocando a Carol, claro.
- Não só voltei como estou morando aqui Milena. Acho que já deu o horário de vocês duas não é?!
- Nossa “Carolina”, super desagradável da sua parte isso, ainda mais morando de favor aqui na casa da Fefa. Acho que ela pode descobrir sozinha o horário.
- Mi, não provoca, por favor. Tá na hora mesmo, a Carol tem cirurgia amanhã, precisa descansar hoje.
- Fernanda, vai me colocar pra fora porque ela tá mandando? Você não tem personalidade não?
- Chega Mi e não estou te pondo pra fora. Mas realmente esta tarde. O Cortes está aí? Vai com ele?
- Estou sozinha, deixa. Eu vou sozinha, não quero te incomodar.
- Desculpa por isso, de verdade. Ela está muito abalada ainda, depois a gente conversa - eu olhei para a Carol, que ainda estava em pé na sala, de cara feia. Olhei claramente dizendo que isso foi desnecessário.
- Não vou te arrumar problema Fefa, mas eu já tinha te falado. Quando você está com ela - apontou a cabeça para a Carol, no fundo da sala, longe de nós - você perde quem você é! Desde quando você iria me deixar ir embora sozinha a noite? Presta atenção Fernanda, daqui a pouco você deixa de ser você, vai andar sem roupa se ela mandar? Só fica de olho nisso. Eu sou sua amiga, estou te dando um toque. Gosto muito de você.
- Eu sei disso Mi. Vou conversar com ela, não precisava ser desse jeito.
- Fica tranquila, não fico brava com você. Eu vou indo, antes que sua namoradinha me chute nos ladrilhos.
- Me avisa qdo chegar em casa?
- Claro que aviso linda. - esticou o rosto, me deu um beijinho na bochecha, olhou para a Carol de rab* de olho - Tchau.
Ela saiu andando em direção a estrada, provavelmente onde ficou o carro. Fiquei na porta olhando até que o corpo dela desaparecer na esquina. Respirei fundo, ainda olhando para a rua, enfrentar a Caroline vai ser difícil. Quando entrei na casa, ela não estava mais na sala. Recolhi as duas taças e coloquei na pia, o vinho na geladeira, e entrei no quarto.
- Precisava fazer isso Carol? Ficou super chato. - eu me senti muito mal com a situação.
- Precisava né Fernanda. Amanha cedo eu tenho cirurgia e vocês duas grunhindo na sala, santa paciência.
- Grunhindo? A gente “tava” conversando.
- Você estava conversando, ela dando em cima de você. Sem contar você super aceitando.
- Esses remédios que você está tomando não te fazem bem não, está tendo paranoia. A Milena é minha amiga de anos.
- Eu também tenho amigas de anos Fernanda, mas nenhuma dá em cima de mim ou me compra presentinhos de um milhão e meio.
- Mas vai voltar com essa porcaria?
- Não, eu vou dormir. Amanhã eu tenho cirurgia, complicada, não vou me estressar com você. Só se liga, que uma hora eu vou cansar de dar toque. Aí não adianta mais mudar. - Ela levantou da cama, onde estava sentada, pegou uma coberta na mala vermelha dela e foi em direção a porta.
- Vai pra onde Caroline?
- Dormir no outro quarto. To super irritada com você, não vou conseguir dormir aqui.
- Para de ser criança. Se for pra lá eu vou junto. Você está aqui comigo, não tem isso de brigar e sair.
- Para de ser criança? Foi isso que você falou? Não sou eu que acredito piamente nas pessoas, você precisa crescer, só espero que isso não aconteça quando não der mais pra corrigir.
- Ai não vou dar corda na sua briga, sério - sai em direção ao guarda roupa, parei na frente e comecei a tirar minha roupa, para colocar o pijama e poder ir deitar. - Ah Caroline, sem contar que você saiu só de calcinha, desnecessário.
- Fiz muito em colocar a camiseta. Na próxima saio sem nada. Eu durmo assim, ela entrou e eu já estava dormindo, me acordou, incomodou, deu em cima da minha mulher e eu preciso me trocar ainda? Vai achando. - ela jogou a coberta por cima da mala, sem dobrar, organizar ou alinhar nada. Isso me assustou um pouco, nunca vi ela deixar algo desorganizado. Deitou na cama e pegou o celular.
Eu terminei de me trocar e deitei na cama, me cobri e fui direto abraçar ela, para acabar a briga. Mas assim que ela percebeu que eu fui abraçar, virou o corpo, ficando de lado, virada para a parede, deitada na beiradinha da cama, bem longe de mim. Que ódio que eu estou, sério! Quanta manha e ciúmes por uma coisa tão boba. Nem vou me estressar, amanhã ela vai ter que ir para o hospital, sem carro vai precisar de uma carona minha, ele fica a 40 minutos andando daqui.
Acordei com o frio cortando o meu corpo, me virei de lado para abraçar a Carol e me assustei com a cama vazia. Levantei rápido e olhei o celular, já passava das 8h30. A cirurgia dela estava marcada para às 8 horas. Será que é tão marrenta que nem me chamou?
Em cima do sofá da sala havia um bilhete, que falava assim: “Bom dia Fer, não sei que horas tem que levantar, então te deixei dormindo. Estou no hospital. Beijos. Ps: o bilhete é por respeito, ainda estou muito brava.” Como não dar risada com isso? Ela deixou o bilhete por cuidado, claro, mas ainda explica que está brava comigo. Eu vou me arrumar, passar no ambulatório, ver com a Inês se saiu o laudo do defeito do meu celular e depois passo no hospital, no caminho compro um chocolate e umas flores, alguma coisa e peço desculpas pra ela, vai que dá certo?!
- Bom dia Ines, tudo bem? Saiu aquele documento que eu pedi pra você?
- Oi doutora, recebi um retorno agora cedo. Está aqui no papel tudo bem detalhado, mas pelo que eu entendi, o celular parou de funcionar porque caiu na água. A senhora não percebeu que caiu na água?
- Verdade. Lembrei, caiu mesmo. Olha que cabeça a minha. Obrigada Inês, se alguém me procurar, eu vou estar lá no hospital - eu joguei esse de idiota com ela, a questão é: como meu celular novo quebrou por cair na água, se eu não deixei ele cair na água? Passei no refeitório para pegar um café quente, mas fui pensando, será que tem alguma coisa em comum entre o embargo e meu celular quebrar? Como meu celular molhou se eu não deixei ele cair na água. O relatório especifica que os danos apresentados ocorreram após ao menos 15 minutos do aparelho submerso. Não tem como eu ter feito isso, ele era novo, eu ainda estava tomando um super cuidado. Não sei se tem algo entre o embargo e o celular, mas posso garantir que é bem estranho meu celular quebrar na semana que a Caroline estava voltando e quebrar de uma maneira que não fui. Será que alguém entrou em casa e quebrou ele?
- Está pensando no que Fernanda? Está perdida aí! - A Marcela me assustou.
- Oi, bom dia, senta aí. Vim pegar um café quente. - respondi pra ela.
- E aí, o que está pensando?
- Vou te contar, mas não quero que chegue na Caroline, tudo bem?
- Sim.
- Meu celular quebrou semana passada, na mesma semana que a Carol estava vindo pra cá. Eu acabei pedindo uma avaliação técnica, para saber porque quebrou. Recebi o resultado hoje, ele quebrou por ficar pelo menos 15 minutos submerso. Mas eu tenho certeza que eu não deixei ele cair na água, muito menos por 15 minutos.
- E o que você acha disso? Quebrou sozinho?
- Eu achei super estranho. Será que alguém entrou em casa e quebrou ele?
- Eu acho, venho te falando isso desde que o hospital foi embargado.
- To começando a acreditar na paranoia sua e da Carol. Eu não quebrei esse celular, e ele não consegue andar sozinho até a água. Alguém fez isso, mas quem?
- Fernanda, pelo amor, abre teus olhos, você é muito mais inteligente que isso. Quando seu celular estava quebrado, você estava com quem?
- Com a Milena, em Coimbra.
- Então, quem mais iria querer que seu celular quebrasse?
- Ontem a Milena foi a noite lá em casa, a Carol ficou estressada e praticamente colocou a Mi pra fora, se tivesse sido ela a quebrar meu celular, porque iria lá pra casa?
- Não acho que foi a Milena especificamente e sim aquele mal encarado que faz o serviço sujo pra ela. E ela pode ter ido ontem para sentir como está o clima, ver como ela pode lidar com a Caroline, não sei. Pra mim, tanto o embargo, como seu celular foi coisa da Almanço, só não tenho como provar. Ela nunca foi de brincar Fe, você sabe disso, quantas vezes você já não me falou que ela concorda com as coisas que seu pai fazia.
- Mas será que isso tudo é porque ela me ama ou coisa assim?
- Pode até ser, mas o que eu sei é que se juntar as duas fazendas, Ganate e Almanço, vocês dominam a produção nacional se não da península Ibérica. Será que isso por si só já não é um estímulo muito bom?
- Ai será? Nunca pensei isso dela.
- Você só procura o lado bom das pessoas, esconde os defeitos. Não estou batendo o pé que foi ela, nem tenho como provar, mas o meu feeling diz que é. Mas isso é com você Fernanda, eu estou aqui apenas para ajudar no hospital e no ambulatório.
- Você vai voltar para Trás os Montes?
- Estou pensando em ficar por aqui na verdade, o que você acha?
- Seria bem melhor. Lá funcionava bem enquanto não tínhamos telefone ou acesso a nada, mas agora que tem telefone, internet e luz aqui, dá para mantermos aqui. Vê como faz para transferirmos a base de lá pra cá, vê quem gostaria de vir em relação aos funcionários, não pretendo dispensar ninguém, sabe dessa minha política.
- Sim senhora. Fe, eu vou indo, tenho muito trabalho e minha chefe é uma mala com trabalho atrasado.
- Sua chefe é a Caroline? Só ela que tem essa neura com horário, prazos e organização.
- Isso é verdade. Eu vou indo e você, sem met*r os pes pelas maos, entendeu?
- Sim. Não vou fazer nada de errado, prometo.
Eu fiquei mais um tempo no ambulatório, atendi duas crianças que chegaram doentes e depois aproveitei para mexer em alguns papéis que eu tinha que resolver, só coisas burocráticas. A minha programação de hoje é sair daqui na hora do almoço, passar em uma padaria muito boa que tem a caminho do hospital, pegar almoço pra mim e pra Carol, pegar uma caixinha de chocolates do tipo que ela adora, ou seja, com recheio de menta ou de maracujá, talvez eu pegue flores, ainda não decidi. A cirurgia dela se não atrasou teve início às 8 horas e deve terminar lá pelas duas, se eu der sorte chego lá antes dela terminar. Dá até tempo de arrumar a sala dela com essas coisas, fazer uma surpresa legal e pedir mil desculpas pela merd* que eu fiz ontem. É claro que eu pisei na bola, já era tarde, a milena sim estava dando em cima de mim na caruda, assim como ela fez nas últimas duas semanas e eu não cortei, dei motivos para a Carol ficar brava comigo. Além do que se ela saiu do sério a ponto de botar a Milena para correr de casa, ela deve ter passado super do limite de paciência dela, já vi a gineco brava, mas como ontem nunca.
Quando cheguei ao hospital, da portaria mesmo eu liguei no centro cirúrgico, quem atendeu foi uma enfermeira.
- Boa tarde, aqui é a Ganate, sabe me dizer se a cirurgia da Dra Carol já está acabando?
- A Dra Braga teve um problema na cirurgia, vou ver com ela quanto tempo mais - ao fundo eu ouvi a mulher falando com a Caroline, ela estava com a voz bem irritada - Dra, ela disse que pelo menos mais umas 2 horas, se não houver novo sangramento.
- Tudo bem, obrigada. - Aproveitei que vai demorar e subi ao quarto andar, onde fica o consultório dela. Apesar de estar com as coisas particulares dela e ser uma sala pessoal, ela deixa a porta aberta, segundo a própria Carol se alguém precisar de maca para atender o paciente, não pode ser uma sala fechada a impedir, então ela deixa aberto, mas as coisas pessoais ficam trancadas na mesa. Mesmo ela trabalhando a pouco tempo aqui, o lugar tem a cara dela, simples e direto com três livros na prateleira ao fundo, organizados milimetricamente.
O consultório dela tem um banheiro ao fundo, para que as pacientes possam se trocar antes e após o atendimento, preparei tudo e depois fui para esse banheiro, aguardar ela voltar. Como eu consegui uma nova correntinha com pedra do Douro, coloquei uma câmera no canto da sala, pode até ser que filme mais um toco meu, mas é bem provável que filme ela me agradecendo e me enchendo de beijos, sei lá vai que um dia a gente acabe casando, é algo pra uma retrospectiva. Acabei pegando no sono sentada no banheiro, apenas acordei o barulho da porta arranhando no chão. Bati o olho no relógio, já tinha corrido quase 2 horas, ela deve estar destruída da cirurgia, coloquei a mão na maçaneta para sair quando comecei a ouvir vozes.
- E não é que você “voltaste”? Eu ainda não acredito - eu acho que é a voz da Milena, mas não tenho certeza, o tom é tão irônico.
- Ah não, o que você quer? Acabei de sair de uma cirurgia de 8 horas, não vou discutir agora. E outra como você entrou aqui?
- Eu faço o que eu quero Caroline. Agora senta aí, vamos conversar.
- Não tenho nada para falar Milena, pode ir embora, por favor. - A Carol confirmou, é a voz da Milena mesmo, o que será que ela quer falar com a minha namorada?
- Ai Caroline, vamos evitar de eu ter que gritar com você ok?! Só preciso de 10 minutos, você pode?
- Que saco.
- Então vamos lá, uma pergunta simples, clara e direta. Quanto você quer pra ir embora?
- Oi?! Ir embora daqui? Tá de brincadeira comigo. Chega, vai embora.
- Sua idoneidade é encantadora Caroline, até chega a ser bonita. Mas toda mulher tem seu preço, e sei que você tem o seu. Quanto você quer? Um milhão? Dois? Mais do que isso você não vale.
- Chega Milena, já passou do limite, sai da minha sala. Agora - o “agora” a Carol falou alto, não gritando, mas alto, ríspida.
- Nossa, você grita. Achei que não conseguisse, você é tão perfeita né?!
- O que você quer? Fala logo?
- Eu já falei querida, quanto você quer pra sumir? - a voz da milena era calma, irônica.
- Eu não estou a venda. Tudo isso porque Milena, por causa da Fernanda? Não me parece que você ama ela desse jeito.
- Amor? O que é essa merd*? Eu quero a fazenda da Fernanda, ela detesta aquilo. Sabe, as pessoas brigam por esse negócio aí que você falou, eu brigo por poder, por dinheiro. Sabe, eu fui muito boa com você, mandei o Caroço só te dar um susto, mas confesso que se eu tivesse te matado, seria muito mais fácil. Olha essa sua carinha de assustada. Que linda. Oh! O Caroço me falou que você gritou, todo o tempo. Eu queria ter visto, deve ter sido assustador né?! O quartinho escuro, sem ver a luz do dia, sem saber onde estava. Sabe, eu posso fazer bem pior, ainda estou te oferecendo um dinheiro para você ir embora, em paz. Acha que dinheiro é problema pra mim? Eu comando uma organização de tráfico de órgãos, dinheiro nunca foi problema. Sabe o que eu deveria ter feito? Tirado tudo de dentro de você, deixando você acordada, gritando. Pena que o Puca te conhecia, ele é um dos meus melhores, sabia? Você só não morreu porque ele te protegeu, por mim, você nem saia viva de lá.
Houve uma gargalhada assustadora da Milena, eu estava inerte no banheiro, sem conseguir me mexer. Meus pelos estavam arrepiados, uma sensação que não sei como descrever. Não consigo me mexer, estou travada aqui dentro.
- Está assustada linda? Pensa pra mim como é fácil eu terminar o serviço, aqui, agora. Você está tão assustada que nem se mexe. Eu tive trabalho viu?! Estava tudo tão certo com você morrendo no sequestro, mas aí tive que fazer o embargo, esperar a Fernanda voltar, pagar aquele imbecil do cara do condado. Pensa que lindo, ela me pedindo ajuda, passei quase uma hora com ele, bebendo, enquanto ela implorava para a reunião estar dando certo. Aí você resolve voltar, sabe que até quebrei o celular dela pra ver se você se irritava com ela e sumia? Mas você é persistente não é? Sabe, você deve estar aqui pelo dinheiro dela também. Cala a boca e para de chorar! Cala a boca! Detesto choro! Cala a boca imbecil!
Ouvi um barulho abafado, seguido de um gritinho baixo. Acho que o grito foi da Carol, depois de um tapa da Milena. A primeira coisa que consegui pensar é na Caroline, magrinha como é, calma e sem preparo nenhum, apanhando da Milena, que é maior que ela, luta, musculosa. Com o máximo de silêncio que consegui, girei a maçaneta da porta do banheiro para ver o que estava acontecendo, e a cena foi exatamente essa mesmo, a Carol sentada na cadeira, quase roxa, azulada e a Milena, sentada nela, segurando o pescoço dela.
Quando eu enxerguei isso, não sei de onde tirar forças, mas sai do banheiro, de onde eu estava escondida. Quando a Milena virou o rosto, para me ver, minha mão fechada foi direto no rosto dela, sem explicação, sem palavras. Peguei ela pelo pescoço, com a perna dela se debatendo em mim e joguei ela no chão. Minha perna, quase que programada pra isso, começou a chutar ela, uma, duas, três, dez vezes, não que eu estivesse contando. Acho que ela passou a perna por mim, dando uma rasteira ou algo assim, acabei caindo no chão. Não me levantei, subi nela, sentei na barriga da Milena e minhas mãos foram direto ao pescoço dela, e da mesma maneira como ela está enganando a Carol eu fiz, apertando o pescoço dela, enquanto seus braços davam socos em mim e suas unhas me arranhavam, tentando se soltar.
A voz da Caroline estava ao fundo, assim como todo o barulho do hospital que eu fazia questão de não ouvir. Nem a dela gritando socorro ou das outras pessoas mandando eu soltar a Milena. Senti as mãos da Caroline passando pelo meu ombro, me segurando, me abraçando, mas eu juro que não sabia que era elas, enquanto uma mão ainda segurava firme o pescoço da Milena, a outra empurrou quem me segurava, todo aquele som só voltou entrar nos meus ouvidos e ser compreendido pelo meu cérebro quando eu ouvi o grito de dor da Carol. Na hora em que ela gritou eu larguei a Milena e virei o corpo.
A gineco estava caída no chão, com a mão no rosto, especificamente onde ela havia colado a fratura há uma semana e meia. Os pontos devem ter soltando ou coisa assim, meus olhos se estreitaram imediatamente nela. Enquanto eu tentava me livrar de quem me segurava, no caso a Carol, meu cotovelo bateu com toda a raiva e força no lugar da fratura dela. Suas mãos estavam vermelhas, uma em cima do corte e a outra tentando se levantar. Eu estiquei minha mão pra ela, a única coisa que me importava agora era o sangramento que eu causei, a merd* de problema que eu sempre consigo criar. Corri na mesa dela e peguei papel, muito papel para colocar no rosto dela, mas quando voltei ela não estava mais lá, a Carol não estava na sala, só havia a milena, sangrando no chão, dois seguranças ao lado dela e algumas pessoas tentando atender. Cadê a Caroline? Corri para o corredor, só consegui ver ela no final do corredor, entrando no elevador, acompanhada de mais duas mulheres.
- Larguem ela, ninguém vai atender essa imbecil. Larga ela caída aí. - uma das enfermeiras me respondeu algo, que eu ignorei - Você armario, liga pra policia, manda virem rápido. Agora. - Claro que continuaram atendendo ela, óbvio. Eu peguei meu celular do bolso, liguei ele e depois de apertar dois ou tres botoes, esperei a Flavia atender, vocês lembram da Flávia? Ela que cuidou no Brasil do resgate da Carol e da investigação do sequestro.
- Flávia, é a Fernanda. Namorada da Caroline, lembra.
- Claro, está tudo bem? Está com a voz ofegante.
- Acabei de bater, na verdade espancar, na mandante do sequestro da Caroline, ela é quem comanda a quadrilha de tráfico de órgãos.
- Calma, calma, onde você está?
- Estou no meu hospital, em Urros, Portugal.
- Já ligou para a polícia local?
- Sim, um dos meus seguranças, na verdade seguranças do hospital ligou.
- E o que aconteceu? - tentei do meu modo explicar o que aconteceu, mesmo sem conseguir direito - Tudo bem, quero que você se acalme e fique onde está. Eu vou entrar em contato com a polícia daí. Fique com o celular na mão ok. E de atendimento a mulher, não quero você acusada de omissão de socorro.
Dei uma olhada rápida pela sala, a Milena já estava sendo atendida, estava sentada em uma cadeira na frente da mesa da Caroline. Ela estava com o rosto inchado, sem conseguir abrir o olho, o pescoço com marcas de dedos, pensei comigo, muito parecida com como a Carol estava após o sequestro. Eu não cheguei perto da Milena, nem conseguiria com tantas pessoas na sala, mas fiquei a todo segundo olhando ela. A polícia levou quase uma hora para chegar no hospital, nesse meio tempo a Marcela apareceu, outras pessoas também, todos me perguntaram se eu precisava de atendimento, de uma água ou de alguma coisa, mas eu neguei todas, na verdade nem respondi. Fiquei todo o tempo andando de um lado para o outro, com o único olho da Milena aberto, me seguindo, me acompanhando. Em um único momento ela foi capaz de soltar murmúrio de fala, me chamando, mas automaticamente eu mandei ela calar a boca, bem seca, ríspida e quase gritando.
Quando a polícia finalmente chegou, depois de quase uma hora de espera, ela foi algemada e colocada em uma viatura. O delegado me chamou e disse que eu precisava acompanhá-lo, se tratava de um caso especial, tanto pela posição política e social de ambas como por ser algo além de portugal. Eu disse que entendia, mas que iria no meu carro. A Marcela segurou meu braço nesse momento e veio falar comigo:
- Vem, vamos no meu carro, você não tem condições de dirigir.
- Eu estou ótima, você fica aqui e cuida da Caroline. Como ela está?
- A Carol está sendo bem assistida, para de bater boca comigo e vem. - Aceitei com a cabeça, sem discutir, entrei no carro dela, em silêncio, e assim fiquei até chegarmos a Esquadra (jeito português de falar delegacia. Quando eu desci, um agente me encaminhou a uma sala, onde eu seria interrogada, eu acho. Se pensam que estou com medo de ser presa por espancar a Milena, estão bem enganados. Na verdade eu não lembro nem do que eu fiz, apenas que espanquei ela, só consegui descrever com propriedade para vocês depois que vi a gravação, aquela câmera que coloquei na sala da Carol para gravar eu dando a correntinha dela foi boa para gravar tudo que aconteceu hoje. Fiquei sentada nessa sala um bom tempo, o suficiente para eu pensar em tudo o que havia ocorrido hoje. Eu estou com a Caroline a cerca de dois ou três meses, nesse meio tempo eu já aprontei tanta coisa que eu não sei como ela ainda está comigo. Sem contar que se eu não tivesse me apaixonado por ela, a Milena não teria sequestrado-a.
- Senhorita Ganate, precisamos conversar. Tudo bem?
- Claro delegado, senta aí, se eu estivesse em casa até te ofereceria um café.
- Imagino, “podes” me contar o que aconteceu hoje?
- Sem dúvida - Expliquei ponto a ponto para o delegado bigodudo que estava na minha frente
- Recebi um chamado da polícia brasileira, eles me informaram que a senhora tem a gravação do que aconteceu hoje no hospital.
- Tenho, esta aqui a câmera. - entrei a câmera para o homem - como disse por telefone a polícia brasileira, a gravação não foi intencional era por causa do presente que eu iria dar a minha namorada, mas acabou gravando o show da Almanço.
- Quanto a senhorita Almanço, ela será detida enquanto aguardamos a chegada da equipe brasileira que está promovendo a investigação, apenas uma pergunta, sente alguma culpa pelo que fez a ela senhorita Ganate? Ela está cheia de hematomas.
- Delegado, vou ser clara e direta, se quiser me prender por isso sinta-se a vontade, se não tivessem me tirado de cima da Milena, eu estaria aqui por homicídio. E sem nenhum arrependimento. O que ela fez a minha namorada não se faz nem com um bicho, sem contar que ela estava agredindo-a. Não me sinto culpada de absolutamente nada.
- Senhorita preciso que não se ausente da cidade ou do país até que investigação seja concluída.
- O senhor pode fica tranquilo, não pretendo sair daqui. Estou a sua disposição. Estou liberada.
- Está sim senhorita Ganate - me levantei da cadeira com calma e sai da sala, onde a Marcela ainda me aguardava. Assim que bati o olho na sala, o pai da Milena estava lá, ele estava com o rosto vermelho, chorando. Quando me viu, veio falar comigo.
- Fernanda, uma palavrinha com você.
- Claro - segui até fora da delegacia, onde ele começou a falar
- Fernanda, você cresceu com a Milena, “sabes” que o que falaram sobre ela é mentira. Ela não participa dessas coisas, ela é empresária, até já passei a fazenda pra ela. “Tens” que tirar as acusações contra ela, vai acabar com a vida de uma menina.
- Senhor, eu não posso fazer isso e se eu pudesse não faria. A Milena tem que pagar pelo que fez frente a justiça. Ela não vai ser presa só pelo que fez hoje, mas por tudo que faz a anos.
- Eu mando ela ao escritório de Londres e prometo nunca mais ela aparecer aqui. Podemos fazer isso?
- Não, ela tem acusações muito maiores que um sequestro. No que depender de mim, a Milena nunca mais vai ver a luz do dia, não vai mais machucar ninguém.
- Quanta ruindade você tem no seu coração Fernanda, minha filha vai morrer na prisão, por culpa sua. Você é mesmo a encarnação do seu pai, ruim feito pedra.
- Será mesmo Almanço? Fica a dica que não sou eu que mato pessoas para roubar orgãos, que sequestrou outras por poder e dinheiro. Nem sei se o próprio Jorge Ganate faria isso. - Larguei ele me olhando com cara feia e sai andando, a Marcela me acompanhou, só voltei a falar quando entrei no carro dela. - A Caroline está bem Marcela? Você soube de algo?
- Ela está bem, ainda está no hospital. A fixação da fratura não soltou, só os pontos. Teve que costurar a ferida mais uma vez.
- Ainda bem, pode me deixar em casa?
- Deixo claro, Fe como você está? Quer conversar?
- Não, quero ir pra casa, apenas isso, pode ser?
- Tudo bem. - fomos em silencio até a viela próxima de casa, onde ela parou o carro. Antes de eu descer, novamente falou
- Fe, não quer mesmo conversar? Tenho medo de como você vai encarar o que aconteceu hoje, você está tão bem a anos.
- Quer que eu fale o que? Como eu me sinto culpada pelo sequestro da Caroline ou sobre como eu me sinto super bem em quase ter matado a Milena? Se seu medo é que eu use drogas, pode ficar tranquila, não estou sentindo falta de nada. Mas se na sua percepção álcool for droga, isso é um problema, porque eu vou entrar em casa e beber até eu pegar no sono. Tem ideia como eu arruinei a vida da Carol? Ela era feliz, linda, profissional, cheia de sonhos, agora ela tem medo de andar na rua, não consegue ouvir o apelido de infância, não consegue tomar um café na lanchonete, de medo do sequestro, de medo do que eu causei pra ela.
- E foi você que sequestrou ela? Porque a culpa é sua?
- Se ela não me conhecesse a Milena não teria feito isso, a culpa é minha sim.
- Não a culpa não é sua Fernanda, a Carol precisa de apoio, de carinho, precisa de você.
- Não, ela precisa se afastar de mim, só dou problemas pra ela, só machuco ela.
- Fernanda, olha pra mim, entra em casa, toma um banho e espera ela chegar, conversa com ela, com calma. Não faça nada sem pensar, ela já está super machucada, se você aprontar, só vai machucar mais ela. Pensa antes de fazer merd*. - Eu peguei a minha bolsa, que nem sei como estava no carro da Marcela e desci, fui andando até em casa.
Quando cheguei e abri a porta, o Pingo veio correndo até eu. Fiz um carinho nele, joguei a minha mochila de canto e fui direto para a geladeira, o primeiro vinho que achei foi o escolhido, arranquei a rolha, enchi a boca e engoli. Quando me preparei para virar o segundo gole, a porta da sala fez um barulho e abriu, não bebi o segundo gole, de onde eu estava, fiquei olhando a Carol entrar em casa.
Fim do capítulo
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preguicella
Em: 19/05/2019
Ai meu coração!
Espero que Fê não seja teimosa e faça alguma burrada maior com Carol!
Que essa semana voe! haha
Bjãoo
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