Capítulo 2
Acordo de repente sem saber onde eu estava e o que estava acontecendo. Minha cabeça lateja enquanto todos os detalhes da noite anterior reavivam em minha mente. O que foi que eu fiz?
Nunca mais vou beber na vida.
Viro de lado, tento me aconchegar nos lençóis ásperos da Dona Joana e, quando estou quase pegando no sono novamente, me dou conta que hoje não é sábado.
Olho no relógio e dou um pequeno grito desesperada. Estou atrasada. Muito atrasada. Coloco a primeira roupa que vejo na minha frente. Lavo o rosto. Tento, inutilmente, prender meu cabelo.
Estou num estado deplorável. Nem toda a maquiagem do Universo seria capaz de disfarçar minha ressaca. Pego minha bolsa e saio correndo contra o tempo pensando na desculpa que vou dar. Já estou 45 minutos atrasada.
Cheguei suada, faminta, com dor de cabeça e mal-humorada. Estava tão fora de mim que não percebi o alvoroço que se passava ao meu redor. Alguma coisa deveria estar acontecendo, mas eu não queria nem saber. Só precisava aguentar 8 horas para voltar para casa.
– Julia, onde você se meteu? – Paula perguntou com as mãos pousadas na cintura num gesto de reprovação.
– Ahn...Eu tive um problema pessoal. Eu vou falar com o Marlon, vou repor esse atraso e...
– Nossa, você está com uma cara horrível!
– Obrigada – finjo digitar algo no meu computador.
– Eu sei que vocês foram no Libélula ontem. Acho melhor você nem sair da sua mesa nesse estado! Hoje estamos recebendo a visita dos sócios majoritários. O Sr. Hopkins está inteirando sua filha dos negócios, sabe? Antes dela assumir seu lugar. – Disse orgulhosa por achar que era a única ali que sabia dessas informações.
– Ah, legal. – Digo sem expressar qualquer interesse. Além de chata e folgada, Paula também é a rádio peão da empresa. Ninguém faz nada que ela não saiba.
Tudo bem que eu nem sabia qual era a cara do Sr. Hopkins e muito menos quem era a filha dele. Isso não faria diferença nenhuma pra mim e pra minha vida.
Paula finalmente sai da minha cola e se senta em sua própria mesa. Eu realmente não entendo essa movimentação toda. As pessoas ficam num misto de medo, excitação e exibicionismo. Ficam tentando mostrar o quanto trabalham, o quanto discutem sobre trabalho, tudo isso porque uma patricinha metida a empresária está passeando pela empresa.
Reviro os olhos para mim mesma e penso que deveria ter inventado uma gripe ou uma dor de barriga e ter matado o trabalho hoje. O dia vai ser chato.
Levanto e vou até a copa para pegar um café e uma barrinha de cereal. Odeio as duas coisas, mas não tenho alternativa. Estou faminta. A copa fica perto da entrada do departamento, num pequeno espaço recuado. De lá conseguimos ter uma visão estratégica de toda a sala e de quem irá entrar nela em breve.
Ainda estou criando coragem para engolir essa tinta preta cafeínada quando ouço vozes vindo do corredor. Avanço minha cabeça para frente, olhando com curiosidade o grupo de pessoas se aproximando. Marlon, meu chefe, segue na frente com um entusiasmo exagerado, tentando vender a importância de seu departamento.
Logo atrás dele, o diretor e o gerente da filial seguem abrindo caminho para um senhor grisalho e uma mulher, que presumo ser o Sr. Hopkins e sua filha.
A mulher é alta, elegante e usa um vestido chumbo de corte reto. Enquanto ela cochicha alguma coisa com seu pai, reparo que seus cabelos estão presos num coque sóbrio e perfeito.
Enquanto olho fascinada, ela se vira. E quando vejo seu rosto sinto meu corpo congelar e se desmontar como uma torre de legos destruída por uma criança.
Estava tendo um mini AVC, um ataque de asma e uma dor de barriga, tudo junto.
Ah meu Deus.
É ela.
Os mesmos olhos castanhos com manchinhas verdes e o olhar triste. O cabelo está preso, mas com certeza é ela.
A mulher do bar. A estranha que ouviu toda a minha vida, que pagou minha conta, que me levou pra casa e segurou meu cabelo enquanto eu vomitava verde fluorescente no meio da Rua.
Assim que ela entra na sala, se vira para observar tudo. Eu instintivamente recuo para não ser vista, tentando manter a calma e desejando ter tido uma amnésia alcoólica.
Meu Deus, o que ela está fazendo aqui? Ela não pode ser...
Não pode ser. De jeito nenhum.
Pego o café que nem tomei e com as pernas bambas e mãos tremendo, também pego uma pasta que esta largada no balcão. Coloco a pasta sobre o meu rosto, tentando escondê-lo pateticamente enquanto corro em direção a minha mesa.
Afundo na minha cadeira tentando manter a calma. Digo para mim mesma que ela só vai dar uma olhada geral, talvez falar alguma coisa para todos e sair do departamento.
Eu só preciso ficar fora do seu campo de visão enquanto isso.
–...nosso coordenador de departamento de marketing e promoções, Nicolas Rhimes – ouço meu chefe dizendo.
– Prazer em conhecê-lo, Nicolas – É a mesma voz.
É ela. Definitivamente é ela.
Calma Julia. Talvez ela não se lembre de você. Talvez ela nem tenha te ouvido. O bar estava escuro e barulhento.
– Pessoal – Marlon está guiando-a ao centro da sala. – Tenho o enorme prazer de apresentar a filha de nosso fundador, a diretora executiva do grupo, que vem inspirando toda a nossa geração de profissionais da área de marketing: Marina Hopkins!
Todo mundo aplaude como se ela fosse um fenômeno. Nessas alturas até acho que ela seja e que eu que sou a ignorante por aqui. Marina balança a cabeça sorrindo.
– Obrigada, Marlon. Por favor – pede ela – Não se incomodem com a minha presença. Só façam o que vocês fazem normalmente.
Ela começa andar pela sala, parando de vez em quando para conversar com as pessoas. Marlon acompanha tudo, fazendo todas as apresentações.
– Aí vem ela! – diz Paula, e todo mundo na nossa ponta da sala se enrijece.
Meu coração começa a palpitar com força, e eu praticamente enterro minha cabeça no teclado, fingindo estar digitando algum e-mail importante.
Se ela não me reconhecer eu prometo ficar 6 meses sem comer chocolate, ficar 2 semanas sem falar mal da Paula ou sem reclamar. Por favor, meu Deus, eu imploro.
Dou uma espiada para cima. Puta que pariu. Ela está me olhando. Percebo a expressão de surpresa em seus olhos, e ela ergue a sobrancelha.
Ela me reconhece. Eu sinto que ela sabe. Fodeu.
– E quem é esta? – Pergunta ela ao Marlon.
Continuo com a cabeça abaixada fingindo que não é de mim que eles falam. Digito meu nome freneticamente no teclado para parecer que estou concentrada.
– Esta é a Julia Pimenta, nossa assistente de marketing.
Ela está vindo na minha direção e eu ainda não consegui levantar a cabeça. Todo mundo está me olhando surpreso, pois aparentemente, eu estou ignorando a dona da empresa. Minhas bochechas estão queimando.
Vou me fazer de louca. Fingir uma Amnésia.
Levanto a cabeça como se não soubesse o que está acontecendo.
– Ah, Olá Srta Hopkins! Desculpe, eu estou atolada de trabalho e nem percebi que vocês já estavam aqui – respondo com a maior naturalidade possível enquanto forço um sotaque que eu nem sei de onde saiu.
– Julia, você está se sentindo bem? Sua voz está estranha – meu chefe comenta fodendo com tudo.
É patético. Para não dizer trágico.
– É, Anh, está tudo bem, acho que é só um resfriado. Peguei um pouco de chuva ontem depois do trabalho.
Marina me olha com cara de deboche.
- Prazer Julia. – diz ela em um tom agradável.
Tudo bem. Ela realmente me reconheceu. Mas isso não significa necessariamente que ela se lembre de alguma coisa que eu tenha dito. Alguns comentários aleatórios feitos por uma pessoa ao seu lado no bar. Quem iria se lembrar disso?
Tomo um gole do café que esfriava em minha mesa para tentar disfarçar meu nervosismo.
– E Como está o café? Saboroso? – ela pergunta.
Quase engasgo.
Como uma gravação na cabeça, subitamente ouço minha voz idiota resmungando.
“O café do trabalho é a coisa mais nojenta que alguém poderia beber, um veneno, horroroso. Viu? Quando eu digo que o dono da empresa deve ser um muquirana, eu não estou brincando..”
– Está ótimo – respondo – Realmente, ele é delicioso.
– Que bom. Fico muito feliz em saber. – Percebo um leve tom divertido nos olhos dela e sinto que estou vermelha de vergonha.
Quero sumir para sempre.
Ela lembra. Porr*. Ela lembra.
– Esta aqui é a Paula – continua Marlon – Uma de nossas brilhantes analistas de marketing.
– Paula – murmura Marina em tom pensativo. Ela dá uns passos até sua mesa e pega a almofada de carimbos – É um belo conjunto de carimbos. – Ela sorri para ela. – E esse telefone é novo?
“Às vezes eu coloco tinta de carimbo no telefone da Paula, é muito engraçado vê-la se achando pela empresa com as orelhas zuis e depois se perguntando como foi que isso aconteceu.”
Ah, meu Deus. Que outras coisas eu disse, porr*?
Marina já está conversando com o Sandro, Analista Sênior. E eu estou ainda imóvel em minha mesa, mas minha cabeça está freneticamente rebobinando a noite anterior, tentando lembrar e juntar tudo o que eu disse.
Senhor amado, eu contei a essa mulher absolutamente tudo sobre minha vida, Tudo. Contei que tipo de calcinha eu uso, a minha orientação sexual, como perdi minha virgindade e...
Meu sangue fica gelado.
Lembro de algo que eu realmente não devia ter dito. Na verdade, lembro de algumas coisas que não deveria ter dito a ninguém.
“O dono da minha empresa é um muquirana sem alma! Fica empregando mão de obra barata, desvalorizando os profissionais. Aposto que ele deve estar lá em uma de suas ilhas particulares, bebendo e comendo às nossas custas.”
“Acho que vou fazer uma denúncia no Ministério do Trabalho.”
“Coloquei no meu currículo que tenho conhecimentos avançados em Excel e cálculos, mas na verdade, eu mal sei fazer uma tabela. Sei que é desonesto, mas eu precisava de um diferencial para conseguir um bom emprego.”
Estou morta, enterrada. Acabada.
Ela vai me demitir. Vou ter uma ficha de desonesta e ninguém nunca mais vai me dar um emprego. Vou ter que voltar a morar com meus pais.
Já sei. Vou pedir desculpas. Vou dizer que estou arrependida e que eu posso aprender cálculos complexos e Excel em algum cursinho por aí e que vou me dedicar muito para ser a rainha do Excel e do cálculo.
Talvez eu esteja reagindo de forma exagerada. Marina Hopkins deve ser uma mulher importantíssima. Vai assumir um império inteiro. Não vai se importar se uma funcionária não entende de Excel ou se ela esta insatisfeita com seu cargo. Não, não mesmo! Ela tem mais o que fazer.
– Eu gostaria de dizer que adorei conhecer todos vocês – diz Marina Hopkins, olhando o escritório silencioso ao seu redor – Vou ficar aqui alguns dias, portanto, espero conhecer melhor alguns de vocês. Como vocês sabem, nossa família tem um carinho muito grande por essa cidade, então, todos vocês também são importantes para mim.
Um murmúrio simpático percorre a sala. Ela levanta uma das mãos, faz um discreto cumprimento com a cabeça e vai embora. O silêncio permanece até ela sumir, depois irrompe uma balbúrdia empolgada.
Sinto o corpo relaxar. Graças a Deus.
Honestamente, como sou idiota. Imaginando que por um momento Marina Hopkins iria se importar com as coisas que eu disse. Quando estendo a mão para o mouse e clico no novo e-mail que recebi, já estou tranquila e rindo de mim mesma.
– Julia – levanto a cabeça e vejo Marlon parado junto da minha mesa. – A Srta. Hopkins gostaria de ver você – informa com firmeza.
– O quê? – meu sorriso desparece. Fico pálida – Eu?
– Na sala de reunião, em cinco minutos.
– Ela disse por quê?
– Não.
Fim do capítulo
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Liviamaria
Em: 11/05/2019
Por favor, continua . Estou amando
Resposta do autor:
Livia,
Acabei de postar um capítulo e essa semana postareiu novamente. Prometo que vou compensar o atraso!
Depois me conta o que esta achando da história.
Beijos,
OliveKin
Adriana P Silva
Em: 26/04/2019
Adorei a narrativa tragicômica! Muito bom!
Aguardando os próximos!
Bjokassssssssss
Resposta do autor:
Drikka,
Ler um comentário seu é uma honra! Espero que goste!
Beijos,
OliveKin
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mtereza
Em: 26/04/2019
Kkkk e agora Julia como vc vai se sair dessa rsrsrs. Teremos o POV. de Marina também ou só da Julia?
Resposta do autor:
Tereza,
Eu não havia pensado na possibilidade de ter um POV da Marina. Realmente é uma ótima ideia!!
Espero que continue gostando da história.
Beijinhos,
OliveKin
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LuaV
Em: 25/04/2019
Me divertindo muito com a Julia! Kkk
Já shipo esse casal.
Autora, não demora, por favor!!!
Resposta do autor:
Lua,
Mil perdões pela demora. Esse mês foi um tremendo caos na minha vida. Tive até de comprar um notebook novo. Mas, prometo que vou compensar você, essa semana eu posto mais 2 capítulos!
Beijinhos,
OliveKin
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cris05
Em: 24/04/2019
Me acabei de rir...estou amando!
Parabéns, autora. Já estou louca pelos próximos capítulos.
Resposta do autor:
Cris,
Fico muito feliz que esteja gostando! Demorei um poquinho, mas prometo que manterei uma frequencia muito maior nas postagens.
Espero que continue acompanhando.
Beijos,
OliveKin
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PoetizaVazia
Em: 24/04/2019
Boa noite tudo bem?!
Me perdi rindo muito nesta narrativa incrivel, o qão engraçado a vida pode ser.
A marina parece ser uma mulher muito interessante e sansata, extremamente sensual e muito mas muito misteriosa, não vejo a hora de me deleitar com mais capítulos.
Com Amor K.
Resposta do autor:
PoetizaVazia,
Uau, você leu a Marina exatamente como eu moldei e como eu gostaria que ela fosse "lida".
Obrigada pelo comentário. Tomara que você continue acompanhando as tragédias cômicas da Julia. Quem sabe ela não traga um pouco de bagunça na vida da Marina?
Com carinho,
OliveKin
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Renata Cassia
Em: 24/04/2019
Nossa q história interessante, é trágica é engraçada kkkkk . Na demora autora . Bjs
Resposta do autor:
Renata,
Eu demorei, né? Perdão pela demora. Minha vida foi um caos nesse último mês. Até precisei de um novo notebook! Prometo que vou compensar você essa semana com mais 2 capítulos!
Beijios,
OliveKin
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Bahzinha
Em: 24/04/2019
Amando a história muito engraçada me acabei de rir ... Esperando o .próximo caps .. bjosss.
Resposta do autor:
Bahzinha,
Que bom que você esta gostando da história. Fico muito feliz!
Espero que continue gostando e acompanhando a história.
Beijinhos,
OliveKin
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