A Italiana por Sam King
CapÃtulo 26 - Voltando para Casa
Clarisse joga os papeis em cima da mesa desacorçoada, estava desde a tarde anterior averiguando cada gasto da fazenda, documentando porcamente pelo marido. Mas o pouco que conseguiu entender, ele havia hipotecado as terras da sua família. Terras que pertenciam há mais de cem anos aos Oliveiras, terras que pensava em deixar ao seu filho. E agora além de destruir tudo, se via sem um lugar que poderia chamar de seu. Onde iria criar seu filho, e onde colocarias os poucos restantes empregados da fazenda.
Levanta-se desesperada e culpada. Todo o legado perdido por um erro que lhe custara muito mais que seu lar. Então uma criaturinha corre pela porta entreaberta, e se sente mais culpada ainda, porque sem aquele casamento seu filho não existiria. João pede colo e o concede. Com o coração aos prantos agarre-se nele , temendo pelo futuro incerto. Não soube precisar o tempo que ficou ali acalentando João e a si mesma, quando uma Chica toda esbaforida e parecendo que tinha visto fantasma adentra a porta. Com medo, mas sem querer transmitir a João que dormitava no seu peito pergunta:
- mas o que há agora?
- ela voltou.
Clarisse fica completamente confusa, mas do que sua amiga falava. E antes de conseguir perguntar , Chica diz entre feliz e estupefata:
- vem comigo.
E Clarisse segue a amiga até a porta de entrada do casarão, nota as duas figuras femininas vindo devagar na estrada de terra, elas deveriam estar alguns quilômetros ainda, mas Clarisse sente seu corpo vacilar e suas pernas tremerem. Sem conseguir segurar mais o filho, o deposita com cuidado no colo de Chica, e sem saber como se vê a apoiada no corrimão da varanda. Seu coração saia pela boca, sua mente não conseguia conectar com seus olhos. Só podia estar sonhando novamente. Mas as duas moças param a alguns passos da escada, e dessa vez Clarisse sente o choque percorrer todo o seu corpo, porque ali parada como se os anos não tivesse passado, ainda que totalmente diferente, está Amélia.
Amélia encarou a amor da sua vida parada naquela varanda como se estivesse vendo um fantasma, mas também pudera depois desses anos todos. Esboçou um sorriso sincero, ao qual não foi correspondido. Sentiu seu peito afundar, então com custo olhou para o lado e viu Chica parada com a expressão abobalhada com uma criança no colo. O filho de Clarisse. Não soube precisar se a amiga estava feliz ou não em vê-la, e assim ficaram as três sem se falarem até que Del resolveu dar fim ao martírio:
- boas tarde senhoras, mas será que poderíamos entrar um pouco, estamos andando há algum tempo sob esse sol escaldante.
- mas "craro"... subam.
Disse Chica com um sorriso que Amélia conhecia muito bem, o sorriso que dava quando via uma mulher bonita. Mas antes que pudessem colocar o pé no degrau, Clarisse saiu do seu estado de estatua e avançou para frente da escada colocando as mãos na cintura e sem nenhuma emoção na voz fala:
- tu nunca mais irás pisar nessa casa.
Amélia podia ver a raiva e magoa escondida sob os olhos frios, sabia que tinha feito muito mal a ela. Então sem se assustar começa a subir os degraus ficando apenas alguns abaixo dela. Por um momento distraiu-se com um machucado já clareando sob o olho direito, sentiu a fúria correndo no sangue, mesmo tendo lido o que era o casamento deles, sabia que não sabia nem um por cento. Mas tentou esconder tudo, e apaziguadora:
- por favor Clarisse, me deixe entrar apenas alguns minutos, posso explicar tudo o que aconteceu.
Clarisse desce alguns degraus e as duas se encaram tão próximas que o perfume de jasmim dela enche os pulmões de Amélia, nunca esquecera aquele cheiro. Sem parecer nenhum pouco abalada com o reencontro Clarisse continua implacável:
- não precisa italiana - as palavras dita com desprezo que Amélia nunca tinha visto antes nela - sei muito bem o que ocorreu. Tu pegaste o dinheiro que minha mãe deu e foi sem olhar para trás. Não sei o que queres agora!
Ante que Amélia pudesse perguntar do que ela falava , todos se assustaram com o choro da criança. Que esperneava no colo de Chica, que colocou no chão e Clarisse esqueceu do embate e foi até o filho. Nesse momento Chica cochicha algo no ouvido dela, que a encara irritada, mas não diz mais nada adentrando na casa sem olhar para trás. Chica toma o lugar de Clarisse e encara Amélia profundamente, e depois pergunta seríssima:
- porque "vortou"?
Amélia poderia ter dito varias coisas, como queria ajuda-las, devolver as terras a sua dona de direito, que sentia saudades de todos, mas disse a única verdade que cabia no momento:
- porque a amo Chica, e nunca consegui esquece-la.
Chica a analisa por um tempo e depois a abraça apertado.
- que bom que voltou minha amiga, senti saudades de ti prenda.
E as lágrimas correram soltas quando a cozinheira a chamou pelo velho apelido
As três instalaram-se na cozinha, afinal Chica havia convencido Clarisse que elas poderia entrar. Chica serviu água a duas viajantes, e Amélia percebe que não conseguia tirar os olhos de Del, que nem percebia a atenção que recebia, constatou que sua amiga não tinha mudado muito afinal. Pigarreou para chamar a atenção dela e pergunta:
- o que a Clarisse quis dizer que peguei o dinheiro e fui embora Chica?
- ah.. Amélia isso é um negocio que ela leu no diário da dona Bernadete , mas e melhor ela te contar.
- Chica não peguei nada, fui ameaçada para sair daqui.
Diz Amélia nervosa , já levantando indignada, era só o que faltava que mesmo depois de morta aquela mulher ainda mentiria. Então foi como se a voz de Isa sussurrasse no seu ouvido.
" calma amor, tudo terá explicação"
Ela quase responde em voz alta, mas sabia que aquilo era apenas sua imaginação, Isa sempre a acalmava. Coloca o copo sob a mesa e diz:
- preciso conversar com ela Chica, tenho que esclarecer muitas coisas.
- acho que tem razão , mas tens que ir Amélia.
- porque?
- porque o Rodolfo e bicho ruim, e ele pode esta "vortando" a qualquer momento, "num" vai ser bom ele te pegar aqui.
- não te preocupes amiga, aquele pandega não pisa mais nessa casa.
- do que falas?
A voz de Clarisse a faz se assustar e Amélia vira rápido, ela está parada na porta com braços cruzados e os olhos em fúria. E Amélia a achou linda, calma diz:
- e por isso que precisamos conversar, tenho noticias sobre seu marido.
As duas se encaram e depois resignada Clarisse diz:
- vem comigo.
E ao adentrarem mais a casa Amélia sentia as lembranças voltando de quando vivera ali, se a terra seca a impactara por estar morta, ali ainda retinia aconchego e parecia o seu velho lar. Entram na biblioteca e Amélia fita tudo com nostalgia, principalmente as horas que aprendeu as letras com Clarisse, ou quando fugiram do baile para se beijarem ali. Quando fita Clarisse percebe que mesmo sob a fria indiferença, sabia que as lembranças também a tomava. Sem olhar diretamente a italiana , Clarisse aguarda a informação:
- Rodolfo está preso na capital.
Os olhos castanhos penet*am os azuis, e pela primeira vez as duas estremecem juntas, mas Clarisse se aproxima dizendo:
- porque?
- ele foi preso pelo assassinato dos seus pais.
Clarisse cambaleia, mas Amélia estava ali para ampara-la e se dependesse nunca mais iria a lugar nenhum.
Quase nem sentiu quando foi acudida por Amélia, lembrava-se do fatídico dia que recebera a noticia do assassinato dos pais, depois do quanto cobrou Rodolfo para que pressionasse as autoridades, e em troca recebera tapas e pedidos de silêncio. E todo tempo era o calhorda que os matara, como se a humilhação de apanhar dele, ser violada a cada noite não fosse muito. Sentiu o desespero que sentia antes vertesse em lágrimas, sua mente parecia que explodiria, ainda assim sentiu os braços de Amélia a envolver em um abraço, sem mais forças chorou ali.
O impacto da noticia não demorou a passar , talvez lá no fundo Clarisse sempre soubesse que tinha casado com um monstro. Quando ficou mais calma saiu dos braços de Amélia, e sentiu raiva de si porque estava muito bom, mas ainda estava com a magoa entranhada e dificilmente deixaria a italiana voltar para a sua vida, com rispidez pergunta:
- como sabe que ele foi preso, e afinal de contas para que voltaste?
Sentiu hesitação em Amélia, podia ter quase a certeza que ela iria responder outra coisa ao invés de:
- voltei porque precisava esclarecer as coisas, minha sócia sabia desse meu desejo e fez uma investigação sobre tua vida.
- mas o que? Como te atreves Amélia!
Amélia tenta chegar mais perto de Clarisse, mas esta rechaça o movimento e acaba se afastando, a italiana desiludida apenas continua a narrativa:
- não quero ser invasiva, nem ela queria- e por um momento o olhar de Amélia se nubla e brilha, como se falar sobre a deixasse triste - mas queria saber se estavas bem, se eras feliz.
- ainda não acredito que fizeste isso. E então descobriste que fui um saco de pancada por todos esses anos, que meu marido é o pior homem que existe na face da terra.
Clarisse tentou passar indiferença, mas a dor e vergonha fizeram sua voz tremer, começou a andar inquieta pelo ambiente que lhe trazia tantas lembranças boas. A voz de Amélia continha um tom de raiva quando falou:
- o odeio tanto Clarisse, que estou me empenhado ao máximo para ele ter a pena de morte.
- e o que ele merece.
Diz sem nenhum remorso sobre o pai do seu filho.
- foi assim que o detetive contratado descobriu tudo, e assim que soubemos , foi entregue a policia. Por isso não te preocupes nunca mais ele irá te incomodar.
Clarisse para de andar e encara Amélia, pela primeira vez avistou o quanto ela está diferente. Até então não tinha reparado nas suas roupas sofisticadas, apesar de serem masculinizadas, achou bela, sua libido atiçou-se em seu corpo. Lembrou-se quando há anos ela invadira seu quarto vestido de menino. Voltou a caminhar, a italiana mal tinha voltado e já lhe despertara milhares de sentimentos tanto no coração quanto no corpo que julgava mortos. Ironica diz:
- viraste a minha salvadora, devo agradecer imensamente ... o abandono sem nenhuma despedida e seu bolso cheio de dinheiro. - ela para alguns passos de Amélia e ferina solta - se era dinheiro que visava , não precisava me iludir, te daria como o maior prazer ou talvez usar meu corpo também era o que queria.
Amélia fica enfurecida e agarra o braço dela com certa força, não para machuca-la, mas aquilo e parecido demais com tudo que havia vivido ao lado de Rodolfo, e por um instante e catapultada para o passado. Seu corpo reage automaticamente, se retrai toda e sua mão levanta-se protegendo o rosto. Mas nada acontece. Apenas quando fita a assombração de Amélia que se dá conta da idiotice que cometera, e tenta soltar seu braço , mas ao invés disso, mais uma vez e envolvida nos braços da italiana, Clarisse apenas se deixar abraçar, a italiana diz com a voz suave e cheio de carinho:
- amore mio,nessun altro ti fara mai del male, lo prometto. (amor meu, ninguém mais te fará mal, te prometo).
- não prometa mais nada, todas as suas promessas foram quebradas Amélia.
E mais uma vez ela tenta sair do agarre da italiana, mas Amélia apenas a segura pela cintura e segura seu rosto em uma das mãos, os olhos azuis estão quase transparente e neles pode enxergar a verdade do amor de Amélia, mesmo que não quisesse acreditar ainda:
- nunca peguei dinheiro da sua mãe, ela me expulsou daqui sob a ameaça de me casar com o Aurélio, era uma menina Clarisse, tive medo dela cumprir a ameaça. Nós éramos duas crianças, amore mio. Mas saiba que todo esses anos só pensei em voltar para ti.
- e porque não fizeste?
- tantas coisas aconteceram amore mio, mas não quero mais saber do passado, quero o presente e que me conceda a chance de um futuro contigo.
- o passado me define Amélia, não podes voltar para minha vida como se nada tivesse acontecido.
E antes de Amélia solta-la, segura seu rosto com as duas mãos:
- eu te amo, acredite nisso.
E a beija, e Clarisse até tenta resistir, mas ter os lábios amados sob os seus a deixa enlouquecida, e agarra o pescoço da italiana para trazer para mais perto, e naquele instante vive o presente de beijar a mulher amada.
Fim do capítulo
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