Capítulo 3 - Alfinetadas
Valentina aproximou-se da pista de atletismo extremamente animada. Quando finalmente chegou à pista, pensou que seria interessante captar a outra enquanto corria e ver qual seria a sua reação quando se descobrisse sendo acompanhada pelos cliques de sua câmera. Enquanto fotografava Fernanda, sentiu uma porção de sensações novas. Uma mistura de alegria com curiosidade e excitação por poder descobrir mais da outra, mas principalmente por poder revê-la.
Não demorou até Valentina ser notada. Afinal, não é comum ter pessoas extremamente bem vestidas e portando uma câmera com uma lente gigante em beira a uma pista de atletismo ou campo de futebol. Também não havia nenhum jogo naquele campo ou algum esportista universitário famoso para alguém estar fazendo a cobertura na beira da pista. Logo Fernanda percebeu de quem se tratava, principalmente pelos longos cabelos castanhos e o corpo esguio. Interrompeu sua corrida, aproximando-se a passos curtos, enquanto tentava recuperar o ar.
Assim que alcançou uma aproximação onde já imaginava que poderia ser escutada, fingiu uma falsa indignação.
- É sério isso? Novamente sendo seguida por uma paparazzi? Realmente estou arrasando neste país!
Valentina riu da forma descontraída e amigável como foi recebida pela outra e recebeu Fernanda com um sorrido estampado no rosto.
- Sabia que você ficaria indignada e também que te chamaria atenção uma menina na beira da pista tirando fotos usando pantalona e salto. _ respondeu Valentina observando o corpo suado e malhado da outra.
- Então, dependendo da mulher não tem como não olhar, independentemente do que estiver vestindo. _ devolveu Fernanda com um tom de sarcasmo e um sorriso de canto.
O comentário de Fernanda pegou Valentina desprevenida. Será que foi uma cantada?! Enfim, mesmo que não tenha sido foi o suficiente para fazer Valentina se sentir estranha e subitamente encabulada. A brasileira era lésbica? Processando a possível informação, não foi capaz de responder nada de imediato, sendo necessária uma manifestação de Fernanda para tirá-la do seu súbito estado de paralisia.
- Então...tudo bem com você? Obrigada pelas fotos. Esqueci de responder o seu e-mail agradecendo.
- Estou bem. Por algum tempo achei que talvez não tivesse recebido as fotos. Mas tudo bem, está perdoada se aceitar tomar um café comigo e me contar o que faz aqui na Universidade correndo dessa maneira. _ respondeu Valentina de um jeito brincalhão.
As duas seguiram até uma das várias cafeterias espalhadas pela cidade universitária. Fernanda e Valentina caminhavam até o local compartilhando informações sobre o motivo pelo qual estavam no campus.
- Nossa, então você vai morar aqui pelos próximos dois anos? Que incrível!
- Sim! Estou amando a experiência. Há muito tempo tinha vontade de conhecer o México, mas jamais imaginei que teria a oportunidade de estar aqui de outra forma que não fosse como turista.
- E você está morando sozinha? _ perguntou Valentina. Tinha vontade de saber tudo sobre a outra.
- Sim. Minha família e amigos permanecem no Brasil. Na verdade, não conheço ninguém aqui. Aos poucos estou me enturmando com os colegas do MBA.
- E eu sou ninguém? Agora você me conhece e se tiver interesse posso te apresentar melhor a cidade.
Fernanda estava achando a conversa com a garota ótima. Ela realmente era muito carismática e parecia doce, muito doce. O olhar de Valentina era forte, de um azul tão intenso que parecia penetrar a alma de Fernanda. Ela notara que a mexicana realmente estava interessada em uma aproximação, mas ao mesmo tempo, não conhecia nada sobre a outra. Neste caso, achou melhor descobrir mais antes de aceitar qualquer convite e agradeceu de forma educada pela proposta.
- Mas então Valentina, quanto a você... O que costuma fazer por aqui além do curso de fotografia? Onde achas que devo ir para comer uma bela comida mexicana?
- Então, além do curso de fotografia faço alguns trabalhos como modelo. Divulgação de novas coleções de algumas grifes aqui do México e dos EUA. Sobre a comida, deixa eu te levar em um lugar fantástico. Sozinha não vai ser tão bom. _ arriscou Valentina, sem entender o porquê de fazer tanta questão em sair com a morena.
- Uau! Então temos uma famosa aqui sentada na minha frente?
- Não é para tanto. _ respondeu Valentina desviando o olhar, sentindo-se sem graça. Não gostava de falar sobre esses assuntos. Às vezes, tinha receio que a aproximação das pessoas tivesse sempre segundas intenções, devido à sua classe social. _ - E aí? Vai querer conhecer a melhor comida mexicana da tua vida ou não?
- Com certeza. _ respondeu Fernanda, dando-se por vencida. Já que Valentina queria tanto marcar alguma coisa, fariam isso.
Dias depois o jantar foi marcado. Valentina levou Fernanda em um dos locais mais badalados da cidade. Naquele dia, realmente caiu a ficha de Fernanda sobre o quão influente Valentina era. Tinha visto ela em algumas revistas de moda que pesquisou na internet e percebeu a forma como a mesma foi tratada quando chegaram ao restaurante. Definitivamente, ela não era uma cliente comum naquele local.
O espaço ao ar livre reservado para as duas ficava em uma parte mais isolada do estabelecimento. A decoração era incrível, a luz era baixa, o clima era perfeito para um jantar romântico, o que não era o caso daquele. Naquela noite Fernanda e Valentina descobriram várias coisas em comum, a conversa era extremamente prazerosa e ambas se permitiam falar um pouco mais sobre si. Valentina descobriu que Fernanda realmente era lésbica, mas isso não lhe causou estranheza, pelo contrário, lhe deixou mais intrigada a respeito da outra. Por outro lado, Fernanda descobriu que Valentina namorava um rapaz que trabalhava na empresa da sua família e que a menina não falava tão entusiasmadamente sobre isso.
- Nossa. Desculpa o meu atrevimento, mas você não parece muito entusiasmada com o seu namoro. _ observou Fernanda um pouco sem jeito, pois não sabia se a outra receberia bem o seu comentário.
Valentina olhou profundamente para Fernanda e após deu um sorriso de canto e mirou o chão por alguns segundos antes de responder.
- Não pareço é? Deve ser porquê de fato não estou. Há algum tempo estou um pouco confusa em relação a isso.
- Ele não percebe? _ indagou Fernanda querendo saber mais sobre o assunto.
- Às vezes. Mas nos últimos dias muito mais. Acredita que ele ficou morrendo de ciúmes quando contei que jantaria com uma amiga nova? _ Valentina divertiu-se ao confessar.
- Ciúmes de amigas. Gente, realmente você não está dando nenhuma atenção para o rapaz.
A afirmação de Fernanda fez Valentina rir e dar de ombros. Definitivamente isso não a importava. Havia muito tempo que não se sentia feliz e plena. Desde que seus pais faleceram tudo estava igual e sem graça para ela. Conhecer Fernanda tinha dado um novo fôlego para ela. Realmente achava que precisava conhecer pessoas novas e a brasileira não poderia ter aparecido em um momento melhor. Desde que trocaram telefone e passaram a conversar, os dias ganharam um tom diferente. Valentina realmente estava adorando a amizade que estavam construindo.
- Mas vamos parar de falar de coisas chatas. Seguindo na mesma linha da sua pergunta, e você? Deixou alguém no Brasil? _ quis saber Valentina.
- Não. Exceto um término de noivado traumático. _ respondeu sem muita animação.
Aquela informação deixou Valentina mais curiosa do que normalmente já era. Entretanto, percebeu que Fernanda não demonstrou muita vontade em falar mais sobre o assunto. Como se conheciam a pouco tempo, não quis ser invasiva e provocar um desconforto na outra. Mudou de assunto.
A noite seguiu tranquila. Fernanda amou a comida picante, as músicas típicas e se render até mesmo a uma dose de tequila, percebendo, horas mais tarde, que definitivamente não tinha estômago para aquele tipo de bebida.
No dia seguinte Fernanda acordou sentindo-se cansada. Não conseguiu fazer os seus exercícios matinais por conta do desconforto que ainda sentia pela dose de tequila. Como não tinha aula do MBA todos dias, Fernanda dedicou seu tempo ao atendimento à distância das empresas brasileiras para as quais prestava consultoria. Também fez uma conferência com o seu sócio para alinharem algumas ações para a empresa durante aquele mês.
Aparentemente os seus negócios no Brasil estavam todos se encaminhando da forma como planejara antes da viagem. Esta, com certeza, era uma das suas principais preocupações antes da mudança de país. Sabia que da forma como estavam cuidando de todos os detalhes não haveria porque dar algo errado, mas a novidade sempre traz um frio na barriga e o medo.
Passou o restante dos dias daquela semana trabalhando e fazendo algumas atividades do seu MBA. Começava, aos poucos a se enturmar com a turma do curso e para se entrosar com os demais aceitou o convite para uma sexta de bebidas em um dos bares mais frequentados da cidade. Chegando ao local percebeu que seus colegas realmente tinham bom gosto e possivelmente dinheiro também, visto que tudo naquele lugar parecia alta classe. As pessoas estavam extremamente bem vestidas, com roupas de marcas e acessórios brilhantes. Fernanda sempre se vestiu muito bem. Em geral, adotava um estilo casual chique, usando roupas mais simples somente em passeios ao ar livre ou para a prática de esportes.
A brasileira não se sentiu deslocada no local. Afinal, ela tinha uma situação financeira que há muito já a permitia frequentar lugares mais caros. Apesar de vir de uma família de classe média, conseguiu em pouco tempo estabelecer um padrão financeiro acima da média. O sucesso de Fernanda estava diretamente relacionado a sua visão empreendedora. Desde cedo trabalhou com investimentos e quando terminara a graduação já estava com um mestrado profissional engatado e uma parceria para estender as atividades de consultoria da empresa para a qual já era colaboradora.
Voltando ao bar, Fernanda estava adorando o clima do lugar e extremamente à vontade com seus colegas de curso. Descobriu um rapaz da Argentina e uma menina do Uruguai. Obviamente a afinidade foi imediata. Afinal, vizinhos de fronteira, tinham muito o que conversar sobre seus respectivos países. Entre uma cerveja e outra, Fernanda percebe um grupo em uma mesa próxima. Tratava-se de três casais em uma conversa animada, principalmente os rapazes. Assim que uma das meninas se vira em direção ao local onde Fernanda estava, percebeu se tratar de Valentina. Decidiu fingir que não tinha visto a outra. Apesar de terem passado o dia trocando mensagens, naquele momento não sentiu vontade de uma aproximação e preferiu fingir que não a viu.
Para evitar ser notada pela outra ficou de costas. Na sua cabeça aquela atitude não fazia o menor sentido, não tinha motivo algum para não querer cumprimentar Valentina. Era tão simples, não precisava nem conversar com ela, somente ser educada bastaria. Mas qual o sentido desse pensamento? Talvez estivesse se sentido estranha por ter a visto com o seu namorado. Mas porquê? Já sabia que a outra namorava.
Em meio a esses pensamentos, foi despertada por seus colegas de curso a arrastando para a pista de dança. Fernanda dançou muito com Juan, o argentino, e após algumas músicas, acabou sendo puxada por uma loira de olhos azuis, com aproximadamente 1,65m de altura e simplesmente linda. Jamais imaginou que teriam mexicanas tão descaradas por ali, mas aquela se aproximou fazendo questão de demonstrar quais eram as suas intenções. Não demorou muito e estava trocando beijos cheios de vontade com a loira. As pessoas ao redor realmente pareciam não se importar e agiam com naturalidade. Olhando ao redor, Fernanda percebeu alguns outros casais do mesmo sex* na pista de dança e nas mesas. Ficou claro que não se tratava de um local específico para o público LGBT, mas era inclusivo. Na verdade, estes eram os locais que Fernanda mais gostava. Nunca achou justo ter de existir locais específicos para demonstrar afeto por outra pessoa do mesmo sex*, sem receio de sofrer retaliação.
Valentina estava adorando a noite. Fazia algum tempo que não encontrava suas amigas e naquele dia resolveram ir ao bar que gostavam de frequentar. Como Alejandro, seu namorado, insistira em participar do programa, resolveram ir de casal. Isso não mudou nada para Valentina que estava concentrada em aproveitar a noite com suas amigas, deixando seu namorado quase que exclusivamente sob a atenção dos namorados de suas amigas.
Aquele dia o bar estava mais agitado do que o habitual e tinha muitas pessoas na pista de dança. Valentina adorava dançar e não perdeu tempo em chamar suas amigas para a pista. Dançava animada com suas amigas, sendo a todo momento agarrada por seu namorado que insistia em dançar grudado. Aquilo a estava incomodando demais naquela noite. Definitivamente precisava de liberdade. Precisava de Alejandro longe, mas não sabia como acabar com um namoro tão longo e ainda esperava que um belo dia poderia acordar novamente apaixonada por ele.
Em meio a esses pensamentos e tentando se desvencilhar dos braços de Alejandro, acabou chamando a sua atenção um grupo de aproximadamente umas dez pessoas, extremamente animados dançando em uma rodinha. Quando observou melhor o grupo, percebeu uma loira praticamente engolindo uma menina, em um beijo feroz, definitivamente cheio de desejo. Quando percebeu que a garota que estava sendo engolida era Fernanda sentiu uma fisgada no estômago. Estava revoltada, assustada, enciumada? Não sabia. Mas saiu imediatamente do seu grupo indo em direção a ela.
Fernanda percebeu um leve toque em seu ombro, seguindo de um pequeno puxão para um abraço. Quando se virou, percebeu que não tinha tido sucesso em sua estratégia para não ser notada por Valentina. Cumprimentou a outra com um beijo e abraço demorado. Logo em seguida, sentiu-se sendo puxada para fora da pista de dança, indo em direção a um local um pouco menos barulhento.
- Desculpa te sequestrar. Fiquei com medo que você fosse engolida e jamais pudesse te ver. _ falou Valentina seguido de um sorriso irônico.
Fernanda riu.
- Que horror, Valentina! Não exagera!
- Quem é a loira? _ questionou sem a menor cerimônia.
- Não sei. _ respondeu Fernanda rindo muito e se divertindo com a situação. _ - Por enquanto só sei seu nome e que é prima de uma das meninas do meu grupo.
- Que decepção. Achei que você fosse mais difícil. _ alfinetou.
Fernanda percebeu a intenção da outra e resolveu responder na mesma medida.
- Nunca falei que era fácil ou difícil. Se você tivesse tentado, talvez teria evitado essa decepção, pois já saberia.
Valentina perdeu a cor com a resposta de Fernanda. Fixou o olhar em Fernanda em entreabriu a boca algumas vezes, procurando por uma resposta que não encontrou.
O momento foi interrompido pela aproximação do namorado de Valentina. Estava insatisfeito com o repentino sumiço da namorada e mais ainda por encontrá-la em um local afastado e pouco iluminado, parecendo extremamente íntima da mulher que viram a pouco na pista de dança aos beijos com outra. Valentina apresentou Fernanda para Alejandro e para evitar qualquer situação causada pelo namorado tratou de despedir-se da brasileira e seguir ao encontro dos seus amigos.
Fernanda fez o mesmo. Ao retornar ao seu grupo encontrou a loira esperando por ela e cheia de perguntas sobre a mulher que tirara ela praticamente de arrasto da pista de dança. Alguns colegas de Fernanda sabiam quem era Valentina e a encheram de perguntas sobre a modelo. Queriam saber, principalmente, como a conhecia e se sabia o quão rica a outra era. Fernanda não notou nenhum interesse dos outros no dinheiro da amiga, afinal a maioria deles aparentemente vinham de famílias influentes e tão ricas quanto a de Valentina. O que ela realmente notou foi curiosidade e até mesmo certa desconfiança sobre o tipo de relação mantida por elas.
Naquela noite Fernanda e Valentina não conversaram mais, mas os olhares de Valentina ficaram sobre Fernanda e sua companheira a noite toda. A impressão que passava era que de fato o caso romântico da outra era mais interessante que aproveitar a companhia do seu namorado. Fato este que até o próprio notou.
Fim do capítulo
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