“Para esse carro agora!” Lívia grita, após levar o susto no cruzamento.

Por questão de sorte, Helena conseguiu tirar o carro a tempo. Ela estacionou e Lívia, ainda assustada, resolveu ficar por ali e ligar para Bruno ir buscá-la. Ainda tentou convencer Helena a parar de dirigir, mas a menina estava determinada a chegar no Pub.

Helena continuou acelerando, estava quase a 120km/h já em uma outra avenida que permitia apenas 50km/h. Em uma lombada alta que não havia sido sinalizada corretamente, ela tentou frear mas acabou perdendo o controle. Ela sentiu seu corpo ser impedido de voar por causa do cinto de segurança enquanto o carro inacreditavelmente capotava.

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Isabel tentava ligar para Helena mas só dava na caixa postal. Aproveitou sua pausa para tentar conversar civilizadamente. Ela entendia que todo mundo tem o direito de ter amizade com ex, mas ela queria entender o motivo pelo qual Helena não comentou nada. Isabel viu Dante com Yan na festa, e resolveu abordá-los.

“Olha, Isabel, a última vez que eu a vi, ela estava indo para o bar da faculdade com a Lívia. Ela não estava muito bem não, comentou algo sobre alguma briga entre vocês e é isso.” Dante responde.

“Helena e álcool? Não é uma boa combinação.” A preocupação de Isabel aumenta.

Isabel já estava quase no final de sua jornada de serviço quando o celular tocou.

“Alô?” Ela responde. “Sim, sou eu, Isabel. O que que eu sou da Helena? Sou namorada, por quê? O quê?!?” Isabel fica pálida. Suas mãos, trêmulas. Ela desliga e procura seu chefe.

“Seu Heitor, eu posso ir embora agora? Eu preciso ir para o hospital, minha namorada acabou de sofrer um acidente de carro, eu estou sem chão, eu preciso ir para o hospital, eu preciso ir para o hospital...”

“Calma, acidente? Claro! Meu Deus, ela está bem? Eu levo você, Isabel, não se preocupe.” Seu patrão se oferece gentilmente.

“Obrigada, Seu Heitor, muito obrigada...eu não sei como ela está, só sei que me chamaram para ir ao hospital, encontraram o celular dela e eu era o contato de emergência...” Isabel explica enquanto eles se dirigem para o local.

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“O que que deu em você para entrar no carro da Helena completamente bêbada?” Bruno dá bronca, enquanto eles voltam após uma longa espera da parte de Lívia.

“Fui tentar impedi-la de dirigir, mas a garota estava obstinada a falar com a namorada.” Lívia responde.

“Tomara que não tenha acontecido nada.” Bruno comenta, e então seu celular apita com uma nova mensagem. “Pode ver para mim?” Ele pede.

“É de Yan.” Lívia responde, não gostando muito. “Ele perguntou se você está na área, ele e o Dan precisam de carona. Dan? Ele chama o Dante de Dan agora?”

“Você já estava sabendo dos dois?” Bruno pergunta, enquanto dá a volta para poder buscar os dois.

“Estava, eu os vi no apartamento da Helena.”

“Responde para eles que eu estou indo.” Bruno fala, enquanto dirige pela mesma avenida que Helena passou. Ele reduz a velocidade ao perceber um carro capotado na via sendo guinchado.

“Espera...aquele ali...?” Lívia olha, completamente assustada.

“É sim! É o carro de Helena!” Bruno para imediatamente. Lívia procura informações mas tudo que os funcionários do guincho ficaram sabendo é que a vítima foi levada para o hospital.

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Helena acordou com uma dor de cabeça tremenda. Vários hematomas por traumatismo. Ela abriu um dos olhos e se viu em uma maca, dentro de uma ambulância. Manteve-se acordada durante todo o resto da viagem, até chegar ao hospital. Aparentemente não teve fraturas, mas foi levada para a sala de Raio X. Ela ficou no quarto para ser medicada com relação às dores que estava sentindo, nada grave. Isabel chegou e, ao vê-la deitada, começou a chorar feito criança. Ela beijava a testa, as bochechas e os lábios de Helena em meio a lágrimas e soluços.

“Eu estou bem, eu estou bem...” Helena repete, mesmo que Isabel não acredite.

“Eu achei que ia lhe perder...Lívia me ligou para confirmar, eles viram seu veículo, disseram que está estraçalhado pelo capotamento!”

“Vou escutar poucas e boas do meu pai, não sei nem se o seguro cobre perda total...”

“Você está preocupada com seguro? Sério? Você deveria era estar preocupada em parar de ser essa idiota irresponsável!” Isabel, ainda aflita, fala sem parar.

“Está parecendo eu, quando estava dando bronca no Otávio...” Helena ri, mas acaba tossindo por se esforçar.

“Você deu bronca nele porque sabia que estava errado, do mesmo modo que agora você sabe que está errada!”

“Eu sei, eu sei...” Helena suspira. “Você disse que a Lívia tinha ligado...ela está aí fora?”

“Não, ela e Bruno passaram por onde aconteceu o acidente. Agora está fora do horário de visita e só permitem um acompanhante.” Isabel explica.

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“Queria poder ter visto Helena. Isabel disse que está tudo bem. Mas eu me arrependo tanto de ter saído do carro, eu poderia tê-la parado...” Lívia, deitada ao lado de Bruno, desabafa.

“Se você estivesse com ela, provavelmente teria se acidentado também, Liv. Você mesma disse que não tinha quem a contivesse.” Bruno responde, enquanto coloca seu braço ao redor de Lívia.

“Não Bruno, o quarto está abafado, desgruda.” Ela se afasta.

“Tudo bem, desculpa.” Ele também se afasta. “Mudando de assunto, parece que Yan está levando Dante bem a sério. Ele estava me falando que estavam até combinando viagem nas próximas férias.”

“Dante do nada resolveu ficar sério com alguém?” Lívia responde, meio ríspida.

“Não é do nada, você mesma disse que agora que ele descobriu quem é, ele está conseguindo lidar melhor com as questões a volta dele.”

“Que seja. Boa noite, Bruno.” Lívia corta o assunto e fecha os olhos para dormir.

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Helena logo voltou para casa. Lá de São Paulo, seu pai resolveu com a seguradora e, dado que não houve perda total, o conserto demoraria alguns dias – seria semanas se não fosse pela insistência de Heveraldo em contatar várias vezes por dia a seguradora. Isabel a colocou na cama e beijou sua testa.

“Helena, deixa eu lhe perguntar uma coisa, uns dias atrás você disse que faria estágio em uma Unidade Básica de Saúde daqui do bairro. Você pensa em fazer isso nas férias?”

“Sim, nas próximas férias, assim já mato minha carga horária complementar. Por quê?”

“Então, eu tive uma ideia: podemos fazer um teste. Também vou passar as férias aqui trabalhando no Pub e pegar um emprego temporário extra de dia. Eu trago o Rafinha para passar as férias conosco, coloco um colchão para ele na sala, e a gente passa o mês inteiro juntas. Se der certo, posso pensar em trazê-lo para cá definitivamente. O que acha?”

O rosto de Helena brilhou com a proposta de Isabel.

“Precisou eu me acidentar para você vir com essa ideia?” Helena brinca.

“Boba. Agora só preciso arranjar alguém para tomar conta dele enquanto eu estiver trabalhando e você no estágio.”

“Esses estágios de UBS são só duas ou três vezes por semana. Eu posso ficar com ele pelo resto dos dias.”

Isabel não sabia se poderia confiar em Helena para cuidar de uma criança, mas pensava em arriscar. Afinal de contas, seria apenas um teste.

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Lívia ia direto ao apartamento de Bruno para passar a noite. Em uma dessas idas, encontrou Yan no sofá com certa expressão de tristeza.

“Eu já estava de saída, obrigado por me ouvir.” Yan se despede de Bruno e apenas olha para Lívia antes de sair.

“O que aconteceu?” Lívia pergunta para Bruno.

“Nada não, coisa dele.” Bruno deflete.

Lívia estranhou pois Bruno sempre lhe contava tudo. Resolveu deixar um tempo passar. Jantaram, trans*ram, e já perto de dormir, Lívia voltou ao assunto:

“Por que o Yan parecia tão transtornado?!”

“É pessoal, Lívia, eu não posso ficar contando.”

“Desde quando um assunto pessoal já lhe impediu de me contar algo, Bruno? Você me conta até da vida sexual dos seus pais!”

“Okay.” Bruno suspira, vencido. “Yan está com algumas paranoias em relação ao Dante.”

“Que paranoias?!”

“Umas paranoias aí...” Bruno, vendo que Lívia não ficaria satisfeita até escutar toda história, decide contar. “O Yan acha que você e o Dante tem alguma coisa.”

“E por que ele acharia isso?”

“Eu não sei, vocês têm?” Bruno aproveita para perguntar, tentando esconder certa desconfiança.

“Lógico que não, Bruno. Eu não saio de perto de você, nem teria tempo para ter outra pessoa. Para, né.”

“A questão é que ele acha que o Dante não gosta dele. Aí teve um dia que eles estavam dormindo juntos e o Dante falou seu nome no sonho.”

“Sério?!” Lívia percebe que respondeu muito empolgada e tenta abaixar o tom. “Digo, sério?”

“Sim, mas eu falei para ele que houve uma época que você gostava do Dante quando era Alessandra, mas vocês não deram certo e a gente começou a ficar.”

Lívia quase não conseguiu dormir naquela noite. Virava de um lado a outro, intrigada. Ficava se perguntando se Dante sonhava com ela da mesma maneira que ela sonhava com ele. Pode ter sido um daqueles sonhos que se esbarra na pessoa naquele dia e seu subconsciente acaba se lembrando dela. Mas ao mesmo tempo Lívia ficava se perguntando dos motivos de Yan estar paranoico. Poderia ser da natureza dele, afinal, ele era assim com Otávio também.

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Era véspera de uma das provas teóricas de Semiologia I, o que fez Helena e Isabel estudarem até um pouco mais tarde.

“Vai sair agora, Dante?” Helena vê Dante com uma mochila e uma toalha.

“Sim, vou para a academia.”

“Coragem.” Helena brinca.

Quando o rapaz chegou lá, viu Lívia terminando seu exercício na bicicleta ergométrica. A garota quase se desequilibra quando o vê.

“Não sabia que você fazia academia aqui!” Lívia exclama, tentando secar o suor da testa.

“Eu fazia lá no centro da cidade, mas passei para cá, é mais perto.” Ele explica. “Também não sabia que tu fazias aqui.”

“Comecei há pouco tempo também.” Sorrateiramente, Lívia passa sua toalha abaixo de seu sutiã esportivo, na região do meio, fazendo Dante abaixar o olhar rapidamente.

“Bom, vou me aquecer e começar meu treino, eu te vejo por aí.” Ele avisa.

Lívia pegou um dos tapetes para fazer abdominal, e o colocou estrategicamente em um lugar de onde dava para ver Dante treinando pernas no leg press. Ele usava um short esportivo, que evidenciava bem suas coxas malhadas se contraindo para empurrar mais de 200kg de peso.

E então foi a vez dela. Enquanto ele fazia supino inclinado, ela aproveitou para treinar agachamentos quase que em sua frente. Após quase babar, Dante resolveu ir para a esteira e queimar toda aquela energia da tensão sexual.

Lívia, pelo espelho, olhou para Dante enquanto ele corria, e ele, também através do espelho, ao reduzir a velocidade da esteira, olhou de volta. Lívia saiu e foi para o corredor que dava nos vestiários. Antes que ela pudesse entrar no vestiário feminino, uma mão quente a tocou no braço.

“O que está acontecendo entre a gente?” Ainda ofegante, Dante pergunta.

Lívia engoliu saliva e seu coração disparou. Ela se virou rapidamente, ficando frente a frente com o garoto:

“Tem algo acontecendo entre a gente, Dante?”

“Liv, eu não consigo te olhar com os mesmos olhos já faz um tempo.” Ele confessa. “Toda vez que eu olho para ti...”

“...seu coração acelera, você sente um frio na barriga e ao mesmo tempo há um calor invadindo todos os seus poros? Sua frequência respiratória se descoordena e parece que todo seu metabolismo fica fora de controle?” Lívia morde o lábio inferior e aos poucos, aproxima seu corpo ao do garoto.

 “Isso! E é como se eu não conseguisse escapar...é como se...” Dante coloca sua mão sobre a porta, servindo de apoio para que ele se inclinasse.

“...é como se fosse uma necessidade estar perto de você, sentir-lhe...” A respiração de Lívia aumenta ainda mais conforme Dante aproxima seus lábios.

“Tocar-te, querer-te...” Dante finalmente encosta seus lábios nos de Lívia, como se fosse o primeiro beijo deles. De fato, poderia contar como primeiro beijo, afinal, Dante era uma nova pessoa. Tal beijo veio carregado de sentimentos antigos pela parte de Lívia, e inéditos pela parte de Dante. Foi um beijo quente, em parte porque ambos estavam ainda sob efeito da adrenalina dos exercícios. O beijo se tornou mais intenso. Lívia pulou no colo do rapaz e entrelaçou as pernas dela no tronco arduamente trabalhado dele. Dante, por força do hábito, abriu a porta do vestiário feminino, recebendo o grito de uma usuária da academia:

“Mulheres somente!! Não sabe ler?!?!”

Ele abriu os olhos e soltou Lívia, saindo rapidamente.

“Ainda bem que a moça estava ali.” Lívia ri.

“Por quê?” Dante, ainda assustado pela bronca, pergunta.

“Estávamos prestes a cometer uma loucura...” Lívia começa a recobrar o juízo.

“Loucura por quê?”

“Você está com o Yan, Dante! E eu, com o Bruno.”

“Tens razão.” Dante suspira. “Acontece que não paro de pensar em ti.”  Ele torce os lábios.

“Eu também não paro de pensar em você e para piorar você não facilita!” Lívia não sabe se isso é raiva ou apenas frustração.

“Mas o Yan já desconfia. Ando meio distante dele.” Dante continua com suas confissões.

“Eu sei, você andou sonhando comigo, né?” Lívia pisca.

“Hey! Como sabes?” Dante se assusta.

“Yan e Bruno são melhores amigos, contam tudo um para o outro. E daí o Bruno me contou que o seu dito cujo escutou você falando meu nome a noite.”

“Eu não sabia disso! Caramba...” Dante coça a própria testa, preocupado. “Preciso ser honesto com ele. Yan não merece isso.”

“Espera, você vai terminar com ele?”

“No começo estava legal, mas agora ele me enche de perguntas... a insegurança dele foi me sufocando. Já não suporto mais.”

“E ele tem razão, afinal você acabou de beijar outra garota na academia...”

Dante fica sem graça. “Mas tu vais conversar com Bruno?”

Lívia ponderou por alguns segundos. Apesar de o sentimento por Dante ser intenso, apesar de sentir faíscas só de ficar perto dele, com Bruno ela tinha estabilidade. “Dante, como eu posso ter certeza que você não vai fugir?”

“Porque pela primeira vez na vida eu fui honesto comigo mesmo.”

“Porém não está sendo honesto com alguém que se importa com você, como o Yan.”

“Eu já disse que não o quero mais! Vou conversar com ele hoje à noite ainda.” Dante promete, olhando nos olhos da garota, cujo lado emocional quer confiar cegamente, mas o racional lhe planta dúvidas.

Fim do capítulo