Capítulo 51
Capitulo 51
Sai do bar fumaçando de raiva, peguei o Pirata, montei e sai correndo com ele, minha vontade mesmo era ganhar distância daquele espaço, por sorte ele é bem adaptado em correr nas ruas de pedras de Maçores. Depois de um tempo o Pirata mesmo foi desacelerando e eu deixei, fomos andando sem rumo pelas ruelas escuras e frias. Quando finalmente, dei conta eu estava em um descampado, com muitas árvores ao fundo e um espaço vazio no meio. É uma paisagem bem diferente de quando está um sol lindo ao fundo ou pelo menos o dia claro, o mais incrível é como mesmo no ápice da noite esse espaço me traz automaticamente a presença da CArol, não acredito que vim parar na Encosta do Douro, acho que foi um recado do meu subconsciente me conectando a ela.
Andei mais um pouco com o pirata, até ficarmos próximos a beiradinha, com uma certa linha de segurança. Desci do mocinho e sentei na grama, olhando para o lado espanhol da encosta. Eu estou mais calma, mas ainda bem irritada com o que aconteceu no bar e tudo que está acontecendo aqui. Eu tenho um carinho muito grande pela Milena, mesmo, não porque namoramos, mas pela infância juntas, pelo apoio mútuo que tivemos, mas ela não sabe tudo sobre mim, ela sumiu da minha vida depois de eu estar apaixonada por ela, essas são coisinhas que somadas fazem dela uma pessoa não tão confiavel.
Sem contar que já estou me sentindo culpada o suficiente para ela forçar mais a barra. Eu deixei a Carol no Brasil, sendo que ela é o melhor evento que me aconteceu nos últimos anos, eu deixei ela assustada e em pânico por causa do sequestro, logo após finalmente se divorciar, em vésperas de operar o rosto por causa do mesmo sequestro. Não sei se sou um ser humano bom não, tudo isso por que um imbecil não sabe lidar com os tributos mínimos de seu cargo. Eu voltei antes para Portugal porque eu precisava sair do Brasil, em menos de uma semana eu senti falta das drogas 2 vezes, pelo bem da minha saúde mental eu precisava ficar longe, Portugal realmente me acalma um pouco, mas saber que ela está lá sozinha e a Milena aqui me incomodando, não está dando muito certo.
Minhas costas começaram a doer um pouco por estar sentada na grama, toda curvada, já não sou tão novinha assim mais. Dei uma olhada para tras, o Pirata havia deitado no chão, para descansar. Eu fui para mais pertinho dele, tanto para apoiar as costas como para me esquentar, a noite está fria. Achei tão fofo ele deixar eu encostar nele. Não pude deixar de lembrar a vez que eu trouxe a Caroline aqui, para comer bacalhau, tomar vinho e conhecer o Rio Douro. Esse é o lugar mais lindo de Portugal ao meu ver, eu amo esse trechinho do céu. Lembro que quando viemos para cá foi bem no começo, ela estava a uma ou duas semanas em Portugal, foi quando começamos a ficar. Conheço a Carol não tem dois meses, mas sério, a sensação é que faz anos, sem contar que a nossa conexão é algo único, quando ela voltou ao Brasil eu sabia que tinha algo errado, dito e feito, ela foi sequestrada. Se eu tivesse que escolher um poder nessa vida, séria de tirar as lembranças dela toda machucada e dela naquele vídeo, com a faca no pescoço, chorando, sangrando. Sou uma péssima pessoa, deveria ter ficado lá com ela, independente de qualquer problema aqui.
Procurei meu celular no bolso do casaco, lá no fundo estava ele. Estava desligado desde que saí de casa, correndo, não queria ninguém me ligando, ninguém me incomodando. Apertei o botão de ligar e imediatamente após a tela acender ele começou a sacudir fervorosamente, de mensagens e ligações perdidas. Bati o olho rápido procurando alguma coisa da Carol, e lá estava 5 ligações perdidas dela. De bate pronto bati o número e liguei, no segundo toque ela atendeu.
- Oi princesa. - falei com ela, ela respondeu com um oi fofo, todo meloso, pude imaginar ela mesmo dando risada dela.
- Você tinha me ligado, eu estava no banho, não consegui atender. Te retornei algumas vezes, está tudo bem? - Ouvi uma risada feminina ao fundo, me pareceu a Clara.
- Quem está aí? É a Clara?
- Sim Sim, eu vim na casa dela jantar e assistir um filme, não tava aguentando ficar sozinho no hotel, só tava pensando coisa ruim. - ao fundo da ligação, a Clara começou a falar: Oiii portuga…. Vem pra São Pauloooooo, a Carol ta cheia de saudadeeeee. Ela estava claramente alcoolizada, falando quase que gritando.
- Acho que ela está um pouquinho bêbada Carol.
- Pouquinho? Ela tomou quase uma tequila toda. Ela está muito louca. Ela precisava relaxar um pouco também, semana de prova da faculdade. E você, está tudo bem? Está com uma voz tristonha.
- Tá tudo bem, só o problema do hospital mesmo. O chefe do condado é um antigo faz tudo do meu pai, ele está colocando empecilho em tudo, isso pelo que a Marcela me contou. Eu vou falar com ele amanhã cedo, quando cheguei hoje ele já tinha ido embora.
- Entendi, mas acha que ele quer algo em troca, dinheiro? Ou só encher o saco mesmo?
- Não sei, o estranho disso tudo é que ele não quer negociar com ninguém, a não ser comigo, parece que ele me quer aqui, presente. Uma das ocorrências que recebemos é que eu não poderia abandonar uma obra que eu solicitei. Esse negócio está começando a ficar estranho.
- eu achei estranho desde o começo, mas de todo modo você precisava ir ver o que está acontecendo.
- Sim até falei pra Marcela que se precisar uso a fazenda como moeda de barganha, tipo se ele não liberar o hospital eu levo a produção de azeite pra outro lugar. Sem as duas produções de azeite, maçores, Urros, essa região aqui fica sem utilidade alguma, sem contar que o hospital trará emprego e crescimento.
- Claro, sem sua fazenda não tem função a região. Só não entendi o lance de duas fazendas.
- A minha e a da Milena, posso pedir para ela barganhar com o cara também.
- Não acho legal você envolver ela nisso, ela tem cara de que cobra caro qualquer favor que peçam.
- Você também vai começar?
- Nossa, o que eu falei Fer? Você mesmo já me falou isso? Desculpa.
- Não é isso, é que já tomei uma super bronca da Antonia e da Marcela por isso hoje, que não é pra eu ter ajuda da Milena, to cansada das pessoas falarem o que eu devo fazer.
- Não falo mais, fica tranquila.
- Não é isso, tudo bem, desculpa. Acabei me excedendo um pouco. A Milena vai assumir a fazenda dos Almaço, o pai dela falou isso hoje, pensei que ela poderia me ajudar.
- Ela te falou isso no avião?
- Não, falou pra mim no bar.
- Você foi no bar? E foi no bar com ela?
- Não Carol, foi assim, eu tomei uma bronca da Marcela e da Antônia por pedir a ajuda da Milena, tentei te ligar pra me acalmar um pouco, mas você não me atendeu, aí eu peguei meu cavalo e fui dar uma volta, acabei caindo em uma taberna antiga aqui da região, pedi um vinho e umas comidinhas, depois de um tempo a Milena apareceu, ai ela me contou isso.
- Ela apareceu do nada no bar que você estava?
- É. Apareceu, ai conversamos um pouco, ela forçou a barra, acabei até saindo e largando ela lá.
- Nossa, que bom né?! - ela falou com um tom bem irônico.
- Não faz essa ironia toda, nem fica com ciúmes, por favor. Eu juro que estou me comportando.
- Eu tenho certeza de que está se comportando Fer, o que está me incomodando é a quantidade de coincidências dessa história, meu problema não é você.
- Não coloca coisa na sua cabeça amor, ela deu a sorte de pegar o mesmo avião que eu, depois deve ter me procurado pela cidade e como me conhece bem, acabou parando no bar também.
- Claro, super fácil alguém pegar o mesmo jato particular. Fernanda abre o olho para as coisas. Eu já te falei e falo de novo, a única coisa que pode me impedir de ficar como você é você. Então não faça comigo o que não gostaria que eu fizesse com você.
- Eu não estou fazendo nada de errado, eu juro.
- Eu acredito em você Fer, só não deixe ninguém mudar a pessoa boa que você é. Em duas ou tres semanas estarei com vocÊ, prometo.
- Sabe onde eu estou?
- não, nem imagino.
- Estou na Encosta do Douro, acha coincidência eu ter vindo parar aqui?! É um recado do meu subconsciente para me mostrar o quanto eu te amo.
- Deve ser lindo esse lugar a noite. Deixa marcado aí na sua lista, levar minha namorada para jantar no Douro, a noite. Deve ser lindo.
- É muito bonito mesmo, queria você aqui comigo, estou com saudades já.
- Fer, só mais um pouquinho. Hoje eu coloquei meu carro a venda, passei minha responsabilidade da clínica para o Lucas. Falta eu cancelar alguns plantões, mais alguns documentos, arrumar o rosto e ir embora. Amanhã vou sair com a Clara, se ela estiver viva, para comprar roupas quentes, não vou mais passar frio em Portugal não.
- Tudo bem, eu te espero mais um tempinho.
- Isso Fer, logo mais vou estar aí, segura as pontas, e evita esses encontros do destino, por favor. Estou longe, mas sinto quando você faz alguma coisa. Amor, vou desligar, a pizza chegou aqui e a Clara não tem a mínima condição de levantar da cadeira.
- Tudo bem, vai lá. Eu te amo, e não vou mudar. Fica tranquila. Beijo - Coloquei o celular novamente no bolso, deitei com a cabeça apoiada no dorso do Pirata e fiquei ali, olhando para o céu, contando e admirando cada estrela. A lua realmente deixou aquele trechinho o Douro lindo, tenho mesmo que trazer a Caroline aqui, para comer um outro prato e para ver essa paisagem a luz do luar.
- Senhorita, senhorita. - abri o olho assustada, quem me chama? Era um dos garçons dos restaurantes da encosta. Acreditam que eu dormi com o Pirada na grama do Douro? Não tenho ideia nem de que horas sao agora.
- Nossa moço, acabei dormindo aqui. Perdão.
- Não tens problema senhorita Ganate, achei melhor acorda-la, logo mais os restaurantes começam a encher e seu cavalo vai ficar assustado.
- Tem hora?
- 9:40. - Cacete, além de ter dormido na grama, no sereno, eu perdi a hora, a marcela deve estar puta comigo, quase que urrando de raiva. Primeira coisa que eu fiz foi pegar o celular, 6 ligações perdidas da Marcela. Subi no Pirata e sai andando mais rápido, não correndo. Definitivamente não é possível falar no celular e guiar um cavalo, coloquei o celular no bolso novamente e fui conduzindo ele até em casa. Assim que abri a porteira da Fazenda Ganate, a porta da casa abriu, com a Marcela, no auge do seu um metro e cinquenta, com a mao na cintura, quase me matando com os olhos.
- Eu sei, estou atrasada. Desculpa, eu perdi a hora, desculpa. É o tempo de um banho e a gente vai para Urros. Vinte minutos, já pode se arrumar. - Não dei tempo dela nem começar a falar, sei que a bronca vai vir no carro mesmo. Deixei o Pirata na porta da casa, depois a Antônia pede para colocarem ele no Harras. Tomei um banho super rapido, mais pra tirar o cheiro de pinga e de cavalo com mato. Coloquei uma calça preta, com tênis também escuro, uma camisa por cima e um casaco de frio na mão, joguei meia dúzia de peças de roupa na minha mala de viagem e desci. Sério, sou muito rápida, não deu nem os 20 minutos. Quando desci a Marcela estava sentada no sofá digitando no computador e gritando com alguém no celular.
- Você me atrasou muito Fernanda, irresponsabilidade tem limite não?!
- MArcela, pega leve, nem atrasei tanto assim.
-Não quero nem ouvir os motivos, coloca as coisas la no carro rápido e vamos embora. Vamos primeiro no gabinete do Eusébio, você precisa torcer esse cara, tem material hospitalar chegando e eu nem posso colocar lá. Estou muito estressada. Estou usando o alojamento do projeto para colocar as coisas, não cabe mais nada. Quando a Caroline voltar, você faça o mínimo de colocar ela na sua casa, não tem lugar no alojamento para ela ficar. - falou isso quase que gritando andando e entrando no carro. - Vamos Fernanda, tá parada aí por que? Entra na porr* do carro.
- Esse estresse todo não pode ser só comigo.
- Começou com você. Eu preciso da Caroline naquela maternidade, se você fizer algo que magoe ela e ela desista da direção clínica, você perde ela e eu vou junto. Não posso puxar esse negócio todo sozinha, preciso dela me ajudando.
- Eu não fiz nada de errado, perdi a hora dormindo na encosta do Douro, com o cavalo.
- Vou fingir que acredito, você tava cheirando a álcool quando chegou. Tem comida ai nessa sacola, a Tônia fez pra você. Come pra não passar mal no chá de cadeira que o cara vai te dar. - abri a sacolinha, tinha pastel de nata, alguns biscoitos e uma caneca deliciosa de café, que foi a primeira coisa que eu peguei. - A primeira coisa que vamos fazer é ir no escritório do daquele imbecil e depois vemos o que eu consigo controlar de danos. Hoje está marcada a instalação da rede elétrica na lateral norte da maternidade. Vai me contar a verdade de onde você foi ontem a noite?
- Primeiro você respira, acho que desde que eu cheguei você não respirou um segundo, caraca. Tá estressada demais Marcela. Já estamos indo para Urros, já vamos resolver tudo isso.
- Desculpa, eu estou estressada com mil coisas. Preciso liberar logo esse hospital.
- Todas as exigências dele estão em ordem, ele não pode atrapalhar mais nada.
- Sim, inclusive a principal delas, e pra mim a única, a sua presença.
- Não sei o que esse cara quer comigo. Sério.
- Mais um motivo que dá pra dizer que isso é coisa armada. E pra mim é armação da Milena. Quer ver como eu tenho razão?
- Como?
- Ontem você bebeu com ela, não bebeu?
- Não Marcela, eu fui parar naquela Taberna do leste, sabe? Depois que eu cheguei lá, ela apareceu, mas sem eu ter chamado nem nada. Acabamos discutindo e eu na encosta do Douro, perdi o time e acabei dormindo lá.
- É isso, ela apareceu. Você sabia que o pai dela deu a fazenda pra ela.
- Ela me contou ontem, que ele vai se aposentar e deu a administração do Azeite Almanço pra ela.
- Pensa um pouco Fernanda, pensa.
- Marcela, se juntar você, a Carol e a Antônia, dá para escrever uma novela de perseguição, vocês imaginam muito as coisas. Eu vou tomar esse café e comer alguma coisa. Vamos resolver essa merd* hoje. - Ela sacudiu a cabeça como se falasse a ela mesmo para esquecer algo. Onde já se viu, achar que a Milena está planejando essa merd* toda, a Mi é ambiciosa, mas não a esse ponto. Eu só quero o hospital funcionando rápido. O resto da viagem foi em absoluto e mordido silêncio, sendo interpelado apenas pela minha mastigação ou por alguma ligação da MArcela. O trajeto de Maçores a Urros é de uns 40 minutos normalmente, hoje a chefe brava fez em 25 minutos, pensa como a pigmeu voou na estrada.
O silêncio apenas foi quebrado quando a Marcela estacionou o carro dela na frente da prefeitura de Urros, que aqui não chama prefeitura, chama liderança. Era uma casinha histórica, antiga, de dois andares, quase que um sobrado. A escada que permitia acesso ao andar superior era por fora da construção. O imóvel deve ter uns trezentos anos ou mais, como tudo aqui em terras lusitanas.
Eu ainda no carro, revisei cada um dos papéis com a Marcela, cada cláusula do embargo, cada exigência que o líder estava fazendo. É uma história muito sem pé e sem cabeça essas necessidades todas. Respirei fundo, arrumei minha camisa, sacodi os farelos de biscoito e desci do carro. No andar térreo do gabinete, havia uma placa: Liderança de Urros, e algumas salas, que seriam como secretarias de governo: tesouraria, patrimônio, transporte. Quase dei risada, em Urros, não tem quase nada, o único transporte que as pessoas aqui têm ou são carros ou as próprias pernas. Tem ônibus para as outras cidades, isso é verdade, mas para o proprio consumo do condado não. Subi as escadas, chegando a uma portinha de madeira com uma placa: Gabinete do Lider do Condado de Urros. Dessa vez foi vontade de gargalhar mesmo.
Entrei no recinto, a primeira pessoa que encontrei foi uma senhora, por volta dos 50 ou 55 anos, sentada atras de uma mesa, cheia de papeis. Ela era caracteristicamente uma lusitana do interior, vestindo uma camisa branca e por cima da blusa um vestido vermelho de alça, nos pés uma espécie de sapatilha local, por sorte não estava como lenço vermelho na cabeça. Assim que ela me identificou, sem precisar de uma palavra, levantou da cadeira e veio me comprimentar.
- Senhorita Ganate, em que posso ajudá-la? - eu não sou assim, nem gosto de ser, mas em situações desse tipo, onde tenho que ser firme com alguém eu acabo sendo grossa.
- Tenho horário marcado para ver o seu chefe, o líder dessa espelunca.
- O senhor Euzébio encontra-se em uma reunião em caráter de urgência, a senhorita terá que aguarda-lo por algum periodo.
- Moça, onde o Eusébio está?
- Senhorita, não posso contar tais detalhes.
- Eu quero falar com ele em no máximo meia hora. Ele deve saber bem como é meu humor e como eu gerencio as minhas fazendas. Faça o favor de encontrá-lo e traga-o aqui. Espero não ter que falar mais nenhuma vez. - Nesse momento, de uma das portas começou a surgir gargalhadas - A reunião dele é uma sessão de piada? Avise que eu estou esperando, caso contrário invado a sala, com a calma e a educação que ele conhece. Olhei firme e seca para a senhora, que de imediato se levantou da mesa e foi conversar com ele. Me sentei em uma das cadeiras do salão de espera e fiquei observando a mulher entrando na sala. Ela demorou cerca de uns 3 ou quatro minutos para retornar.
- Senhorita, o doutor Eusébio disse que irá lhe atender em alguns minutos, já está concluindo a reunião. Aceitas uma água ou um café?
- Não - fui curta e grossa. De verdade, não gosto de ser assim, só sou desse jeito quando me sinto ameaçada ou quando tenho que ser firme com alguém. Me mantive sentada na cadeira, aguardando. Peguei meu celular para dar uma olhada, mas isso é algo impossível, Urros não tem nem energia, quem dirá internet. Isso é uma das coisas que vou jogar na cara desse puto.
Alguns minutos depois, fui chamada para entrar na sala dele. A sensação que eu tinha era de ter entrado em um boteco no meio de alguma favela de São Paulo. A sala dele era bem escura, com aspecto de sujo e o proprio cara que deveria aparentar um prefeito era um senhor, de seus 60 anos, com um bigode muito mal feito e grande, ele vestia uma camisa colada a barriga de chopp que ele tinha e usava uma boinha portuguesa. Por alguns segundos eu pensei que ele fosse me oferecer um copo de pinga. Ele estava sentado atras de uma mesa, como se fosse muito educado quando me viu entrando levantou da mesa.
- Fernanda.
- Para o senhor é no máximo Ganate. Qual o problema com a construção do hospital?
-Sente-se senhorita. Desejas um café, água?
- Não. Vamos direto ao ponto senhor, tenha a santa paciencia, eu construo um hospital de qualidade para a população local, algo que é de sua obrigação como lider do condado e o senhor, sem motivo algum, embarga a obra? Qual seu problema.
- A senhorita negocia e fala como seu pai, me pareces muito com ele.
- Se era para ser um elogio estás bem enganado. Trabalhastes como capacho dele, não tens ideia de quem eu sou e o quão pior eu posso ser. Quero o documento de liberação da obra. Tenho um lote de produtos hospitalares de ponta chegando essa tarde e não tenho onde colocá-los já que “embargastes” minha obra.
- Veja bem senhorita, existem regras a serem seguidas.
- Regras Eusébio? Regras? E quanto a instalação elétrica que não foi feita, instalação de rede telefônica? Pavimentação das ruas próximas? Assuntos de sua responsabilidade com prazos já vencidos. Não estou a fazer um hospital para mim, sabes muito bem disso, o hospital tens como objetivo um projeto social e oferecer assistência médica adequada não só a Urros como a todas as cidades do entorno. Caso eu não saia daqui com essa documentação liberada, tomarei providências com as lideranças acima do senhor e sabes que em relação ao tempo que trabalhastes com meu pai eu tenho muitas provas que podem não só retirar seu cargo como retirar sua liberdade. Preciso falar mais alguma coisa? Porque não vejo o senhor assinando o documento que libera o funcionamento do hospital senhor Eusébio?
- Senhorita, aqui em minha sala quem manda sou eu e neste condado também. Se eu exponho que o hospital não será liberado é porque ele não será liberado. Vou entregar a senhorita um documento que permite usar o prédio apenas para concluir o interior. Enquanto não houver a mudança do gerador para a marca solicitada e a confirmação de sua presença no condado não haverá término do embargo.
- Tenha paciência senhor, confirmação da minha presença no Condado?! Estou aqui na sua cara. Eu estava no Brasil resolvendo problemas pessoais e tive que largar meus afazeres para vir fazer seus caprichos. Estou na sua frente o que mais é necessário para confirmar minha presença neste condado?
- Não tens mais que cumprir essa cláusula, percebo que estás presente. Sabes que tem a regra que nenhum solicitante de obra pode se ausentar do condado em que a obra esteja localizada? Não sabe das regras portuguesas?
- Senhor não posso ficar presa a Urros, a todo momento que me ausentei um dos demais responsáveis legais pelo projeto estava presente, desta vez foi a Dra. Marcela, a qual o senhor tratou com completo desprezo e falta de profissionalismo. Por agora eu não vou mais discutir, passo hoje a tarde para retirar as demais documentações de liberação da obra, caso as 12 horas em ponto não esteja pronto saibas que saio daqui em direção a liderança de Trás os montes, abrir uma denuncia formal, assim como garanto ao senhor com todas as palavras que retiro a produção de azeite daqui, a minha e a dos Almanço e os poucos trabalhadores que faltarem, faço questão de trazê-los da espanha e fazer esse vilarejo se tornar um espaço fantasma. Se o senhor pensa que conhecia o meu pai, saiba que ele era um anjo relacionado ao que posso e vou fazer com o senhor. Passo às 12 horas para pegar os documentos, tens tempo de tomar uma pinga ainda. - bati com a mão na mesa e sai, sabendo claramente que eu perdi a briga e que esse cara tem um chefe que esta pagando muito bem ele.
Desci as escadas tentando me aparentar calma, mas odiando cada segundo quem eu fui dentro daquela sala. Entrei no carro, sobre os olhares atentos da Marcela e antes mesmo dela me perguntar qualquer coisa eu falei: acelera esse carro e sai desse lugar. Talvez ela tenha entendido no olhar o que aconteceu dentro da sala, não falou absolutamente nada e acelerou o carro. Assim que eu sai da frente da prefeitura, meus olhos não mais se seguraram e as lagrimas começaram a cair, mas cair de modo compulsivo, de uma maneira que a anos não caiam, talvez seja a somatória de tudo que aconteceu nas ultimas semanas mas principalmente pela somatoria do que aconteceu naquela sala agora. Chorei de soluçar, com a respiração dificultosa, o nariz saindo água, quase que uma criança quando o pai não da um brinquedo.
A Marcela é capaz de ser a baixinha que amedronta, mas ela é capaz de ser uma mãe para as pessoas, ela sabe de cada detalhe da minha história, contei tudo a ela quando pedi para ela me ajudar nesse projeto e na criação do hospital. Do caminho entre a liderança e a minha casa ela não abriu a boca para falar absolutamente nada. Quando chegamos na travessia onde não passava mais o carro, ela desceu foi indo na frente, abriu a porta da minha casa e deixou com que eu entrasse, em paz, calma. Nesse momento eu já estou mais chorando copiosamente, mas os soluços ainda persistem. A Marcela foi rapidamente na cozinha, pegou um copo com água e me trouxe, quando finalmente a voz humana surgiu na sala:
- Fe, toma a água. Respira fundo. Comigo, vem. Respira, solta, respira, solta - eu peguei a água e comecei a beber, golinhos. Passei o olho pela casa, enxerguei a imagem da Caroline em cada cantinho dali, a vontade de chorar voltou mais forte ainda. eu não sou a pessoa evoluida que eu pensava, não mesmo. Quero ela aqui comigo, quero minha namorada de volta, aqui na minha casinha de pedra. Quero o colo dela, quero o beijo, quero ela comigo. - O que aconteceu lá dentro Fernanda? Estou assustada.
- O cara, o lider, é mesmo o capacho do meu pai, o mesmo que ajudava meu pai a matar e esconder as pessoas, eu gelei assim que eu vi a cara dele. Era ele Marcela, eu lembro da cara dele na vez que eu vi meu pai matando o cara no casebre da fazenda, era esse cara que segurou o homem pro meu pai matar. Eu fui muito ruim la dentro, eu me coloquei abaixo do Jorge para tentar intimidar ele, eu gritei e falei que eu sou muito pior que o Jorge, que ele não me conhece.
- Fernanda, o Jorge Ganate apenas te deu o sobrenome, você não se parece em absolutamente nada com ele, você é uma pessoa calma, doce, amorosa, apaixonante. Quer um exemplo disso? A Caroline nunca teria aceito o emprego aqui se você fosse ao menos parecida com o jorge, você não é ele! Você falou isso lá dentro porque estava brigando pelo seu hospital, um hospital que você esta construindo porque é uma boa pessoa. Poderia pegar todo esse dinheiro da fazenda e estar agora num hotel de luxo de Dubai, mas está aqui, nesse estado brigando pelo seu sonho. Isso nunca o Jorge faria, nunca, nunca, nunca.
- Eu ameaçei ele, falei que vou na liderança de tras os montes e que vou denunciar ele como cumplice dos crimes do jorge e tudo mais, mas ele nem se mexeu. Bati meu pau na mesa e falei que se ele não liberar os documentos que dão acesso ao hospital até o meio dia, ele vai arcar com essas ameaças. As 12 horas, você manda alguem ir lá pegar os documentos, mas ele não vai fazer, não vai, não vai. Ele só começou a se sacodir na cadeira quando eu falei que tiro a produção de Azeite daqui e levo junto a produção dos Almanços. A questão é que alguem paga muito bem ele, mas paga bem pago. Eu acho mesmo que esse problema todo tem um mandante, acredito mesmo, mas não tenho ideia de quem é, ou eu descubro o mandante disso ou tento dobrar ele com as fazendas e com as ameaças.
- Alguma ideia de quem possa se beneficiar com a sua presença aqui?
- Não tenho ideia, sem contar que a fazenda não tem parcerias, não pode ser ninguem querendo isso. E até extrapolando para as ideias de voces, não pode ter sido a Milena a fazer isso, se não ele não ficaria assustado quando eu falei das duas fazendas. Se ele estivesse na folha de pagamento dela ele daria risada nesse blefe. Ele liberou o acesso para a colocação dos dispositivos, apenas para montagem do interior, falou que sem a troca dos geradores e elevadores para a marca selecionada por ele nada estará feito, sem sucesso.
- Vai querer trocar o elevador e o gerador?
- Não mesmo, um porque não temos dinheiro para isso. Se formos fazer essa troca vai ter que ser por empréstimo, e outra é que penso que não vai adiantar nada, esse cara está sendo muito bem pago por alguem. Muito bem pago. Eu estou um pouquinho mais calma, vamos fazer o seguinte, as 12h você manda alguem na liderança pegar os documentos, que claramente não estarão prontos, enquanto isso eu vou almoçar de verdade. Depois pego meu carro e vou a Maçores mais uma vez, vou conversar com a Milena, pedir desculpas por ontem e pedir o apoio dela junto com a minha fazenda para barganhar o fim do embargo, caso até isso não de certo, ai pensamos em trocar os dispositivos.
-Quando você vai voltar a atender, como pediatra?
- Pode marcar pra amanha ou pra depois. Eu já estou na cidade, não vou a lugar algum, sem contar que com a Carol longe nem pra Maçores devo ir.
- Quando você for pedir ajuda da Milena, em nome da fazenda dela, toma cuidado, não coloca em termos pessoais. Eu sei que você amadureceu e é outra pessoa, eu vejo isso em você, mas ela não é de brincar em serviço, e mesmo o cara tendo tremido quando falou das fazendas, eu não duvidaria dessa merd* toda ter sido feita por ela.
- Será Marcela?
- Não confio nela, ainda mais porque você seguiu em frente e conheceu uma mulher linda, habilidosa, que te respeita e bate de frente com ela. Eu não duvidaria disso. Então negocia com ela, mas toma cuidado, por favor.
- Eu vou cuidar, a Carol é algo muito bom pra mim, não posso perder ela por infantilidade ou por não saber lidar com a Milena.
- Não mesmo, perde ela e eu. Já falei.
- Que medo de voces duas, e é capaz de eu perder a Antonia junto. Se você for embora ela vai tambem.
- Não duvide disso, ela esta gamada nos meus poderes.
- Sem detalhes Marcela, por favor, sem detalhes. Vem, vamos almoçar la na base, depois eu volto a Maçores, para ver essa questão toda.
Fim do capítulo
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