Os dias seguintes seguiram agitados na vida de Valentina. Algum tempo após a morte de seus pais, as coisas nas empresas da família se tornaram complicadas. Os acionistas estavam temerosos com a recente presidência de sua irmã, havendo o declínio no valor dos ativos de algumas empresas do conglomerado por conta das incertezas acerca da gestão da nova presidente e do vice, o irmão de Valentina.

O que estava em jogo não era a competência de ambos para assumir os negócios da família, mas sim a forma como o fariam. Havia uma grande movimentação interna entre acionistas mais antigos, temerosos pelas possíveis inovações trazidas pelos novos gestores. O conservadorismo no contexto empresarial era muito forte e alguns já ameaçavam retirar os capitais aportados no conglomerado caso os irmãos de Valentina propusessem algumas mudanças polêmicas, porém já em indícios de discussão.

O cenário de nervos à flor da pele não deixou de afetar Valentina, que estava extremamente preocupada com a saúde de seus irmãos a frente deste novo desafio. Sabia que seus irmãos tinham condições de resolver os problemas, mas as brigas constantes em casa por conta de algumas divergências entre ambos estava a incomodando muito. Tentava intermediar os iminentes conflitos, mas no final acabava sempre sendo atingida por isso. Sua irmã a acusava de não ter interesse pelo patrimônio familiar e de levar uma vida fútil e sem responsabilidades.

A recorrente afirmação da irmã, por vezes, levava Valentina a questionar suas escolhas. A moda era uma paixão, um hobby, mas a fotografia não. Valentina realmente levava a fotografia a sério e seu maior desejo era fazer disso sua profissão. Ainda não tinha certeza sobre para qual caminho sua fotografia iria, mas julgava ainda ter tempo para pensar e estudar as possibilidades, visto que faltava pouco mais de um ano para sua formatura.

Contudo, em alguns momentos, pensava seriamente em concluir o curso de fotografia e engatar um curso de gestão para se envolver com os negócios da família. Pensava em fazer isso não por vontade, mas para matar a sensação inutilidade e de que sua existência não tinha sentido que muitas vezes a acometia. Valentina era jovem. No auge dos seus 24 anos sabia que poderia concluir o curso e fazer o que mais quisesse. Não que exista idade para isso, mas pensar em trocar de carreira antes mesmo de começar a que escolhera lhe parecia muito mais fácil e simples.

Em meio aos conflitos vividos diariamente em sua casa, Valentina não teve como não se sentir infeliz novamente. Apesar de todo o conforto e oportunidades, certas coisas o dinheiro não compra. No caso de Valentina, o dinheiro jamais traria seus pais de volta e a saudade que sentia deles era constante. Por algum tempo a dor pela morte dos pais a manteve em uma de depressão e alcoolismo que a pouco conseguira se livrar. Às vezes tinha medo de ter uma recaída e quando ficava triste dessa forma, o medo era ainda maior.

Valentina percebeu também que parte daquele sentimento tinha relação direta com a ausência de Fernanda. Naquela semana, Fernanda estava viajando pelo interior do México. Viajou com os amigos do curso para surfar em Oaxaca e arredores. Ainda trocaram algumas mensagens, mas não com a frequência rotineira, visto que Fernanda ficava muito tempo sem sinal nos lugares por onde passava. Durante aquela semana recebeu algumas fotos da viagem. Realmente ela estava fazendo sua primeira aventura no México e foi impossível evitar sentir-se triste por não estar dividindo estes momentos com a amiga. Além disso, sentia ciúmes. Ciúmes das amizades novas de Fernanda, ciúmes por não ter sido convidada para a aventura.

Toda aquela mistura de sentimentos estava fazendo de sua cabeça uma montanha russa. Parece que quanto mais pensava, mais tonta e desorientada se sentia. Tinha dias em que acordava sentido raiva de Fernanda e não sabia o porquê. Já em outros, acordava com saudade e logo enviava uma mensagem querendo saber o que estava acontecendo na viagem. Recebeu fotos de Fernanda surfando e contemplou a outra. Não teve como não reparar nas curvas do corpo de Fernanda e observar o seu abdômen malhado. Mesmo convivendo com modelos uma grande parte da sua vida, nunca reparou tanto no corpo de uma mulher como reparava no corpo de Fernanda e isso a deixava confusa.

Em um dos dias recebeu um vídeo de Fernanda surfando acompanhada de uma mulher. Até aquele momento não tinha visto mulheres nas fotos, logo imaginou que a mesma estava acompanhada somente por rapazes. Aquilo de uma forma muito estranha a irritou. Não respondeu ao vídeo e sequer mandou novas mensagens para Fernanda naquele dia. Como se necessitasse dar a ela uma resposta, pelo que nem ela mesmo sabia, resolveu passar a noite com Alejandro, seu namorado, depois de dias evitando o rapaz.  

No dia seguinte Valentina acordou assustada, sentindo o peso do corpo do rapaz sobre o seu. Por algum motivo, aquilo já não parecia mais tão normal. Saiu da cama imediatamente, mas tentando não o acordar. Não queria dar explicações sobre o motivo pelo qual sairia correndo e não ficaria nem para um café. Sentiu raiva de si mesma por ter feito sex* com ele, motivada pela forma como estava se sentindo em relação a Fernanda. Sim. Ela tinha plena consciência de que fez sex* com o namorado não porque queria, mas porque estava chateada com a sua amiga. Aquilo estava ficando ridículo demais e Valentina precisava conversar com alguém sobre o que estava acontecendo. Apesar do constrangimento, sabia que a cunhada Francesca, noiva de seu irmão, era a sua melhor escolha.

Francesca era como uma irmã para Valentina. Estava na família há muito tempo e presenciou toda a sua evolução. Esteve presente nos momentos difíceis e, para Valentina, é uma grata lembrança de vários dos momentos felizes de sua vida também. Naquele dia contaria toda aquela loucura de sentimentos que a estava acometendo. Tinha certeza que a cunhada não a julgaria, pelo contrário, teria racionalidade suficiente para talvez enxergar o que ela não conseguia ou se negava a ver.

Fim do capítulo