Patrícia

Às vezes acho que não nasci para ser feliz. Tudo estava lindo, Lorenza era tudo aquilo o que sonhei, eu tinha conquistado amigos novos, minhas avós estavam felizes... Mas de repente eu senti como se uma bigorna, igual aquelas de desenho animado, caísse em cima de mim me esmagando... Ficando apenas um tapetinho de Paty no asfalto.

A família do Júnior, Ramiro com os pais, minhas avós e a minha namorada estávamos em um clima descontraído numa mesa bebericando e comendo besteiras. Júnior e Lorenza foram ao banheiro e Mário brincou dizendo que nunca entendeu porque as mulheres precisam ir ao banheiro juntas. Júnior, já bem embriagado, disse que ele precisava que Lô visse se o absorvente dele não estava marcando na bunda. Todos na mesa gargalharam!

Passaram-se alguns minutos quando vi minha avó segurar a mão da tia Zefa e falar algo no seu ouvido. Tia Zefa tinha uma expressão horrível como se quisesse matar alguém. Quando segui seu olhar vi meus pais vindo junto com, nada mais nada menos, que Maurício.

— Oi, mamãe. Zefa... – Dona Maria Luiza sempre arrogante. — Patrícia, e seus modos? Não vai vir beijar seus pais e seu marido?

— Ex-marido – Vovó falou secamente.

— É o que veremos – Mamãe retrucou. Todos na mesa acompanhavam o desenrolar da conversa com uma expressão séria. Maurício tinha cara de enfado. Tremendo, me aproximei e beijei meus pais. Meu ex-marido se aproximou e me deu um beijo no rosto, porque virei na hora senão seria direto na boca.

— Paty, a gente precisa conversar.

— Não temos nada para conversar. Meu advogado já enviou tudo o que você precisava saber.

— Patrícia, vem comigo. Você não acha que me deve isso?

— Ela não vai a lugar nenhum. – Zefa se levantou furiosa. Mário se pôs ao seu lado também com cara feia.

— Quem você pensa que é para dizer o que a minha esposa faz ou não? – Maurício estava brincando com fogo e não sabia disso.

— Eu vou ser quem vai pegar essa minhoquinha que tu chama de pinto, cortar e dar pros porcos comer... Se bem que é capaz deles tudo morrer envenenado... – Maurício tentou retrucar e eu interrompi.

— Deixa tia, eu preciso conversar com ele. – Falei olhando as duas mulheres mais velhas que eu tanto amava.

— Vão conversar, mas fique ali na cerca – Maurício tentou falar algo, mas vovó com toda sua imponência apenas levantou a sobrancelha. — Senão a Paty fica aqui.

Carolina

Eu olhava a felicidade da minha Patyta e pensava se não teria sido melhor eu me impor mais quando ela era criança. Lógico que eu notava que ela não era feliz com a mãe e o pai molenga, porque aquele ali, puta que pariu, não tem voz pra nada. Mas sempre fui da premissa de que criança deve ficar com a mãe. Pela Zefa nós tínhamos ido e buscado a menina assim que notei que ela começou a ficar retraída.

Observado Lorenza, vi o cuidado, o carinho, o amor em cada gesto dela para com minha neta, muito diferente do bonequinho de cera. Tenho a absoluta certeza de que Lorenza a fará muito feliz, e se Paty puxou a avó... Quando se soltar... Lorenza vai comer na mão dela. Assim como a minha Maria José... Me viro e Zefa tá rindo de alguma piada. Coloco minha mão na sua coxa bem próxima a virilha e começo a arrastar as minhas unhas por ali. Ela dá um pulo e fica vermelha na hora.

Eu ia fazer pior e encher a mão naquela bucet* quando olhei para frente e vi o Trio Ternura dos Infernos vindo em nossa direção. Segurei firme a mão da Zefa porque sabia que ela poderia partir pra cima do “canelinha de quero-quero”. É impressionante como esse rapaz exercita os braços e as pernas não. Chega a dar dó da finura das pobres.

Vendo o desenrolar da “conversa”, eu fico pensando onde foi que eu errei com essa menina. Maria Luiza era tão mimosa quando pequena, mas na adolescência virou um “demônio”. Tanto que foi morar com os avós paternos, me procurando apenas para pedir dinheiro. E acho que aí foi o meu maior erro, deixa-la ir morar com aqueles lá, que só pensavam em bens materiais.

— Mário, vai lá e fica mais perto, por favor. – Pedi ao meu amigo. Tinha medo do que poderia acontecer.

— Pode deixar, Carolina – O delegado ficou a alguns metros de distância dos dois.

— Eu vim aqui acabar com essa palhaçada. Onde já se viu uma mulher ficar longe do marido – Maria Luiza cagava pela boca, como sempre.

— Maria Luiza, pare de falar besteira – Disse com os olhos fixos na minha neta.

— Malu, mamãe... Eu já disse que prefiro MALU!

— Tanto faz...

 — E você saiba que o Maurício falou que Paty vai voltar por bem ou por mal.

— Como é que é? Eu ouvi direito? – Zefa estava vermelha de raiva. — Você está apoiando aquele lá que abusou, agrediu e estuprou a sua filha?

— Tudo mentira. Paty sempre inventa ou aumenta as coisas. Desde criança ela é desse jeito...

Eu ia falar umas poucas e boas para a minha filha, mas vi Lorenza se aproximando do Mário e levantei correndo para encontrá-la antes que a merd* acontecesse.

Patrícia

Eu tremia de raiva e medo. Olhando para meu ex-marido eu ainda não conseguia entender como eu havia me relacionado com ele. Uma pessoa que sempre buscou fama e dinheiro, nunca se importando com nada e ninguém, só pensando nele mesmo.

— Fala o que você quer, Maurício... – Disse com voz cansada.

— Quero que pare de ser mimada e volte pra casa que é o seu lugar. – ele falava perto demais e eu dei um passo para traz.

— A minha vida agora é aqui. Você não recebeu os papeis do divórcio?

— Aquilo lá? Queimei aquela porr* toda! – Ele segura meu braço com força e eu tinha certeza que ficaria roxo. — Patrícia não faz eu perder a paciência com você... Depois não reclama!

— Vai me bater aqui na frente de todo mundo, Maurício? – Falei com a voz trêmula, mas o enfrentando. Ele olhou para os lados, se dando conta de onde estava, e viu Mário de braços fechados em pé no pátio nos olhando. Soltando o meu braço, ele sorriu com escárnio.

— Aqui não. Mas se você não for comigo, vai ser pior para você depois, você sabe disso...

— Maurício, vai embora... – Me abracei cansada. — Fica com tudo, a minha parte da clínica, o apartamento... Refaz a tua vida... Eu refiz a minha aqui...

— Refez? Então é verdade, Patrícia, você tá me traindo! Eu vi as fotos, mas achei que não era importante. – Eu já tinha visto aquele olhar várias vezes, e fiquei com medo. Ele já estava descontrolado. — Aquele lá tá te comendo, sua puta? Responde!

— Cunhaaaa... – PUTA MERDA o Júnior chega e consegue estar mais alcoolizado que antes, deve ter ido beber mais. Ele para ao meu lado e olha com cara engraçada para o Maurício de cima a baixo. — Quem é a mona de academia? Migo, tem que treinar as pernas...

— Olha aqui, mano, ´cê tá pensando que vai fuder com a mulher dos outros e ficar assim, ´cê tá enganado. – Maurício agarrou covardemente Júnior pelo colarinho e desferiu um soco no seu olho, na mesma hora abrindo um chafariz de sangue no supercílio. Júnior anestesiado ria e gritava “OBAAA! MMA!”. Atirei-ma na frente dele para que não apanhasse mais e ele, mesmo alterado pelo álcool, me segurou delicadamente. Maurício agarrou meu braço com força o torcendo, juro que ouvi um estalo, e me jogou no chão... Quando bati a cabeça em algo duro não vi mais nada.

Lorenza

— Então eu vou te contar... – Mário é interrompido por Carolina.

— Deixa que eu conto, meu filho... – Carolina chegou com o semblante tenso. — Lorenza, vamos sentar. – Nos afastamos um pouco ficando próximos a umas mesas vazias, mas com uma boa visão de onde Patrícia estava. Não quis me sentar.

— O que foi, Carolina? O que tá acontecendo?

— Eu preciso te contar umas coisas, pra você entender o porquê de Paty ter se mudado para cá. – Ela estava tensa, apertando uma mão na outra.

Eu sabia que boa coisa não viria e chegava a ter medo do que sairia dos lábios da mulher mais velha. No entanto, nada me preparou para o que ouviria a seguir. Em breves palavras, Carolina me relatou sobre a relação da Paty com a sua mãe. Eu podia ver uma menininha gordinha de grandes olhos azuis sendo humilhada por aquela mulher horrorosa que eu via discutindo com uma Zefa embriagada. O que eu mais queria era que o tempo voltasse e eu pudesse pegar a pequena Paty no colo e falar que ela é linda do jeito que for, e quando crescer ela poderá ser o que ela quiser! Senti uma lágrima escorrer no meu olho e a sequei ligeiro.

E a angústia ficou pior quando ela começa a falar do relacionamento abusivo que a minha Paty tinha com o bonequinho de cera ali. Eu não percebi o quanto estava tensa até que sinto minhas unhas rasgarem a palma da minha mão tanto que eu apertava o punho.

Cara, a minha Oncinha... A minha Chiliquenta sendo humilhada, sendo diminuída, sendo abusada psicologicamente e agredida fisicamente por aquela figura ridícula ali? Aquele frango? Eu não podia acreditar. E o pior é que a mãe e o pai DELA não faziam nada.

Um animal surgiu dentro de mim, eu estava me sentindo enjaulada, simplesmente enlouquecida! Minha respiração estava acelerada, meu coração dava coices dentro do meu peito... Tudo que eu mais queria era mostrar para aquele desgraçado que em mulher não se bate, ainda mais na minha Paty, tão pequenina e indefesa, minha namorada... Minha mulher... Meu amor.

Meus músculos todos doíam devido à tensão em que eu me encontrava... Ela falava e eu tinha vontade de voar para cima daquele babaca e bater tanto naquela cara, mas tanto... Que teriam que fazer umas 20 plásticas para voltar a ter esse rostinho de boiola. Quando ele segurou no braço dela eu quase corri na sua direção, mas o vi logo em seguida soltá-la.

— Calma! Calma, Lorenza! – Sinto a mão de Carolina no meu ombro. — Se você não se comportar eu não posso te contar tudo – Ela me diz.

— Lô, por favor, não faça nada. Senão ao invés de prender ele terei que enjaular você. – Completou Mário se aproximando mais de onde estávamos.

— Conte – Falei olhando para Carolina, trinquei o maxilar e pressenti que eu não iria gostar do que viria a seguir.

Meus olhos agora estavam na Paty, minha Paty, minha Oncinha, meu amor... Eu prestava atenção no que Carolina começava a falar tentando segurar as lágrimas.

— A gota d’água que fez ela fugir pra cá... – A olhei sem entender.

— Como assim fugida? Carolina, pelo amor de Deus, não me fala que ele tentou matar ela? Coloquei as mãos na cabeça, olhando nos olhos de Carolina que agora chorava livremente.

Ela falou das surras, espancamentos e, por fim como quem tira um bandaid preso numa ferida seca... Ela falou de sopetão...

— Ela fugiu pra cá porque ele a estuprou... – Ela disse colocando as mãos no rosto. — Ele estuprou o meu bebê, Lorenza...

A dor que eu senti ao ouvir aquilo me fez perder totalmente a razão. O animal dentro de mim rompeu o meu peito e eu me tornei o próprio animal. Senti meu coração latejar, não vi mais nada... Não me importei com mais nada...

— Eu vou acabar com a raça desse frango... – Disse já saindo como um touro em direção a Patrícia.

— Não, Lorenza... – Mario se pôs na minha frente ao mesmo tempo em que ouvimos uma gritaria... Quando olhamos novamente, Júnior estava sendo agredido por aquele filho de uma puta. Corremos todos em direção a eles, mas não a tempo de impedir que aquele animal torcesse o braço da Paty...

        — Tira essas mãos de cima dela, seu filho de uma puta – Eu gritei e ele a jogou no chão ao mesmo tempo em que lhe dei uma voadora no seu peito. O babaca caiu de costas levando alguns segundos para se situar do que tinha acontecido. Me abaixei para ver como Paty estava e tentei levanta-la. Ela estava desmaiada e eu fiquei completamente fora do ar, eu não via mais nada, não ouvia mais nada, tudo ao meu redor desapareceu, eu só via ela, ali no chão desacordada...

        — Coração, acorda... Paty... Olha pra mim... – Eu chorava desesperada, ela tava toda molinha e muito pálida.

— Lorenza, cuida... – Gritou Mário tentando me avisar, mas senti um chute em minhas costas. Maurício veio para cima de mim, assim que eu cai no chão.

— Ela é minha mulher! Não se mete, sua sapatão dos infernos! – Tentou chutar minhas costelas, mas consegui me desviar fazendo com que ele se desequilibrasse. Me levantei em um salto e o imbecil partiu para cima de mim novamente, desobedecendo as ordens de Mário que já apontava a sua arma. O parei com um chute certeiro em seu joelho, dobrando-o para trás. O babaca deu um urro de dor caindo para trás. Onde, eu nem vi. Minha atenção já estava novamente na Paty que estava sendo amparada pela avó...

— Sua vagabunda, você quebrou meu joelho! – Disse entre gritos de dor. Me ajoelhei junto a Carolina e vi que Patrícia já recobrava a consciência.

— Sua... Sua brutamontes! – Disse a mãe de Paty que passou pela filha caída no chão, indo acudir o franguinho. Tem gente que não nasceu pra ser mãe mesmo. — Isso não vai ficar assim!

            — Não vai mesmo! – Disse Mário se pondo ao lado de Maurício. O circo estava formado. Zefa estava sendo contida por três homens. Júnior sendo “cuidado” por duas mulheres... E vários curiosos em volta. – Sr. Maurício, o senhor está preso, e tem o direito de ficar calado e falar somente na presença do seu advogado.

— Mas foi ela que quebrou o joelho dele! – A mulher que estava ajudando o Frango a se levantar disse quase gritando para Mário, que simplesmente a ignorou. — Quem essa mulher macho escrota acha que é? – Vociferou.

— Eu sou a namorada da Patrícia. – A encarei, séria. Eu estava ajoelhada ao lado de Paty que já tinha recobrado a consciência. Ela tenta se sentar com a ajuda da Carolina, mas gem* e não consegue. Decidi ignorar qualquer outra coisa no momento e cuidar da pessoa mais importante no mundo para mim.

Paty chorava de olhos fechados e gemia de dor segurando o braço. Quando eu a toquei ela se esquivou e meu coração se contraiu ao vê-la tão desprotegida.

— Calma, Oncinha, sou eu. – Toquei seus cabelos — Você tá segura agora. – Disse a pegando no colo com cuidado e ela gritou de dor por causa do braço. Mas ao mesmo tempo ela se grudou a mim, como se quisesse se fundir no meu corpo. — Eu tô aqui, coração – Carolina me acompanhava e eu fui em direção à caminhonete. Ela precisava urgente de atendimento médico, precisava tirá-la do meio daquela confusão. – Ninguém nunca mais vai te fazer mal, nunca mais meu amor, eu não vou deixar. – Eu dizia em seu ouvido... Senti minha camisa molhada das lágrimas desesperadas dela, aquilo cortou meu coração. Minhas lágrimas silenciosas se juntavam as dela e eu tinha certeza que cumpriria minha promessa, nem que para isso teria que matar ou morrer.

            — Calma, eu tô aqui. Tá tudo bem agora... — A senti desfalecer em meus braços... Carolina já tinha aberto a porta do passageiro.

            — Carolina, ela desmaiou... – Gritei para a mais velha apressada. — Segura ela por trás... — Já dentro da caminhonete a coloquei deitada no banco do passageiro e Carolina a enlaçou firmando sua cabeça.  Eu chorava enquanto a prendia no cinto de segurança...

              Assim que a prendi escutei um grito e aquela mulher odiosa me puxando pela camisa, tentando me afastar de perto da Paty.

          — Sai de perto dela, suas doentes! Vocês contaminaram a minha filha com essa moda de ser lésbica! – Me soltei com um solavanco, que a fez se desequilibrar e cair de bunda no chão, eu não tinha tempo para essa louca agora... A minha pequena precisava de mim. Corri para porta do motorista, e praticamente voei para o hospital.

Fim do capítulo