“-- Há quanto tempo, doutora Carolina!”

 

 

            Carolina sabia quem iria encontrar quando virasse totalmente para a entrada do hospital, Lucia estava ali, ela se arrepiou inteira, pensou que depois da discussão no banheiro do colégio ela nunca mais veria Samantha ou Lucia. E ela teve a audácia de ir espreitar Carolina no estacionamento do seu trabalho.

            Carolina virou lentamente, seu coração estava acelerado, suas mãos começaram a suar, a presença de Lucia era nociva à sua sanidade. Encontrou o olhar frio e indiferente da antiga colega de escola sobre si, a empáfia nas suas palavras continuavam as mesmas, olhou com uma interrogação em sua mente: “O que diabos, ela está fazendo aqui?”

 

-- Você está muito bem! – Estava encostada em um carro – Soube que você sofreu um acidente de carro naquela noite. – Disse sorrindo –

 

-- O que você está fazendo aqui?

 

-- Eu queria te ver, não posso, querer saber sobre a saúde de uma colega de escola? – Caminhou para perto de Carolina –

 

-- Não se aproxime! – Andou para trás – Só me deixa em paz! Você já tem o que você quer, casou com Samantha, não tenho mais nada com ela há muito tempo.

 

-- Isso que você se engana! Samantha nunca deixou de te amar, por mais que ela esteja casada comigo, não sou eu quem ela chama quando está tendo um orgasmo. – Fechou o cenho – Eu estou longe de ter o que eu realmente quero.

 

-- Lucia me deixa em paz, vai embora ou eu vou chamar os seguranças.

 

Gargalhou – Olha em volta, está vendo algum segurança?

 

            Carolina começou a ficar com medo, estava no pátio do estacionamento de funcionários, não era tão movimentado quanto o de pacientes, e realmente não estava vendo nenhum segurança naquele momento, estava sozinha com Lucia que a cada passo que dava parecia crescer sobre ela. Era um gigante duelando com um pequeno ser, estava se sentindo acuada.

 

-- Você não tem o direito de aparecer aqui assim, me deixa em paz, eu não quero nada com você e nem com Samantha, vocês duas se merecem.

 

-- Eu faço o que eu quiser, e você não tem direito a escolha, por que você não morreu nesse acidente? – Disse entre os dentes -- Facilitaria muito a minha vida!

 

            Carolina continuava caminhando para trás e quando achou que Lucia faria algo contra ela um carro entrou no estacionamento fazendo com que a empresária parasse de caminhar pra frente. Carolina tremia, via os olhos de Lucia faiscando de ódio, quase fora de si, respirou aliviada com a aproximação daquele carro. Por acaso era Izabel que achou estranho Carolina estar parada no meio do estacionamento e parou ao seu lado. Abaixou o vidro da janela e foi falar com sua amiga.

 

-- Carol, está fazendo o que aí parada que nem um poste? – Sorria --

 

            Izabel percebeu que algo estava errado, Carolina estava mais branca do que o normal, e seus olhos denunciaram um pavor que a fez desligar o carro onde estava e sair do veículo. Viu Lucia parada de frente para sua amiga, estranhou aquela cena e se colocou entre as duas.

 

-- O que está acontecendo aqui? – Olhava para a cardiologista – Você está bem, Carol?

 

            Carolina não respondeu apenas encarava Lucia que sorria debilmente olhando para as duas. Izabel voltou sua atenção para a mulher elegante que parecia querer intimidar sua amiga.

 

-- Quem é você e como você entrou aqui? – Olhava para Lucia –

 

-- Adeus Carol! Você terá notícias minhas. – Piscou para a cardiologista – Mande lembranças à sua namoradinha. Muito bonita por sinal!

 

-- Fica longe dela! – Disse entre os dentes --

 

Lucia ignorou Carolina e Izabel e caminhou para o outro lado do estacionamento e entrou em seu carro, as duas assistiram o veículo saindo pela cancela atônitas, ali só era permitido a presença de funcionários.

Sem saber o que pensar, Carolina lembrou de respirar e sentiu o tremor em seu corpo, pela primeira vez se sentiu ameaçada por Lucia, depois de anos sofrendo com as perseguições psicológicas, agora Lucia apareceu com ameaças físicas, ficou apavorada com a possibilidade de Lucia fazer algum mal à Ângela, ela não seria capaz de suportar perdê-la. Izabel a segurou e tentava chamar sua atenção, mas as palavras pareciam longe, ela não conseguia prestar atenção ao que sua amiga dizia, só lembrava dos últimos encontros com Lucia.

 

-- Carol, olha pra mim! – Segurou seus braços e a sacudiu –

 

-- Izabel. – Tinha medo na voz – Como ela entrou aqui?

 

-- Quem é ela? Olha pra mim, Carol.

 

-- Lucia, mulher de Samantha.

 

            Aquela identificação deu a Izabel o tamanho do medo exposto na face de Carolina, agora ela entendia a inércia da amiga e o mal-estar que ela estava passando.

 

-- O que ela queria? – A abraçou –

 

-- Ela perguntou por que eu não morri no acidente.

 

-- Mas que mulherzinha nojenta! – Lembrou-se do carro – Carol, fica aqui, eu vou estacionar o carro e vamos entrar.

 

            Izabel estacionou seu carro e voltou para entrar com Carolina, a cardiologista ainda estava abalada com a visita de Lucia, não imaginava que teria que lidar com a loucura daquela mulher que mesmo depois de tudo o que ela fez, ainda queria continuar humilhando e importunando Carolina.

            Izabel foi com ela direto para a sala de repouso que estava vazia aquela hora da manhã, colocou Carolina sentada em uma cama e pegou água para ela, ao esticar a mão para pegar o copo, Izabel percebeu o estado emocional de sua amiga, pois ela mal conseguia segurar aquele copo de plástico de tão trêmula que estava.

 

-- Carol, você não tem condições de trabalhar agora, olha como você está!

 

-- Izabel, será que eu nunca vou poder ter paz? – Bebeu mais um gole de água – Essa mulher agora inventou de me infernizar.

 

-- O que ela quer com você?

 

-- Ela veio com um papo estranho, que Samantha ainda me ama, que eu deveria ter morrido, isso facilitaria a vida dela. – Levantou nervosa – Agora você vê, eu nunca mais falei com Samantha, ela está casada com ela, e ainda me culpa por algo que ela diz que não tem. O amor de Samantha, meu Deus! – Sentou de novo –

 

-- Calma amiga, eu vou pedir na administração para bloquear a entrada dela, eu não sei como ela conseguiu passar pelo estacionamento dos funcionários.

 

-- Ela estava morando fora, por que ela voltou? – Fechou os olhos e segurou as têmporas com as mãos – Logo agora que eu estou tão feliz, será que ela vai começar a me perseguir?

 

-- Ela não vai te perseguir amiga, se ela fizer isso vamos na delegacia e você pede uma ordem de restrição contra ela, eu vou com você e testemunho ao seu favor.

 

-- Você a ouviu falando de Ângela? E se ela fizer alguma coisa?

 

-- Ela não vai fazer nada, ela não pode ser tão louca.

 

            Carolina estava mesmo abalada com a presença de Lucia no seu trabalho a ameaçando, sentiu medo com as palavras ásperas que recebeu da antiga colega de escola.

 

-- Amiga, vai pra casa, eu ligo pra alguém e peço pra vir cobrir o seu plantão no atendimento, você hoje não tem condições de atender ninguém.

 

-- Eu tenho muita coisa pra fazer aqui Izabel. Tenho relatório dos meus residentes pra avaliar. Tenho uma cirurgia de tarde.

 

-- Nem pensar você vai entrar em cirurgia hoje. Desse jeito aí?

 

-- Izabel, eu vou ficar bem. Preciso ficar. Não vou abandonar meus pacientes. Até a tarde eu estarei bem, se eu sentir que não vou conseguir eu aceito remarcar, mas eu vou cumprir com minhas responsabilidades.

 

            Izabel sabia que uma coisa que Carolina não deixava de fazer era o seu trabalho, seria difícil de convencê-la a deixar o hospital e ir pra casa.

 

-- Eu não vou pra casa pra ficar remoendo o que aconteceu aqui hoje, eu preciso ocupar minha mente.

 

-- Tudo bem, então antes da sua cirurgia eu venho te ver, se der almoçamos juntas, ok?

 

-- Ok, vai tranquila, eu vou pro consultório. – Terminou de beber a água – Obrigada amiga.

 

            Izabel a abraçou e beijou seu rosto. – Fica bem.

 

-- Eu vou ficar.

 

            A chefe de cirurgia deixou a sala de repouso e Carolina ficou um pouco mais, respirou fundo tentando se acalmar, já estava tremendo menos, queria apenas entender qual era o motivo de Lucia ter desenvolvido essa obsessão por ela de uma hora pra outra. Levantou e foi para o consultório, já tinha passado por situações muito piores e não seria isso que iria tirar sua paz.

            Carolina passou a manhã inteira cuidando da burocracia da residência, almoçou com Izabel e na hora marcada para a cirurgia entrou para fazer o que sabia de melhor, levar a cura para as pessoas. Izabel se certificou que a amiga estava bem para executar o procedimento e liberou a sala, alguns residentes acompanharam e tudo foi um grande sucesso como sempre.

            No final da tarde já de volta ao seu consultório se preparando para sair, viu Ângela entrando pela porta, linda como sempre, calça de brim e blusa básica, tudo branco, os cabelos ainda úmidos do banho recente, o perfume mais discreto para não incomodar os pacientes, mas sempre marcante. A residente sorriu ao encontrar sua namorada sentada em sua cadeira, mas no mesmo instante desfez o sorriso, pois percebeu que algo a estava incomodando.

            O semblante carregado de Carolina estava de volta, algo que Ângela percebeu na hora que entrou na sala, aquelas rugas em sua testa que tinham sumido por alguns meses voltaram e estavam lá pontuando um pesar que a morena queria tirar de Carolina, nem que fosse à força. Recebeu um sorriso cansado da médica e se aproximou.

 

-- Oi, o que houve? – Puxou a cadeira para virar para si –

 

-- Por que acha que houve alguma coisa? – Tentou desconversar –

 

Apontou para a testa da chefe – Estas rugas não estavam aí quando eu te deixei hoje de manhã.

 

            Carolina não queria envolver Ângela nos problemas com seu passado, mas era inevitável, teria que contar o que aconteceu, até porque ela estava preocupada com a segurança da moça.

 

-- Eu tive um encontro hoje cedo que não foi muito agradável. – Revirou os olhos –

 

Ângela sentou no colo de Carolina e enlaçou seu pescoço, beijou sua testa e foi descendo pelo rosto até chegar em sua boca. Ali sem muita pretensão foi dando um selinho, outro mais demorado, até que Carolina não resistiu à sua paixão e a segurou pela nuca trazendo para mais perto, aumentando a intensidade daquele beijo, invadindo sua boca com sua língua sedenta. Ângela sentiu um pouco da tensão em Carolina se dissipar, e esse era seu intuito, provocar para que ela conseguisse relaxar.

Afastou-se e olhou a cardiologista no fundo de seus olhos, os castanhos estavam mais escuros, pareciam tristes e preocupados novamente, mas recebia muito amor através deles.

 

-- Agora me conta que encontro tão desastroso foi esse? Não foi comigo não né?

 

-- Não, claro que não, você sempre salva o meu dia! – Beijou seu ombro – Senta ali na cadeira.

 

            Ângela a beijou novamente e sentou na cadeira em frente à mesa de Carolina, ela começou a contar o que houve no estacionamento depois que Ângela saiu de seu carro, estava realmente preocupada com a aproximação de Lucia. A residente ficou com raiva da mulher que apareceu simplesmente para atormentar sua namorada, como se já não bastasse tudo que ela já havia feito contra Carolina, agora ainda iria ameaça-la?

 

-- Carol, essa mulher é louca? Quem ela pensa que é pra chegar assim, e falar com você desse jeito? – Levantou exasperada – Nós vamos na delegacia, fazer um B.O.

 

-- Ei, amor, calma. – Levantou também – Eu não tenho nada contra ela para ir na delegacia.

 

-- Ela te ameaçou. – Bateu com a mão na lateral do corpo – Isso não pode ficar assim!

 

-- Ela me insultou, mas não fez nada contra mim. – Suspirou derrotada – E outra, ela tem muito dinheiro, facilmente ela pode virar qualquer coisa que eu fizer com ela contra mim.

 

            Ângela andava em círculos dentro do pequeno consultório, não aceitava que qualquer uma chegasse até sua namorada e a fizesse sofrer novamente, prometeu para si mesma que não deixaria isso acontecer de novo.

 

-- Você não vai mais andar sozinha, ouviu?

 

-- Ih, vai me dar ordens agora? Doutora? – Aproximou-se sorrateiramente –

 

-- Vou, e vou trocar meus plantões para coincidirem com os seus. Assim eu nunca mais vou te deixar sozinha. – Sentiu o abraço de Carolina –

 

-- E o que mais? – Beijou seu pescoço – Eu estou gostando dessa história de não ficar sozinha.

 

            Ângela sentia seu sex* pulsar com os toques sensuais de Carolina, estava perdendo a razão, ali no seu local de trabalho, teria que ter um mínimo de lucidez para controlar seus impulsos de jogar Carolina sobre aquela mesa e toma-la ali mesmo.

 

-- Você vai pedir pra sua amiga dormir com você nas noites que eu não puder ficar no seu apartamento. – Dizia melosa –

 

            A excitação já dominava as duas, Carolina já estava perto de esquecer qualquer resquício de ética profissional e fazer amor com Ângela ali mesmo em seu consultório em cima de sua mesa. Os beijos intensificaram, as mãos percorriam seus corpos com mais violência, sem nem parar para respirar.

 

-- Carol, vim te buscar para ir pra casa!

 

            Izabel rompe a porta flagrando as duas mulheres quase sem fôlego, fazendo com elas voltassem ao seu estado normal.

 

 

-- Desculpa, gente, não sabia que você estava acompanhada.

 

-- Tudo bem, eu preciso ir pra emergência. – Ângela se recompunha – Eu te ligo mais tarde. – Deu um selinho –

 

 

-- Tudo bem, bom trabalho. – Segurava sua mão –

 

-- E você tenta descansar. – Beijou novamente –

 

 

            Carolina e Ângela se despediram e foram descarregar toda aquela energia em outras tarefas, uma começaria um plantão exaustivo durante a noite e a outra foi pra casa tentar pensar em como se livrar da presença de Lucia. Depois de um demorado banho frio, é claro!

Fim do capítulo