CapÃtulo 19 - Resoluções de Ano Novo
A festa da chegada do ano novo na casa de Helena sempre foi agitada. Essa seria a primeira vez que a festa não seria na morada em Higienópolis.
“Não, eu contratei um chef e dois garçons, e não dois chefs e um garçom, não faz o menor sentido!” Franciele brigava ao telefone.
“Mãe, estou indo buscar a Bel!” Helena avisa, saindo, sendo ignorada. Apesar de Isabel ainda se sentir um pouco desconfortável com Franciele, valeria a pena porque passaria a virada com sua namorada.
Quando ela chega, ainda do lado de fora do portão, também se depara com uma discussão.
“Nós vamos passar a virada na casa da irmã Maria, já está tudo combinado, a congregação inteira vai para lá, sempre foi assim, por que você quer mudar, Isabel?” O pai da garota encontra-se nervoso.
“Você pode ir, eu não estou impedindo! Só estou dizendo que eu e o Rafael vamos passar na casa da minha colega de classe!”
Helena, com medo de avisar sua chegada, continua aguardando do lado de fora.
“E que tanto você anda com essa colega de classe? Vocês já não se veem o bastante na faculdade?”
“Pai! É só um dia!” Isabel passa a mão em seu próprio rosto, como se isso a acalmasse.
“Mamãe, tia Helena está lá fora!” Rafael avisa e Isabel abre o portão.
“Estou interrompendo alguma coisa?” Helena pergunta antes de propriamente entrar na casa.
“Não é nada. Você pode ficar um pouco no quarto com o Rafa enquanto eu resolvo aqui com meu pai?” Isabel pede, e Helena atende prontamente.
“Então você vai mesmo? Todos esses anos nós fizemos a mesma coisa e você nunca reclamou, agora surge essa tal colega e você quer passar a virada de ano com ela?”
“Pai...” Isabel respira fundo. “Helena é minha namorada.”
O pai de Isabel segura sua respiração por alguns segundos, com o olhar abismado. Tenta se recompor. “Isso é alguma brincadeira de mau gosto?!”
“Não é, pai. Estou falando sério.” Isabel continua firme.
“Isabel, é bom que você esteja brincando, porque Deus me ajude se isso for verdade, Deus nos ajude se sua mãe souber disso, Isab-”
“É verdade sim, pai! E não me importo se falar para a mamãe porque é quem eu sou! Sei que já houve suspeitas antes e vocês trataram isso de forma horrível. Eu me lembro bem. Mas agora quero dizer que é sério, que os boatos que ouviram é verdade e eu não me importo mais.”
Seu pai fica em silêncio. Ele se senta e olha fixamente para Isabel. “Quer ir para sei lá onde, vá. Mas o Rafael fica.” Ele fala pausadamente.
“Rafael é meu filho! Ele vai para onde eu for!”
“Você por acaso toma conta dele? Por acaso você cuida dele? Quem foi que lhe acolheu e acolheu o menino quando era bebê? Ele vai ficar conosco sim!”
Isabel escuta a tudo calada. Ela não consegue contra argumentar. Por mais que ela fosse independente e se sustasse, ela se sentia culpada em deixar o filho com os avós para poder estudar.
“Pai, você não seria capaz de jogar tão baixo assim.” Isabel fala com os lábios trêmulos.
“Se é esse o estilo de vida que você quer levar, eu não vou permitir que meu neto faça parte disso.”
“Pai, ele é meu filho! MEU filho! Quem tem direitos sobre ele sou eu! Eu sei que vocês cuidam muito bem dele, mas quem toma a decisão final sou eu!” Isabel continua firme.
“Pois se ele for para essa festa com vocês, então você que arranje um jeito de cuidar dele o resto do ano.”
“O senhor vai abandonar a gente, pai? É isso?!”
“Você não disse que a decisão final é sua, não é? Que não posso ter direitos sobre o seu filho, então quem decide é você. Só espero que sua mãe não fique tão decepcionada quanto eu estou.”
Isabel não sabe o que fazer. Ela se retira e vai para o quarto onde estão seu filho e sua namorada. Helena, tendo escutado tudo, simplesmente acolhe Isabel em seus braços, que começa a chorar incessantemente.
“Não se preocupe. Fique com seus pais e o Rafa. A gente pode se ver amanhã. Se você for agora, não vai poder passar a virada com seu filho, e vocês só se veem nas férias.” Helena tenta acalmar a namorada. Rafael tenta abraçar as duas e Helena o pega no colo. “A tia Helena vai agora, mas amanhã a gente se encontra e eu compro uma caixa de chocolate para a gente comer juntos, okay, Rafa?” Ela tenta distrair o filho de Isabel.
O menino acena com a cabeça afirmativamente, apesar de estar um pouco confuso pela tristeza da mãe.
“Helena, não precisa ir. Eu tenho que encarar isso, ou eles sempre vão usar o Rafael como isca para me manter sob as rédeas deles.”
“Bel, seu pai ainda está assustado. Você precisa estar aqui para acalmar as coisas. Sua mãe ainda nem está a par do nosso namoro, vocês precisam ter uma longa conversa, e isso não vai acontecer se você estiver distante. “
“Para de ser tão compreensiva, eu não consigo me apaixonar mais do que já estou!” Isabel, em meio a lágrimas, dá um selinho em Helena, e Rafael esconde o rosto, rindo.
________//_________
Bruno e Lívia chegam no Hotel Fazenda e são surpreendidos por uma chuva que interrompe quaisquer planos de atividades no campo.
“Só porque eu já tinha agendado para andarmos a cavalo hoje à tarde.” Lívia se irrita quando chega no quarto.
“Tem outro jeito de você cavalgar...” Bruno brinca, todo faceiro.
“Bruno!” Lívia dá um leve tapa no braço do garoto. “Se bem que já que não temos nada a fazer...” Ela chama o rapaz e eles vão direto para a cama. Após um tempo se amassando, Lívia coloca a mão na região da virilha de Bruno, mas nada de sentir a famigerada protuberância. Ela estranhou um pouco, e começou a massageá-lo, por cima da calça mesmo. E nada. Lívia finalmente resolveu abrir o zíper do menino, saber o que estava acontecendo.
“Você está nervoso com alguma coisa?” Lívia finalmente pergunta, vendo que nada teve efeito.
“Eu não consegui me concentrar, fiquei pensando onde estava a camisinha...”
“Espera, você está broxado porque ao invés de pensar aqui no momento você estava pensando em camisinha?”
“Sim...” Bruno pigarreia. “Acho que esqueci de trazer...e agora? Você toma anticoncepcional?”
“Não tomo, meu ginecologista já tentou me passar pelo menos uns cinco tipos diferentes de anticoncepcional e todos me davam algum tipo de efeito colateral diferente. Fiquei de colocar o DIU quando voltassem as aulas.”
“Então como a gente vai fazer?”
Lívia hesita um pouco. “Isso vai parecer irresponsável, até porque tanto eu quanto você somos da área da saúde. Mas a gente pode utilizar aquela técnica antiga de tirar antes...”
“Coito interrompido? Quer arriscar mesmo?” Bruno pergunta, assustado.
Lívia, apesar da incerteza, decide arriscar. Após um tempo, Bruno finalmente consegue funcionar.
“Eu vou g-”
“Tira essa merd* pelo amor de todos os santos!” Lívia praticamente grita.
Bruno, no desespero, finalmente tira, mas um pouco de líquido pré ejaculatório fica na garota.
“Tirou a tempo?” Lívia pergunta, ainda ofegante, colocando o dedo em sua vulva para ver se sentia algo.
Bruno, voltando do banheiro, finge não ouvir.
“Estou perguntando se você tirou a tempo, Bruno! Está surdo?”
“Oi?” Ele utiliza sua própria camisa para secar o suor. “Ah, ficou um pouquinho de liquido lubrificante mas não foi nada demais.”
“O quê? Líquido seminal?!?” Lívia corre para o banheiro para se lavar. “Bruno, você está louco?!”
“Não engravida, relaxa.”
“Bruno, você não prestou atenção nas aulas de fisiologia?! O professor disse que engravida sim, seu doido!” Lívia desesperadamente lava suas partes íntimas, mesmo sabendo que não faz o menor efeito.
“Tudo bem, a gente sai agora e compra a pílula do dia seguinte.”
“Bruno, acorda, hoje é a última noite do ano, a gente está nesse fim de mundo, a farmácia 24 horas mais próxima deve ficar há pelo menos uma hora daqui!”
“Certo, oras, então a gente dirige uma hora até lá e depois volta, Lívia, não tem problema!”
“E passar a virada de ano no meio dessa rodovia esburacada?!”
“Lívia...” Bruno vai até o banheiro e segura a menina pelos ombros. “Se você está nervosa por esse problema e se a solução é essa, não vejo motivo para não o fazermos. A gente compra algumas coisas para comer na farmácia e comemos no caminho de volta, okay?”
Lívia se acalma um pouco. Mas no meio do caminho, volta a ficar preocupada.
“O que foi?” Bruno repara no silêncio abrupto de Lívia, que antes cantava alguns hip hops clássicos.
“Lembrei que já tomei a pílula mais de quatro vezes e isso reduz a probabilidade de eficácia...”
“Mas faz tempo?”
“Todas as vezes foram com o Thales. Faz um tempinho já.”
“Bom, estamos falando de probabilidades. Sempre há a porcentagem que dá certo, também, Liv. Sejamos otimistas.”
“Você fala isso porque não é você que carregaria por nove meses, né, Bruno?”
“Na pior das hipóteses, a gente pode dar um pulo na Argentina, lá é legalizado você-sabe-o-quê. Eu posso lhe levar de carro.”
“Bruno, aborto não é palavrão, você pode falar. E na Argentina ainda é crime. No Uruguai que é legalizado.”
“Então eu levo você no Uruguai, oras.”
“Eu sou pró escolha, mas não sei se faria... digo, não quero ser mãe agora. Nem pensar. Mas é algo pessoal e íntimo da minha parte. Não tenho argumentos racionais, até porque, racionalmente falando, sou a favor da escolha da mulher e se ela decidir abortar, há diversas razões médicas e científicas que a apoiam. Eu só não faria.”
“Uau. Acho que esse é o primeiro assunto no qual eu tenho uma visão mais liberal que você.” Bruno comete o grave erro de fazer esse tipo de comentário.
“E por que você acha que tem a visão mais liberal que eu?” Lívia arqueia uma sobrancelha.
“Eu disse isso porque eu sou a favor do aborto e você não, oras.”
Lívia respira fundo. “Em que momento eu disse que sou contra o aborto, Bruno? Primeiro, não é questão de ser contra ou a favor a prática. É questão de ser contra ou a favor da escolha da mulher. Eu sou completamente a favor da escolha. Se ela decidir abortar, que seja feito de forma segura e eficiente, por isso defendo a legalização, entendeu ou quer que eu desenhe?”
“Entendi. Desculpa.” Sem graça, Bruno resolve não prolongar o discurso.
_________//________
Já estava perto da meia-noite, e Helena resolveu ficar em seu quarto. Pegou alguns petiscos e resolveu comer enquanto escutava no som estéreo recém ganhado de sua mãe.
“Filha, tem como abaixar um pouquinho o volume? Alguns convidados reclamaram.” Franciele entra no quarto de Helena.
“Okay.” Helena desliga de uma vez e continua deitada.
“Aconteceu algo com a Isabel?”
“Os pais dela não aceitam a gente.”
“Quem são eles para não aceitarem minha filha?” Franciele se irrita. “Quer que eu fale com eles? Onde já se viu, uma menina de família boa, inteligente, com um futuro brilhante, quem são eles?!”
“Você também não aceita a Isabel, mãe. Mas eles não aceitam por outros motivos, eles não toleram a sexu*l*idade dela.”
“Filha, não é que eu não aceite, eu só fiquei preocupada com as diferenças entre vocês... mas não aceitar por preconceito já é demais!”
“Ainda existe muita gente assim, mãe.”
“Eu sei, filha, eu sei...” Franciele se deita ao lado da filha e beija sua testa. “Achei que as anfitriãs tinham sumido da festa!” Laura então também entra no quarto.
“Voltaremos depois, meu amor. Helena prefere ficar aqui se lamentando. A sogra dela é homofóbica.” Franciele explica.
“Ah! Por isso que a sua namorada não veio? Ela não sabia a respeito de vocês?”
“Na verdade foi o pai dela que brigou com ela. A mãe não estava lá quando estourou a discussão. Isabel ficou de me ligar quando terminasse a conversa com eles mas até agora nada, só caixa postal.”
“Você estava lá na hora da briga?” Laura se senta na beirada da cama.
“Sim. Escutei tudo. Ali eu entendi porque Isabel tinha tanto medo de contar para os pais.”
“E não há nada que podemos fazer para ajudar?” Laura pergunta.
“Queria que houvesse. Mas eu deixei Isabel lá para conversar com os pais.”
“Você deixou a menina enfrentando tudo sozinha?” Franciele não se conforma.
“O que eu podia fazer, mãe? O pai dela estava usando o filho dela para fazer chantagem, eu não podia me intrometer ali, eu só pioraria a situação.”
“Ela estava protegendo a namorada, Fran. Fez bem em ter saído, ou o pai dela poderia entender como uma afronta e as coisas só complicariam.” Laura complementa, enquanto tenta dar o máximo de apoio para a enteada.
________//________
“Meia-noite. Feliz ano novo...” Lívia fala para Bruno, já no caminho de volta para o Hotel Fazenda.
“Feliz ano novo. E boa sorte para nós.” Bruno responde, enquanto toma uma latinha de refrigerante.
“Deve ser efeito psicológico mas eu estou meio enjoada...”
“O carro está balançando bastante por causa dos buracos, e ouvi dizer que essa pílula pode dar náuseas como efeito colateral.” Bruno explica.
“E de onde saiu esse conhecimento sobre a pílula?”
“Quando eu ficava com a Jéssica, ela teve que tomar também. Quando eu ficava com ela, eu ainda era meio bruto e conservador, e achava que a pílula tinha efeito abortivo, tinha lido em um desses blogs da vida, sem embasamento algum. Lembro que foi uma longa briga.”
“Conservador...lembro dessa sua fase. Como eu lhe odiava. Além de tudo era malandro, porque para o sex* antes do casamento você não se preocupava em se conservar nem um pouco né?” Lívia ri.
“A doce hipocrisia do tradicionalismo.” Bruno entra na brincadeira. “Liv, assim, caso aconteça mesmo, digo, caso você esteja grávida, como vai ser?”
“Como assim como vai ser? Se eu estiver eu já disse que não vou abortar, ué.”
“Não, não foi isso que eu quis dizer. Eu disse que se for isso mesmo, se você estiver grávida, como a gente fica? Digo, a gente continua, a gente casa...?”
“Casar?” Lívia solta uma gargalhada. “Calma cara, isso não é 1950 não. A gente pode continuar se pegando tranquilamente, oras. A diferença é que a gente vai ter um bebê.”
“Mas como a gente iria cuidar? A gente não trabalha, estuda o dia inteiro...”
“Provavelmente eu deixaria com meus pais. Minha mãe vive falando que queria adotar um bebê, que sente falta de quando eu e meu irmão éramos crianças, ela já até brincou uma vez pedindo para eu engravidar logo para ter um neném para cuidar.” Lívia brinca, apesar de, no fundo, estar preocupada.
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Quando o telefone de Helena toca, ela não hesita em atender. Isabel já parecia mais calma.
“E como foi a conversa? Você não deu notícias, Bel, eu estava preocupada!”
“Está tudo bem agora, pelo menos na medida do possível. Não fomos na irmã Maria, passamos a virada aqui. Aé, feliz ano novo meu amor...”
“Feliz ano novo! Mas me diga, o que vocês conversaram? Como ficaram as coisas?”
“Bem, eles não aceitam de jeito nenhum. Mas disseram que, se forem continuar cuidando do Rafael enquanto eu estudo, eles vão educá-lo da maneira que acham certo e vão ensinar que isso é errado.”
“Eles não podem fazer isso, Bel!”
“Eu sei que não podem, mas eles são minha única alternativa enquanto eu estudo fora, Lena. Eu concordei com os termos deles, mas eu confio no Rafa. Consegui conversar e explicar tudo e ele parece ter entendido.”
“Rafa é um garoto inteligente para caramba. Ele não vai ser convencido por discursos preconceituosos, tenho certeza.” Helena se sente mais aliviada ao ficar a par da situação.
Fim do capítulo
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rhina
Em: 25/08/2020
Isabel assumir em frente ao pai que Helena é sua namorada neste momento me surpreendeu.
Como seus pais que cuida e fica com Rafael realmente é uma situação intensa e sem muitas saídas pois ela estuda longe e durante o dia todo.
Até que surgiu uma saida meia torta mas já alguma coisa.
Eu não acredito..... Não acredito mesmo que Lívia vai ser mãe.....
Agora que tudo foi engraçado foi.
E muito interessante o jeito que os dois lidou com a situação. Clareza..... Diálogo....maturidade.....serenidade.
Rhina
Resposta do autor:
Parece que a personagem Helena não é a unica que fica se colocando em situações de encruzilhada...as co-protagonistas enfrentam seus proprios dilemas da mesma forma! ahuahuhahahuha não posso mais falar muita coisa pois o desembaraçar disso já está no capítulo seguinte, se não me engano, mas é isto kkkkkk
beijão!
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