Carolina não contou pra ninguém o que aconteceu na praia, não a parte que pensou em se jogar no mar, já que a repercussão do seu ato heroico foi nacional, seu nome saiu nos jornais, ela foi procurada para dar entrevistas, apesar de recusar muitos convites para programas sensacionalistas, ela ficou conhecida nacionalmente e com isso recebeu inúmeros convites para trabalhar em grandes hospitais no Rio de janeiro e em outros estados. Apesar do reconhecimento, ela recusou todos, não estava com ânimo para badalações, só queria voltar a ser anônima e ficou trabalhando no Hospital Universitário.

 

            Aquele ato que pra ela era tão corriqueiro levou seu nome aos quatro cantos do país e inclusive alguns jornais fora também noticiaram o incidente, Ângela pôde ver o nome da mulher que ama sendo levado aos quatro cantos do mundo e sentiu um orgulho sem medidas.

 Lucia estava obcecada por destruir a vida de Carolina e com toda exposição positiva da médica ela ficou irritada com o fato de que tudo que a cardiologista fazia, de alguma maneira era recompensada. Tinha planos de ir atrás dela para atormentar novamente, mas precisou deixar de lado, afinal, ninguém iria acreditar em qualquer coisa que falassem sobre Carolina.

            Samantha ficou orgulhosa de Carolina, da forma com que ela enfrentava as coisas, Lucia fez questão de lhe contar o que havia feito, forçou Carolina a se demitir sem nenhum motivo, apenas para humilhar e mostrar que sempre tinha o controle de sua vida. Foi mais uma briga feia com a esposa. Samantha não aguentava mais o rio de lama em que estava vivendo e decidiu mudar completamente.

            Não conseguiu convencer a mulher a voltar a morar fora do país, queria afastá-la de Carolina e sentiu-se impotente quando soube que a cardiologista estava fora do hospital por um simples capricho de Lucia. Aquilo estava indo longe demais. Precisava fazer alguma coisa e estava pensando em um plano.

 

 

 

******************

 

 

            Ângela chorava suas mágoas com Aline, sempre ligava para perguntar sobre Carolina, ficou chocada quando soube que tiraram o programa de residência dela e o entregaram para sua mãe, com certeza foi uma manobra para atingir a cardiologista e elas conseguiram, pois Aline contou sobre o estado lastimável que ela se encontrava.

 

 

 

-- Angel, liga pra ela, diz onde você está, eu tenho certeza que ela larga tudo e vai ficar com você.

 

 

-- Aline, eu não posso fazer isso. É pro bem dela.

 

 

-- Amiga, ela não está bem. Ela está quase um zumbi, não dorme, não se alimenta, só fala em você, ela perdeu o emprego, não tem nada que a segure aqui. Sua mãe nunca vai saber que vocês estão juntas aí.

 

 

-- Aline, depois do que eu fiz, depois que eu menti pra minha mãe, ela montou um esquema de segurança que me vigiam vinte e quatro horas por dia, ela foi comigo pessoalmente ao hospital daqui, conversar com um diretor amigo dela, e fez com que eu fosse aceita no programa de residência deles sem ter passado por processo nenhum.

 

 

-- Sua mãe é bem influente!

 

 

-- Você não tem ideia. E agora eu não faço mais nada além de ir ao hospital e voltar para o apartamento, tudo com um segurança atrás de mim. O processo contra Carol está pronto, ao menor deslize ela acaba com a carreira dela, eu não posso permitir que isso aconteça.

 

 

-- Você já parou pra pensar que nem deu a chance de Carol escolher se queria ou não enfrentar isso com você?

 

 

-- Não, mas eu não posso dar opção, você sabe que ela não vai fugir da briga, o problema é que minha mãe tem muito mais munição que nós duas juntas.

 

 

-- Então é isso? Você vai ficar aí sofrendo, ela aqui morrendo de amor e acabou?

 

 

-- Sim, acabou.

 

 

-- Então Ângela, desculpa, mas eu não vou mais ficar te passando mais nenhuma informação sobre ela.

 

 

-- Por que?

 

 

-- Você é masoquista, por acaso? Só te resta esquecer que ela existe, não vou ficar alimentando seu sofrimento. Enquanto você fica sabendo de tudo que acontece com ela, ela está na mais pura ignorância sobre você, fui obrigada a dizer que você não tinha me ligado, não posso compactuar com tanta tortura.

 

 

-- Aline, esse é meu único consolo.

 

 

-- Sinto muito, foi a escolha que você fez. Eu não vou compactuar com isso, não me pergunta mais nada sobre ela.

 

 

 

            E assim, Aline fez o que achou correto, se era para aquele relacionamento terminar, que as duas tivessem pelo menos o mesmo nível de ignorância acerca de suas vidas, era o mínimo de dignidade que as duas poderiam ter.

 

 

 

*****************

 

 

 

            Carolina ficou no Hospital Universitário e voltava à sua rotina aos poucos, Raquel tentou convencê-la a pegar alguns plantões no Hospital do Estado, onde ela trabalhava, mas a cardiologista não quis se sobrecarregar, não iria fazer o mesmo que fez quando sua mãe morreu, que praticamente não tinha vida além do trabalho.

            No fundo ela ainda tinha alguma esperança de Ângela mudar de ideia e voltar para dizer que ficaria com ela, era isso que mantinha sua sanidade por um fio naquele turbilhão de acontecimentos que ela viveu em tão pouco tempo.

           

 

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            Alguns meses passaram, dezembro chegou com as festas de fim de ano e tudo parecia sem cor, Carlos estava embarcado e passaria o Natal e o Ano novo longe, Carolina foi convencida a ir para a casa de Roberta no Natal, e no Ano Novo, elas foram para a casa de Raquel que sempre fazia uma festa no Réveillon.

            Nunca mais soube nada de Ângela, e aos poucos seu coração ia cicatrizando, ia reunindo os cacos e remendando um a um, infelizmente Carol se fechou novamente para os relacionamentos, e felicidade voltou a ser um assunto inalcançável para a cardiologista.

            Na casa de Raquel, encontrou com as amigas, Izabel estava com o marido, Daniele com o namorado, Roberta foi junto com ela e depois de um tempo que já estavam na festa, viu Aline chegar e a olhou surpresa. Raquel a convidou, estava ainda tentando conquistar a residente e viu naquela festa essa oportunidade.

            Aline se juntou às amigas e pegou uma cerveja, Carolina queria perguntar se ela sabia alguma coisa sobre Ângela, mas não sabia ao certo se ela queria saber, no fundo queria esquecer, mas era quase impossível. Ângela estava tatuada em seu coração, e agora era como um sonho distante.

 

 

-- Oi gente, tudo bem? – Aline sorriu –

 

 

-- Oi Aline, que surpresa te encontrar aqui! – Izabel estranhou –

 

 

-- Raquel me convidou. – Procurou a ruiva pela festa –

 

 

-- Ela está lá na varanda. – Daniele apontou –

 

 

-- Ah, sim, agora eu vi. – Sorriu maliciosa –

 

 

            Raquel viu a residente perto de Carolina e abriu seu melhor sorriso, depois do dia em que recebeu aquele beijo de Aline, elas continuaram conversando, e a amizade cresceu intensamente, e a paixão, ah a paixão, as atingiu em cheio, e já não cabia mais espaço para nenhuma mulher na vida da ruiva que estava preparada para dar um passo maior do que estava acostumada a dar. Precisou de um tempo para se acostumar com a ideia de assumir um compromisso, mas sentia que estava pronta para isso.

            Veio caminhando entre os amigos e chegou ao grupinho, cumprimentou Aline e a abraçou, ela estava linda, short amarelo curtinho, uma blusa frente única branca cheia de brilho e sandália rasteira nos pés, os cabelos encaracolados estavam soltos e os olhos cor de mel brilhavam ao olhar Raquel que vinha em um vestido longo, com movimentos leves, cor de rosa.

 

 

-- Oi Aline. Que bom que você veio.

 

 

-- Oi. Não perderia sua festa por nada. – Sorria –

 

 

            Carolina percebeu o clima entre as duas e ficou feliz com a mudança de Raquel, a neurologista já havia conversado com ela sobre os sentimentos que estava nutrindo pela sua antiga residente e ela a incentivou a lutar por esse amor, não foi porque com ela não tinha dado certo que ela achava que mais ninguém tinha o direito de amar.

 

 

-- Você está linda! – Segurou a cintura da residente –

 

 

-- Posso dizer o mesmo de você. Está de rosa, procurando o amor, doutora? – Piscou --

 

 

 

            Raquel sentiu o rosto queimar, Aline a devorava com os olhos, e aquela insinuação foi para lhe atingir o ego.

 

 

-- Acho que eu já encontrei, doutora. – Sustentou o olhar -- Fica à vontade. Eu volto já. – Sorriu maliciosa --

 

 

 

            Raquel saiu e Aline ficou admirando seu rebol*do, quando voltou a atenção às amigas do hospital, todas a olhavam como se tivessem visto um fantasma e ela não entendeu nada.

 

 

-- O que foi gente? Vocês estão me olhando com uma cara! – Bebeu um gole da cerveja --

 

 

-- É o que eu estou vendo? – Izabel perguntou espantada – Raquel está mesmo apaixonada?

 

 

            Carolina apenas sorriu, ela sabia que sim, mas tinha que deixar a amiga dizer o que estava sentindo para Aline por si só, não queria interferir.

 

 

-- E você também! – Daniele apontou para a mais nova cirurgiã --

 

 

-- Eu? – Quase engasgou com a cerveja –

 

 

-- Aline, está estampado na sua cara. Quando isso aconteceu que eu não percebi? – Izabel colocou as mãos na cintura –

 

 

-- Ah, eu não sei ao certo, mas já estamos conversando a uns meses, só que não rolou nada ainda. – Disse encabulada –

 

 

-- Como assim? – Daniele gesticulava – Para tudo! Raquel está só conversando com você a meses? É mais sério do que eu pensava. – Riu –

 

 

-- Gente, vocês não acham que já estão falando demais? Vai assustar a moça. – Carolina sorriu –

 

 

-- Desculpa, Aline, é que não estamos acostumadas com Raquel quieta. – Izabel pegou um copo com cerveja –

 

 

-- Vocês não perceberam que ela não tem mais falado em nenhuma mulher? Não tem feito noitadas... – Carolina ia listando as mudanças na amiga – Está mais caseira...

 

 

-- Verdade.

 

 

-- O amor faz milagres, minhas amigas. – Carol dizia melancólica –

 

 

 

            Um pequeno silêncio se fez e Carolina tomou coragem para perguntar se Ângela tinha dado alguma notícia.

 

 

-- Aline, posso te fazer uma pergunta?

 

 

-- Claro. – Bebeu um gole de cerveja –

 

 

-- Ângela está bem?

 

 

            Aline a observou e pensou no que iria dizer, já tinha conversado com Ângela antes de ir para a festa e a amiga chorou ao falar sobre Carolina, Aline estava cumprindo sua promessa, não dizia nada sobre Carolina, além de que ela está bem, e faria o mesmo ali.

 

 

-- Ela está bem, levando a vida como pode. – Olhou para o copo – Falei com ela, mas não entrei em detalhes.

 

 

-- Eu não consigo entender o que aconteceu. – Balançou a cabeça – Que poder é esse que a mãe dela tem sobre ela.

 

 

-- Carolina, um dia ela te explica, com certeza ela teve um bom motivo para ter se afastado.

 

 

-- Aline, seja qual for o motivo dela, ela deveria ter me contado. Ela me deu um anel de noivado e três dias depois estava em Londres dizendo que não podia mais me ver.

 

 

            Carolina levou a mão ao cordão e segurou a aliança, Aline percebeu que ela ainda a carregava, não no dedo, mas sobre seu peito e sentiu a dor que a cardiologista carregava, inúmeras dúvidas, tantas lembranças, e o coração em pedaços, ficou com vontade de contar toda a verdade, mas prometeu a Ângela que ficaria imparcial.

 

 

-- Eu nunca vou entender essa distância.

 

 

-- Tem coisas que não são pra gente entender, apenas deixa o tempo fazer o seu trabalho. – Afagou seu braço --

 

 

            Carolina consentiu derrotada, seus olhos marejaram, mas ela segurou a emoção, disse para si mesma que não iria mais chorar, sempre foi forte e seria novamente, apesar de estar sendo muito difícil se manter em pé, dessa vez foi atingida de jeito. Raquel se aproximou e começou a conversar com as amigas. Abraçou a cintura de Aline e se aproximou mais dela.

            Era um flerte discreto, mas consentido, a residente sorria e tudo estava indicando que o beijo que elas tanto estavam esperando aconteceria naquele dia.

            Carolina aceitou beber uma taça de espumante, e perto da meia noite todos estavam comemorando e rindo, depois da contagem regressiva, alguns espumantes foram estourados, Raquel cumprimentou as amigas e quando chegou em Aline, sorriu e a abraçou.

 

 

-- Aline, feliz ano novo!

 

 

            Sem dizer nada, Aline tomou o rosto de Raquel entre duas mãos e a beijou apaixonadamente, ela estava pronta para se aventurar no furacão Raquel, conversaram por meses, ela descobriu uma pessoa maravilhosa debaixo daquela capa de mulher independente e se apaixonou. Raquel se entregou aquele beijo de corpo e alma, parecia que seu coração ia sair pela boca de tanta felicidade. As amigas gritaram e fizeram uma grande algazarra.

            Carolina riu e calmamente se afastou das pessoas, precisava ficar um pouco sozinha, caminhou pelo gramado do quintal da casa de Raquel e chegou à varanda, caminhou até a parte da frente da casa e sentou em uma cadeira de ferro com uma almofada revestida com napa. Colocou a taça com o espumante sobre o parapeito da varanda e ficou pensativa. Ouvia os fogos ao fundo, tinha imaginado seu futuro completamente diferente, sentia uma falta absurda de Ângela, e a dor a atingia novamente em cheio. Lágrimas caíram aos poucos, um choro contido, mas não menos doloroso, lembrou dos momentos felizes que viveu com Ângela, e imaginava onde a moça estava naquele exato momento.

 

 

******************

 

 

            Em Londres, Ângela estava sozinha, sua família nem se deu ao trabalho de ir passar as festas com ela, sua mãe a via apenas como um produto que iria colocar para ganhar dinheiro quando terminasse sua especialização.

            A meia noite do dia trinta e um chegou com um futuro incerto, seu coração batia descompassado, pegou o celular e lia o nome de Carolina, pensava em ligar, mas diria o que? Sinto muito pela minha ausência? Desculpe pela minha fraqueza? Eu quero te proteger? Não sabia. Talvez diria apenas que a amava e nunca amaria mais ninguém daquele jeito.

Em um ataque de fúria e desespero, arremessou o aparelho em uma parede e caiu ao chão, sozinha, em um pranto copioso, onde parecia que tudo que tinha vivido até aquele momento era apenas uma vida que não era sua, e sim da sua mãe.

            No som Pink Floyd cantava suas dores, uma canção que dizia tudo que Ângela sentia naquele momento.

 

 

Wish You Were Here Pink Floyd

 

https://www.youtube.com/watch?v=3j8mr-gcgoI

 

 

Eu Queria Que Você Estivesse Aqui

Então, então você acha que consegue distinguir
O paraíso do inferno?
Céus azuis da dor?
Você consegue distinguir um campo esverdeado
De um trilho de aço gelado?
Um sorriso de uma máscara?
Você acha que consegue distinguir?

Eles fizeram você trocar
Os seus heróis por fantasmas?
Cinzas quentes por árvores?
O ar quente por uma brisa fria?
O bom conforto por mudanças?
Você trocou
Um papel de figurante na guerra
Por um papel principal numa cela?

Como eu queria
Como eu queria que você estivesse aqui
Nós somos apenas duas almas perdidas
Nadando num aquário
Ano após ano
Correndo sobre o mesmo velho chão
O que nós encontramos?
Os mesmos velhos medos
Eu queria que você estivesse aqui

 

            Enquanto para alguns o amor começava, para outros era apenas uma lembrança de dias que foram felizes.

Fim do capítulo