Carlos e Roberta reataram o relacionamento, a advogada dormiu com o agora novamente namorado na noite em que conversaram, ainda tinham que resolver como ficaria o namoro a distância, mas naquele momento, eles queriam apenas recuperar o tempo perdido com tantos erros do passado. Quase não dormiram durante a madrugada, se amaram, conversaram, se reconheceram, era como se eles estivessem se conhecendo novamente, tanta coisa havia mudado, tanto pelo que passaram até chegarem onde estavam.

Era um novo recomeço para os dois, uma esperança de que o universo poderia conspirar em favor daquela família, tudo parecia certo novamente, tudo parecia voltar para o lugar, só faltava Carolina acordar e voltar para eles.

Roberta acordou de manhã para ir trabalhar, e por um momento desconheceu o lugar, até se situar e perceber que tudo aquilo que ela vivenciou durante aquela noite havia sido real e não um sonho, puxou o lençol que cobria seu corpo nu e pôde sentir o cheiro de Carlos que estava por todo o quarto, não o encontrou no quarto de hóspedes no apartamento de Carolina, estranhou a ausência do rapaz, mas sorriu ao lembrar da noite de amor que tiveram, pela primeira vez depois de tantos anos, estava feliz novamente, feliz por inteiro.

Quando pensou em levantar da cama, Carlos chegou com uma bandeja nas mãos e colocou sobre a cama ao lado da advogada. Abriu um lindo sorriso ao ver que ela estava acordada. Ele vestia uma camiseta e um short de pano, os cabelos estavam molhados, o perfume invadiu o quarto fazendo Roberta respirar fundo na tentativa de gravar em seus pulmões aquele perfume delicioso que seu amor exalava.

 

-- Bom dia. – Acomodou a bandeja sobre a cama –

 

-- Bom dia lindo. – Sorriu e jogou um beijo no ar –

 

Carlos não se conteve e se aproximou para beijar a boca da mulher que ele amava, ela estava com os cabelos bagunçados, pequenas olheiras denunciando as poucas horas de sono que tiveram depois de se reconciliar, mas como sempre, para ele ela estava absurdamente linda.

 

-- Eu trouxe para você. – Apontou para a bandeja –

 

-- Que romântico! – Se enrolou no lençol –

 

-- Acordei mais cedo, fui correr, na volta eu passei na padaria e comprei pão fresco, tem suco e algumas frutas. – Descrevia o conteúdo da bandeja – Queijo branco e requeijão.

 

-- Está ótimo! – O beijou novamente –

 

O casal estava feliz, resolver as diferenças do passado liberou um peso enorme que os dois carregavam e agora podiam deixar a felicidade entrar com as portas abertas, sem obstáculos, sem por menores.

Depois de tomar o café juntos, Roberta foi tomar banho para ir trabalhar, Carlos combinou de ir almoçar com ela e depois iria para o hospital saber sobre Carolina, ele não queria mais desgrudar de Roberta, queria estar com ela o tempo que pudesse, como se fosse compensar os anos que ficaram afastados.

Na hora da visita, Carlos chegou para conversar com Izabel e ver a irmã que ainda dormia profundamente. Roberta não pôde ir por causa de uma audiência que teria que participar.

Carolina estava sozinha na UTI, Ângela já tinha feito sua ronda e estava atendendo no ambulatório com Aline e Lucas, a equipe estava junta no plantão.

Carlos conversava com Izabel para saber o prognostico da irmã.

Carolina continuava em estado de coma, ainda estava dentro do prazo que Raquel deu para começar a retirar totalmente os sedativos, dentro da mente aprisionada da cardiologista suas lembranças a levaram a momentos de muita dor, mas também de conquistas e alegrias.

Perdida em seus devaneios, teve uma visão de sua mãe. Estava sentada em um canto na escuridão, encolhida, abraçava os joelhos. Quando ouviu uma voz que ecoava no silêncio em que ela se encontrava, uma voz conhecida, uma voz que lhe acolhia e protegia sempre que ela se sentia amedrontada ou perdida. Reconheceu a voz de sua mãe.

 

-- Carol.

 

-- Mãe? – Levantou a cabeça –

 

Carolina viu uma luz muito forte chegando na sua direção e reconheceu o rosto de Carmem. Abriu um sorriso doído, triste, sabia que aquele contato não era real, mas ele estava acontecendo dentro de seu íntimo. Parecia que finalmente aquela escuridão iria se dissipar.

 

-- Mãe, eu morri?

 

-- Não minha filha, você não morreu. – Sorriu ternamente --

 

Carmem abaixou e segurou a mão da filha, Carolina sentiu o calor de sua mão e a luz se fez ao seu redor também. Ela percebeu que estava sentada no hospital, ao lado de sua cama, e pôde se olhar em meio aos tubos e monitores que a mantinham viva.

Levantou sorrateiramente junto com Carmem e caminhou até a beira da cama, olhou para si mesma e não estava entendendo o que estava acontecendo, se enxergava de uma outra perspectiva, parecia mera expectadora daquela cena.

 

-- Mãe, o que está acontecendo? – Olhou confusa para Carmem –

 

-- Você está em um sono profundo, minha filha, você estava perdida, mas eu vim te ajudar a se encontrar. – Sorriu ternamente –

 

-- Mãe, eu te amo, eu senti tanto a sua falta. – Começou a chorar –

 

Abraçou sua mãe e foi amparada, estava com saudades daquele colo, queria sua mãe de volta, mas isso só seria possível se ela desistisse de viver. Aquelas visões estavam afetando o corpo de Carolina, seus batimentos começaram a oscilar.

 

-- Eu sei, meu amor, eu também senti sua falta. Eu vim para te mostrar que eu estou bem, e que você pode voltar. Você já está tempo demais nessa escuridão.

 

            Nesse momento, Carolina sentiu em seu íntimo que queria descansar, por mais que tinha conseguido alcançar sucesso profissional, sua vida pessoal era nula, não tinha pra quem voltar, não tinha estímulo para lutar e se arriscar novamente. Suas dores estavam pesando mais que suas conquistas.

 

-- Mas eu não quero voltar! – Olhou para a mãe --

 

Nesse momento, o aparelho que monitora o coração da médica mudou o som, o bip cadenciado deixou de bater e o som agudo e contínuo foi o que prevaleceu dentro da UTI gelada.

A escuridão voltou ao redor de Carolina e ela já não via mais nada ao seu redor novamente, apenas a luz de sua mãe, ela estava fraca, desistindo de tudo por sentir aquela dor que teimava em ser mais forte que sua vontade.

As enfermeiras de plantão correram para ver a alteração no quadro da médica e chamaram Izabel que correu com Carlos para ver o que estava acontecendo.

 

-- Doutora Izabel, é a Doutora Carolina. Parada cardíaca.

 

-- Meu Deus. – Carlos olhou desesperado –

 

-- Chama Ângela e Aline.

 

Izabel e Carlos saíram correndo do consultório para a UTI, uma enfermeira já preparava o medicamento para aplicar no soro. Uma correria se instalou no hospital.

Dentro de seus pensamentos, Carolina só tinha atenção para sua mãe. Ouvia os comandos da amiga e a voz de Carlos ao fundo. Percebeu que continuava no hospital.

 

-- Adrenalina, vamos carregar as pás!

 

-- Izabel, o que está acontecendo?

 

-- Carlos. – Disse reconhecendo o irmão –

 

-- Carlos fica lá fora, por favor. – Izabel repreendeu o rapaz –

 

Carolina lembrou-se do irmão do meio, sentia saudades, apesar de não ter convivido tanto com Caio, ela o amava e se preocupava com ele. -- Mãe, você encontrou com Caio?

 

-- Sim, ele está bem, ele sofreu muito, mas agora está se recuperando, ele não pode ter esse contato com você agora, ele ainda está se purificando.

 

Carolina continuava chorando. As dores eram muitas, ela realmente estava cansada de lutar, em seu íntimo só queria descansar, só queria desistir. Sair dali com sua mãe e deitar em seu colo recebendo aquele carinho que ela sentia tanta falta.

 

-- Mãe, eu não quero lutar. Eu quero ficar com você. Eu estou tão cansada! – Sua voz quase falhou --

 

Ângela foi avisada que Izabel a chamou por causa de Carolina, largou o que estava fazendo e saiu correndo pelo hospital, Aline também correu para a UTI, mas ela chegou mais rápido, estava mais perto que a amiga.

A residente corria pelos corredores desesperada. Enquanto Izabel ditava os comandos para Aline.

 

-- Afastar!

 

Izabel aplicou uma carga de choque no coração de Carolina. Não obteve resposta. O elevador demorou, Ângela correu para as escadas e subiu dois andares correndo, rezava para que ela conseguisse chegar a tempo de ajudar a trazer seu amor de volta.

Segunda carga de choque, nenhum sinal da recuperação da cardiologista, Carlos chorava, Izabel mandou que ele ficasse do lado de fora da UTI, ele acompanhou o procedimento através do vidro. Estava com as mãos espalmadas e a testa colada enquanto rezava para não perder a irmã.

 

-- Carolina, olha para mim. – Segurou o queixo da filha –

 

Carolina levantou o rosto e olhou para a mulher mais velha, Carmem estava com o semblante mais calmo e sereno, sem o peso das dores que viveu enquanto estava viva. Ela sorria para a filha, tentando passar confiança para que ela possa retornar para as pessoas que a amam.

 

-- Não é a sua hora ainda. Você tem muito o que realizar, você teve esse tempo para pensar e entender que não é para você deixar a sua vida passar em branco, esqueça as dores do passado, está na hora de ser feliz.

 

Ângela chegou ofegante ao sétimo andar, correndo feito uma louca até encontrar a UTI que abrigava a mulher que ela amava. Nessa hora seus pensamentos não funcionaram como médica, mas sim como uma mulher apaixonada que estava prestes a perder o amor da sua vida.

Izabel tentou pela terceira vez o choque em Carolina e não teve resposta. Os monitores continuavam com aquele som contínuo e irritante. Os aparelhos indicavam que Carolina tinha desistido, mas ninguém queria acreditar ou compactuar com aquela situação.

Aline com muito pesar, sabia que Izabel estava ali lutando por sua amiga, ela sabia que ela não ia desistir tão fácil, mas também sabia que era hora de deixar Carolina ir se essa era a vontade dela.

Carolina continuava a conversa com sua mãe, mas pôde sentir a presença de Ângela chegando na UTI, a energia dela era tanta que lhe alcançava dentro daquela escuridão.

 

-- Eu nunca serei feliz, mãe. Eu sou sozinha.

 

-- Minha filha, você não é sozinha. Seu irmão te ama, suas amigas te amam. – Segurou suas mãos – Está na hora de deixar o peso do passado no passado e viver o amor, o amor está aqui no seu presente, encontre. Está na hora de você descobrir que pode amar.

 

Izabel ia preparar as pás para uma quarta tentativa, ela não ia desistir, não podia desistir de sua amiga. Mas Aline a segurou, era a única que estava pensando como médica naquele momento, Izabel queria trazer a amiga de volta, Ângela queria que sua amada voltasse, ela sabia que as chances eram nulas à essa altura.

 

-- Doutora Izabel, ela se foi. – Segurava as mãos da cirurgiã –

 

-- Não, ela não desistiu ainda! – Lagrimas surgiram em seus olhos – Coloca adrenalina!

 

-- Ela se foi. – Aline repetiu – Temos que declarar a hora.                              

 

-- Não! Faz massagem! – Izabel estava descontrolada – Eu não vou desistir dela!

 

            Carolina escutou ao longe a voz de Izabel praticamente gritando com Aline que não iria desistir de sua vida, sentiu o peito apertar, percebeu o quanto era amada, ouvia ao longe a lamentação de Carlos, e podia sentir o tremor de Ângela, não sabia como, mas sentia a angústia de todos naquela sala.

 

-- Carolina, minha filha, percebe o quanto você é amada? As pessoas precisam de você! Faça o que você sabe fazer de melhor, ajude a quem precisa. – Sorriu –

 

Ninguém queria acreditar que estavam perdendo Carolina. A esperança deu lugar ao desespero, Izabel sentiu o peito apertar, ela estava com um mau pressentimento, algo a estava incomodando desde a última cirurgia.

Uma enfermeira que tinha ligado para Raquel para informar o estado de Carolina a pedido de Izabel, estava com o celular posicionado no ouvido e ficou muda ao perceber que Carolina não reagiu aos esforços de Izabel. Raquel do outro lado da linha já estava dirigindo feito uma louca pelo trânsito pesado do Rio de Janeiro para pegar a Ponte Rio-Niterói e chegar ao hospital Matriz. Ao perceber o silêncio que ecoava no carro, pois estava com o celular no viva voz, sentiu que algo estava muito errado.

-- Alô, você ainda está aí?

 

            Mais um tempo de um silêncio enlouquecedor, seu peito já começou a doer, sentiu o ar faltar e as lágrimas brotavam sem controle, sabia que Carolina tinha desistido.

 

-- O que está acontecendo? Carolina reagiu?

 

-- Infelizmente não, -- embargou a voz –nós a perdemos.

 

            Raquel não podia acreditar no que acabara de ouvir, tinha acabado de entrar na Ponte que ligava a cidade do Rio à Niterói, onde Carolina estava, não poderia mais voltar, sentiu as pernas fraquejarem, ligou o alerta do carro e o jogou para um pequeno acostamento, parou e desligou o celular, segurou o volante com toda força que tinha no corpo e chorou copiosamente. Não lembrava de ter sentido uma dor tão aguda quanto a que estava experimentando nesse momento, estava perdendo sua irmã, uma mulher incrível, guerreira, inteligente e que ela sabia que amava, não como mulher, mas sentia um amor fraternal por Carolina que ela não conseguia explicar, era a irmã que ela não teve na vida.

            Ficou um tempo ali parada até chegar um carro de apoio da concessionária que administra a Ponte, e foi para ver se ela precisava de algum tipo de socorro. Depois de se acalmar um pouco ela resolveu seguir viagem, precisava ver a amiga, se despedir pessoalmente, precisava chegar até Carolina.

 

Vendo todos parados sem ação dentro daquele pequeno quarto gelado, e sem aceitar que seu amor estava desistindo de lutar, estava deixando tudo pra trás, Ângela saiu correndo e passou por todo mundo e gritou como se quisesse alcançar Carolina nas profundezas onde ela estava se escondendo, numa tentativa insana de trazer a médica de volta.

 

-- Não!  -- Correu até a cama -- Carolina, eu te amo!

 

Todos olhavam para ela sem acreditar no que viam, Ângela desabou em um choro desesperado e se jogou sobre a cama da médica a abraçando em um último ato de desespero. A cena parecia saída de um filme, todos pararam o que estavam fazendo para olhar a residente se agarrar em um último fio de esperança que ela tinha.

Aline soltou Izabel e foi amparar a amiga, a abraçou e sentia o seu corpo tremer inteiro, sentiu muita pena de Ângela, não queria que isso tivesse acontecido, esperava que a cardiologista pudesse se recuperar para que elas pudessem viver esse amor que ela via crescer em sua amiga, mas já estava certa que isso não aconteceria.

No momento em que Ângela gritou o nome de Carolina e a tocou, tudo se iluminou novamente em volta da médica e de sua mãe. Carolina sentiu o toque de Ângela em seu corpo e ouviu a sua residente dizendo que a ama em alto e bom som. Aquele toque a trouxe novamente para a luz, trouxe um motivo para lutar e não desistir de sua vida, trouxe uma esperança de que ela poderia sim ser feliz. Aquele toque trouxe calor e vida para Carolina.

Sua mãe olhou para ela e sorriu ao sentir que a filha já não estava mais perdida na escuridão.

 

-- Carol, minha filha, está na hora de ir. – Sorria –

 

            Carolina estava entre a cruz e a espada, desistir de tudo para ficar com sua mãe em um lugar cheio de paz, onde jamais seria machucada novamente, ou voltar e viver, viver para realizar sonhos, cuidar das pessoas, ajudar ao próximo, encontrar o amor e ser feliz.

 

-- Mãe, eu não sei. – Carolina segurou as mãos da senhora –

 

Carmem colocou a mão sobre o peito da filha. – É hora de ser feliz. Vá.

 

Carolina perdeu a noção do que aconteceu, um clarão muito forte explodiu em sua frente cegando a cardiologista. Fechou os olhos e quando tentou abrir novamente, estava sentindo seu corpo físico outra vez.

Os monitores voltaram a marcar os batimentos cardíacos da médica e aquele som contínuo deu lugar aos bipes cadenciados mais uma vez chamando a atenção de todos que estavam na sala.

Izabel olhou para os monitores e finalmente deixou as lágrimas caírem, mas de felicidade.

Carlos não estava entendendo nada, não sabia o que estava acontecendo, ainda chorava, estava inconsolável, seu peito parecia que ia explodir de tanta dor, sentia-se sozinho no mundo sem ter mais ninguém, só percebeu que algo tinha mudado quando abriu os olhos e viu Izabel rindo descompensada enquanto olhava para os aparelhos.

Ângela ainda chorava, não percebeu que tudo tinha voltado ao normal, Aline que a puxou e tentava avisar que Carolina resistiu, ela estava de volta.

 

-- Ela está viva, Ângela. Olha. – Puxou a amiga --

 

Carlos ouviu isso e entrou na UTI para ver a irmã, Izabel começou a rir de nervoso e lágrimas de felicidade escorriam em seu rosto.

Ângela olhava sem acreditar no que estava acontecendo, abraçou Aline e chorou emocionada, enterrou seu rosto no pescoço da amiga e deixou a emoção tomar conta de si.

Quando todos menos esperavam, Carolina respirou fundo e abriu os olhos.

Ela estava viva, Carolina voltou da escuridão para se juntar novamente aos que a amam.

 

-- Meu Deus! Carol! – Izabel colocou a mão na boca –

 

Todos olharam para ter certeza que a médica realmente tinha acordado, Carolina piscou algumas vezes e olhou para cada um que estava ali com ela. Uma lágrima escorreu de seus olhos, voltou para cumprir a promessa silenciosa que fez a mãe, era hora de ser feliz.

Fim do capítulo