Capítulo 21 - O Pub
Após ponderar bastante, Isabel percebeu que o emprego na lanchonete não estava compensando tanto quanto a oferta que havia recebido em trabalhar no Pub. Ela faria a mesma quantia financeira, na verdade, uma quantia até um pouco maior, trabalhando apenas três noites por semana. O único problema seria a hora de voltar para casa, o que reduziria seu tempo de sono.
“Eu levo e busco você todos os dias, não tem problema, Bel.” Helena se dispõe.
“Mas eu vou sair entre uma e duas da manhã, Helena. Eu posso voltar a pé.”
“A pé? Bel, dá mais de meia hora de caminhada, e de madrugada ainda! Melhor não. Você me liga e eu lhe busco.”
E assim iniciava-se a rotina de Isabel no semestre. Na primeira semana, tudo correu bem, exceto por alguns lapsos que a deixaram um pouco desatenta principalmente nas aulas de quinta e sexta-feira.
Segunda, terceira, quarta, quinta semana. A rotina começou a pesar. Ela começou a sentir sono em outras aulas também.
“...No exame físico do abdômen o correto é você auscultar de 5 a 35 ruídos hidroaéreos por minuto e...senhorita Isabel?” Dr. Moisés chama a garota, que parece estar em um sono profundo. “Senhorita Isabel.” Ele chama mais uma vez.
“Bel!” Helena chacoalha a namorada, que acorda sem saber onde está.
“Senhorita Isabel, isso aqui não é sua casa para esse tipo de cochilo.” Dr. Moisés dá bronca.
“Desculpa, Dr. Moisés. Eu tenho trabalhado bast-”
“Não quero ouvir justificativas.” Ele a repreende mais uma vez. Envergonhada, Isabel luta para continuar a prestar atenção na parte teórica da aula.
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“Bel, você tem certeza que quer continuar nesse emprego?” Helena pergunta enquanto Isabel se arruma.
“Eu não tenho escolha, Helena. Não posso voltar para a lanchonete. E esse emprego paga mais, também. Estou juntando o máximo de dinheiro possível para poder alugar um lugar, trazer o Rafa e pagar uma babá.”
“Mas eu já disse, você pode vir morar comigo. Eu converso com o Dante para ele arranjar outro colega de apê, a gente se muda para um lugar perto de uma escola para o Rafa, você não vai precisar se preocupar com aluguel.”
“Helena, as coisas não funcionam assim.” Isabel responde, enquanto olha no espelho para colocar o par de brincos. “Não posso contar com isso. E se a gente briga e se separa? Não vou ter para onde ir e vou ter uma criança aqui.”
“Você pensa na gente se separar?” Helena franze a testa, contrariada.
“Não é isso, Helena. Temos que ser prudentes, pensar em todas as possibilidades.”
“Essa possibilidade nem me passa pela cabeça! Bom, pelo visto agora eu sei que você pensa a respeito.”
“Ai, Helena...esse tipo de imaturidade sua que eu não aguento. Eu amo você de uma maneira que nunca amei ninguém, mas esse tipo de atitude me irrita.” Isabel confessa.
“Que tipo de atitude?”
“Ficar brava porque eu disse que penso em todas as possibilidades possíveis sendo que sou obrigada a pensar assim porque tenho responsabilidades, tenho um filho, tenho que pensar em todo o quadro.”
“Isso também me irrita em você. Sempre que temos uma discussão ou algo parecido, você joga na minha cara que tem mais responsabilidade do que eu.”
“Eu não disse isso, Helena! Eu disse que tenho em minhas mãos a vida de um garoto que eu concebi então eu não posso tomar decisões precipitadas!”
“Nem parece que você quer trazê-lo porque eu estou lhe oferecendo uma alternativa bem mais fácil e você continua recusando.”
“O que você disse, Helena? Você está me julgando e dizendo que eu não quero trazer meu filho?” Isabel se vira para a namorada, não acreditando no que acabara de ouvir.
“Não, eu não quis dizer isso, digo, eu me expressei mal, eu...” Helena passa a mão no próprio pescoço, arrependida do que falou.
“Percebeu que você sempre usa essa desculpa? Estou cansada dessas suas más expressões.” Isabel afirma.
“Perdão, meu amor, por favor. Vamos conversar quando você voltar. Eu só quis dizer que eu posso ajudar você a trazer o Rafa, poxa, você não me escuta!”
“Helena, eu não posso fazer isso com alguém que estou namorando há pouco tempo! Eu moraria com você, traria o Rafael, e aí? Ele criaria expectativas como toda criança o faz, e em uma briga como essas você diria algo sem pensar, ele escutaria, e como você acha que um menino da idade dele reage à impulsividade de um adulto?! Eu não posso fazer isso, Helena, que saco! Tenha um pouco de maturidade para entender.”
“Perdão. Eu entendo.” Helena suspira e pega as chaves do carro para levar Isabel.
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Quando Helena retornou, viu que Dante não estava no apartamento. Resolveu tirar um cochilo em frente à TV enquanto esperava Isabel.
“Hey, Helena.” Dante chacoalha a colega de apartamento.
“Oi? O quê? Que horas são?” Helena acorda completamente perdida.
“Onze e meia da manhã. Eu acabei de chegar, de manhã eu nem passei aqui, fui direto para a faculdade. Aliás, Isabel me abordou e perguntou de ti, eu disse que não sabia porque não dormi em casa.”
“Caramba!!!!” Helena esfrega os olhos e não acredita. Com medo, ela olha a tela de seu celular. Inúmeras chamadas perdidas de Isabel. Ela tenta ligar e, após demorar um pouco, Isabel atende.
“Helena, onde raios você se meteu?!?”
“Eu adormeci no sofá, Bel, eu acabei de acordar por causa do Dante, eu não escutei suas ligações, eu ne-”
“Sabia que não tinha uber disponível naquela hora? Nesse raio de cidade pequena o tempo de espera estava em mais de uma hora! Eu não tinha dinheiro para o táxi, se não fosse pelo Bruno e pela Lívia que estavam lá no Pub, eu nem sei que horas eu teria chegado em casa! Eu sei que você não tem obrigação nenhuma comigo ou com meu emprego mas eu estava contando com você, Helena, está vendo como eu não posso contar com a sua palavra?”
Helena escutou a tudo em silêncio, sem contestar.
“Desculpa por ter estourado.” Isabel continua. “Mas isso só me deu mais razão ao argumento de ontem.”
“Perdão. Eu sei que sou irresponsável, não precisa me jogar na cara, eu até perdi aula hoje. Mas à noite eu levo e busco você, sem problemas.”
“Não precisa mais, Helena, conversei com uma colega de trabalho, hoje o marido dela deixou o carro com ela e eu consegui carona.”
“Tudo bem então.” Helena responde e simplesmente desliga. Seu orgulho não deixa mostrar seu desapontamento com a situação.
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“Trouxe o kit de emergência da bad.” Lívia chega com uma caixa de chocolates e balas de iogurte no apartamento de Helena. “A briga foi feia?”
“Não foi feia, mas foi diferente.” Helena desabafa. “Eu estou meio cansada de ser chamada de imatura.”
“Mas esquecer a menina na porta do trabalho não foi lá muito responsável..”
“Desde quando você está do lado dela, Liv?”
“Não estou do lado dela, Helena, mas você pisou na bola dessa vez.”
“Eu peguei no sono!”
“Mas foi um péssimo timing porque vocês tinham acabado de brigar, todo mundo ficou achando que você tivesse feito isso por birra ou vingança.”
Helena apenas revira os olhos. Enquanto isso, o interfone toca. Dante corre para atender.
“Dante!” O rosto de Lívia muda quando vê o garoto, quase não dando tempo de ele apertar o botão do interfone para permitir que a visita abrisse o portão do prédio lá embaixo. Lívia, afobada, aproxima-se para cumprimentá-lo e abraçá-lo. “Isso são fios de barba?! São fios de barba! Não creio, você está deixando a barba crescer?”
“Eu quero um cavanhaque, na verdade.” Dante responde, já com a voz bem mais grossa.
“E que tipo de proteína mutante você anda tomando? Daqui a pouco vai estar que nem aquele Arnold Xuaze...alguma coisa!”
“Arnold Schwarzenegger, Liv...” Dante ri. “E nem pensar, ele tem acromegalia de tanta coisa ilegal que ele tomou. Prefiro não seguir o exemplo.”
“Isso mesmo!” Lívia não percebe que continua segurando e sentindo os músculos do braço do garoto, quando finalmente ouve-se a porta bater. Dante pede licença e recebe Yan, que o abraça. Quando Yan tenta lhe dar um selinho, Dante sutilmente desvia e pigarreia, como se não quisesse que Lívia visse. Eles vão para o quarto e ligam o som.
“Espera, o Yan está pegando o Dante?” Lívia indaga. “Porque sempre que a Alê, digo, o Dante coloca essa música em volume alto é porque está pegando alguém.”
“Caramba, você sabe até mais do que eu, que moro com ele.”
“Mas o Yan não é gay?” Um lapso momentâneo de ignorância permeia a mente ciumenta de Lívia.
“Sim, ué, e o Dante é homem.” Helena dá de ombros.
“Aé. Não acredito. Yan é lindo de morrer. Não acredito que vou ter que competir com ele agora.” Ela suspira.
“Competir por quê? Você não está com Bruno?”
“Estou, estou, mas ultimamente o Dante tem rondado meus sonhos mais depravados durante a noite e está me tirando do sério. A gente precisa sair daqui urgente. Por que não vamos ao Pub? Daí você aproveita e conversa com a Isabel.”
“Ela vai dizer que estou desconfiada dela e estou a seguindo. Melhor não.” Helena pondera. “Mas se quiser ir para o bar da faculdade, eu topo.”
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O Pub da cidade tinha dois andares. O andar de cima parecia mais um bar gourmet com cervejas e lanches artesanais e o andar debaixo continha a pista de dança com área vip. O bar abria mais cedo, obviamente, e as festas eram liberadas depois de certo horário. Isabel trabalhava como garçonete no andar de cima e, quando necessário, auxiliava com alguma emergência de limpeza no andar debaixo.
“Isabel, hoje você pode ficar até mais tarde? A gente paga hora extra. Vem um DJ de outro estado e a casa vai lotar, vamos precisar de toda a ajuda na pista.” O chefe de Isabel pede, e como ela não teria outras obrigações no sábado, resolveu aceitar. Pelo fato de a festa ser open bar, ela auxiliou em servir as bebidas.
“Isabel? Uma voz que já havia chegado bêbada na festa, aparece.
“Paula?” Isabel olha bem para a moça e reconhece a ex namorada de Helena.
“Você trabalha aqui? Desde quando? Eu estou quase toda semana aqui e nunca lhe vejo!”
“Eu trabalho no bar de cima.” Isabel explica, em meio ao tumulto e vozes irritadas pedindo por bebida.
“E você e Helena, estão bem? Ah, e me vê vodka com gelo, por favor.” Paula continua falando, enquanto rapidamente Isabel enche um copo com o drink.
“Estamos sim... aqui sua bebida.” Isabel quer logo cortar o assunto, mesmo que essa não fosse a verdade.
“E a mãe dela? Vocês duas se dão bem agora?”
“Como assim?” Isabel estranha, e aponta para Paula se mover para o lado de modo que Isabel continua servido aos outros. “O que você quis dizer com isso, Paula?” Ela retoma o assunto.
“Helena me contou que você e a mãe dela travaram uma certa Guerra Fria...”
“Você conversa com a Helena sempre?”
“Voltamos a conversar pouco antes das férias... você não sabia?”
“Paula, pode dar licença para eu servir o resto do pessoal?” Isabel passa a ignorá-la para continuar servindo, enquanto Paula arqueia uma sobrancelha e pensa em revidar a hostilidade, mas desiste e volta para a pista.
________//________
“Eu acho que eu vou lá no Pub, Lívia.” Helena, já extremamente bêbada, toma tal decisão.
“Helena, você está para lá de Bagdá. Nunca que eu vou deixar você ir lá, daqui você vai para casa.
Helena acaba aceitando e as duas voltam para o prédio, mas ao invés de subir para o apartamento, ela vai para o estacionamento.
“Garota! Você vai voltar para casa!” Lívia tenta puxar o braço da amiga, mas sem sucesso.
“Eu vou lá e vou conversar com a minha namorada, a Paula.”
“Paula?!”
“Isabel! Isabel.” A mente embriagada de Helena já nem sabe mais o que fala.
Para azar o destino, Helena sempre manteve a chave do carro no bolso, e Lívia não conseguiu impedi-la.
“Então eu vou junto!” Lívia senta no banco ao lado. “Não vou sair do seu lado. Você vai mesmo dirigir assim e ainda me colocar em perigo?”
“Não, Lívia. Sai do carro. Eu vou sozinha. Pombas.” Helena franze a testa, mas Lívia não sai.
Helena, contra todos os seus princípios, começa a acelerar e perde noção da velocidade. Pela avenida principal, ela esquece de frear e passa pelos obstáculos a todo vapor.
“Cuidado, Helena!” Lívia começa a se assustar, mas Helena não a escuta. “Helena, para esse carro! Estaciona agora!” A amiga suplica, mas tudo que Helena quer é chegar o mais rápido possível e se acertar com sua namorada. Ela vê o semáforo ainda na cor verde e então continua a acelerar. O verde passa para amarelo, e ela ainda crê que dá tempo. Vermelho. Ela resolve passar mesmo assim. Lívia fecha os olhos e tampa o rosto ao ver uma luz de farol intensa em sua direção, acompanhado com um som estridente de buzina.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
rhina
Em: 31/08/2020
Olá
Bom dia.
Autora porque Helena citou Paula como sua namorada na embriaguez?????
O que tem por trás disso: sentimentos..... Psicólogo..... Indícios.....????
Nota o quando Isabel e madura. Autossuficiente. Centrada. Focada. Visão ampla e clara.
Com vivência so leve ao extremo que confere a ela na prática ter forjado o que é no agora.
Ponto negativo para mim: isso tudo a torna a tornou fria. Prática demais. Quase sem romancismo. No entanto estes adjetivos para o mundo de conquista e Vitória são apenas obstáculos.
Helena. Imatura? Irresponsável????
Não vejo assim. Ela é o reflexo de sua vivência e experiências. E estas foram bem diferente das de Isabel mas i. Então ela responde e aje com o que tem em sua bagagem.
É um choque de proporções trágicas as duas vidas. Vem os atritos.
A jornada de Helena agora é outra e para outras está apenas começando.
Isabel leva tudo tão aos extremos,claro que ela tem argumentos sólidos e válidos. O que não é sólido e nem válido é ba relação dela com Helena. Fica claro que tem precisa de um outro tipo de mulher ou homem.
Helena vai aos poucos ou rápido encher sua bagagem e terá tudo que precisa para dividir a felicidade e o amor com alguém. Ela é sensível. Carinhosa. Atenciosa. Interessada. Ela se importa.
Ter deixado Isabel no serviço foi ruim mas é uma rotina nova para Helena logo falhar é humano.
Rhina
rhina
Em: 31/08/2020
Olá
Bom dia.
Autora porque Helena citou Paula como sua namorada na embriaguez?????
O que tem por trás disso: sentimentos..... Psicólogo..... Indícios.....????
Nota o quando Isabel e madura. Autossuficiente. Centrada. Focada. Visão ampla e clara.
Com vivência so leve ao extremo que confere a ela na prática ter forjado o que é no agora.
Ponto negativo para mim: isso tudo a torna a tornou fria. Prática demais. Quase sem romancismo. No entanto estes adjetivos para o mundo de conquista e Vitória são apenas obstáculos.
Helena. Imatura? Irresponsável????
Não vejo assim. Ela é o reflexo de sua vivência e experiências. E estas foram bem diferente das de Isabel mas i. Então ela responde e aje com o que tem em sua bagagem.
É um choque de proporções trágicas as duas vidas. Vem os atritos.
A jornada de Helena agora é outra e para outras está apenas começando.
Isabel leva tudo tão aos extremos,claro que ela tem argumentos sólidos e válidos. O que não é sólido e nem válido é ba relação dela com Helena. Fica claro que tem precisa de um outro tipo de mulher ou homem.
Helena vai aos poucos ou rápido encher sua bagagem e terá tudo que precisa para dividir a felicidade e o amor com alguém. Ela é sensível. Carinhosa. Atenciosa. Interessada. Ela se importa.
Ter deixado Isabel no serviço foi ruim mas é uma rotina nova para Helena logo falhar é humano.
Rhina
Resposta do autor:
Pelo q eu me lembre, ela foi citada mais por inocência do que por ato falho, para demonstrar que Helena não estava "bem das ideias" sob efeito de álcool.
ótima percepção sobre esse traço da personagem helena, ser atenciosa é algo que ela construiu ao longo da história!
beijão!
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Marta Andrade dos Santos
Em: 15/03/2019
Eita .
Resposta do autor:
Eita! ahahhahaha
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