Luiza 

Angústia e medo me sufocavam e eu não conseguia mais chorar. Até que veio o alívio assim que vimos o corpo que fora encontrado em uma ilha próxima. Não era a minha Ju, o meu amor, a minha alma gêmea. Ela estava viva. A menina que ali jazia inerte era completamente diferente e, segundo os policiais, poderia ser uma turista que desapareceu enquanto se banhava em uma das praias.

Ainda de mãos dadas, nós três saímos do pequeno prédio do IML da cidade litorânea em que estávamos. Nanda nos puxou para um abraço e não sei quanto tempo ficamos ali. As pessoas passavam e não conseguiam disfarçar a curiosidade. Até porque não é todo dia que você passa por três mulheres abraçadas, e sem modéstia, lindas! Nanda no meio, daquele jeito dela fucking sou pica das galáxias, toda tatuada com seus inseparáveis óculos de aviador, Clarinha maravilhosa daquele jeito dela, com aquela bunda que Deus olhou pra baixo e disse “Ela Merece”, e eu também não sou de se jogar fora. Fora Jake e outros seguranças parados, nada discretamente ao nosso lado, o que faz com que muitas pessoas me reconheçam.

— Lu e Clarinha, vocês me ouçam agora e não perguntem o porquê. Façam tudo o que eu disser. – ela fala e beija nossas testas. – Vocês duas irão direto para casa, não vão voltar para o resort. Jake e os meninos vão levar vocês.

— Mas... – tentei argumentar e dizer que as minhas coisas estavam lá e que eu não ficaria longe da AnaLu.

— Lu, caralh*, escuta! Eu preciso saber que vocês estão bem e em segurança! Por favor! Carlão tá nesse momento organizando a saída dos nossos pais, filhos e amigos.

— Nanda, mas eu prometi para a Cris que eu iria...

—  Eu quero você longe do mundo por agora.

— Mas Nanda você sabe como ela precisa da gente. Desde que a mãe morreu ano passado ela não é mais a mesma!

— Luiza, puta que pariu! Vamos fazer o que a Nanda disse! Algum motivo ela deve ter!

Nanda

Fechei a porta do carro e fiquei vendo as mulheres da minha vida irem embora. Agora que elas e minha família estão em segurança eu fico mais tranquila em fazer o que mais sei. Quando encontramos a Luiza eu tive certeza que algo estava muito errado.

A minha filha não iria sair para nadar com a Luiza dormindo daquele jeito, ou melhor, desacordada. Porque Luiza estava completamente sedada! Eu só vi a minha amiga naquele estado quando ela teve a reação ao medicamento que a minha sogra prescreveu. Lu tinha tipo uma alergia, anafilaxia... não sei..., mas pelo que eu entendi a dose normal faz nela um efeito muito maior que o esperado.

Estava muito claro para mim que haviam colocado algo na bebida delas, mas quem? A minha principal suspeita era a Cris. Luiza e Clarinha não querem admitir, mas depois da morte da mãe a Cris tá muito estranha. E tenho a certeza que a obsessão dela pela Lu só ficou pior.

— Nanda, tudo limpo como você pediu. – Carlão me avisa pelo celular. – Fico aqui?

— Fica e me espera. Não a perca de vista que já estou chegando.

Entrei no carro que estava me esperando e cumprimentei meus homens. Assim que a minha filha desapareceu acionei os melhores da minha equipe. Fomos em silêncio até o heliporto e fiquei pensando em como eu iria confrontar a Cris. Qual a abordagem? Se ela está tão perturbada como parece não adianta ameaças. Eu tenho que usar empatia... fazer ela ficar com pena de mim, usar os anos de amizade...

Já na ilha Carlão me esperava e me pôs a par das últimas informações. Todos estavam seguros e Cris se encontrava no escritório. As buscas estavam sendo feitas com helicópteros e barcos em um raio de 10 km que seria aumentado se não a encontrássemos.

            Dentro do imponente escritório Cris estava sentada na cadeira falando com um vaso de planta que ficava na parede. “Puta que pariu, tá discutindo com a pobre planta!”. UMA PLANTA! Caralh*! Cris tá mais louca que Darth Vader com asma! Ela tá chamando urubu de meu loiro! Se cair no chão sai pastando! Eu não sei como a Clarinha e a Lu não repararam, mas a nossa amiga tá vendo gnomos pelos cantos!

— Cris... – cheguei perto e a abracei. – Nada ainda, estamos desesperadas...

— Calma, Nanda, vocês vão encontrar a nossa pequena! – ela falava com tanta sinceridade que eu quase acreditei.

— Cris... eu preciso da tua ajuda! Eu tenho medo do que pode acontecer com a Clarinha... com a Lu... caso algo tenha acontecido com a AnaLu... Você não tem nenhuma ideia de quem possa nos ajudar? Alguém talvez tenha levado AnaLu para um passeio, sabe como são essas meninas de hoje...

— Sei, Nanda, umas cabeças ocas! A gente não era assim, né? Bem, eu não... Clarinha foi por um tempo e não falava mais comigo... mas você continuou, eu lembro...

— Isso, Cris, eu continuei e sempre vou continuar... você é minha amiga...

— CALA A BOCA! – dei um pulo e ela se levantou. – Desculpa, é que mamãe fica falando... Cala a boca... – novamente ela falava com a planta. FUDEU, FUDEU, FUDEU! CARALHO, o que eu faço!? Ela acha que a planta é a homofóbica da mãe morta! Caralh*, meu DEUS!

— Cris, lembra quando o Vitor e a galera dele te tratava mal? Eu cuidava de você, né?

— Você sempre cuidava de mim... lembra mamãe? Eu falava para você que a Nanda me ajudou, mas então você a conheceu e me proibiu de falar com ela... CALA A BOCA! EU NÃO QUERO SABER DISSO! – Puta que pariu, não estava dando certo.

— Dona Vera, a senhora por favor não se meta no assunto! Preciso falar com a Cris. – me dirigi a planta. – Cris, pensa por favor. – me ajoelhei na sua frente. – Quem sabe alguém que você conhece poderia fazer algum mal a minha filha... você sabe de alguém? –

Ela olhou para a planta. – Eu acho que sim... – ela disse sussurrando apontando para a dona Vera, quer dizer a planta.

— Você saberia quem ela... – apontei para a planta e quase a vi fazendo cara feia, acho que to ficando maluca também. -  ...poderia ter contratado para… você sabe, né?

— Peraí... – ela começa a procurar um bloco de notas, vasculha as gavetas e não acha, até que tira do bolso a carteira e pega uma nota de 100 reais rasgando e anotando um número de celular. - ... não diz pra ela que eu te dei o número dele... – ela sussurrou enquanto me entregava a metade da nota com um número rabiscado. - ... era um faz tudo aqui na ilha... xiuu...

— Tá, Cris... xiuu – concordei sussurrando.

AnaLu

*N/A: Bemvinda ao mundo fantástico de AnaLu. O que estiver em negrito é narrador.

“Nessa edição de Largados e Pelados uma mulher, linda, gostosa, morena e tudibom, é largada pelada numa ilha deserta com apenas uma faca de serrinha. Será que ela conseguirá sobreviver Largada e Pelada. (corte para AnaLu falando diretamente para uma câmera com uma voz parecendo dublagem).

DIA 1

— Hoje foi um dia bom, consegui fazer fogo para aquecer a minha parceira que parece que está com muito frio. (a câmera mostra a boneca sem cabeça deitada numa cama feita com folhas de coqueiros.) Eu chego a me emocionar pensando em tudo o que ela sofreu pra chegar até aqui. (AnaLu olha ao longe e finge que seca lágrimas) Mas eu vou cuidar da Bete Sem Cabeça como se fosse alguém da minha família, cara, não deixarei faltar nada.

DIA 5

Um dos grandes perigos nos trópicos é a insolação e uma fonte de água potável se faz necessária. O corpo perde cerca de 37,5 na raiz quadrada de Pi de líquidos nessa temperatura e a hidratação é importante. Sinais clínicos como tontura, dor de cabeça e vômito são um alerta e casos de desidratação grave podem levar a morte. (a câmera mostra AnaLu ajudando Bete Sem Cabeça enquanto essa “vomitava”)

— Ela tá muito tonta e tudo que ingere ela vomita... se bem que... é estranho porque ela... bem, não tem boca (AnaLu faz uma cara de pensativa para a câmera). Na verdade, ela não tem cabeça... (Bete Sem Cabeça aparece deitada de lado com a bundinha tapada com um paninho).

(AnaLu aparece deitada no chão. Já é noite e o fogo queima. Bete Sem Cabeça ainda deitada na cama. O abrigo está bem construído, tem umas flores plantadas ao redor)

— Hoje foi um bom dia. Amanhã eu vou procurar proteína para mim e para a minha parceira. (ela olha para Bete). Eu tento ser forte por nós duas, mas ela pelo menos poderia buscar lenha... uns gravetos... podia usar o buraco que fica acima do seu tronco para isso, faria menos viagens... Não me entenda mal... não tô reclamando. Longe disso

DIA 16

(AnaLu está pescando com uma lança. Fica em cima de uma pedra por longos minutos até que consegue pegar um peixe. Ela está usando uma canga que achou.)

— Hoje está sendo um bom dia. (AnaLu sorri para a câmera). Consegui proteína para mim e para a minha companheira. Ontem comemos apenas coco e mariscos (Imagens mostram ela e Bete sentadas ao redor da fogueira comendo coco e mariscos. Bete tem ao redor do “pescoço” um colar de flores).

DIA 20

(AnaLu e Bete estão frente a frente jogando damas com um tabuleiro improvisado e com tampinhas de garrafa)

— Hoje está sendo um bom dia. Bete está muito bem-humorada! Acho que é porque ela ganhou algumas partidas no jogo. Eu fico imaginando... onde será que tá o cérebro dela... se ela não tem cabeça.

DIA 25

(AnaLu está falando séria para a câmera)

          — Ela reclama o tempo todo. Essa água tá com gosto de areia! Não quero peixe, sou vegana! PUTA QUE PARIU! Você é vegana mas tem que sobreviver! (fala irritada). Ela só fica lá deitada o tempo todo e quando fala é para reclamar!

(A câmera mostra Bete Sem Cabeça e AnaLu tendo uma DR, as duas sentadas no abrigo)

         — O problema é a sua atitude... você tem que ter uma atitude mais otimista (close na Bete). Entendo que você é uma cabeça vazia... mas isso não é desculpa! Eu tô aqui me fudendo... trabalhando por nós duas e tudo o que eu ganho são reclamações... eu tô querendo desistir, cara, tá difícil... tá... tá bom... tá bom aceito as tuas desculpas (Em um momento emocionante AnaLu abraça Bete Sem Cabeça e as duas fazem as pazes).

        — PORRA, ANA LUIZA! A GENTE TÁ MORRENDO DE PREOCUPAÇÃO TE PROCURANDO FEITO LOUCA HÁ UM DIA E VOCÊ AQUI BRINCANDO DE BONECA?

Fim do capítulo