Cronologia Criminal Dia 4 – Terça-feira, 17/04/2018, 06:21
Quando Tessa chegou à delegacia, acabou descobrindo que não era a única que dormiu e comeu mal desde o ocorrido. Os capitães e alguns detetives que participaram da operação também estavam em frangalhos.
A detetive circundou a sala com o olhar em busca do infeliz filho de uma puta mal paga que a fez perder a cabeça. Por sorte - ou azar, se a ruiva fosse levar em conta a vontade que ainda se mantinha acesa dentro de si de descarregar uma sequencia de socos no nariz dele – o policial não se encontrava no recinto. Ela não teria que enfrentar a Corregedoria novamente... Ao menos não naquele dia.
Devagar, o capitão Daniel foi aproximando-se de Tessa, cumprimentando-a com um aceno de cabeça quando ela sentou-se silenciosamente em sua mesa. O homem pendeu o corpo para frente, quase debruçando sobre o móvel de madeira, para conseguir sussurrar próximo de seu ouvido:
– Controle-se, pelo amor de Deus, se é que você crê que ele exista. – Carlo aconselhou, discretamente, depois aprumou o corpo, ajeitando o terno – O pessoal da Perícia conseguiu fazer a análise de algumas raspas de tinta marrom que estavam no furgão. Me mandaram pouco depois de eu ter te ligado. – O capitão estendeu os braços para que Olivier, um dos colegas de trabalho de Tessa, lhe entregasse uma pasta azul marinho – Estamos fazendo um levantamento de todos os Pajeros que estão circulando pela cidade. – Ele comentou, enquanto colocava o documento na frente da detetive.
Ela abriu na primeira página e, conforme ia avançando com a leitura, franzia o cenho mais e mais, denotando um grau de estranheza, incredulidade e desentendimento.
– Então quer dizer que um Pajero marrom bateu no camburão e depois deu os disparos?
– A ordem dos fatores nós ainda não sabemos. As marcas de pneus na estrada são compatíveis com o modelo do veículo, mas tem outra marca que ainda não identificamos. Podem ter sido dois carros distintos, ou um só. Não dá para afirmar.
– E os outros presos? Quando vamos interroga-los? – O detetive Sean indagou - À mim parece óbvio que aquela bandida que o capitão Yan capturou tem tudo a ver com o desaparecimento da Laura.
– Sean tem razão. Precisamos falar com eles com a máxima urgência. – Tessa levantou apressada, pegando o casaco que tinha acabado de ajeitar na cadeira.
– Podemos tentar, mas duvido que falem facilmente. Eles são os peixes pequenos, a linha operacional da máfia. São pagos para se manterem calados, e preferem perder a vida a trair a “família”. – Quem ponderou foi o capitão Jung – Eles estão no quinto andar aguardando serem transferidos.
– Para uma operação supostamente planejada há tempos, isso foi longe demais. Esses caras conseguiram nos dar uma boa dose de trabalho. – Tessa comentou baixinho, como se falasse consigo mesma.
– O que disse? – O oriental estreitou ainda mais os olhos já estreitos, se é que isso era possível.
– Nada! Estou só pensando alto. – A detetive respondeu de cabeça baixa, após ter recebido uma reprimenda de Carlo somente com o olhar – Vamos indo? – Ela foi caminhando na frente, parando para aguardar o elevador e os outros.
No entanto, graças à sua audição apurada, de onde estava, Tessa pôde ouvir um murmurinho entre dois de seus companheiros de trabalho. O conteúdo dos sussurros era algo o qual lhe chamou a atenção.
Como que despretensiosamente, a ruiva cedeu o lugar para três policiais do setor superior ao daquele andar, que também estavam aguardando o elevador, e ficou a esperar que outro chegasse.
– Nós podíamos contatar alguém da família da Randik.
– Até onde eu sei, ela não tem família aqui e... Espera! Seus pais morreram e nunca soube de irmãos ou outros parentes.
– Então isso quer dizer que não há nenhum lugar onde ela possa ter ido se esconder?
– Amigos, talvez.
– Duvido muito...
– Bom, ela não iria muito longe sem ser vista, então, está por perto.
Tessa sentiu novamente o sangue ferver em suas veias. A cada palavra, seus punhos se cerravam ainda mais, preparados para atingir um olho, um nariz ou qualquer parte do rosto daqueles dois imbecis.
”Eu não acredito que estão cogitando a possibilidade da Laura estar envolvida nisso! Como pode? Todos aqui convivem com ela há anos! Não é possível que não a conheçam, que duvidem de sua índole!”
O peito da detetive arfava além do que ela podia disfarçar. Sua raiva crescente refletia claramente em seu semblante, a ponto do capitão perceber ao se aproximar, quando o elevador retornou para o andar.
– Está tudo bem? – Ele indagou.
A resposta veio apenas com um aceno positivo e um meio sorriso.
– Capitão, e se Randik foi levada como uma forma de retaliação ou... barganha, talvez?
– Essas são as lógicas mais assertivas para mim. No fim das contas, tudo isso tem a ver com o fato de termos nos envolvido nas investigações. A maneira que encontraram de nos dar um recado foi essa.
– Torço para que esteja errado. – Tessa comentou.
– Como assim, detetive? Por que?
– Porque todos nós sabemos que quando bandidos dessa estirpe querem se comunicar com a polícia, não poupam a vida de quem está com eles...
**********************
Os olhos de Honora doíam. Ela tinha a sensação de que havia grânulos de areia debaixo de suas pálpebras, tamanho o incômodo com o qual acordara. Esforçando-se para enxergar, verificou no visor do celular o quão tarde era: 12:01.
Entre bocejos e espreguiçadas, ela levantou-se, vestindo o robe fino, e caminhando pé ante pé para fora do quarto. Tentava fazer o mínimo de barulho possível, uma vez que não fazia ideia se Laura estava desperta ou não. Como bom e fiel escudeiro, Hans seguiu a criminosa escada abaixo, parando na porta da cozinha, refestelando-se no piso frio.
Andrey abriu a geladeira e ficou por quase um minuto inteiro contemplando os alimentos acondicionados ali dentro. Ela sabia de cor e salteado tudo o que se encontrava nas prateleiras gélidas, inclusive a disposição ordenada de cada uma, por tempo de utilização e deterioração. No entanto, aquele ato a fazia se acalmar, a ajudava a pensar, e não abria mão dele quando sentia-se inquieta.
Após mais um dos longos suspiros que dera, Honora foi até a dispensa, pegando a ração de seu animal de estimação, servindo uma porção generosa em sua tigela.
– Ei, garotão! Sente muita fome? Pois aqui está o seu café da manhã e seu almoço. Isso... Coma tudo! Bom menino! – Ela falava, ao passo em que acariciava seus pêlos macios.
Enquanto o cachorro se alimentava, a tatuada retornou para o segundo andar. Devagar, abriu a porta do quarto de Laura, encontrando-a dormindo, aparentemente serena. Não parecia sentir dor, nem nada que lhe incomodasse o sono pesado.
Como tudo estava relativamente bem ali, a mulher ocupou a sua mente com outra preocupação: o que comeriam no almoço. Usar o celular para fazer um pedido em um restaurante estava fora de cogitação, então, a única alternativa era tentar espantar a preguiça que lhe assolava, e cozinhar algo prático e rápido. Mas, por que estava mesmo preocupada com aquilo? Ela tinha tecnicamente expulsado a detetive de sua casa, portanto, se a outra fosse embora, não teria mais com o que se aborrecer.
Pensando assim, a tatuada abriu novamente a porta do quarto, deparando-se com Randik sentada na cama, apertando o braço baleado e seus lábios, no intuito de conter a dor.
– Está tudo bem, anjo? – Ela inquiriu.
– Essa merd* dói. – O murmúrio saiu quase inaudível – Parece que minha carne está queimando lá dentro.
Andrey sobressaltou-se imediatamente, adentrando no local a fim de verificar o ferimento. Contudo, interrompeu os passos ao perceber que se esquecera de limpar os cacos do abajur que havia se quebrado durante a madrugada. Ao observar o chão com um pouco mais de atenção, semicerrou os olhos, notando que faltava um pedaço, já que o objeto havia se partido em partes grandes.
– Tentando me surpreender, querida? – Ela suspirou, após erguer o sobrolho esquerdo.
– Merda! – A detetive jogou o caco no chão, bufando em contrariedade pelo rendimento forçado – O meu braço está doendo de verdade.
– Sabe que essa sua atitude chega a ser uma ofensa? Onde, em sua mente, eu baixaria a guarda diante de quem quer que seja, ainda mais de uma policial? Eu tenho plena consciência de que não estou lidando com uma pessoa idiota, e nem você está. Não tente mais me subestimar, anjo. – A bandida aproximou-se, e por mais incrível que parecesse, sorrindo.
– Vai me culpar por eu ter tentado? – Randik perguntou em um tom um tanto quanto raivoso pela descoberta.
– De forma nenhuma! Como eu poderia? – Aquele sarcasmo disfarçado de falsa serenidade irritava profundamente a outra.
– E pare de me chamar de anjo, idiota!
– Talvez eu pense no seu caso, anjo. – Prendendo o riso, Honora foi removendo a tipoia, desenrolando as ataduras e o todo o curativo.
Laura não teve coragem de olhar para o ferimento. Tanto por isso, virou sua cabeça tão logo ele se destampou, concentrando-se na mistura de sentimentos ruins que direcionava àquela mulher. Já a outra, manejava a gaze e denotava total destreza com a forma de tratar o machucado. Apesar de a situação daquele “pequeno estrago” ser crítica, a criminosa não demonstrou nenhuma emoção para não apavorar a detetive. Foi até o banheiro e retornou com uma caixa de primeiros socorros, passando a limpar o local com antisséptico.
A bala havia entrado pelo tríceps, atravessado o membro e saído pelo bíceps. Por muita sorte, não atingiu nenhum osso ou causou maiores estragos. As bordas do “buraco” que Andrey havia fechado pareciam infeccionadas, o que dava para entender o motivo de Laura não conseguir mexer o braço sem sentir uma dor lancinante.
– Posso te fazer uma pergunta? – Laura apertou os olhos e as mãos no lençol, na tentativa de inibir um grito de dor.
– Fazer a pergunta você pode, a questão é se eu vou me sentir à vontade para responder...
– Não é nada demais. - A policial tentava se manter firme, mas estava quase impossível conter a agonia de sentir o medicamento penetrando em sua pele e ardendo até a sua alma – Vai usar do seu método de distração para me dar agulhadas de novo?
– Não! – A outra gargalhou, divertida.
– Menos mal... Mas não era essa a pergunta que eu queria fazer. Você é formada em que mesmo? Medicina?
– Quase isso... – A bandida respondeu, enquanto colocava um novo curativo – Sou psiquiatra.
Laura não conseguiu disfarçar o espanto com a revelação, por mais que tentasse. Se o fato daquela mulher ser tão letrada já lhe causava estranheza, saber que estava diante de uma psiquiatra era deveras... assustador.
Enquanto Honora estava guardando os materiais, um som atípico chamou a atenção de ambas. A detetive não fazia ideia do que era, mas a outra, com certeza, tinha pleno conhecimento do que se tratava.
Ninguém poderia saber que tinha uma policial escondida em sua casa, ainda mais sendo ela quem era. Mesmo sua posição hierárquica, sua fama ou qualquer outra coisa que pudesse ser ou dizer, a isentaria de uma morte horrível, como castigo. E Randik? Essa seria torturada até que a última gota de vida esvaísse do seu corpo, da forma mais grotesca e desumana possível.
Mais pálida do que a tonalidade alva de sua pele já lhe conferia, Honora levantou-se lentamente, sussurrando próxima ao ouvido de Laura:
– Não emita nenhum som. Fique bem quieta aqui. Eu vou verificar quem invadiu a minha propriedade e já volto.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
EriOli
Em: 20/04/2019
Escrita maravilhosa!! Adorando a história, parabéns!
Resposta do autor:
Nossa, como o seu comentário me deixou feliz!
Obrigada por isso!
É muito bom saber que o meu trabalho está te agradando. Espero que passe a gostar ainda mais conforme o andamento da história. Aliás...está atualizada!
Beijão!
Brescia
Em: 19/04/2019
Boa tarde mocinha.
Adoro tudo que tenha investigação, estou amando tanta que li todos os capítulos malhando no mini step, foram 50 minutos.rs
Voltando aos capítulos, já do primeiro fiquei presa nas suas palavras, tudo coerente e com uma pitada de deixe-me ler mais e li. Tudo muito bem escrito e continuarei te acompanhando.
P. S: obrigada pelos capitulos mais longos.
Baci.
Resposta do autor:
Bom dia de páscoa, moça!
Temos algo em comum: também amo esse universo "investigativo". É uma delicia ficar com aquele friozinho na barriga, ne?
E obrigada por ter dado uma chance para a minha história. Espero que ela continue te agradando e te surpreendendo.
É muito bom saber que os capitulos longos estão te cativando e que tem vontade de ler mais. Prometo tentar sempre seguir essa linha em agradecimento por seu tempo em ler meu trabalho.
Baci
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