ERA PARA SER por Yannisu
Capítulo 7: Era para ser uma aula de cálculo
Eu estava de saco cheio da universidade, não me sentia feliz em nenhum campo da vida. Mas minhas notas estavam boas. Então resolvi dar aulas particulares de cálculo, pois Alicia havia se mudado do nosso apartamento e estava cada vez mais difícil pagar as contas. O dinheiro que mãe mandava mal dava para pagar o aluguel.
Faziam dois dias que eu tinha deixado anúncios por toda o campus, estava justamente imaginando se alguém ia ligar para marcar aula, imaginando e torcendo. Foi quando o celular tocou. Eu atendi rapidamente, não conhecia o número. Era uma moça de Engenharia de Alimentos, quase que implorando para marcar aulas comigo, ela tinha rodado uma vez em cálculo e não queria que se repetisse de forma nenhuma. Parecia bem desesperada. Consegui marcar para o mesmo dia. Cobrei cinquenta reais a hora e ela aceitou de primeira. Marcou duas horas seguidas. Eu estava super empolgada, afinal o dinheiro da água estava garantido.
Passei o dia lendo, as dezessete horas o interfone tocou. Eu atendi era a garota. Pedi que ela subisse. Passaram alguns minutos e ela já batia a porta. Abri. Ela tinha um metro e setenta de altura, cabelo pretos meio lisos, meio encaracolados, usava óculos, que exaltavam ainda mais seus olhos também pretos, carregava uma mochila nas costas e uma pasta no braço direito. Sorriu ao me ver. Tinha covinhas.
- Seu nome é Jéssica certo? - Não me lembrava de ter dito meu nome, e muito menos dizer Jéssica, não sabia nem o dela. Ela sorriu novamente. Eu fiquei desconcertada. - Não vai me deixar entrar? - Eu não tinha chamado ela para dentro de casa. Júlia você é uma tonta mesmo. Segura esta cliente, você precisa dela.
- Claro, entra ai. - Ela me olhou, manteve o sorriso. Eu não me lembrava dela. Será que já a conhecia? Ela pode ter feito alguma matéria comigo. Sei lá. Eu nunca presto atenção em nada. E estava frustrada por não me lembrar se já tinha visto ela. - Se você não se importa, podemos estudar naquela mesa. É pequena, porém mais confortável. - Sem dizer nada ela caminhou até a mesa, sentou-se em uma das cadeiras. Eu segui ela.
- Então Jéssica, você sabe cálculo? - Jéssica ela continua me chamando de Jéssica, de onde ela tirou isto.
- Me chamo Júlia. - Falei um pouco ríspida. Ela pareceu assustada.
- Júlia? Tinha certeza que era Jéssica.
- Não. - Respondi sem explicar muito. Abri o livro. Apontei para o sumário. - Então vamos lá. Você tem dificuldades iniciais, tipo não sabe nada, ou já podemos partir de um ponto específico. - Ela me olhava, agora sem o sorriso. Achei estranho. Não me respondeu. - Moça, eu disse meio que estalando os dedos. Você sabe algo de cálculo?
- Júlia. - Ela falou. E continuou me encarando. Eu deixei o lápis cair sobre a folha. E também olhei para ela. Ela voltou a sorrir. - Você não se lembra de mim né? - Eu queria lembrar dela, mas não fazia ideia de onde.
- Eu te conheço? - Falei meio com medo de deixar a situação um tanto pior. Eu precisava muito daquela grana.
- Sabia que não se lembrava. Lembra da Open Riomar? Nos conhecemos lá. Mas acho que você estava muito bêbada. Perguntei seu nome, você respondeu Jéssica, falou algumas coisas sobre amor. Chorou. E depois sumiu. - Quando ela terminou a frase, eu devia estar muito vermelha. Porque eu sentia meu rosto queimando. - Calma está de boas. Eu só não sabia mesmo se tinha esquecido, ou se estava se fazendo. Mas pelo jeito esqueceu mesmo.
- Desculpas, não foi minha intenção. Eu não estava num bom dia. E não bebo muito. Aquele dia extrapolei. - Ela ajeitou o óculos no rosto, colocou umas mechas de cabelos atrás da orelha, sorriu. Olhou para o livro.
- Deixa isto para lá. - Eu olhei para ela.
- Me desculpa mesmo, eu não costumo deixar as pessoas falando sozinha, e nem mentir meu nome. Na verdade não me lembro daquele dia. Mas sei que bebi muito, porque acordei em casa, com muita ressaca. - Ela colocou a mão sobre a minha, me olhou e falou:
- Está tudo bem. Não se preocupe. - Sorriu. E continuou. - Mas Jéssica é sua crush? Ou seu pseudônimo para pegar geral nas festas? - Eu fiquei sem graça e não sorri. - Calma moça, estou brincando. Bora voltar pros estudos. Ela apontou para o sumário. - Começa do zero eu não sei nada desta merd*.
Ficamos ali uns 30 minutos falando sobre cálculo. Lembrei que tinha preparado um café e ofereci para ela. Ela aceitou prontamente, fui até a cozinha para buscar e quando voltei ela estava olhando para o quadro de fotos.
- Você conhecia a Alícia?
- Conheci, ela morou comigo um tempo.
- Vocês duas namoraram? - Ela perguntou com as mãos no rosto, um pouco assustada, um tanto chocada.
- Não. Só dividíamos o apartamento mesmo.
- Nossa se eu morasse com a Alícia, eu nunca deixaria ela passar. Só falta você me dizer que nunca rolou nada entre vocês, a Alícia é um sonho. - Só me faltava esta, pensei. A porr* da menina é apaixonada pela Alícia. Estou em um triangulo amoroso, pior estou em um quadrado amoroso. Tipo a história de Drummond. Será Jéssica atualmente a Lili da história? Ela continuou me olhando.
- Não. Nunca rolou nada. Só dividíamos o apartamento mesmo. - Ela parecia mesmo assustada com a situação.
- Cara é impossível. Você é hétero então? Jurava que era lésbica. - De novo esta história. Meu Deus.
- Vamos voltar pra cálculo. - Ela estava novamente olhando para as fotos. Olhou para mim:
- Você não lembra né? Não lembra mesmo daquele dia.
- Não. - Respondi. E voltei as questões que estávamos fazendo no caderno.
Ela seguiu o fluxo. Passaram alguns minutos. E ela parecia um pouco inquieta. Como estava um pouco fresco. Pensei que ela sentia frio.
- Quer que feche a janela? - Perguntei.
- Não precisa, tá de boas. - Ela respondeu sem me olhar.
- Tem certeza? - Ela balançou a cabeça em afirmação. Mas não me pareceu verdade. Eu olhei para ela. - Moça. Desculpe. Acho melhor você ir. Não ficou legal nossa conversa. Eu até entendo, que tu goste de Alícia, mas não tivemos nada, ela e eu. - Ela levantou a cabeça. Começou a juntar as coisas na mesa que eram dela. Me olhou. Olhou para o livro. - Me desculpe mesmo, pode ficar tranquila que não vou te cobrar nada moça.
- Meu nome é Daniela. - Ela finalizou a frase. E me pareceu ter tido uma epifania. Aquela noite me voltou a mente, completamente. Isto. Eu estava andando, com uma garrafa de vodka na mão. Veio uma moça em minha direção. Ela era muito linda. Tinha um sorriso. Um queixo. Uma covinha. Cabelos negros. Esbarramos uma na outra. Pedimos desculpas. Ela veio na minha direção. Ela me beijou. E o beijo foi longo e bom. Foi maravilhoso. Paramos de nos beijar. Eu olhei para ela. Enxerguei Jéssica. Ela falava alguma coisa. Eu disse Jéssica. Ela me beijou de novo. E continuou sendo muito bom. Ela me olhou nos olhos. Estava sorrindo. E já não era mais Jéssica. Era Daniela. Eu simplesmente comecei a chorar, andei e deixei ela lá sozinha me olhando. Vim para casa, tirei a roupa, deitei na cama e apaguei. Acordei no outro dia sem me lembrar de nada.
- Daniela? - Eu disse olhando para ela. E ela me olhou de volta. Eu não sabia como dizer para ela que eu havia me lembrando. Ela já estava de pé terminando de colocar algumas coisas na mochila. Eu me aproximei dela. Meu coração acelerava. Eu não sabia bem o que eu ia fazer. Eu me senti fria. Segurei a mão dela. Ela me olhou. - Daniela né?
- É. - Ela respondeu colocando os cabelos atrás da orelha. Eu me aproximei dela, tanto que podia sentir sua respiração no meu rosto. Eu sem ar. Pensei que fosse morrer. Ela me olhava. Ela era tão linda. Eu me aproximei ainda mais dela. Senti que nossos lábios estavam quase se tocando.
- Eu me lembrei. - Ela segurou meu pescoço, me olhou fixamente, me puxou pela cintura. E me beijou. Me beijou como eu nunca pensei que pudesse ser beijada. Era tão bom. Tão louco. Eu podia respirar, mas parecia ter esquecido como fazer isto direito. Eu não conseguia levantar meus braços. Eu não conseguia abrir meus olhos. Eu sentia a pele dela na minha, as mãos dela subindo meus cabelos. Eu sentia ela, como se ela estivesse em mim. Era a melhor sensação de todas. Então comecei a sorrir. Eu estava tão feliz. Que comecei a sorrir. No meio do melhor beijo da minha vida.
Ela parou instantaneamente de me beijar. Estava séria. Me empurrou. Eu parei de sorrir. Mas ainda estava muito feliz. Ela pegou a mochila, a pasta. Seguiu em direção a porta. E antes que eu pudesse fazer ou dizer qualquer coisa. Ela falou:
- Vai te fuder, filha da puta. - Saiu, bateu a porta. Eu caminhei até a cama. Me joguei. Olhei para o teto, voltei a sorrir. Segundos depois eu entendi o que tinha acontecido. Corri até a porta abri. Desci as escadas. Passei pelo corredor e pela a porta de saída do prédio. Cheguei no portão. Ela já estava no carro. Ela se foi.
Fim do capítulo
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