Capítulo 44

Quarta-feira de manhã

Helena e Michelle estavam sentadas no sofá da sala da casa da mais velha.

— Aconteceu alguma coisa, Helena? – Michelle perguntou preocupada, pois na noite anterior Helena havia lhe ligado para marcar um encontro e parecia que queria falar algo muito importante.

—Sim, mas não é o que você está pensando – Tentou acalmar a outra mulher – Aconteceram algumas coisas após nossa última conversa.  Na verdade, na nossa última conversa, eu omiti alguns fatos.

— Quais fatos?

— Eu sou apaixonada por uma pessoa – Michelle ficou surpresa com essa revelação – É a única pessoa que amei nessa vida, mas por medo, eu terminei tudo.

—Eu não estou entendendo, pensava que Augusto tinha sido seu primeiro e único relacionamento.

Helena riu em nervosismo, pois não sabia como iria falar para a outra que amava a prima de seu esposo.

— Tive uma pessoa antes dele, mas ninguém sabe. Acho que meus pais chegaram a desconfiar, mas como me envolvi com o Augusto depois, ninguém nunca teve certeza de nada.

— Quem é essa pessoa?

— Por incrível que pareça, é a prima de meu marido.

—Nossa!

— Eu amo uma mulher, Michelle. Talvez agora você entenda o porquê de ter entendido você e minha filha – começou a se emocionar – Não quero que minha filha passe pelo que passei. Eu sei muito bem o que é amar alguém e sentir medo da rejeição das pessoas próximas por causa desse sentimento.

— Ninguém deveria passar por isso, somente por amar alguém do mesmo sex* – Michelle segurou uma das mãos de Helena – Mas o que está acontecendo contigo?

— Bom... A prima de meu marido está vivendo nessa casa em frente à minha – Helena falou e a professora começou a suspeitar de algo.

—Vocês estão tendo algum envolvimento?

— Sim – Olhou para a morena e ficou com medo do que a outra mulher pudesse pensar – Eu não queria me aproximar dela com minha vida desse jeito, mas não consegui evitar com as aproximações dela.

—Não precisa me explicar nada, Helena, você não ama seu marido. Acredito que já deveria ter se separado dele.

—Eu sei, mas as coisas não são tão simples como todos pensam.

— Será que é você que não está complicando um pouco? – Michelle entendia tudo que Helena estava passando, mas para ela, a outra mulher tinha que começar a entender que viver daquela forma não lhe fazia bem e que ela tinha que buscar uma forma de sair de toda aquela situação.

— Eu contei tudo que acontece aqui para Ester.

— Ester é a prima de seu marido?

— Sim – Começou a se lembrar da forma como Ester havia agido. Neste momento, passou a ficar com medo da morena acabar fazendo alguma besteira com Augusto – Ela ficou muito transtornada.

— E com razão, Helena, ninguém quer ver a pessoa que ama sofrendo – Michelle disse com convicção, já que havia ido conversar com Helena para tentar acabar com o sofrimento de sua amada.

—Eu sei disso, mas não quero que ela faça nenhuma besteira. Augusto pode ser um homem perigoso, eu sei bem disso – Sabia como o marido agia quando as coisas não aconteciam de seu agrado.

Com aquelas palavras de Helena, Michelle ficou um tempo pensando e se lembrou de algo.

— Espere um momento – Michelle pegou sua bolsa e de lá tirou um papel – Acho que isso pode lhe ajudar.

— Que número é esse? – Helena olhou para aquele número desconhecido.

— Acho que para tudo aqui melhorar, você, Helena, tem que dar o primeiro passo – Michelle falou e Helena ainda não estava entendendo o que a outra mulher estava querendo dizer com aquelas palavras – Esse número é de uma delegacia. O que ele faz contigo e seus filhos não é certo.

— Michelle, o Augusto é muito influente – Helena sabia muito bem que seu marido tinha muitos contatos.

—Eu sei disso, mas acredito que vão poder te ajudar. É uma delegacia da mulher responsável por combater violências cometidas contra as mulheres.

— Tenho medo, Michelle, se isso não der certo, Augusto pode ficar pior comigo – Disse temorosa.

— Olha, se isso não der certo, temos que dar um jeito de tirar você dessa situação, Helena, não tem como você passar a sua vida toda assim. Esse homem não te merece e estou notando que você também não aguenta mais viver assim.

— Com essa aproximação de Ester, viver nessa situação está sendo insuportável — Abaixou o seu campo de visão e as primeiras lágrimas começaram a escorrer pelo rosto.

— Não fique assim. Vamos conseguir resolver tudo isso — Abraçou a outra mulher — Seja forte, Helena, e lute por sua felicidade.

— Mas tenho tanto medo — Helena confessou.

—O medo faz parte, mas não podemos deixá-lo nos dominar. Olhe para mim e me responda uma coisa. Você já pensou na reação de seus filhos ao saberem de você e Ester?

Por um momento, Helena ficou pensativa. Havia pensado na possibilidade de viver com Ester, mas não sabia como iria ser a reação de seus filhos com a novidade. Talvez Ilara lhe entenderia, mas Gustavo, por ser ainda muito novo, era difícil saber como ele reagiria.

— Não havia parado para pensar nisso.

— Acho que Ilara iria lhe entender facilmente — Michelle afirmou, pois achava sua amada maravilhosa demais para não entender a mãe — Já Gustavo é um caso diferente, mas parece ser um garoto muito compreensivo e amável.

— Sim, ele é — Helena sorriu.

— Então, vamos ser fortes agora? Eu estarei aqui para lhe ajudar no que for preciso. Se precisar, você pode ficar em minha casa. O que não pode mais é você viver com esse homem que não te merece. Pense direitinho no que te falei.

— obrigada por tudo, Michelle, você não sabe o quanto essa conversa contigo está sendo libertador para mim – Helena olhou para Michelle e percebeu que não tinha como não se emocionar por ter aquela mulher lhe apoiando, já que as pessoas nunca lhe entendiam e Michelle estava sendo um anjo em sua vida. Foi ao pensar nisso que se deu conta que sua filha tinha muita sorte por ter aquela mulher ao seu lado.

***

Era a hora do intervalo, Ilara e Milena estavam sentadas em um banco no jardim do colégio.

— O que é que você tem para me contar? – Milena indagou, pois parecia que a outra garota tinha algo muito importante para dizer.

— Resolvi tomar a iniciativa com Michelle – Ilara comentou envergonhada.

— Vocês tiveram a sua primeira vez? – Perguntou surpresa, pois não achava que Ilara depois da última conversa pudesse acabar com seus medos assim tão rápido.

—Não! – Mesmo se sentindo mais segura para dar esse passo com Michelle, Ilara achou que o que as duas tinham ainda era muito recente e sem definição para algo tão importante que era sua primeira vez.

— Então, o que aconteceu?

— Resolvi ser mais solta... Não deixar somente Michelle dominar a situação.

Com a fala de Ilara, Milena riu. Era difícil imaginar sua amiga mais solta, sendo que ela tinha vergonha de falar até sobre beijos.

— Bom... Fico feliz por isso, mas é difícil acreditar que você tenha mudado assim em tão pouco tempo.

— Eu sei que é difícil acreditar, mas essa mudança é necessária, porque é sempre ela.

— Entendo... Às vezes, isso pode dar a entender que você não sente vontade de se aproximar... de tê-la.

— E isso não é verdade. Quando estou perto de Michelle, sinto muita vontade — Envergonhou—se por estar tocando naquele assinto – É algo tão diferente, parece que quer tirar toda minha razão... Eu não sei explicar, mas não consigo pensar direito quando estou perto de Michelle.

— E pra quê pensar, quando você pode fazer as coisas acontecerem? – Milena encarou Ilara e a outra garota pareceu pensar a respeito de tudo que estava sendo dito naquela conversa.

Enquanto Ilara pensava em sua relação com Michelle, Milena viu Mia passando pelo jardim um pouco cabisbaixa e isso chamou toda sua atenção.

— Acho que você devia seguir o seu próprio conselho, parar de pensar tanto e agir mais – Ilara aconselhou, pois sabia que a outra garota mexia com sua amiga.

— Eu não sei... tenho tanto medo de acabar sofrendo.

— Tente conversar com ela. Vê se vocês se acertam... entram em algum consenso. Sei lá, só acho que não dá mais pra você ficar sempre olhando pra ela e fingindo que isso não mexe com você – Ilara falou, mas nem tinha certeza se estava dando o melhor conselho a sua amiga.

Em resposta a fala de Ilara, Milena se levantou e foi até Mia. Ainda tinha algumas mágoas, mas talvez sua amiga estivesse certa, as duas precisavam conversar.

Com a ida se Milena até Mia, Ilara por alguns instantes ficou as observando. Era tão interessante perceber que Milena também se comportava diferente quando estava com a pessoa que gostava. Nem parecia aquela menina cheia de si que sempre sabia como agir.

Ao perceber que Milena estava tímida diante de Mia, Ilara riu, pois notou que sua amiga lhe dava conselhos que nem ela mesma os usava.

***

O ponteiro maior marcou no relógio 16:00 horas em ponto e Ester se assustou ao perceber que passara 30 minutos pensando em como resolver a situação de Helena e não havia chegado a nenhuma conclusão.

Helena ainda não queria fazer nada contra Augusto e isso deixava Ester nada satisfeita, pois o que ela mais desejava era fazer o seu primo pagar pelo que havia feito a sua amada.

Sabia que Helena não gostava de seu primo, ela sentia isso. Então não entendia o porquê para não denunciá-lo.

— Será que Augusto é um homem assim tão perigoso? — Se perguntou ao perceber que talvez Helena tivesse medo de seu primo.

Ester conhecia Augusto há muito tempo, sabia que ele se fazia de santo, mas não era alguém de confiança. Só que, imaginá-lo sendo perigoso era algo que a médica não conseguia imaginar, pois achava que ele era aqueles cachorros que ladra, mas não morde.

Como percebeu que iria enlouquecer se caso ficasse pensando tanto naquele assunto, Ester resolveu fazer uma visita aos seus pacientes para ver como estavam.

Enquanto andava pelos corredores do hospital, tentou se esquecer de todos os seus problemas, no entanto sabia que não conseguiria se controlar perto de seu primo.

Ester não podia dizer nada a Augusto sobre o que sabia, mas não iria desperdiçar nenhuma chance de fazer Augusto sentir um pouco da dor que ele fez Helena sentir e essa oportunidade surgiu quando ela menos esperava.

Após fazer a sua primeira visita, Ester se deparou com Augusto que vinha andando em sua direção com o mesmo sorrisinho sínico de sempre. Ele parecia querer falar alguma coisa a ela para tentar atingi-la, já que Augusto queria mostrar a Ester de todas as formas que ela não iria conseguir ficar naquele hospital por muito tempo, entretanto, antes de dizer qualquer coisa a sua prima, ele recebeu um soco tão forte em seu rosto que o fez cair no chão e quando tentou entender o que estava acontecendo, sentiu um gosto de sangue em sua boca e seu nariz estava terrivelmente dolorido.

Fim do capítulo