Capítulo único
A Floresta Mística era densa e parecia exibir todos os tipos de verdes, dos mais vivos aos mais sombrios. Era o lugar preferido de Nelaeryn, principalmente após algum desentendimento com o pai, o Lorde Mhaenal. Com seu arco forjado pelo melhor ferreiro da aldeia, a jovem elfa caçava roncadores, uma espécie de animal selvagem de médio porte, com pelagem dura e fios que pareciam espinhos.
Seu objetivo de fato era esfriar a cabeça e procurar alguma solução para evitar o que parecia inevitável a essa altura: casar com um primo, como mandava a tradição local.
Andava ora rápido, ora de forma lenta e com os sentidos atentos, à procura daqueles animais que havia aos montes por ali, porém hoje todos pareciam mais astutos que Nelaeryn.
Após rasgar seu vestido verde em um galho caído, praguejou os roncadores, seu pai, e todos os elfos do mundo, seu humor só piorava naquele dia. Mas a sorte pareceu mudar, um robusto animal surgiu bem à sua frente, parecia desafiar seus dotes de caçadora, atividade que seu pai detestava.
Ergueu o arco, esticou a flecha o máximo, e o animal saiu em disparada.
— Volte aqui! — Bradou inutilmente.
Sem muito pensar, correu em disparada atrás do animal, chegando a uma parte até então desconhecida da floresta. Estancou o passo e observou com encantamento aquela gruta, tão viva e colorida ao redor, tão escura em seu cerne.
Com passos inseguros, aproximou-se da escuridão e hesitou em entrar naquele buraco cravado entre pedras, não conseguia enxergar absolutamente nada além. Envolvida por tremenda curiosidade, largou o arco no chão e estendeu a mão à sua frente, sentindo uma onda perpassar todo seu corpo, a escuridão parecia ser um espelho d'água na vertical, seu toque provocou oscilações na paisagem. Tocou novamente, agora com mais determinação, e pode ouvir um grito.
— Quem tá aí?? — Perguntou uma voz feminina amedrontada do outro lado.
— Eu que pergunto, quem está aí dentro da caverna?
— Caverna? Eu sei que minha casa é uma bagunça, mas não precisa sacanear.
Uma garota com uma camisa vermelha surrada e cabelos bagunçados surgiu de dentro da gruta, para espanto da elfa.
— Pam, sou a Pam, e você?
— Eu sou Nelaeryn Eilsatra de Ravathyra.
— Ne o quê?
— Pode me chamar de Nell, minha mãe me chamava assim.
— Por que sua orelha é pontuda?
— E por que a sua não é? Foi algum castigo do chefe do condado?
— Todo mundo tem a orelha assim. —Pam deu uma boa olhada na garota parada à sua frente, tentando entender como surgira em sua sala. — Que roupa legal, uma coisa meio Game of Thrones, né? Você veio de alguma festa? Como entrou aqui?
— Não entrei, apenas encontrei essa gruta na floresta, e você saiu de dentro. Sua caverna é tão estranha. — Nelaeryn inclinou a cabeça para frente, reparando a sala com sofás brancos e uma grande TV na parede.
— E você está no meio do mato?
— É a Floresta Mística, a maior do reino dos elfos.
— Você é um elfo de outro mundo? — Disse ao perceber o portal que se abrira em sua sala.
— Acho que sim, e qual sua espécie?
— Sei lá, humana? Sapatão?
— Você fala de um jeito estranho, parece misturar com algum dialeto antigo, você é viajante do tempo? Em que ano você se encontra? — Questionou a elfa, com interesse.
— Viajante no tempo, tipo Doctor Who? Aqui é 2019, e aí?
— Aqui também. Mas sua habitação não condiz com nossos padrões.
— Eu nunca gostei muito de seguir padrões... — Brincou.
— Quem são aquelas pequenas pessoas na parede?
— É a televisão, as pessoas não estão de verdade ali, é só uma tela.
— É algum tipo de ilusionismo?
— De certa forma, acho que sim. Quer entrar? Posso fazer um café.
Nelaeryn teve o impulso de dar o passo seguinte e passar pelo portal, mas preferiu não arriscar, tudo aquilo era diferente demais da sua realidade, temeu ser alguma magia orquestrada pelos alquimistas que trabalhavam para seu pai.
— Não posso, isso tudo é muito estranho... — Deu um passo para trás e juntou seu arco do chão. — Se você for uma artimanha de meu pai para que eu case com Rolnor, não cairei tão fácil, preciso ir.
— Tem alguém te perseguindo? Posso ligar para o 190 se quiser.
Nell afastou-se mais, e o portal se encerrou como um vórtice no ar, balançando seus cabelos castanhos, ornados por uma tiara de pequenas flores.
Naquela noite em um dos anexos do castelo, Nelaeryn prestou atenção em tudo que seu pai falava ou fazia, tentando captar algo sobre seus próximos passos com relação ao seu casamento que se aproximava. Aquela ilusão teria sido obra dele? E se aquela garota de fala estranha fosse alguma bruxa pronta para lhe ajudar? Resolveu voltar lá no dia seguinte.
— Sinto te decepcionar, mas não sou bruxa, apesar de ter ficado lisonjeada com a alcunha.
— Feiticeira talvez?
— Também não, sou apenas uma estagiária de Direito, não tenho poderes místicos.
A elfa baixou a cabeça pensativa e decepcionada, ainda não entendia o que era aquele pedaço de outro mundo na floresta.
— Mas talvez eu possa te ajudar. — Pam voltou a falar. — Ninguém deve se casar por obrigação, eu conheço advogados que trabalham na área de Direito de Família, posso conversar com eles, se bem que... Acho que aí no seu mundo nossas leis não se aplicam.
— Provavelmente não, as leis aqui protegem apenas os homens de bem, e isso não inclui mulheres.
— Não é muito diferente daqui... — Balbuciou Pam.
— O que?
— Senta aí, vamos conversar, algum jeito deve existir de evitar seu casamento com o Legolas.
Passaram a tarde conversando, e outras tardes depois também, os encontros eram rotineiros, até que o dia do casamento com o primo Rolnor chegara. O pátio central do castelo anexo estava repleto de flores e ramos, com um altar igualmente florido. Iguarias eram preparadas na cozinha, o cheiro subia até o quarto de Nell. Enrolou alguns bens pessoais e uma muda de roupa num xale, e fugiu do castelo por uma passagem secreta.
Seus passos eram decididos e ao mesmo tempo um medo absurdo arrepiava seus poros, sua vida mudaria naquele dia, de um jeito ou de outro. Vencia a vegetação com pressa e os galhos lhe arranhavam os braços e as pernas, o caminho era longo e conhecido. Assustou-se com um barulho na mata, parou o passo e pode ver um roncador correndo atrás de outro, pareciam brincar.
Voltou a caminhar rapidamente e abriu um sorrisinho ao avistar a gruta. O portal já se iniciava a sua frente quando foi puxada bruscamente pelo braço.
— Onde você pensa que vai??
Era seu pai, um respeitado e barbudo lorde da aldeia. Ele estava rodeado de guardas com suas lanças.
— Me solta! Não vou me casar com aquele brutamontes!
O pai a soltou, mas os soldados se aproximaram ainda mais da garota, que soltara o embrulho que carregava.
— Eu sou seu pai e você me deve respeito incondicional! Você voltará ao castelo, por bem ou por mal, garota malcriada!
Ela conseguiu dar um passo a frente e estender a mão, fazendo o portal aparecer e um guarda a segurar pelo braço. Pam a esperava ansiosamente e assustou-se com todos aqueles homens ao redor de Nell.
— Eles me seguiram! — Nelaeryn tentou explicar entre lágrimas.
— Não sei que truque de ilusão você está usando, mas você nunca mais chegará perto dessa gruta, vou te prender para sempre no quarto do seu marido! — Bradou o pai.
— Nunca! — Retirou uma adaga da proteção de couro que usava por cima do vestido. — Prefiro a morte!
Antes que o guarda conseguisse tomar sua faca, a elfa sentiu uma mão segurando seu pulso, era Pam, com parte do corpo ainda em seu lado.
— Venha!
Nell aproveitou a distração do guarda e correu na direção do portal, caindo na sala de estar de Pam. Lorde Mhaenal correu na direção da filha, mas esbarrou com violência contra um aglomerado de pedras.
O portal havia se fechado para sempre.
Do outro lado, ainda caída em cima de Pam, a elfa ofegante abriu um sorriso, eis que em um ímpeto de alívio e felicidade, beijou a anfitriã, que correspondeu.
Fim do capítulo
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Zaha
Em: 01/05/2019
Hallo,amiga!!
Você nao pode escrever assim?!! Tao lindo, ameii muito, tanto que vou te encher o saco pra que desenvolva uma estória, preciso muito!! Uma fantasia misturada com a realidade de hoje. Pensar, que apesar dos tempos diferentes, algumas coisas continuam as mesmas e as lutas que vencemos estao se perdendo...mas foi lindo poder misturar e a Elfa ter tido uma chance de mudar eu destino, seria bom se pudessemos ter a oportunidade de escolher nossas realidades, temos o livre arbítrio, mas que adianta se tamos limitados a uma realidade imposta pela sociedade , nem todos podem escolher, alguns sao mais privilegiados que outros..os diferentes sempre sao excluídos e muitas vezes tem que aceitar e viver a vida de outros...enfim! O final foi muito lindo, digno de vc!Eu elogio muito vc, mas vc está na minha lista das melhores, acho que esssa estória tem muito potencial pra competir com Anna e Jenny ou como Theo e Sam...ainda que Anna e Sam sao meus xodores!!
Boa semana, beijao
preguicella
Em: 03/05/2019
Super curti! Imagina a pobre Elfa crente que se livrou desse povo machista e chega aqui e dá de cara com bozo e trump.
Bjãooo
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Luzia S de Assis
Em: 02/05/2019
Ahhh como eu amei esse conto!
Referência a Game of Thrones adoooro. Sério eu ri muito kkkk
Fiquei com vontade de saber como a elfa se viraria aqui no mundo da Pam.
Perfeito!
Bjs
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Sem cadastro
Em: 01/05/2019
Hallo,amiga!!
Você nao pode escrever assim?!! Tao lindo, ameii muito, tanto que vou te encher o saco pra que desenvolva uma estória, preciso muito!! Uma fantasia misturada com a realidade de hoje. Pensar, que apesar dos tempos diferentes, algumas coisas continuam as mesmas e as lutas que vencemos estao se perdendo...mas foi lindo poder misturar e a Elfa ter tido uma chance de mudar eu destino, seria bom se pudessemos ter a oportunidade de escolher nossas realidades, temos o livre arbítrio, mas que adianta se tamos limitados a uma realidade imposta pela sociedade , nem todos podem escolher, alguns sao mais privilegiados que outros..os diferentes sempre sao excluídos e muitas vezes tem que aceitar e viver a vida de outros...enfim! O final foi muito lindo, digno de vc!Eu elogio muito vc, mas vc está na minha lista das melhores, acho que esssa estória tem muito potencial pra competir com Anna e Jenny ou como Theo e Sam...ainda que Anna e Sam sao meus xodores!!
Boa semana, beijao
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Silvia Moura
Em: 01/05/2019
Olá autora, que legal essa estoria, uma lenda real com um 'q' de doce e tão atracada em nossa realidade, eu queria portais para atravessar nesse momento duro de nossas vidas, é claro que não estou me refutando as lutas e nem tentando fugir, mas você joga aqui, talvez sem querer ou querendo, esperanças de que portais possam existir entre todos, que mãos podem ser pegadas e ajudadas, que "Pams" existem e que mãos não devem ser soltas devem ser agarradas, seguradas... Amei sua estoria, obrigada querida, acordei e me deparei com seus portais, aliás, você é um portal aberto que leva e traz felicidade a tantas...um abraço e Deus te abencoe!
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