Capítulo 42
Capitulo 42 - Fernanda
Depois que achei a Caroline na academia, caída, dormindo e com a cabeça cortada, eu pude entender o quão forte ela está sendo e ao mesmo tempo o quão destruída ela está. Por sorte foi só um corte leve, nada que exija maior atenção. Uma questão bem diferente do olho dela que ainda está bem inchado, roxo e completamente fechado.
Finalmente consegui convencer ela que seria bom ir a um médico, fazer alguns exames. Acho que eu devia ter sido chata e ter levado ela assim que ela chegou no hotel ontem, machucada e toda roxa, mas enfim, já passou. Nosso dia começou com um café no salão do hotel, foi difícil convencer a Carol a ir comer lá. Ela queria ficar no quarto. Percebi que ela está evitando as pessoas, não sei se por algum estresse pós traumático ou se por simplesmente não querer ir, mas a questão é que eu insisti.
- Carol, vamos comer lá embaixo. Já pega suas coisas, ai vamos direto de lá. Temos muitas coisas no planejamento de hoje.
- Caramba Fer, um mês com você e já te contaminei com o vírus do planejamento? preciso te dar uma agenda também?
- Haha, bobona. Claro que não. Apenas quero otimizar nosso tempo, para irmos no advogado que você precisa ir, irmos no hospital que eu não vou aceitar não ir e preciso comprar pelo menos uma roupa.
- O pior que eu preciso também. Só estou com essas coisas que o Lucas me trouxe, o resto está na Christiane. Não vou ir lá pegar.
- Dá pra gente começar o dia sem eu ouvir o nome dela?
- Claro Fer. Desculpa, foi impulso só.
- Eu sei e isso que me preocupa. Seus impulsos. Se troca e vamos comer. Dizem que a comida daqui é perfeita.
- Como no máximo passei na porta, eu não sei nada da comida daqui.
Descemos de mãos dadas pelo elevador. A Carol estava claramente de cabeça baixa, meio que tentando esconder o rosto todo roxo, mas cada pessoa que entrava no elevador ou esbarrava na gente pelos corredores, parecia que tinha obrigatoriamente que olhar pra ela e se assustar. Quando chegamos ao salão de refeição, ou seja lá o nome elegante do lugar, sentamos em uma mesa mais ao fundo, longe de todos.
- Você vai deixar eu dirigir seu carro - comecei a conversar com ela, tentando distraí-la de alguma maneira. Ela estava tensa, distraída.
- Claro que não Fer. Meu carro, minhas regras.
- Você dirigiu o meu em Urros.
- Ah, tá. Só porque você não estava apta a dar dois passos sem apoio. Fora isso nem no som eu mexia.
- Tem som no seu carro?
- Pergunta capciosa essa. Não tem Fer, não costumo dirigir com o som ligado. Sem contar que o meu celular toca o tempo todo por causa de paciente, acabou ficando no viva voz.
- Eu não vou deixar você dirigir com esse olho inchado e fechado.
- Dirigir assim ontem, qual o problema?
- Eu não estava no carro. Não vou deixar hoje. Acho perigoso Carol.
- Fer, meu carro, minhas regras. Se quer dirigir ele, tem que me oferecer algo muito bom em troca - e me olhou com aquele olhar lascivo, que em outras palavras significava troca por algo no sex*. Acho que eu devo ter ficado vermelha, porque ela deu risada e depois me fez um carinho - Não vamos andar muito hoje, melhor eu dirigir, conheço mais a cidade e a agitação de São Paulo, aqui não tem cavalos, tem caminhões, ônibus.
Tomamos nosso pequeno almoço com calma, devagar, a Caro a todo tempo ou segurando a minha mão ou fazendo um carinho na minha perna. Posso dizer, fiquei um bom tempo da minha vida sem ninguém, negando que eu poderia voltar a amar alguém e não acreditando que haviam pessoas boas no mundo. A Carol tem mil problemas, mas ela é linda, atenciosa, ótima de cama. Só quero que todos esses problemas acabem logo e eu finalmente possa viver com ela, irritando sua paciência, em Urros.
- Está pensando em que Fer? Está viajando ai.
- Nada importante, só no quanto sou sortuda por ter encontrado você.
- Na verdade é sortuda por eu não ter te matado naquela sua ignorância inicial, isso sim.
- Tambem. Adoro te ver irritada, você fica tão fofa - dava para ver os olhos dela revirando, de tipo, garota louca. Dei risada, ela entrou na brincadeira. Acho que consegui distrair um pouco a tensão que ela estava.
- Seu celular está vibrando. - Eu não tinha nem percebido, mas é verdade. Quando olhei na tela, era o nome da Flávia escrito, a policial que cuidou das negociações do sequestro e tudo mais. Eu dei uma breve gelada e olhei pra Carol, que estava tensa, mas mexeu a cabeça falando para eu atender o telefone.
- Pronto!
- Fernanda, bom dia. Aqui é a Flávia - ela começou a se apresentar novamente, como se eu pudesse esquecer quem ela é, jamais.
- Tudo bem Flávia?
- Sim sim , eu estou tentando falar com a Caroline, mas não consigo contato com o celular dela, você sabe como posso encontrá-la?
- Ela está aqui ao meu lado, quer falar com ela?
- Na verdade, pode ser com você, mas ai ve com ela. Eu preciso que ela venha na delegacia para prestar depoimento, algo mais completo do que ela fez ontem quando eu liberei ela. Será que ela está pronta já? Não quero ser insensível nem forçar ela, mas precisamos disso.
- Vou conversar com ela, “pera” um pouquinho. - a Carol já estava atenta, me olhando - Amor, é a Flávia, ela precisa que você vá até a delegacia, para dar um depoimento, algo mais detalhado que o de ontem. Você já está pronta pra isso? Quando quer ir?
- Ve se ela tem horário hoje, se pode ser hoje. Quero apagar e deletar isso.
- Flavia … Ela quer ir hoje, você tem algum horario disponivel?
- Estarei o dia todo no DP, até mais ou menos umas 19 horas. É só vocês aparecerem e e me chamar.
- Tudo bem, vou levar ela para resolver algumas coisas e passamos ai depois, para acertar todos esses trâmites.
- Ok Fernanda, fico no aguardo. Até mais.
- Carol, não precisa ficar tensa assim, estarei ao seu lado, todo o tempo.
- Eu sei Fer, só quero que isso acabe, preciso dormir em paz, preciso seguir em frente, preciso voltar para Urros, não sei, mas parece que São Paulo não é mais o meu lugar, parece que não me encaixo mais aqui.
- Você ainda está muito abalada pelo sequestro e por tudo que aconteceu nesses dias. É tudo muito recente, tem que se dar um tempo, um espaço para entender o que aconteceu. Estou aqui, para tudo. OK?! Só não para dar ponto na sua cabeça, então não corta mais ela.
- Pode deixar. Vou evitar isso. Eu já terminei aqui, quer ir indo?
- Sim, sim.
Saímos do salão de refeição de mãos dadas, coisa tão simples e boba que não havíamos feito até agora, em Urros simplesmente não rolou. Assim que colocamos o pé fora do hotel, para pedir o carro, a mão dela começou a suar e tremer, ela começou a sacudir as pernas, como se estivesse ansiosa e agitada. Dava para ver que ela estava meio que em pânico, com medo. A Carol olhava para o chão intensamente, como se aquilo acalmasse ela de alguma maneira. Eu me mantive ali, todo o tempo, segurando sua mão, fazendo carinho, simplesmente apoiando.
- Tudo bem Carol? - ela acenou com a cabeça, mas se manteve olhando para o chão, em seu proprio universo.
Quando o carro parou na nossa frente, entregue pelo manobrista, ela esticou a mão com a chave e me entregou - Fer, leva o carro pra mim, por favor. Vou te guiando o caminho, não vou conseguir dirigir agora - eu fiz mais um carinho na mao dela e peguei a chave. O carro dela era bem parecido com o do Lucas, daqueles carros de medico, só que o dela era preto e o dele prateado. Segui direto para o banco do motorista, enquanto ela entrava no do passageiro. O carro tinha o cheiro dela, o mesmo perfume pelo qual me apaixonei. Assim como tudo da Caroline, era milimetricamente organizado, não tinha roupas largadas, papel de bala ou qualquer outra coisa. Isso porque ela estava em Portugal e largou o carro aqui, imagina se ela estivesse usando no dia a dia.
- Onde vamos meu amor, vai me dizendo o caminho ou ponho no GPS?
- Vou te guiando. Vamos primeiro no advogado, que fica meio longe daqui, depois temos que passar la na clinica. - ela foi me orientando o caminho e como tudo que faz, foi certeiro. Não errou uma rua, tudo de cabeça. Reparei que de tempos em tempos ela olhava no espelho, para ver como estava o roxo. O olho estava definitivamente incomodando ela.
Se eu pudesse eu assumiria toda essa dor pra mim. Ela está frágil, machucada, ainda não conheço ela a ponto de saber até onde ir ou forçar a conversa. Me sinto super culpada, ontem eu dormi e ela estava tendo pesadelos. Quando foi o contrário, lá em Urros, quando tive pesadelos com o meu progenitor, ela estava lá, acordou, me abraçou, cuidou. Eu não fiz isso, não fiz o mínimo que eu deveria. Não sei como alegrar ela, como encher aqueles olhos de vida novamente, me sinto tão de mãos atadas com essa situação.
No decorrer do trajeto fomos conversando coisas bem simples, quase que superficial, sobre a maternidade e sobre o avanço das obras. Quanto mais eu conheço a Carol, mais eu percebo e entendo que ela é mesmo a melhor pessoa para assumir esse projeto. Quando o GPS humano pediu para encostar o carro, havíamos chegado a um predio de escritorios, no Jabaquara.
Logo na recepção nos identificamos, o acesso foi liberado e subimos até o 6 andar. Paramos de frente a uma porta de vidro, onde uma senhorita bem gentil nos atendeu e solicitou para aguardarmos.
- Você conhece esse advogado Carol? É de confiança?
- Eu conheço. Na verdade é assim, eu atendi a Nanci, há alguns anos atrás. Na época eu precisava de um advogado para questões de imóveis e para a parte jurídica da clínica, quando conversei com ela, ela me indicou o marido, que mexia com essa parte que eu precisava. A Clara ligou pra ele há alguns dias, para marcar um horário quanto a questão do divórcio e tudo mais, mas ele disse que não conhece muito desse tema e quem mexe com isso é a Nanci. Então conheço, mas não conheço. Conheço como pessoa, na verdade como paciente, como advogada essa é a prova dos nove.
- Que? Prova dos nove?
- Momento de testar, conhecer.
- Mais uma pergunta. Como conhecia o caminho assim, de cabeça, sem errar uma rua.
- Ah, eu trabalhei aqui perto. Esse caminho eu fazia todos os dias, aí não tem como esquecer. Trabalhei em um hospital que fica aqui na rua de tras, uma maternidade, com centro oncologico.
- Doutora Caroline, a Dra. Nanci está lhe aguardando.
- ok. Obrigada. Entra comigo Fer?
- Você quer que eu entre? É sobre seu divórcio, não quero parecer que estou pressionando, algo assim.
- Você quem sabe Fernanda, se quiser entra comigo, se não quiser, fica aí sentada. - A Carol estava tensa, claramente, acabou meio que sendo grossa comigo, mas não encaro como algo proposital. Eu levantei e segui ela, não confortável com a situação, mas talvez fazendo um papel de apoio necessário.
- Bom dia Doutora, quanto tempo. Tudo bem? - A Advogada, uma senhora de mais de 50 anos, educadamente olhou para o rosto roxo da Carol, que ficou sem graça, mas se manteve firme, com aquela postura responsável que me faz molhar as calcinhas.
- Nanci, sem o doutora, por favor. Aqui não tenho nada de medica.
- Tudo bem.
- Essa aqui é a minha namorada, Fernanda. Vai me fazer companhia nessa nossa conversa. - Foi estranho ser apresentada como namorada dela, ainda mais em uma reunião para solicitar divórcio.
- Em que posso te ajudar Carol?
- Eu sou casada há uns 5 anos mais ou menos, nunca sei as datas exatas. Preciso pedir o divórcio. Não tenho ideia de por onde começar.
- Certo. Vocês tem algum bem em comum? Filhos? - a senhora perguntava sem olhar pra mim, não sei se achou que a casada era eu ou se estranhava a minha presença. A Carol pegou a situação encomoda no ar.
- Deixa eu explicar a situação toda, acho que vai ficar mais fácil. Eu sou oficialmente casada, na verdade tivemos uma união estável, que com a liberação do casamento civil foi convertida em casamento. Há cerca de um mês e meio eu sai de casa, fui morar em outro país. Retornei essa semana, fui sequestrada, o que explica essa cara roxa e quebrada. Agora que tudo se acalmou um pouco mais, resolvi mexer com o divorcio. Não temos casa juntas, sempre moramos em uma casa minha, que tive anterior a união estável. Sem filhos, gatos ou cachorros juntas.
- Ok. Entendi. Como a senhora está quanto ao divórcio? Tem alguma condição ou aceita de livre acordo? - A advogada perguntou isso pra mim, fiquei perdida.
- Não, a Fernanda é minha namorada. Eu conheci ela nesse mês que fiquei fora do país. Ela está aqui me dando apoio emocional, não é de quem quero me livrar - Aí sim a advogada perdida entendi a situação.
- Ah, desculpa Caroline, eu não tinha entendido. Agora foi. Me desculpem.
As duas ficaram quase meia hora conversando, foi uma situação bem desagradável pra mim. Tive que escutar sobre a vida da Carol com a Louca, cada vez que descubro mais uma vírgula desse assunto, percebo o quanto a Caroline amou essa mulher, o quanto ela aguentou de desaforo e tudo mais. O meu medo é ela ter um clique e querer voltar atras. Espero que nunca aconteça, mas preciso que ela começe a se desconectar dessa mulher. Tudo bem que desde que eu conheci a gineco, lá em Tras os montes, ela já está bem bem bem melhor. Mas ainda tenho um medinho no peito, algo me apertando, o medo mesmo de que a qualquer momento ela me largue e volte pra louca.
Apesar de eu participar da reunião, apenas fiquei lá de corpo presente. Não abri a boca em nenhum momento, não falei nada, praticamente bem me mexi. Foi literalmente apenas para dar apoio a ela, só.
- Vamos Fer?!
- Acabou? Desculpa, estava a “viajaire” aqui.
- Você é de que parte de Portugal? - a advogada perguntou
- Eu cresci em Maçores, mas hoje moro em Urros. Fica proximo a Trás os montes, Porto.
- Ah, eu conheci Coimbra há tres anos atras. Cidade maravilhosa.
- Sim, bem jovial a cidade. Universitária.
- Não cortando meninas, mas precisamos ir Fer. Tenho que passar no hospital ainda.
- Verdade.
- Então ficamos desse jeito Nanci. A senhora tem o meu telefone, qualquer novidade, só me ligar.
Exatamente no momento que colocamos o pés fora da advocacia, a Caroline abriu um sorriso gigante, me olhou com os olhos brilhantes e me puxou para um beijo. Posso dizer que perto dos nossos beijos, foi até que casto, mas delicioso.
- Esse foi um passinho a mais para podermos ficar juntas - e antes mesmo de eu contestar a frase ela continuou - Não precisa falar que não devo fazer isso por você, e não estou fazendo meu amor. Estou fazendo por mim, acabei de tirar uma pedra das costas. Mas por mais que eu faça isso por mim, é mais um passo para nós, você mais que ninguém sabe o quanto eu fico tensa e travada com a ideia de ser casada. Em breve esse não será um empecilho.
- Era isso mesmo que eu ‘irias falaire”, faças tudo isso por você. Eu estou ao seu lado, mas não quero te obrigar a absolutamente nada.
- Você não me obriga Fer, pelo contrário, me dá a liberdade de fazer o que eu desejo. - Descemos de maos dadas ao estacionamento e de lá seguimos, comigo dirigindo para a proxima parada do dia.
A todo tempo eu olhava a Caroline, ela estava com a janela do carro aberta, os cabelos castanhos e ondulados esvoaçando no vento. Ela estava com o pensamento longe, mas com uma expressão leve, sorrindo com o canto da boca, como se não houvesse mais problemas na vida dela, como se tudo tivesse sumido. Dava pra eu me alegrar com a alegria dela, com a leveza daquele momento. Sabe, algo lindo de ver. Ela realmente expressava que se livrou de um problema, por mais que eu ainda ache que vai dar muito pano pra manga esse divorcio. Mas não cabe a mim, apenas a Carol resolver esses detalhes.
Quando o GPS avisou que chegamos ao destino, ela deitou sobre o meu corpo, esticando a mao até a porta do carro, do meu lado.
- O que é isso Carol? Que abuso!
- Até parece que não gosta, hahahah. Eu estou pegando o cartão do estacionamento pra você.
- E precisa deitar em cima de mim?
- Se eu pudesse deitava sem roupa agora! - Falou baixinho, próximo ao meu rosto, quando me viu vermelha, que óbvio que eu fiquei vermelha, a Carol deu risada, um beijinho e me entregou o cartão do estacionamento - Desce a rampa, e lá embaixo na guarita, mostra isso para o guarda. - Fez um cafuné no meu rosto e sentou direito no banco.
Assim que descemos do carro ela segurou minha mão e não soltou em nenhum momento, até chegarmos ao andar do destino. Bem diferente de quando ela saiu do hotel, cabisbaixa, séria, aqui ela ficou de cabeça erguida todo o tempo.
Mesmo com as pessoas olhando indiscretamente o roxo dos olhos dela, a Carol foi educada comprimentando todas. Aqueles que eram funcionários do prédio mesmo, que conheciam ela a mais tempo, todos receberam ou um aperto de mão ou um beijo. Mais uma vez pude ver o quão essa menina é querida pelas pessoas. No período que ela estava sequestrada, o Lucas ficava de tempos em tempos respondendo ligações e mensagens de várias pessoas perguntando sobre ela, hoje deu pra ver que isso é real, todos que encontramos pelo caminho comprimentaram ela. Acredito que ela seja exatamente quem eu conheci e por quem me apaixonei, séria e profissional no serviço, mas simpática, calma, educada e humana fora dele. A cada dia, me apaixono mais por essa mulher, definitivamente.
Paramos na frente de uma porta branca, ela tocou o interfone e se identificou: “ É a Carol”, sendo que logo em seguida a trava eletrônica foi liberada. O espaço da clínica tinha a carinha da Carol, eu não conseguiria imaginar diferente. Assim que entramos, havia um balcão, onde estavam sentadas duas moças, uma delas era a Clara. De frente com o balcão havia duas fileira de cadeiras, marrons, para os pacientes aguardarem. logo ao lado do balcão já dava para ver a porta de duas salas e mais para a esquerda, um corredor, que dava acesso a mais tres espaços de atendimento.
Assim que entramos no espaço, enquanto meus olhos percorriam a sala, conhecendo, a Clara era atacada por abraços da Clara. Quando entramos, quase que de imediato, a Clara levantou e veio abraçar a Carol, elas são muito amigas, estão ha uns 2 meses longe e quando ela voltou foi sequestrada. Enquanto esperávamos resposta quanto ao resgate e sequestro da gineco, a Clara ficou desolada. Confesso que a princípio pensei que as duas tinham um caso, mas não posso mais falar isso, é uma amizade muito bonita e cheia de carinho por ambas as partes. Não sei a Clara, mas a Carol merece ter esse apoio, esse porto seguro.
Quando a Clara conseguiu soltar a Carol, a outra secretaria que estava no balcão abraçou minha namorada, estanho eu usar esse termo, mas é isso mesmo, minha namorada. A Clara me comprimentou tambem com um abraço e já foi me oferecendo um cafe, suco, como se eu estivesse fazendo uma visita de comadres. Da outra moça que estava no balcão eu apenas recebi um aceno de cabeça.
- Fer, vem cá, vamos tomar um cafe. Antes que a Clara tenha um surto - a Clarinha respondeu dando risada, sinto uma energia muito boa e gostosa entre as duas, de amizade mesmo, companheirismo. Não tem como não ter uma pontinha de ciúmes, mas sei que é grilo bicho sem horta verde, ou seja, nada que eu deva me preocupar.
Entramos na portinha a direita do balcão, que eu pensei ser um consultorio, mas era na realidade uma copa.
- Vou preparar um cafe pra voces. Fer, como você gosta?
- Para com isso Clara, deixa que eu preparo. Sai daí. - essa foi a Caroline falando.
- Até parece. Senta aí e sussega a bisteca. Você já foi ver essa cara quebrada?
- Delicada igual um rinoceronte. Caraca.
- Ela tá fugindo de ver ir ao medico Clara. E sabia que caiu hoje e bateu a cabeça, correndo na esteira?
- To bem com voces duas hein?! Caraca! Só tomo bronca. - confesso que tava um barato deixar a Carol sem graça. - Clara, o Rodrigo está aí, atendendo?
- Está sim, já falei que você vinha de manha. Quando sair a paciente, a Priscila vai avisar de você.
- Quem é Priscila? - Eu estava perdida com tantos nomes. Rodrigo eu sabia que era um dos socios e companheiro de cirurgia da Carol.
- Hhahaha - A Clara começou a rir e olhou pra Carol, rindo mais ainda - Priscila é a menina que estava na recepção comigo. Ela tem uma quedinha pela doutora aí.
- Nossa, que desnecessário Clara. Desnecessário. - A Carol estava ficando realmente irritada com as piadas
- Isso justifica porque ela me olhaste com uma cara de burro quando foge.
- Esse mes que a Carol ficou longe, todo dia era “ Tem noticias da doutora? Sabe quando a doutora volta?” - a Clara falou com uma voz fina, ironizando a outra menina - Serio, eu tava quase mandando ela ir pra Portugal te perguntar.
- Ela é muito gente boa, dedicada. Otima no serviço dela, mas por motivos obvios eu não podia antes e por motivos obvios, não posso agora.
- Mas você fica dando corda? - Perguntei quase que já sabendo a resposta.
- Claro que não Fernanda. Trato educadamente como qualquer outra pessoa. Sabe que sou super contra essa ideia de dar corda, machucar os outros. Não cabe a mim essa função, a vida já faz isso com todos.
- Café para as duas, pra Portuga um de baunilha e pra gineco, indonesia.
- Oshi, que historia é essa de café saborizado Clara. Acho que alguem andou estudando café. Quem comprou essas capsulas diferentes aí?
- O Dr. Rodrigo deu o dinheiro e pediu pra eu comprar, falei dessas cápsulas diferentes e tals, ele adorou a ideia. O Lucas também, toma uma diferente todo dia.
- Lucas, meu irmão?
- Quem mais seria?
- Caraca, ele nem tomava café. Um mes em Portugal foi uma vida quase.
A porta da copa abriu e entrou um homem, na casa dos 35 anos. Postura firme, como se fosse um militar, mas sorridente, feliz por ver a amiga. Ele estava todo vestido de social, com o jaleco por cima, o cabelo era bem baixinho e a barba zerada, muito bem feita.
- Olha quem chegou, caraca, parece uma vida.
- Você que ficou fora por 2 meses marmota. - Ela automaticamente ficou tensa e fechou a expressão quando ouviu ele a chamando de marmota. Eles se abraçaram, como amigos que estavam a um tempo sem se ver, mas com bem menos festa que a Clara.
- Esquece o marmota por favor, aposenta esse apelido. Nunca mais vou conseguir ouvir esse apelido em paz.
- Clara, faz um forte pra mim. Por favor.
- Essa aqui é a Fernanda, ela é pediatra. Trabalhou comigo lá em Portugal.
- Prazer Fernanda. Você fala bem português do Brasil?
- Ela é brasileira, fez faculdade aqui, mas cresceu lá. Fala quase normal, só tem um sotaque.
- Ah, então tranquilo. Carol, o que foi isso de sequestro? To vendo seu rosto machucado. - enquanto ele conversava com a Carol, sentado de costas pra Clara, ela fazia mil caretas e mostrava a língua por tras. E eu tentando não dar risada dela na frente dele, em menos de 5 minutos de conversa dos dois ginecologistas, eu também poderia fazer careta pra ele. Cara chato. Eles ficaram um tempo conversando sobre o sequestro e sobre Portugal. - E o que você precisa de mim? A Clara me ligou ontem pedindo um encaixe pra você.
- Preciso conversar umas coisas com você, podemos ir lá no consultorio?
- Claro. Tudo bem. Estou sem paciente agora, vamos?
- Fer, eu já volto ok?! Me espera? - Ela me deu um selinho, pude ver ao fundo uma expressão diferente do tal Rodrigo. Logo em seguida os dois sairam.
- Ele fez uma cara feia pra mim? Não vai me dizer que o imbecil é homofobico?
- Não, ele é bem tranquilo. Sem contar que trabalha ha mil anos com a Carol e ela dá cada esporro nele que você não tem ideia. A cara feia deve ter sido por ela ter te beijado, ele é super próximo a Christiane, deve ter sido isso a cara feia . Ver que ela seguiu em frente.
- Ah, que pena não. Se eu soubesse teria ficado mais em cima dela, só pra provocar.
- Nem vale se estressar, segundo a Carol ele é um ótimo ginecologista, mas um péssimo amigo. Então nem se preocupa muito. Ele foi um dos que falou pra ela que Portugal era uma ideia sem nexo, e mais ainda deixar a Christiane sozinha no Brasil. Teve tanta importância a fala dele que ela passou um mês lá e voltou com você.
- Se ferrou idiota. Não gostei dele.
- Fe, como ela está? Tirando a cara quebrada claro, ela tá com umas olheiras.
- Hoje peguei ela dormindo no chão da academia do hotel. Levantou de madrugada e foi correr, caiu, bateu a cabeça. Uma beleza. Tá tendo pesadelo por causa do sequestro, fica em panico pra andar na rua. Viu a hora que ele chamou ela de marmota? Ficou toda tensa, travada.
- É que é uma coisa muito recente também.
- Sim, hoje ainda vamos passar lá na delegacia. Ontem a Flavia ligou e pediu pra ela ir lá fazer um depoimento. Não sei Clara, eu acho que ela é forte, firme, mas a hora que cair a ficha do que ela passou vai ser tenso. Ou até já caiu a ficha e essas são as consequências, um estresse pós traumático, algo assim. Eu vou tentar ficar perto em tudo que eu puder, dar apoio. Ela é muito forte, mesmo, mas sei que por dentro tem muita coisa pra colar.
- Tem mesmo Fe. Mas acho que a maneira como ela fica perto de você já é um parâmetro muito bom do efeito que você causa nela. Nunca vi a Carol assim, leve, sorrindo, muito menos quando a louca estava com ela, aí ela era bem mais fechada, não podia olhar nem pro lado direito. Acho que você faz muito bem pra ela, mesmo. Ela tá super diferente de quando saiu pra ir pra Portugal, acredito que venham boas coisas por ai, voces parecem um casal que se encaixa bem.
- Acabamos de sair da advogada. Ela deu entrada no divorcio.
- Sério mesmo? Finalmente, finalmente. Conheço a Carol há uns 3 ou 4 anos, nunca pensei que esse dia fosse chegar. Serio.
- Ela fez eu entrar na sala junto. Acompanhei toda a conversa com a advogada. Agora a mulher lá vai ligar pra louca, ver o lado dela ou algo assim e depois vão se reunir pra assinar o documento. A Carol saiu super calma de lá, sorrindo, leve. Não quero ser a namorada mala, mas acho que ela precisava disso.
- Não acho que você é mala não Fe, acredito na verdade você foi o empurrão que faltava pra ela tomar coragem e sair desse casamento abusivo. Porque era abusivo, muitas vezes as pessoas pensam que o abusivo é só entre homem mulher e que tem obrigatoriamente violência fisica, mas ficar colocando pra baixo, impedindo o crescimento, fiscalizando a movimentação, querendo saber pra onde vai, onde está, tambem é abusivo.
A porta se abriu novamente, mas dessa vez era a Carol retornando, com o rosto inchado, de que tinha chorado, fungando baixinho.
- Vamos Fer?! Ficaram conversando o que vocês duas?
- Sobre Portugal, a Fernanda falou que é lindo lá, que eu preciso conhecer.
- Precisa mesmo Clarinha. É lindo. A encosta do rio Douro então… é apaixonante. a noite vamos lá no Gigio, aí te mostro algumas fotos de Portugal.
- Eu quero ver sim e você precisa me contar como foi lá, do hospital.
- Sim sim. Passo na sua casa umas 19 horas, vou chamar o Lucas também, ver se ele quer ir, tô morrendo de saudades do Bruno bolotinha.
- Ele é tão lindo. É um fofo Carol. Eu nem sabia que ele era seu afilhado, nunca me contou.
- Ele é lindo não. É meu afilhado sim, mas ele nem me chama de madrinha, sou a tia “Caol”, ele aprendeu o Caol faz pouco tempo, eu era só “Aol” no começo. Ele me dá tanta alegria, me coloca pra cima, é como um filho que eu nunca tive. Enfim, a conversa das maricotas aí está bem boa, mas Fer, partiu? Precisamos ir no hospital agora, fazer a tomografia que você quer tanto que eu faça e depois passar na delegacia ainda. O dia é longo.
Fim do capítulo
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