– Tá, – balançou a cabeça – é melhor eu ir.

– Melhor eu desistir mesmo, vai. Com certeza é o melhor a fazer.

As palavras de Mel a fizeram parar, e perguntar incrédula:

– O que quis dizer com desistir, de que você vai desistir mesmo?

– Você me esnoba e nem faz força para fingir que não faz isso por querer. Vai, cansei.

– Para, não estou te entendendo.

– Ou você me acha muito besta, ou nem sei o que pensar. Mesmo depois de tudo o que falei não percebeu que estou a fim de você. Merda de frase adolescente, droga. Mas é isso.

A médica achou engraçada a forma “descontrolada” da professora e tentou argumentar, mas não conseguiu.

– Você acha engraçado! Entendi, deboche é a sua praia, não é. Eu vou superar isso.

– Ei, – voltou a sentar ao seu lado – continuo sem entender o que está dizendo. Será que podemos conversar?

– Afff! – levantou irritada: – Você é sempre assim? Pelo amor de Deus, é só somar dois mais dois.

– Vou fingir que não estou incomodada com a forma que tá falando comigo. E sim, eu não estou entendendo o que quer dizer. A não ser que queira me colocar como o próximo número de sua lista, porque se for isso, o beijo já deve servir para tal.

– Sai da minha casa, agora!

– Calma, não precisa gritar. Estamos conversando.

– Cansei, Valentina! Já mandei, – abriu a porta irritada – sai daqui.

– Mas Mel, eu...

Foi interrompida por uma Melissa furiosa:

– Vai embora!

Tina saiu sem entender o que tinha acontecido ali, preferiu não argumentar mais. Afinal, Mel tinha bebido, no mínimo a bebida foi o motivo desse papo estranho. O melhor mesmo era ir embora, e conversar depois.

Ao contrário do que Valentina pensava, Mel estava muito bem e, em nada a bebida interferiu nas suas ações, do beijo até a conversa nada amigável que tiveram, ela estava bem lucida.

Depois desse papo desencontrado as coisas que já andava a passos lentos entre elas, desandaram de vez. Olivia até tentou intervir, mas não conseguiu, nesse momento ela constatou que as duas se mereciam por serem tão cabeças duras.

Alguns meses se passaram desde o ocorrido, elas se tratavam como duas estranhas, cumpriam apenas as formalidades do “boa noite” e “tudo bem”. Não passava disso, até um certo jantar na casa dos pais de Mel, onde sua irmã chegou acompanhada de ninguém mais ninguém menos que Valentina.

– Boa noite família, desculpa o atraso. Estávamos em casa e nem percebemos o tempo passar. – estava com os cabelos molhados, o que não passou despercebido por Mel.

– Boa noite! – cumprimentou os donos da casa com beijos e abraços, e a Melissa com um aperto de mão.

Sentaram e logo Valentina estava a vontade com os donos da casa. Já Mel não estava do mesmo jeito, mesmo porque, queria entender o que sua aluna fazia ali, mas não queria perguntar. Estavam com a sobremesa nas mãos quando viu sua irmã segurar a mão de Tina e sorrir, pigarreando para chamar a atenção dos presentes e dizer em seguida:

– Família, – beijou a mão de Tina – vamos casar!

Os pais aplaudiram e levantaram para cumprimenta-las, Mel se sentiu traída e enganada. Como assim iriam casar? O que estava acontecendo ali? Desde quando elas estavam juntas e porque ela só soube disso agora? Tina ia casar com a irmã errada, não estava vendo que aquilo não daria certo? Moni era baladeira, mulherenga e amava farras, nunca a viu namorar ninguém em toda sua vida, e agora ia casar! Pera lá, mas ela é tudo isso também, e esteve disposta a abrir mão de tudo pela Tina, não podia ser, ela estava apaixonada, e o pior, agora era pela cunhada. Bebeu um grande gole do seu vinho e sentiu os olhares de todos sobre ela, que até então não tinha dito nada ao casal. Respirou fundo e tentou aparentar naturalidade ao dizer:

– Bom, confesso que estou surpresa. Não fazia ideia de que estavam namorando, quanto mais que estavam com planos de casar. De qualquer forma, felicidades. – virou o conteúdo que restava na taça e concluiu: – O jantar estava maravilhoso, obrigada pelo convite, mas eu preciso ir.

– Mas já, filha, e a partida de baralho que me prometeu?

Beijou o rosto do pai: – Vai ficar para outro dia. Preciso ir. – abraçou os pais dizendo que os amava, deu um tchauzinho as meninas e partiu.

A ideia era ir para casa, mas mudou o percurso depois de receber uma mensagem de Olivia, ela estava em um barzinho e convidou a amiga para conversar. Desceu do táxi e olhou ao redor, nunca tinha ido ali antes, o lugar parecia aconchegante, apesar de bem aberto, o ambiente era apenas gradeado, com uma espécie de tenda cobrindo todo ele, o balcão de atendimento ficava no meio do ambiente e as mesas eram distribuídas pelo local, estava mais para um quiosque ao ar livre. Sorriu com aquele pensamento e procurou uma ruiva exuberante entre os presentes. Viu Olivia “dar” com a mão em uma mesa perto do balcão, passou a mão nos cabelos e foi ao seu encontro.

– Eles têm banheiro aqui, ou precisamos fazer xixi atrás das árvores?

Olívia a encarou e respondeu seca: – Boa noite! Não estou muito bem como você, mas vou indo!

– Nossa, ch*pou limão? Que cara é essa. Fiquei até com medo agora.

– Senta, e para de graça. Estou sem paciência hoje.

– Não sei porque está assim, afinal, a “traída” – fez as aspas com as mãos – fui eu.

– Você estava namorando e não me contou, que lindo isso. E ainda diz que é minha amiga.

– Olha o draminha, menos, quase nada, não estou a fim hoje. E nem vem com essa, você sabe muito bem a quem me referi.

– Não faço ideia do que está falando. Se puder ser mais clara, agradeço.

– Valentina vai casar com a minha irmã!

Por muito pouco Olivia não cuspiu o chopp em Mel. Ela limpou os lábios e ainda tossindo perguntou:

– O que disse?

– Isso mesmo que ouviu. Não me faça repetir.

– A Dra. Valentina, cirurgiã cardiovascular, super conhecida e respeitada nesse estado pelo seu desempenho em cirurgias de alto risco, vai casar – fez um gesto inquieto com as mãos – com a sua irmã, é isso mesmo?

– É, isso ai mesmo. – falava espetando uma azeitona – Só não me pergunta a data, não faço ideia. A notícia me chocou, e preferi sair. Ou então poderia estragar a alegria das noivas com meu zilhão de perguntas.

– Achei que estivesse calma. Falou com tanta naturalidade sobre o assunto.

– Simplesmente porque como amiga dela, eu achei que você já soubesse e apenas não tinha me dito, para poupar o meu pobre coração – levou a mão ao coração e fez cara de criança triste.

– Não sabia, mas a Valentina vai me ouvir e será agora – pegou o celular que estava sobre a mesa e teria ligado para Tina, mas teve o aparelho arrancado de suas mãos. – Tá maluca, me entrega isso.

– Nem pensar! Ela não te contou, e você vai bater com a língua nos dentes, logo, ela saberá que eu falei a você. Parece que não pensa antes de fazer as coisas.

Passaram horas ali conversando sobre o casamento de Tina, e o termino de Liv. Ela simplesmente cansou da falta de cuidado e atenção do namorado e resolveu terminar, ela sabia que merecia bem mais que aquilo e resolveu dar fim naquela história antes que tomassem proporções maiores e se machucassem ainda mais. Já estavam “altas” devido a bebida e Mel estava no banheiro quando Olivia teve a maravilhosa ideia de ligar para a amiga ir busca-las.

Valentina tinha acabado de deixar Mônica em casa, que para a sorte de Liv ficava a poucos minutos de onde estava. Se não fosse isso, com certeza não iria busca-la, ainda mais com aquela voz embolada, no mínimo deveria ter enfiado o pé na jaca. Não foi difícil encontrar a amiga apesar do local estar cheio, do pouco que conseguiu entender na ligação ouviu bem a localização da mesa onde estava.

– Vamos. Você não parece bem.

– Tiiina – gritou seu nome e abriu um largo sorriso. – Que saudade de você, senta ai, vamos beber alguma coisa.

– Não quero nada, vamos embora, amanhã eu trabalho cedo.

– Ah, relaxa vai. Senta ai!

Só nesse momento Valentina se deu conta que a amiga não estava sozinha. Tinha uma bolsa sobre a mesa, e parecia muito com a da... sentiu um toque no braço e ouviu a voz:

– O que faz aqui?

– Não queria atrapalhar, mas essa maluca – apontou para Liv – me pediu para vir busca-la aqui, achei que estivesse sozinha. Melhor eu ir.

– Nada! Você veio para nos buscar, é isso que fará. – chamou o garçom e pagaram a conta – Saiu do barzinho apoiada nos ombros de Tina – Você é muito fofa, – gargalhou – pena que vai casar com a irmã errada.

– O que?

Melissa que vinha atrás delas, simulou um tropeço e gritou: – Ai, acho que machuquei meu pé.

Olivia soltou-se de Tina e disse alegremente: – Falei pra não beber daquele jeito, você me disse que tava acostumada, e agora tá caindo por ai – gargalhou.

As duas mulheres não entenderam quase nada do que ela falou, mas serviu para mudar a atenção de Tina, que ajudou Olivia a entrar no carro e em seguida perguntar:

– Você não vai com a gente?

– Não! Já chamei um taxi.

– Eu te deixo em casa, vamos.

– Não precisa. Estou bem, a Liv fez umas misturas erradas e por isso está assim. Eu disse que a levava para casa e, estava pronta para fazer isso quando voltei para a mesa e te encontrei lá. – um carro parou na frente do carro de Tina, e uma mensagem chegou em seu celular – Bom, é o meu táxi, vou indo.

Pensou em beijar o rosto da mulher a sua frente, mas desistiu, acenou com a mão e entrou no carro. Na sua mente tinha apenas uma pergunta, como as coisas entre elas tinha chegado naquele ponto?!

Valentina por sua vez preferiu levar Olivia para sua casa. Ajudou a amiga a tomar banho e a fez beber um café amargo antes de dormir. Quando encostou sua cabeça no travesseiro se fez a mesma pergunta que Mel, e só então se incomodou por ter deixado Mônica decidir tudo por elas.

Fim do capítulo