Capítulo 41
Capítulo 41 - Christiane
Acordei com um barulho no quarto, meus olhos estavam difíceis de abrir. Quando consegui enxergar além do embaçado, vi a Maria Luiza sentada em uma cadeira, na lateral da cama, com a perna machucada sobre a cama, me olhando fixo, séria.
- Que horas são Malu? Perdi a noção do tempo. Precisava dormir.
- Christiane, consegue me dizer porque sua mulher veio aqui em casa hoje? Para te esclarecer, estou falando da Caroline.
- Do que você está falando?
- Da sua mulher, que foi sequestrada. Para de se fazer de idiota.
Eu devo ter ficado branca, absurdamente, enquanto eu dormia o mundo caiu. Dormi para conseguir mais tempo para pensar e fazer algo. To ferrada.
- Malu, deixa eu levantar, lavar o rosto, escovar os dentes e a gente conversa. Pode ser?
- Não, eu quero conversar agora. Foda-se que você estava dormindo. - ela falou praticamente gritando, deu para ver que ela estava bem irritada com o que aconteceu.
- Realmente, eu estava dormindo Malu. Deixa eu levantar que conversamos. Não estou te enrolando, só quero escovar os dentes e lavar o rosto. Posso? - falei do jeito mais calmo possível, ela já está bem agitada. Ela me respondeu apenas com um aceno do rosto, autorizando.
Levantei da cama, abri a janela do quarto. Só então pude ver que já era de noite, devo ter dormido definitivamente o dia todo. Tudo bem, não tinha muita coisa o que fazer mesmo, não imaginei nunca que a Caroline iria aparecer aqui em casa, logo depois de um sequestro. Mas estou extremamente errada, ela não só apareceu como falou com a Malu. Lavei meu rosto, olhando no espelho, eu definitivamente perdi a linha de muita coisa. Olha o caco que me tornei.
- Pronto Malu, senta aqui, vamos conversar. Com calma ok?! Sem gritaria.
- Fácil pra você me pedir calma. A garota chegou aqui, que é a casa dela, mexendo em tudo e eu com cara de merd*, sem saber absolutamente nada. Sem contar que você é casada, como assim? Não acha que eu deveria saber pelo menos desse detalhe?
- Malu eu não imaginei que ela fosse vir aqui. Não mesmo. Por isso eu fui dormir, para estar bem para essa nossa conversa, eu ia te contar hoje de todo jeito.
- Como você quer que eu acredite? Caraca Chris, quantas vezes eu te perguntei se estava bem, se queria me contar algo, quem era essa amiga sua que foi sequestrada. Como posso acreditar em você agora? Sem contar que estou com você a um mês e meio, é muito pouco tempo para conhecer alguém e percebo que não te conheço nada.
- Eu errei com você, tenho errado com muitas pessoas.
- Errou quando não me contou nada. Cara, se formos ver, quando você começou a dar em cima de mim você era casada, se considerarmos que a garota saiu de casa faz um mes e pouco. Cacete, que caráter você tem!
- Malu, você me ofende assim. Só eu sei a merd* que estava o meu casamento e o quanto estava me sufocando.
- Tá, mas se ela tem a chave da casa é porque vocês são casadas.
- Ela saiu de casa para darmos um tempo no casamento, para pensar se queríamos ficar juntas. Mas ela já foi para Portugal porque tinha uma amante lá, sempre teve mulher envolvida. Então quando ela colocou o pé fora de casa, pra mim, o casamento acabou..
- Tá, mas se o casamento acabou, porque você passou esses dias todos na casa de “sei lá “quem, porque ela tinha sido sequestrada?
- Ah, por respeito ao que tivemos um dia. Pra você ter noção, quando eu cheguei lá na casa do irmão dela, tinha uma portuguesa lá, a amante da Caroline. Pensa como foi difícil pra mim segurar essa barra, ver a outra ali e ter que ser educada.
- Já pensou que a coitada da menina que veio aqui hoje passou exatamente pela mesma situação.
- Você está do lado dela?
- Chris, a essa altura da minha vida, eu estou do meu lado, já entendi que me meti num casamento falido de um casal que nem conheço, por uma questão mínima de respeito e se me permite, de autoestima, eu me retiro desta merd* toda e vou ir embora.
- Não!
- Não o que?
- Não tem que ir embora. Não por isso.
- Não sou esse tipo de pessoa, não me envolvo em casamento de ninguém. Palhaçada, e eu achando que você era uma boa pessoa, cuidando da atleta moribunda que quebrou a perna. Você tava me usando para machucar sua mulher. Olha a merd* que você me meteu Christiane. Consegue pensar como você machuca as pessoas?
- Não se coloca como vítima, por favor. Veio aqui porque não tinha ninguém para te ajudar com essa perna machucada.
- Jamais teria aceitado se eu soubesse de tudo isso. Que você é casada, que estava se separando. Jamais me meteria nessa história. Você me encantou, pelo cuidado, pela forma como me acalmou. Mas não vale o problema todo. E outra, em nenhum momento você se preocupou com o sentimento que eu estava cultivando por você, não teve coragem de ser honesta em nenhum momento. Cara, você escondeu as coisas da sua mulher para me enganar. Que tipo de pessoa faz isso? Que tipo?
- Eu não escondi nada, liberei algumas gavetas para você.
- A menina tava puta, as coisas dela estavam todas jogadas lá naquele quartinho que você não deixa eu entrar. Ela me deu isso - apontou para o canto da cama - o album de casamento de vocês.
Caralh*, eu estou muito ferrada, a Caroline veio em casa, viu tudo escondido, viu a Malu, deve ter visto eu em coma, dormindo. Como vou ter cara para falar com ela agora? Como?
- Ela te deu o álbum de casamento?
- Sim, ela jogou em mim, falou que era pra eu ver com que pessoa eu tinha me envolvido. Cacete, que casamento lindo vocês tiveram. Todas as fotos são perfeitas. Eu chorei em cada uma, não porque achei bonito, mas de raiva de você. Raiva porque eu sempre sonhei com isso e você tem e está jogando fora, e porque confiei em você, acreditei em você e você mentiu pra mim. Como posso olhar pra sua cara de novo? como posso te respeitar? Chorar não adianta em nada Christiane, não muda nada da merd* que você me meteu.
- Quer que eu faça o que agora Maria Luisa? Eu errei, sei disso. Pedir desculpas não vai resolver nada. To chorando porque sei que errei e errei feio.
- Nem quando você era é capaz de se desculpar, assumir que é um ser humano ruim. Me fala uma coisa, esse mês todo, em algum momento você pensou em me contar? Em ser honesta? Caraca, fico pensando nas vezes que você dormiu comigo, nessa cama mesmo, a mesma cama que você usou com sua mulher, que respeito você tem por ela? Talvez ela esteja bem certa em ter arrumado alguém diferente de você.
- Ela me trocou por outra bem antes de tudo isso.
- Para de colocar a culpa em outra pessoa, assume sua parte nisso tudo. Não quero saber do seu casamento, não tenho nada a ver com vocês. Quero que você assuma a merd* que fez comigo, acreditei em você. Acreditei no seu carinho, no seu cuidado.
- E aí Malu?! Quer que eu faça o que? Qual o próximo passo?
- O seu eu não sei, mas o meu é sair daqui e nunca mais ver sua cara.
- Agora que sua perna está melhor é fácil você fazer isso. Suas amigas voltaram pra cuidar de você, isso é bem tranquilo.
- Cara, olha a merd* que você falou! Você se faz de vítima dos seus próprios erros. E ainda espera que eu assuma isso. Você tem que procurar ajuda, sério.
- Preciso procurar alguém que me ame, isso sim. Que me ame de verdade.
- Já pensou que pelo menos essa semana ou esse mês, você já perdeu duas dessas pessoas? Será que o erro não está em você? Não está nas suas atitudes?
- Perdi duas pessoas que usaram do que eu tinha a oferecer. Você usou de mim quando precisou, quando estava sem a perna funcional, sem ninguém para cuidar de você. Fácil ter alguém que te leva para lá e pra cá, para fisioterapia. Fácil gostar assim, quero ver se você ainda sentiria algo por mim se eu não fizesse nada disso, se eu não fosse a imbecil que te ajudou. E quanto a Caroline, meu casamento com ela sempre foi uma farsa, é bom ter alguém pra esperar em casa enquanto ela dorme com a secretaria, com a ajudante. Quando eu não aceitei mais isso ela resolveu ir para Portugal.
- Já falei que do seu casamento eu não sei nada, mas posso te dizer que você não tem nada na cabeça. Nunca te pedi ajuda ou pra ser uma cuidadora de mim, quis apenas alguém que fecha junto, que me apoiasse, um amor, alguém com que eu me sentisse perto. Você foi tudo isso, até algumas horas atrás. Mas agora, por falar com você eu tenho nojo de ter te conhecido, de saber que você pensa assim, usa as pessoas sem nenhum pudor, sem nenhum medo. Usa como se todos devessem ser seus, todo o tempo. Você não é um ser humano, você é um robô que usa e joga fora, você não tem coração. Oferece ajuda e cobra cada pessoa depois. Você não merece ser amada, nem por uma pulga. Não merece, jamais.
- Porque ainda está aqui?
- Quis te dar o respeito que você não me deu e conversar com você. Mas pelo visto a deixa já chegou, estou indo embora. Enquanto você estava dopada eu fiz minha mala, já está tudo pronto. Eu to indo embora, essa casa é sua ou da sua mulher, não sei. Talvez ela seja feliz por simplesmente te largar e sumir do mapa, eu te defendi pra ela, mas estou com vergonha disso, ela estava certa do momento que chegou até agora. Impossível amar e respeitar você, acreditar em qualquer palavra que você fala. Absurdo como você usa os outros e fica feliz. Eu não vou ser mais usada por você, procure a próxima coitada. Espero que não ache ninguém, e viva essa sua vida de merd* sozinha, sem ninguém, nem uma mosca para olhar por você.
- Sai daqui garota, some Malu. Eu que fui trouxa de acreditar que você poderia ser alguém diferente pra mim. Pode ir embora. Eu não quero nunca mais te ver. E espero que sua perna quebrada nunca mais funcione. Nunca mais.
- Que bosta que você é Christiane! Que bosta! Como existem pessoas como você? Como? - Ela levantou com a perna manca, e saiu do quarto, sem olhar para trás, sem pensar outra vez.
Uns 10 minutos depois eu ouvi o barulho do portão sendo aberto e depois o barulho dele batendo, fechando, deve ter ido embora, deve ter ido embora, ter ido para o infinito e além, ter simplesmente escolhido o caminho mais fácil. Todas sempre escolhem o caminho mais fácil, o caminho sem obstáculos. Olhei rápido no relógio, até o plantão de amanhã são mais umas 12 horas, tenho tempo para dormir mais e apagar mais um tempo. Com o frasco ao meu lado, peguei mais 2 comprimidos de anti alérgico, virei eles rapidamente com um gole do vinho quente que estava do lado da cama, virei para o lado e esperei o novo efeito, esperei dormir mais um tempo, sem ninguém gritando na minha cabeça, me acusando dos erros que elas próprias cometem.
Quando acordei no susto já se passava das dez da manhã. Cacete, faltei no serviço. Antes de qualquer coisa peguei meu celular para ligar para a minha chefe e percebi que estava com zero de bateria. Coloquei ele rápido na tomada e fui ao banheiro. Eu estava tão dopada da medicação que tomei, que não era capaz nem de andar direito, de saber onde eu estava, tudo ao meu redor rodava, como se não houvesse um ponto fixo para focar e direcionar minha movimentação.
A primeira coisa que fiz quando voltei a cama foi ver se o celular havia carregado um pouquinho pelo menos a ponto de ligar no hospital. Quando eu peguei ele na mão percebi que tinhas várias ligações perdidas, inclusive do hospital. Ainda com o celular na tomada disquei o numero da minha chefe e disquei.
A nossa conversa durou uns 2 minutos, ela até que foi uma pessoa bem gentil, apesar de ter me dado uma bela e completa bronca pela minha falta. Entendeu que em decorrência do sequestro da minha “esposa” eu estaria perdoada pela falta, mas o dia será descontado do meu holerit e eu terei que cobrir outra enfermeira em outro horário, como punição a minha falta. Posso dizer que apesar de ter faltado e tudo mais, as consequências foram até pequenas. Agradeci ela de mil maneiras e pedi mais outras mil formas de desculpas.
Meus olhos claramente ainda estavam fechando por conta do remédio, meu corpo queria dormir e dormir por mais muitas horas. Rapidamente olhei o celular, dentre as ligações perdidas estavam várias do hospital, o que era bem esperado pela falta, mas esse item eu resolvi. havia ligações da Ana, a coitada deve estar preocupada, respondi pra ela em um áudio: - Aninha, bom dia. “Miga”, perdi a hora, estou em casa, está tudo bem. Tomei um antialérgico ontem e o efeito foi maior que o esperado, estou bem. Quando sair do trabalho me liga. Beijos - As outras ligações seguintes eram de 2 números desconhecidos, retornei a ligação em ambos. Nos dois números a atendente falava: Escritório de Advocacia Silveira e Mota. Era mais isso que me faltava um advogado atras de mim. O que será que querem?
A garrafa de vinho ao meu lado estava vazia, mesmo cambaleando a minha reação foi descer a escada e ir até a cozinha. Tenho certeza que ainda tem vinho da Caroline aqui. Dito e feito, tem mais um daqueles vinhos idiotas que ela comprava para alguma data boa, gelado, pela metade na geladeira. Não pude deixar de rir comigo mesmo, se ela veio aqui em casa, deve ter visto que eu bebi todos ou praticamente todos os vinhos da coleção dela, ela deve ter ficado irada, querendo me matar. Peguei o vinho gelado, com a rolha já entreaberta, com um leve toque ela já abriu. Mais uma vez, com a imagem da Caroline na minha mente eu virei um gole gigante de vinho. Cacete, esse é horrível, é daqueles secos, sem gosto, mas que ela achava super elegante e delicioso. Ch*pa essa cana, vou beber mais esse, sozinha, sem ela reclamando de paciente ou da vida.
Levei a garrafa para o quarto, só lembro que subi a escada com dificuldade, tropeçando em alguns degraus. O vinho era horrível, mas continuei bebendo, gole após gole, odiando a Caroline ter ido embora, odiando a Malu ter ido embora, mas acima de tudo me odiando. A cada gole eu desejava mais esquecer quem eu sou, esquecer minhas merd*s. Só faço merd*.
Mais uma vez meus olhos doíam para abrir, não tenho ideia de que horas são, de que dia ou onde estou. Doi, o resumo é que dói. Alguém falava comigo, mas era um som tão ao fundo, como se fosse em outra vida. O som foi ficando mais algo, mais nítido, como se meu cérebro tivesse se sintonizando, como um rádio. Alguém segurava meu rosto e me chamava, com calma, mas com um som fodidamente alto, parecia gritos. Quando finalmente consegui fixar o olhar, percebi e reconheci a Ana, acho que ela é a única que não me abandonou ainda.
- Acorda Christiane. Acorda.
- Não grita. Tá gritando.
- To falando normal, você que está bêbada, caída, vomitada. Que porr* é essa Chris? Olha o que você se tornou. - minha vontade era xingar ela, mandar ela sumir, mas talvez ela seja a única pessoa que sobrou pra mim, a única que de algum modo me suporta.
Era a Ana que estava me chamando, a única pessoa que ainda cuida de mim e por sorte tem a chave da minha casa. Eu estava sentada ou caída na escada, largada. A garrafa de vinho estava ao meu lado, vazia, tombada.
- Quando foi a última vez que você comeu?
- Não “to” com fome.
- Não te perguntei isso. Perguntei quando foi sua última refeição? E cade a Malu?
- Foi embora!
- Foi?
- A Caroline veio aqui, encontrou a Malu. Depois ela foi embora.
- Levanta daí, vamos tomar um banho. Depois vou pedir alguma coisa pra você comer. Deve ter comido a mil horas atrás. Bebeu quanto?
- Não me enche Ana. Me erra! - Quando eu falei isso, ela automaticamente pegou o meu rosto, segurou ele com as duas mãos e olhou serio pra mim, continuou a falar.
- Christiane, eu sou a única pessoa que sobrou aqui. Cadê a Carol? Cadê a Malu? Cadê sua mãe? Cadê qualquer pessoa? Não faça a unica pessoa que ainda está olhando e cuidando de você ir embora. Então pode parar de grosseria e ignorância comigo. Chega! Acho que está na hora de levantar a cabeça e assumir as merd*s que fez e melhorar, acordar para a vida, mudar. Elas foram embora, você tem culpa nisso, tá na hora de assumir. Olha você! olha como você está! olha essa casa! Parece um chiqueiro, você faltou a emergência, coisa que você mais ama no mundo! Pra que? Pra beber e ficar jogada gorfada? Tenha vergonha de quem você se tornou! Levanta daí agora. Vai tomar um banho, colocar uma roupa limpa. Agora!
Ela mais uma vez, com a expressão séria e intensa, levantou da escada, esticou a mão pra mim. Eu aceitei a ajuda. Assim que levantei senti meu corpo rodar e a visão ficar escura, com estrelinhas. Minha pressão baixou, claro, bebi igual uma porca e não como há uns dois dias. O corpo iria chorar mesmo. A Ana continuou me segurando e me orientando - abaixa a cabeça, respira fundo, devagar, respira - Alguns segundos depois a visão foi voltando e a sensação de pernas bambas foi sumindo. Consegui levantar a cabeça novamente e enxergar nítido de novo. Com a ajuda da Ana subi os degraus que faltavam e segui para a direita, indo de encontro ao “meu quarto”.
- Nossa, Chris. Isso aqui está um nojo. Entra pra tomar banho que eu vou pelo menos abrir essa janela e deixar entrar um ar. A Caroline está viva, mas se tivesse morrido e visse esse quarto, rodava no túmulo. Ela toda organizada que é.
- Para de falar da Caroline. Por favor. - Ela acenou com a cabeça, como se concordasse, na verdade respeitasse.
Assim que entrei no banheiro parei de frente para a pia e olhei no espelho. Eu realmente estava um fim de feira. Meu cabelo estava sujo, oleoso, com vomito. Meu rosto estava destruído, com olheiras gigantes, uma parte por ter ficado horas acordada por causa do sequestro da Caroline, mas uma boa parte pelo tanto que eu bebi. Minha cabeça dói como, como se ondas de pressão batessem e voltassem, a todo o tempo, apertando cada milimetro do meu cérebro.
Quando sai do banho, meu quarto já estava com uma outra cara. A Ana simplesmente abriu a janela, deixando uma boa luz entrar. Esticou a roupa da cama e levou pra algum lugar uma pilha de roupas sujas que estavam no canto do quarto. Senti um cheiro bom vindo da parte de baixo da casa, mas ao mesmo tempo senti meu estômago dando mil voltas, um pouco pelo enjoo do álcool, outro tanto pelo tempo absurdo de jejum.
- O cheiro da sua comida é sempre muito bom Ana.
- Nossa, sua cara está até um pouco melhor. Nada como um banho e uma roupa limpa não. Tomou uma medicação para ressaca?
- Sim, depois do banho eu peguei uns comprimidos e tomei.
- Ótimo. Quer conversar alguma coisa? Me contar qual é essa novidade de encher a cara?
- Ai Ana, eu já fiz tanta merd* nessa vida, que minha vontade é beber. Beber até cair e até eu morrer. Sei lá, pelo menos esquecer dos problemas.
- Já pensou que quando você acorda tem uma puta ressaca e os problemas continuam com você?
- Infelizmente eu estou percebendo isso.
- Cara chris, e essa sua casa? Tá imunda! Faz um tempo que eu não venho aqui, mas sei que não era assim. O que está acontecendo com você?
- Não sei, acho que eu quis tanto irritar a Caroline, mostrar que posso ser diferente dela, posso ser independente dela. Ela sempre foi a louca da organização, tudo milimetricamente organizado, cuidadosamente limpo. Quis mudar tudo, quis irritar ela.
- Deu certo ou você só se prejudicou e se machucou mais?
- A gente não pode mudar de assunto não?
- Não. Não vou mais aparecer na sua casa para te salvar assim. Então vamos falar sobre isso. Já ligou pra ela depois que acabou o sequestro?
- Não. Ela veio aqui, viu a Malu, pegou o carro dela e depois a malu foi embora.
- Chris, nem quero ouvir você falando da Malu. Você conheceu a menina tem no maximo um mes, era mais que óbvio que quando ela descobrisse ela iria embora. Se não fosse, eu consideraria ela tão louca quanto você. Esquece ela, esse não é seu problema maior agora. A Carol voltou pro Brasil, descobriu você morando com outra pessoa, foi sequestrada, você não se deu ao trabalho nem de ligar pra ela. Se existia uma chance no seu casamento, que diga-se de passagem eu duvido, não existe mais. De todo jeito vocês precisam conversar, nem que para colocar um ponto final de verdade.
- Ela deu meu album de casamento para Malu. Ela estragou tudo que eu tava começando.
- Você tava começando uma casa sem coluna, com tijolo de péssima qualidade e sem cimento. Fique feliz que caiu antes da primeira parede ficar em pé. Vamos fazer assim, você almoça um pouco, descansa e depois liga pra Carol. pode ser? Fico aqui do seu lado, segurando sua mão e te dando apoio.
- Não quero falar com ela.
- Talvez você precise disso para começar a entender que acabou. Que você esnobou tanto que perdeu a única mulher que realmente te amou na vida.
- Vamos comer depois vemos isso - ela não respondeu, apenas me olhou com uma cara de que a conversa não havia terminado, mas respeitou e fez silêncio.
Posso considerar que tudo que a Ana falou é verdade. Minha casa está um lixo, imunda. Eu estou bebendo todo o álcool que nunca tomei na vida, investi na Malu claramente só para machucar a Carol, mas no final eu estava tentando esconder que eu fui responsável por muitas das merd*s do meu casamento. Eu poderia ter apoiado ela em relação a Portugal, ter ido junto. Agora ela conheceu outra mulher, alguém que aparentemente gosta bem dela já que pegou um jato para acompanhar o sequestro. Eu não tive nem coragem de ligar pra ela, ver se ela está bem.
Quando bati o olho no meu celular, ele estava vibrando, loucamente. Era o mesmo numero que de manhã, do escritório de Advocacia. Já tinha mais 3 ligações perdidas, resolvi atender, a final, deve ser alguém realmente querendo falar comigo por insistir tanto assim.
- Pronto.
- Por favor a Sra Christiane.
- Sou eu, quem deseja?
- Boa tarde senhora. Aqui é a Advogada Dra. Nanci Alves, eu represento a Sra Caroline Braga. Eu gostaria de marcar uma reunião com a senhora, para conversarmos melhor.
- Se você representa a Caroline, por que quer falar comigo? Do que se trata?
- Preferia conversar pessoalmente sobre isso.
- Se não falar sobre o que é não vou ir.
- É sobre uma ação de divórcio em relação a senhora. Gostaria de conversar para compreender seus desejos e buscarmos uma forma amigável de resolvermos - Puta que pariu. A Caroline pediu o divórcio mesmo. A Puta não teve coragem de falar comigo, de me comunicar, me avisar, conversar comigo. Puta merd*! Ainda bem que bebi todos os vinhos caros dela!
- Quem é? O que foi? Você está branca Chris.
- É uma advogada, a Caroline pediu o divórcio! Aquela filha da puta fez isso. Não estou acreditando.
Na mesma hora eu desliguei o telefone, foda-se a advogada ou qualquer coisa do tipo. Levantei da cadeira que eu estava e disquei o número da Caroline, tocou 2 vezes e desligou. Liguei de novo, ela desligou novamente. Liguei, serio, 28 vezes. Sim 28 bucet*s de vezes. Eu sou a errada em tudo, sempre, todos jogam isso na minha cara a todo o tempo, mas a rainha do drama, a fugitiva europeia pode pedir divórcio sem nem falar comigo? E eu sou a errada? Isso eu não vou admitir. Não quer me atender, tudo bem, sei onde achar ela, pessoalmente. E se ela bem me conhece sabe que sei falar bem alto e fazer um escândalo com muita classe.
- Christiane, senta aqui. Ela deve estar ocupada, não pode atender o telefone. Relaxa a bisteca aí - A Ana viu o quanto eu queria quebrar a Caroline e tentou de alguma maneira me acalmar.
- Vou quebrar a cara dela. Sério. Isso é além do limite já.
- O que? Pedir o divórcio? Achou que ela iria voltar pro Brasil com um buquê de flores, sorrindo e desejando uma vida juntas? Ainda mais depois de ver você morando com outra pessoa? Acha mesmo Chris? Para com isso. - meu celular começou a vibrar, o número na frente era bem conhecido meu, e a foto na tela também. Era uma imagem da Carol, de biquine, toda morena em uma de nossas viagens anuais. Mesmo essa imagem não me acalmou absolutamente nada. Se eu atender vou discutir com ela, mas quero atender exatamente por isso. Que raiva, que ódio, ódio infinito. - Atende o telefone Christiane. Atendê a Caroline. Respira fundo e atendê.
Respirei fundo, o máximo que eu pude, da maneira como eu pude. Deslizei o botão para a direita, um ato de um milésimo de segundo que na minha visão durou uma vida. Coloquei o celular no ouvido e escutei, do outro lado da linha, a voz áspera e rouca da mulher com quem fui companheira por mais de 10 anos.
- Christiane?!
Fim do capítulo
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