Capítulo 26 - An(n)a Júlia
Olhos abertos. Um rápido scan pelo quarto de hotel. Recém formada no curso de Direito, um quarto de século de vida, advogada da vara da família com registro da Ordem dos Advogados do Brasil pelo estado de São Paulo e prestes a iniciar seu primeiro emprego na firma de advocacia de um casal de amigos. Mas tudo que Anna Júlia queria no momento era receber a confirmação da vaga na tal república no Edifício Linhares, perto da Universidade da cidade. Seria cômodo para a garota, uma vez que iniciaria seu mestrado por lá e também era relativamente perto de seu trabalho. Com o dinheiro que juntou do estágio remunerado em sua antiga cidade e uma grande ajuda de seus pais, ficou em um dos Hotéis no centro do município. Prendeu o cabelo castanho acobreado, cedendo ao rabo-de-cavalo retrô. Desceu as escadas para tomar café da manhã. Foi trabalhar e, perto do final de seu turno, recebeu a mensagem que tanto queria. Finalizou o mais rápido que pôde e praticamente pulou em seu carro. Já em frente ao interfone, ouvindo uma voz estranha, preocupou-se por um instante ao saber que Lívia, com quem falara, não estava. Mas resolveu entrar no elevador de qualquer jeito.
“Oi...” Anna Júlia sorri, quando a porta se abre para ela.
“Olá! Pode entrar. Anna Júlia, certo? Helena, prazer.” A anfitriã a recebe com um sorriso.
“Prazer...” Anna passa a mão no cabelo formando um cacho discreto. “Moram só você e a Lívia aqui?”
“Sim, só nós.” Helena confirma.
“Vocês são um casal?”
“Nós? Não, não!” Helena ri. “Somos somente amigas. E eu tenho namorada. E a Lívia...bem, a Lívia tem o Dante.” Helena hesita em comentar.
“Achei que tinha escutado o meu nome.” Dante aparece do quarto. “Olá.” Ele aperta a mão da provável futura moradora.
“Olá!” Anna Júlia responde e sorri. “Então eu posso ver com vocês a respeito do quarto? Ou devo esperar Lívia?”
“Pode ver sim. Vem comigo.” Helena a guia até o quarto, e depois mostra o resto dos cômodos. Dante volta a montar o guarda-roupa de Lívia.
“O apartamento parece bem amplo! Fora a localização também, que funciona para mim...” Anna Júlia não consegue parar de sorrir.
“Além dos serviços de lazer que você deve ter ouvido falar.” Helena completa.
“Sim, estavam todos no anúncio de Lívia. Então como faremos? Vocês já têm algum contrato pronto ou posso conversar com seu advogado?”
Helena fica parada, sem saber o que responder. “Errr....”
“Já sei, vocês não sabiam que eu tinha que assinar um contrato, certo?”
“Eu achei que fosse só o contrato de locação que eu assinei e tal...”
“Bem, na verdade, o que vocês estão fazendo é uma espécie de sublocação... vocês teriam que avisar o corretor de vocês e fazer um contrato apenas para se assegurarem que eu vá pagar o aluguel todo mês.” Anna completa.
“Acho melhor você ver isso com a Lívia.” Helena sugere, pouco antes de seu telefone tocar.
Enquanto isso, Anna Júlia foi até a porta do quarto de Lívia para conversar com Dante.
“Eu sinto que lhe conheço de algum lugar.” Ela comenta.
“A cidade não é muito grande, tu deves ter me visto por aí.” Dante dá de ombros enquanto se concentra nos acabamentos do guarda-roupa.
“Não... faz pouquíssimos dias que cheguei. Ah! Lembrei. Você parece uma versão mais jovem daquele Lance Bass, sabe?”
“Hã? Quem?” Dante arqueia uma sobrancelha e volta sua atenção para a conversa.
“Aquele integrante do NSYNC. Na verdade você é parecido com ele na época que o grupo existia.”
“Eu definitivamente não faço ideia do que tu estejas falando.” Dante ri.
“Tudo bem, tudo bem.” Anna Júlia ri. “Também não era da minha época, mas eu gostava de ouvir.” Com os braços cruzados, ela vira a cabeça e observa Helena falar ao telefone. “Ela parece estar discutindo. Está tudo bem com ela?”
“Com quem? Com a Helena? Não faço a mínima ideia. Só sei que a namorada se encontra com a pá virada ultimamente. Mas tu vais gostar de conhecê-la, as duas meio que se completam.”
Anna Júlia acabou ignorando a resposta de Dante para continuar observando Helena gesticular enquanto conversava ao telefone.
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“Isabel, minha paixão, para que implicar com isso?” Helena soa preocupada e indignada ao mesmo tempo.
“Porque você prometeu que entregaria a introdução e a metodologia do trabalho até hoje à tarde e você nem começou, Helena! Nosso grupo está atrasado por sua causa!” Isabel vocifera do outro lado da linha.
“Eu lhe disse que terminaria a mudança primeiro e depois faria isso! Você sabe que em menos de duas horas eu consigo terminar, à noite eu lhe entrego!”
“Aí você vai fazer com pressa, faz de qualquer jeito e o grupo é prejudicado!”
“Você já me viu fazer algum trabalho malfeito, Isabel?!” Helena questiona e recebe o silêncio como resposta. “Poxa, Isabel, eu detesto discutir com você por coisa boba... por que você não vem aqui na nova casa hoje à noite? Daí você vê o andamento do trabalho, depois a gente continua o seriado de onde a gente parou...”
Isabel hesita um pouco. “A gente só parou de assistir porque a senhorita não consegue conter essas mãos aí.” A garota acaba rindo.
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O toque final da decoração do novo apartamento veio de Anna Júlia alguns dias depois, que colocou um filtro dos sonhos atrás da porta principal. Helena, lendo uma última vez o contrato, não deixou de reparar em um detalhe.
“Seus pais são fãs de Los Hermanos? Seu nome tem duas letras N, como na música.”
“Pior que não. Foi uma enorme coincidência mesmo, apesar de todo mundo cantar a música quando estou em algum rolê com amigos.” Ela revira os olhos.
“Eu imagino. Até porque quem te vê passar assim por mim, não sabe o que é sofrer...” Helena declama ironicamente a música, recebendo um leve tapa no braço.
“Agora é guerra? Tudo bem então, vou contar para a sua namorada que você anda se declarando para garotas que mal acabou de conhecer!” Júlia responde no mesmo tom de brincadeira.
“Só digo que quando tudo tiver fim, você vai estar com um cara, um alguém sem carinho...” Helena continua a declamar entre gargalhadas e nem escuta o som da chave reserva – dada para Isabel – abrindo a porta.
“Qual a piada?” Isabel pergunta, quando nota que interrompeu algum tipo de brincadeira.
“Nada, amor, só estava zoando o nome da Anna Júlia por causa daquela música.” Helena responde, já séria.
“E qual a graça em fazer brincadeira com um nome, Helena?” Isabel cruza os braços, com duas sacolas de mercearia.
“Nenhuma, amor. Desculpa.” Helena abaixa o olhar.
“Isabel, não tem problema, todo mundo faz esse tipo de brincadeira e-”
“Sim, mas Helena vai ser médica e deve ter o mínimo de ética para esse tipo de atitude.” Isabel continua com a expressão sisuda. “Enfim, Helena, o professor mandou as notas do trabalho daquele dia.”
“Ah é? Eu nem cheguei a ver. Fomos bem?”
“Sim. Nota máxima.” Isabel coloca as sacolas sobre o balcão da cozinha planejada.
“Falei que nos daríamos bem.” Helena pisca daquele jeito faceiro.
“Não vai se acostumando, você sabe que o professor de Epidemiologia é uma caixa de surpresas.” Isabel a repreende.
“Eu sei, eu sei...” Helena suspira, lembrando do que está por vir. “Vai querer fazer alguma coisa hoje ou vamos ficar em casa e estudar?”
“Não sabia que estudar virou o novo netflix and chill...” Anna Júlia entra na conversa, brincando.
“Não é uma desculpa para trans*r, Anna Júlia, nós vamos estudar mesmo.” Isabel a corrige.
“Tudo bem então...” Anna Júlia se rende e acaba por desistir da conversa, retirando-se.
“Amor, não precisava ter sido seca assim com a menina. Que desnecessário.”
“Você sabe que eu me irrito quando desfocam o assunto, Helena. Agora vamos para o quarto que eu preciso urgentemente passar meus resumos a limpo.”
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Enquanto Isabel, sentada em frente a escrivaninha da namorada, digitava seus resumos sobre endemias, epidemias e pandemias, Helena começou a beijar seu pescoço.
“Helena, você sabe que quando faz isso eu não consigo estudar...” A voz de Isabel vai amolecendo.
“Eu sei.” Helena responde entre mordiscadas na orelha.
“Helena...” Isabel sem querer solta um gemido entre a respiração que aumenta aos poucos. Helena então gira a cadeira para sua direção e beija Isabel, puxando levemente seu rosto para que a garota se levante.
“Safada, quer me levar para a cama, já?” Isabel brinca, e Helena a joga em cima do colchão da cama box.
“Ainda quer continuar a estudar?” Helena desabotoa o shorts jeans da namorada e puxa rapidamente.
“Você acha que eu não estava repassando os conceitos teóricos de epidemiologia na minha cabeça enquanto a gente se pegava, gata?” Isabel pisca e mordisca o próprio lábio inferior.
“Ah é? Então me mostra que aprendeu. Vai falando aí.” Helena cai de boca nos lábios vagin*is da namorada.
“Patogenicidade...está....relacionada...oh...” Isabel segura o lençol com força. “à proporção de pessoas....de pessoas infectadas....que ....desenvolvem...a....a........”
“.....a?” Helena retira a língua.
“Helena!!!! Continua pelo amor de Deus!”
“....a doença clínica. Você esqueceu de completar a frase.” Helena aponta, e, ao perceber o olhar sedento e raivoso da namorada, volta para o que estava fazendo.
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“Elas sempre gem*m alto assim?” Anna pergunta para Lívia, após pegar uma lata de água tônica e alguns processos para ler no sofá enquanto relaxa.
“Para ser sincera eu nunca tinha ouvido a Isabel gem*r tão alto assim.” Lívia responde, um pouco surpresa.
“Como assim? Você sabe identificar os gemidos delas? Você passava muito tempo com elas ou já transou com uma das duas?”
“Sempre fui próxima de Helena por meio dos ex-colegas de quarto dela. O primeiro era um dos meus melhores amigos e o segundo....bem, o segundo é o Dante.”
“Qual é a de vocês dois, afinal?” Anna dá um gole em sua água tônica.
“É complicado. Fiquei de conversar com ele agora à noite.” Lívia explica, enquanto aguarda a chegada do garoto.
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Dante aparentava certo nervosismo. Chegou e foi direto ao quarto de Lívia. Sentou na beirada da cama e esperou a garota abrir o assunto.
“Dante, eu vou ser bem sincera com você. Eu sei que eu tenho um sentimento muito forte por você mas não quero entrar de cabeça nesse relacionam- espera, isso é um volume na sua calça?” Ela arqueia uma sobrancelha, estranhando.
“Sim, eu comprei um packer.” Ele prontamente responde.
“Packer? Tipo um dildo?”
“Tecnicamente não. É uma peça de silicone para eu urinar, para fazer volume... até eu poder fazer a faloplastia e construir um neofalo a partir de retalhos epiteliais e neurovasculares.”
“Essa parte médica e anatômica eu sei, Dante, mas esse packer aí...dá para trans*r também?” A curiosidade de Lívia ultrapassa quaisquer níveis de inocência.
“Eu sabia que tu irias perguntar isso.” Dante ri. “Dá sim. Quer fazer um experimento?” O sorriso safado de Dante se torna explícito.
Lívia sorri de volta mas logo se lembra do motivo de ter chamado o garoto. “Calma. Eu quero conversar com você. Eu acabei de sair de um relacionamento com o Bruno e não queria ser impulsiva com você da mesma maneira que fui na maioria dos meus relacionamentos.”
“Então tu queres ir devagar, certo?”
“Sim. Lembra como foi gostoso lá na casa dos meus pais? Sem toda aquela pressão de relacionamento... a gente simplesmente viveu e esqueceu do resto do Universo.”
“Lembro. Foi bom mesmo. Mas Lívia, então isso significa que podemos pegar outras pessoas?”
“Por quê? Você quer pegar outras pessoas?” Lívia franze a testa e inclina a cabeça, desconfiada.
“Eu não! Mas tu queres? Porque és tu quem estais propondo esse tipo de acordo.”
“Mas eu só disse que quero ir devagar e você já está falando de pegar outras pessoas! Está vendo a razão pelo qual eu estou com medo de me envolver com você?”
“Medo? Tu me abandonastes bem na época que eu ia fazer minha mastectomia bilateral! Todos os dias naquele hospital eu esperava, tu costumas ir lá para aulas práticas pelo menos duas vezes por semana e tu não estavas nem aí para aparecer lá no meu setor!” Dante desabafa.
“Você vai jogar isso na minha cara depois de eu ter pedido perdão? E todas as vezes que eu corri atrás de você enquanto era você que não estava nem aí? Agora você espera que eu confie e me entregue?”
“Tu não terminaste com o Bruno para ficar comigo?”
“Eu terminei com o Bruno porque já estava ficando tóxico, assim como o Yan estava tóxico para você! Tudo que eu estava pedindo era um tempo para respirar mas parece que nem isso você consegue entender!”
“Lívia, até ontem tu estavas pronta para finalmente termos algo, foi só eu ter brigado com o Bruno que de repente tu mudas e não queres mais nada!”
“Eu me assustei, Dante! Eu me assustei, cacete.” Lívia se irrita. “Eu esperava aquilo do Bruno, mas não de você. E se tem uma coisa que eu prometi a mim mesma era que eu não me envolveria mais com personalidades assim. E quando você correspondeu às provocações do Bruno e partiu para cima dele, você se provou igual a ele! Você ainda teve sorte que ele não foi na delegacia pelo olho roxo que você deixou nele!” Lívia dispara a falar.
“Sorte? Era o que ele mais queria, mas eu ameacei processá-lo por tudo que ele disse e ele desistiu. E tu odeias aquele idiota, por que estais defendendo o guri?”
“Eu não estou defendendo, Dante! Caramba! Você não pensa? Eu estava tremendo de medo de ele fazer algum mal para você, seu estúpido! Vocês machos com essa cabeça de amendoim não tem o mínimo de racionalidade?! Você não sabe o quanto isso me irrit-” Antes que Lívia pudesse continuar a frase, Dante se levanta e a beija. Com as pernas trêmulas pela pegada do garoto, ela corresponde. Ele segura na nuca da garota e aumenta a intensidade do beijo, fazendo Lívia sentir aquele frio que subia por sua espinha de um jeito que só ele conseguia fazê-la sentir.
Fim do capítulo
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Kelle Souza
Em: 19/04/2019
Aí, estou me sentindo invadida pela presença de Anna Júlia. Na verdade, sinto uma dualidade de pensamentos e sentimentos em relação a ela. Vamos ver mais pra frente né?
Isabel me mata com essas oscilações de humor, acho que com seus gemidos altos Rs.. e presença não muito amigável foram uma forma de marcar território. Mas, sinto que tem algo mais que está contribuindo com essa irritação dela.
Livia, quer fazer diferente agora que terminou com, Bruno, mas acaba fazendo o mais do mesmo.
bjuss..
Resposta do autor:
Anna Júlia está aí exatamente para instigar essa dualidade, hehehehehe
Isabel pagando de possessiva, você captou a sutilidade da personagem ;)
E Lívia voltando aos primeiros erros...
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