Lorenza

 

 

 

Quando olhei para Paty, o pânico tomou conta de mim por alguns segundos, prendi a respiração tentando raciocinar em como agir.  Uma cobra de uns 50cm estava literalmente passando por entre seus cabelos espalhados pela toalha. Era questão de segundos para que ela sentisse o movimento dela.

 

— Paty... Você confia em mim? – Eu disse com um tom de voz baixo tentando aparentar calma.

 

— Claro Lolô, porq...

 

— Eu vou te falar uma coisa, mas, por favor, NÃO se mexe!!! – Ela ficou tensa e fez menção em se levantar. — NÃO se mexe, por favor!!! – Encarei seus olhos fixamente. — Linda, tem uma cobra passando pelos seus cabelos... Tenta ficar calma!!! Eu vou tirar você daí!

 

— PUTA MERDA! AÍ MEU DEUS! AÍ MEU DEUS! AÍ MEU DEUS! AÍ MEU DEUS!... – Ela começou a repetir baixinho com os olhos cheios de lágrimas, e permaneceu dura feito uma estátua.

 

— Eu vou te dar a minha mão, e vou contar de um até três, quando eu disser, três, você vem, ok?

 

— Não Lo...

 

— Sim! – Procurei em volta algo para acertar a cobra assim que a puxasse, mas não tinha nada. Olhei minha bota e o jeito seria tirar e usar ela. Com cuidado a retirei sem soltar a mão de Patrícia. Ela acompanhava tudo de olhos arregalados. Assim que estava com o calçado em mãos, agarrei mais forte a mão da minha pequena. — Olha pra mim... Um...

 

— Não Lorenza, eu não consigo...

 

— Consegue sim!!! Eu que vou te puxar, você só vem. – Continuei — Dois... Três!

 

Assim que a puxei para atrás de mim, a cobra ficou com metade do corpo “em pé” pronta para dar o bote... Taquei a bota nela, que se assustou e virou um tiro no mundo, enquanto Paty permanecia agarrada nas minhas costas. Seu aperto era tão forte que eu quase não conseguia respirar.

 

— Calma amor – A abracei direito — Ela já tá longe essa hora. Era uma caninana, e apesar de ser valente, não é venenosa.

 

— Meu Deus Lolô, meu coração vai sair pela boca. Olha... – pegou minha mão a colocando em seu peito, tadinha!

 

A abracei forte fazendo carinhos nos seus cabelos para que ela se acalmasse. Ficamos olhando o sol se pôr no Riachão que era a coisa mais linda do mundo! As aves voltando para seus ninhos, o vento soprando nos cabelos da minha morena... o céu multicolor que tinha tons que acho que nenhum artista poderia reproduzir em uma tela.

 

— Poxa Lô, pena que entraram na clínica e roubaram a minha câmera! Eu queria estar agora com ela em mãos para eternizar esse momento. Você nesse cenário... Acho que eu seria capaz de fazer um pôster de tamanho natural... – Disse rindo.

 

— Coração, falando nisso já viu a empresa de segurança? Não tô gostando dessa história! A sua clínica é a única que já foi assaltada três vezes.

 

— Eles foram lá e colocaram umas câmeras.

 

— Acho bom mesmo, assim fico mais tranquila.  como estava anoitecendo percebi que já era hora de começar a minha surpresa. – Coração, vamos já tá tarde!

 

— Poxa Lô, nem deu pra gente lanchar! Tô com fome! – Eita menina esfomeada! Ainda bem, que continue assim. Não quero minha oncinha com bulimia novamente. – Pegue aqui um pedaço de Mane Pelado, enquanto eu termino de arrumar tudo! – Não foi preciso dizer duas vezes e a minha morena se atracou no naco de bolo como se não comesse há uma semana. Parecia aqueles zumbis dos filmes. “Eita, minha Barbie The Walking Dead!” Coisa linda de se ver!

 

 

 

 

 

Patrícia

 

 

 

Sabe aqueles reality shows onde a pessoa diz: “Eu vi a minha vida passar pelos meus olhos.” Então... Foi isso que aconteceu. Imaginava a cobra me picando... Eu morrendo e deixando a minha vó, minha tia e a minha Lô... PUTA MERDA! Deixaria minha Lorenza solta para que qualquer chiranhuda colocasse as mãos!

 

Fechei meus olhos e respirei fundo. Segurei forte a mão da minha namorada. Coloquei a minha vida literalmente em suas mãos. Não poderia ser diferente, porque ela já possuía meu corpo e minha alma!

 

Lorenza é uma mistura de Crocodilo Dundee, Chuck Norris e Xena... Sei lá. Ela tacou a bota na cobra! E eu dei um pulo tão grande! Eu me agarrei de tal forma ao seu corpo que até achei que a estava machucando, tamanha era a força com que eu a apertava. Depois, ela ficou fazendo carinho nos meus cabelos e nas minhas costas para que eu me acalmasse. Tudo isso em um cenário paradisíaco! Nossa! Como eu amava esse Riachão! Pena que a Lô contaminou o rancho da fazenda da vovó.

 

Lembrei de quando fomos ver algumas coisas por lá e vovó fez questão de me mostrar o Rancho por dentro. Advinha o que eu imaginei? Em cada canto, em cada mesa, em cada ladrilho, em cada pia, em cada sofá... A minha Lô comendo uma chiranha dessas aí... Devia ter DNA de putiane até no teto!

 

Mano do céu! Foi me dando uma raiva... Um nojo... Que eu nem quis ver todo lugar e falei que iria esperar no carro. Puta merd*, meu! Um lugar tão lindo! Não gostava nem de pensar!

 

Quase cochilei montada no cavalo junto a Lô. Estávamos voltando e eu a abracei forte sentindo o seu perfume que sempre me acalmava. Toquei o pingente do colar e sorri ao recordar o momento em que ela o me deu de presente.

 

 

 

— Paty, eu amo você! Demais! Nunca pensei em amar alguém assim e eu vou fazer de tudo para te fazer a mulher mais feliz do mundo! – Pegou uma caixinha dentro da capanga onde estavam os quitutes, me fazendo sentir um frio no estômago... PUTA MERDA... Mas foi logo dizendo. — Quero te dar isso, abriu a caixinha me mostrando um colar de ouro com um pingente de coração, lindo e delicado, mas o que mais me chamou atenção foi a pedra. Não lembrava de ter visto uma joia igual antes! Possuía várias cores e era tão viva, tão diferente que eu fiquei encantada!

 

— Nossa, Lolô, é lindo demais...

 

— Paty, esta pedra é o Amolite, ela não é nem de longe a mais cara do mundo, mas é sem dúvida a mais rara que existe.  Ela é assim como você, e eu não achei jeito melhor de te dizer o quanto você é rara e especial. – Finalizou,  prendendo-o em meu pescoço e dando vários beijinhos na minha nuca. — E o coração é para você ter certeza que você é “A Coração”. Amo você!

 

 

 

O cavalo andava num trote lento e isso fazia com que eu chegasse cada vez mais perto do corpo dela. Queria logo chegar e tomar um banho... Com ela, é lógico.

 

Não entendia como Lorenza nunca se perdeu! Para mim era tudo igual! Árvore, matinho, tronco de árvore caído, matinho, árvore... E advinha... Outro matinho. Ela jurava que os caminhos eram diferentes!

 

Comecei a ver luzes mais adiante e achei que já estávamos chegando, mas o estranho era que eu ainda conseguia ouvir barulho de água. Quando eu percebi aonde nós estávamos quase bati na minha namorada de tanto ódio que senti! Lorenza havia me levado até o Rancho do Riachão sabendo muito bem que eu não suportava colocar os pés naquela casa!

 

Pronta para falar todos os palavrões, os que sabia e alguns que eu inventaria na hora, comecei a perceber que a entrada estava completamente iluminada com pequenas luzinhas imitando velas. A cerca havia sido pintada, vários canteiros de flores contornavam as grandes árvores e a casa... O Rancho... PUTA MERDA!

 

         O Rancho do Riachão tinha passado por uma reforma completa. Até mesmo as janelas e portas, agora eram mais amplas e havia uma grande varanda voltada para o riacho. Tudo era diferente e uma nova ala também fora construída parecendo praticamente flutuar sobre a margem do rio. Quase procurei uma equipe de TV porque... PUTA MERDA... Parecia aqueles programas onde a casa fica PERFEITA!

 

Inúmeras velas estavam espalhadas por todos os lados, luzes... Uma música baixinha começou a tocar... Lô me ajudou a desmontar e eu não conseguia deixar de sorrir.

 

         Eu não sabia para onde olhar, pois a cada novo canto descobria algo que eu não tinha notado, como as minhas flores preferidas plantadas ao redor da casa... Eram tantos, mais tantos detalhes que eu fiquei parada sem me mexer. Olhava tudo e para tudo em volta... Totalmente muda.

 

Um varal de luzinhas iluminava todo pátio e eu notei que várias fotos minhas e da Lô estavam penduradas! Era tudo tão fofo e de tão bom gosto que eu fiquei completamente extasiada em perceber que aquilo tudo a minha namorada tinha feito para mim.

 

         — Paty, coração... – Lô meio que tropeçava nas palavras segurando as minhas mãos. — Vem. Vamos tomar um banho e depois a gente janta...

 

— Lô... Você fez tudo isso pra mim? – Perguntei entrando na porta de vidro e notando que tudo... TUDO era novo.

 

A mesma Lorenza bruta, chucra, que tomava vinho em copo de requeijão, que cortava um pedaço de carne de churrasco e limpava a gordura nas botas para “Melhorar o couro!” e que ao mesmo tempo tem a sensibilidade de desenhar belissimamente e de cuidar de todos que ao seu redor... Sim, essa Lorenza fez tudo isso para mim...

 

Ela uniu o rústico ao moderno: revestiu parte da parede da cozinha com madeira, um pequeno bar e uma TV. Dessa forma, possibilitava a socialização de todos. Na sala de estar, ela conseguiu harmonizar móveis coloniais e modernos. Cores quentes e o branco pra clarear. Até mesmo o piso foi trocado! Puta merd*! Parecia que eu estava dentro de uma das revistas de decoração que eu tanto gostava de comprar.

 

 

 

— Você me disse como gostou daqui e que não viria mais porque não queria pensar nas coisas que aconteceram... – Ela me levou pela mão até entramos no novo e espaçoso quarto de casal. Na cama, nossas roupas estavam organizadas lado a lado. — Então resolvi reformar... Primeiro quis comprar esse pedaço de terra da Carolina. Mas ela e Zefa disseram que já era seu e não quiseram me vender de jeito maneira! – Lorenza enfiou a mão no bolso procurando algo e retirou de lá uma chave, estendendo-a para mim. — É seu, coração! O Rancho do Riachão é todo seu! Espero que você goste e que novas lembranças possam ser construídas aqui. Aqui é o seu cantinho... – Comecei a chorar e ela me abraçou.

 

— Minhas avós estavam juntas nisso, então? Elas sabiam de tudo?!

 

— Diacho... Mas é claro! Até chamei a Bá, Júnior e Aninha pra me ajudar nas coisas também!

 

— Por isso que às vezes você sumia e seu celular dava fora de área, aqui não pega direito... Lô... – Eu não tinha palavras para expressar tudo o que eu estava sentindo naquele momento. Pulei no pescoço da minha namorada a beijando intensamente. Lô quase caiu, mas me segurou pela bunda.

 

— Oncinha... Para... Eita diacho, vem tomar banho... – Me carregou até o banheiro e eu beijava seu rosto, seus lábios, seu pescoço... — Pronto. – Lô disse enquanto me colocava em cima do mármore da pia. — Eu vou tomar banho no outro banheiro, te encontro na sala após as 20:30h, tá bom?

 

— Lôooo... Fica aqui... Vem... Toma comigo... – Desnudei meus seios porque eu sabia o quanto ela os amava.

 

— Eita diacho!!!! “A bolsa de Nova York fechou em queda hoje...” – Ela fechou os olhos e saiu recitando esse mantra, que ela só usava quando tentava não ficar excitada.

 

Fiquei examinando o banheiro enquanto tomava meu banho e me espantei ao encontrar todos os produtos que eu sempre usava, desde sabonete até os meus cremes preferidos.

 

No quarto encontrei um desenho dos nossos “filhos” em uma das paredes. “Quando essa danada fez isso? Poxa! Eu nem notei!” Vesti a lingerie rendada e segurei entre as mãos um vestido branco de seda. Que delícia sentir a sua maciez... Era novo e caiu perfeitamente em mim. Quase não acreditei ao me olhar no espelho. Aquela mulher que estava ali em nada parecia com a velha Paty que chegara aqui na cidade apenas com algumas roupas e completamente arrasada, quebrada e abusada de todas as maneiras.

 

A mulher que me fitava no reflexo parecia dona de si, segura, bonita, inteligente, gostosa... Sim, gostosa! Quase não conseguia parar de sorrir enquanto eu terminava de me maquiar e, novamente, minha namorada teve o cuidado em comprar a paleta de cores e marcas de maquiagem que eu usava. Sorri ao borrifar um pouco do perfume importado que era a minha marca registrada. Tenho a certeza de que se eu não fosse perdidamente apaixonada por essa mulher, ela teria me fisgado hoje!

 

Na sala, a visão que eu tive me fez tremer as pernas: Lô estava em pé, com um copo de whisky na mão, olhando pela grande janela. Ela estava vestida com um terno preto e camisa branca. Os cabelos loiros milimetricamente arrumados daquele jeito que ela sabe que eu gosto, em um pequeno topete.

 

— Lô? – Minha amada virou-se sorrindo lindamente.

 

— Linda Paty! – Senti seus braços ao redor do meu corpo. Nossos olhares não se deixavam nem por um minuto. — Como você pode ficar mais linda ainda? – Dizendo isso ela me beijou delicadamente.

 

 

 

Lorenza

 

 

 

— A bolsa de Nova York fechou em queda hoje... – Eu ainda repetia enquanto entrava no quarto de hóspedes. Como essa pequena consegue mexer comigo tanto assim?

 

Meu sorriso já estava quase petrificado em meu rosto enquanto me lembrava do brilho dos seus olhos ao reparar em cada detalhe do rancho que eu fiz pra ela. E tenho certeza que ela ficará louca com as coisas que ainda estavam preparadas para esta noite. Eu só poderia sair com ela de dentro da casa após às 20:30h, para dar tempo da próxima surpresa ficar pronta.

 

Já estava entrando no banho quando ouvi alguém batendo na porta da sacada. Vesti o roupão e fui atender. Assim que abri, aqueles dois malucos pularam para dentro do quarto...

 

— Broo...

 

— Chefinha...

 

— Ei, falem baixo, assim ela vai ouvir. – Eu disse os abraçando.

 

— Chefinha, tem um detalhe que estou na dúvida...

 

— Bro, essa garota é que é perfeccionista demais, já tá praticamente pronto... – Ele disse enquanto cutucava a cintura de Aninha que se esquivava dele.

 

— Para, Júnior, é sério! Chefinha, você só pode sair às 21h ok? Pra dar tempo de tudo estar organizado, tudo bem?

 

Sorri me lembrando do tempo que Paty levava para se arrumar.

 

— Claro, e parabéns, vocês conseguiram deixar tudo muito melhor que a encomenda. Está perfeito! – Segurei a mão dos dois. — Obrigada mesmo pela ajuda!

 

Tomei um banho caprichado, e me joguei na cama para descansar um pouco, eu estava ansiosa demais, queria que aquela noite fosse simplesmente perfeita para minha pequena.

 

 

 

Às 20:30 eu já estava na sala ouvindo as músicas que ela tanto gostava, me servi de uma dose de whisky para relaxar. Me sentei... Deitei... Levantei... E nada de Paty. Me servi de outra dose e fiquei espiando pela janela a organização de tudo lá fora.

 

 

 

— Lô? – Me virei e contemplei uma das visões mais linda da minha vida. Minha Oncinha estava simplesmente perfeita!

 

— Linda Paty! – Coloquei o copo na mesinha e me aproximei a envolvendo em meus braços com carinho — Como você pode ficar mais linda ainda? – A beijei.

 

— Você que está linda demais, Lô... Ai, como eu amo esse seu perfume – Disse me puxando pela nuca passando seu nariz devagarzinho cheirando todo meu pescoço. Me arrepiei toda!

 

— Paty, eu sou uma ogra, sem modos... Sou muito bruta com as coisas, não tenho muita paciência para frescuras. Essa sou eu..., mas posso tentar me moldar mais... Me refinar...

 

— E quem disse que eu prefiro uma pessoa mais refinada? De onde você tirou que você precisa se moldar a uma coisa que você não é? Não é a sua essência! Puta merd*! Eu amei tudo o que você fez! Demais... Demais... Demais! Mas eu não te amaria mais ou menos se a gente ainda estivesse lá naquela árvore tomando vinho no copo de requeijão! Lô, eu me apaixonei por você inteira... Pelas qualidade e defeitos. Pela autenticidade, pelo jeito que você cuida de tudo e todos a sua volta. Por você retirar o gelo de dentro seu whisky com os dedos, se fudendo se ao seu lado está a atriz da globo cheia de não me toques... Lô eu me apaixonei por essa mulher íntegra e única que você é, sem tirar nem pôr.

 

Sorri felizona... Segurei seu rosto entre minhas mãos e a beijei com ardor. Discretamente apertei o play no controle remoto do som alterando a música, e perguntei encarando seus olhos:

 

— Dança comigo? – Comecei a me mover acompanhada pela melodia de AnaVitoria 

 

 

 

♫Não se arrisque em tentar
Me escrever nas suas melhores linhas
Eu não preciso de altar
Só vem repousa sua paz na minha
Eu já te disse alguma vez
Tu tem pra mim o nome mais bonito
A boca canta ao te chamar
Teu canto chama o meu sorriso
E 'tá tão fácil de encaixar
Os teus cenários na minha rotina
No calendário passear
O fim de tarde em qualquer esquina
Tão natural que me parece sina
Vem cá

 

Te sinto seu ao se entregar
Me tenho inteira pra você
Te guardo solto pra se aventurar
É tão bonito te espiar viver
Se encontra, se perde, se vê
Mas volta pra se dividir
Amor, é que você fica tão bem aqui
É que você fica tão bem aqui comigo ♫

 

 

 

— Eu amo essa música, Lorenza... – Deitou a cabeça no meu peito.

 

— Não tem melhor lugar no mundo do que aqui com você Oncinha...

 

Dançamos até o fim da música sem falar mais nada, nada precisava ser dito... A beijei com carinho, tentando passar a ela tudo que ela significava para mim.

 

– Vem, coração, vamos jantar. – Disse puxando minha pequena para o lado de fora da casa.

Fim do capítulo