AnaLu

O sol queimava o meu corpo e eu sentia um gosto horrível na minha boca. Sem abrir os olhos senti que o colchão estava mais duro do que eu me lembrava na noite anterior. Será que a gente voltou para o deck superior? Eu lembro de ter descido com a Lu para dormir no quarto, depois de comê-la novamente na cabine do capitão. Tomamos o Champagne que estava no quarto e dormimos.

Abro os olhos e vejo areia. PUTA QUE PARIU. Me levanto meio zonza e vejo que ainda estou nua. Olho ao meu redor e tudo que existe são coqueiros, mar e mais areias. AI CARALHO, SERÁ QUE ME INSCREVI PRO LARGADOS E PELADOS E NÃO ME LEMBRO?

Ai... MEU... DEUS! Como eu vim parar aqui? Pelada? Onde tá a Lu? Será que ela tá machucada? Eu não sinto dor nenhuma, acho que tô bem, mas sabe que às vezes as pessoas acham que tão bem e BAM morrem de uma hora pra outra, o seu Adamastor, marido da dona Nicéia lá da banca do Zé da Adélia morreu assim. E se eu tiver a doença do Adamastor? Ele morreu de doença, ou foi atropelado? Agora não lembro mais. Só sei que foi de uma hora pra outra, mas dona Níceia já tá toda... toda... na comunidade no baile “Balança Teta” que tem todo Sábado pra galera da Terceira Idade, ou como dizem agora, Melhor Idade. Voinha diz que é melhor idade pra quem não tem doença como ela, porque tem um monte de gente que tá cheio de doença por ai; é uma judiaria ver os velhinhos jogados nos asilos... tenho que me lembrar de fazer a visita ao asilo que eu sempre vou tocar violão pra galerinha lá, umas “guarânias” uns sertanejos, elas ficam felizes da vida é lindo de ver o sorriso no rosto mesmo daqueles mais doentes... será que seu Adamastor iria para um asilo com a doença que ele tinha? Ou ele foi atropelado?

Tropecei num coco e meu dedinho doeu. Dei um grito. Ok, Ana Luiza. Foco. Foco. Foco. Vou até a sombra de alguns coqueiros e me sento em posição de meditação como Mainha nos ensinou desde crianças. Iniciei os exercícios de respiração... Não sei quanto tempo se passou, mas consegui esvaziar a minha mente. Ok.

Determinada eu fico em pé e agora olho ao meu redor com outros olhos.  Pensando mais claramente a última coisa que lembro foi ter bebido Champagne que havia ao lado da cama junto com a Lu. Preciso descobrir onde eu estou? Olho para o céu e pelo sol acredito que sejam umas 8 ou 9 da manhã.

Mainha sempre diz que numa situação dessa o principal é vasculhar o perímetro, procurar saber onde você está e se há perigo. Ainda tenho um pouco de esperança que eu esteja na ilha da cabelo de saco do diabo e Jorge e os meninos me trolaram. Só que no fundo eu sinto que a coisa é mais complicada.

Vou até a água e começo a caminhar dando graças aos deuses das horas ao ar livre que eu passo, então a minha pele já está acostumada. Mesmo assim, preciso cuidar com o sol. Caso realmente esteja em um lugar isolado a primeira necessidade é encontrar água. Não quero ter que beber a minha urina como o cara maluco da TV. “Ó MEU DEUS terei que beber minha própria urina”, aí do lado um riacho. Esses programas são tudo fake. Mainha trabalhou como consultora de um quando nós éramos criança e sei que mamãe não curtia muito porque era com celebridades, e aparecia cada gostosa... FOCO ANALU.

Caminhei cerca de uma hora e notei duas coisas: Tô fudida, porque estou numa ilha deserta que não tem nada, mas não vou morrer porque tem uma nascente que forma um pequeno lago que desemboca no mar. Só espero que a água não seja salobra, e que não tenha tanto sal.

Volto até a parte onde eu avistei o lago e entro um pouco na mata. Meus pés começaram a doer por causa dos espinhos que haviam. Durante a minha caminhada coletei algumas coisas: corda de pescador, tampa de garrafa plástica, garrafas plásticas vazias...

É uma tristeza ver como todo esse lixo chega aqui nesse lugar paradisíaco, mas eu vou usar o que eu puder para me manter viva. Mainha desde cedo levou a mim e a meus irmãos para seus cursos de sobrevivência e por isso eu tenho certeza que vou me sair bem.

Chego até uma parte onde o lago fica mais fundo e provo a água. Doce. Não se deve fazer isso, porque pode haver fezes de animais e bactérias, mas naquele momento eu não tinha como ferver a água.

Me sentindo melhor por estar hidratada eu enchi as garrafas de água. Depois me encaminhei para a praia onde seria mais fácil me achar. Agora eu preciso de um abrigo e fogo para uma fogueira para fazer fumaça para me encontrarem. Acho um local em baixo de vários coqueiros e um cajueiro. “Pena que não tá na época, senão eu poderia comer o fruto.” Ali seria meu abrigo. Sigo até uma parte da praia onde a maré traz mais lixo, preciso garimpar mais coisas.

Meu estômago começa a roncar. A essa altura as minhas mulheres devem estar preocupadas. Eu agora tenho a certeza de que Cris armou para mim. Aquela mulher é completamente louca.

Vi algo brilhando e quase gritei de alegria. Encontrei uma faca de serrinha com cabo azul. Se eu encontrasse o farofeiro que levou essa faca de serrinha com cabo azul pra cortar um pedacinho do seu frango à milanesa, eu lhe daria um beijo na boca! Achei um pé de chinelo tamanho 43 e um tênis tamanho 32. Cortarei os dedos do tênis e o calcanhar do chinelo. Meus pés agradecem.

Eu parecia criança que estava no shopping ganhando presentes, de tão feliz que eu estava com os pedaços de pano, vasilhas e até mesmo uma boneca sem cabeça... Voltei para o acampamento rindo, feliz com a certeza que Dona Nanda me encontraria. Olhei para o céu e pude enfim relaxar.

Luiza

— LUIZA! LUUU... ACORDA! – eu tentava abrir meus olhos, mas pareciam pesar uma tonelada. Eu sentia meu corpo ser sacudido.

— Calma filha... – tia Alice pedia, eu queria falar, mas não conseguia.

— João leva sua mãe para fora e tenta acalmá-la. – Clarinha, o que tá acontecendo. Com dificuldade vejo seus olhos azuis. As duas estavam me examinando. – Lu, você consegue me ouvir? – balanço a cabeça, porque tá sendo tão difícil falar alguma coisa.

— Lu, você sabe onde está a AnaLu? – Ju? Cadê a Ju? – Filha, você sabe por que ela tomaria sedativo?

— Não mamãe. Ainda mais depois dela saber que o efeito nela é muito pior. Lembra quando Alex morreu e prescrevemos benzodiazepínicos? Ela dormiu três dias seguidos com uma dose pequena.

            — Será que elas brigaram e ela tomou?

— Mamãe, olha a sua volta... parece que elas tenham brigado? – eu ouvia a tudo e não conseguia reagir! – Vamos chamar o Jake para levá-la até o hotel e a gente examina ela com calma.

— Filha, ela foi drogada então. Olha como ela está?!

— Mãe... vamos deixar a Nanda fazer o que faz de melhor.

Ouvi vozes desconhecidas, meus pais... “Mamãe me ajuda...” eu tinha vontade de chorar..... Nanda falava algo sobre procurar AnaLu na ilha, pegar as garrafas...

 — Lu, nós vamos cuidar de você e a Nanda vai achar a nossa menina. Você vai sentir uma picadinha no braço...

Minha cabeça parecia que pesava uma tonelada. Olho para os lados e vejo que estou no quarto de hotel. No meu braço um cateter acoplado num equipo pingava soro intravenoso. Não sei quanto tempo eu dormi, mas eu tinha a sensação de que estava assim a dias. Clarinha sai do banheiro de roupão e abre um sorriso triste.

— Oi. – ela se aproxima verificando o equipo.

— Loira cadê a Ju? – ela suspira e senta ao meu lado.

— Do que você se lembra Lu?

— Dormir e acordar aqui. – Comecei a ficar preocupada com sua expressão. - Clarinha onde tá a minha mulher?  - Tentei me levantar, mas ela não me deixou.

— Lu calma... o capitão do iate nos chamou porque você não acordava. Quando chegamos lá vimos que você estava sozinha. A princípio achamos que a AnaLu tinha saído para nadar como ela adora fazer, mas o tempo passou e ela não apareceu. Só que Luiza, está tudo muito estranho, você parecia drogada... exatamente como você ficou quando ministrei a você um sedativo, lembra?  – Eu me lembrava perfeitamente.

— Clarinha daquela vez eu dormi apenas, mas dessa eu ouvi vocês... no iate...

— Mamãe e eu achamos que vocês foram drogadas.

— Mas como e por quem? E cadê AnaLu?

— Nós não sabemos. Lu estamos desesperadas. A Cris está nos dando todo apoio aqui, a polícia foi chamada, Nanda está movendo céus e terra...a gente vai achar a minha filha.

A porta bate e uma Nanda completamente alterada entra. Sem dizer uma palavra ela vai e se abraça na esposa chorando. Eu não iria aguentar. Eu não conseguiria suportar. Eu comecei a chorar junto.

— Nanda, amor... fala o que foi? – Clarinha pergunta desesperada. Eu não quero saber de mais nada, arranco o cateter do meu braço e me atiro no braço das duas esperando o pior.

— Acharam... um corpo. Eu... eu... não consigo ir sozinha, eu... eu... não consigo. – e nós três choramos abraçadas com medo do que iremos encontrar.

Fim do capítulo