Patrícia

Domingo à noite vovó e tia Zefa chegaram com vários mimos para todos. Ganhei uma camiseta escrita: “Minha avó foi a Bonito/MS e só me trouxe essa camiseta”. Fofa.

Quando Nadir contou que Lorenza me trouxe para casa carregada, as duas se olharam cúmplices como se tivessem esquecido de me avisar para não ir lá para as bandas do Rancho do Riachão. Notei que elas sabiam muito bem o que a Lorenza e o Júnior aprontavam por lá. Deixei por isso mesmo para não polemizar.

Eu precisava conversar com a vovó e tinha que ser longe da titia. Maurício me enviou novas mensagens me ameaçando. Achei que com o cancelamento da minha linha do celular eu teria sossego. Mas eu fui realmente burra em deixar ativa a geolocalização nas minhas redes sociais. Então ele soube onde eu estava.

Passei o final de semana trocando mensagens com a Lorenza, mesmo sabendo onde e o que ela estava fazendo. “O que tem? São mensagens inocentes entre amigas, né?”. A veterinária tinha um senso de humor muito parecido com o meu, era impressionante como nós duas éramos ao mesmo tempo tão diferentes e tão iguais.

         Segunda-feira seria o grande dia. Eu começaria a organizar a minha clínica. Tia Zefa e a vovó iriam me ajudar na contratação de mão de obra na cidade. Eu quase não dormi de tão ansiosa que estava.

         Saímos cedo da fazenda e ficamos grande parte da manhã vendo material de construção e todo equipamento necessário para a clínica.  Paramos para almoçar em um restaurante e lembrei de mandar uma mensagem para a Lolo desejando boa viagem. Sorri com o apelido carinhoso. Lolo, minha Lolo.

— Que sorrisinho é esse aí? Viu um passarinho verde? Ou esse sorriso aí tem nome e sobrenome? Italiano no caso?

— Nada a ver, vó, puta merd*...

— Aham... Tá.

— Sério! – Começamos a rir.

— Patyta, quero aproveitar que a Zefa tá se servindo no buffet pois ela morre de vergonha desses assuntos. Paty, eu sei o que você viu no Riachão...

— Eles são adultos, vó. Eu não tenho nada a ver com isso...

— Eu não esperava outra atitude sua, filha. Mas não é só isso o que eu queria falar. Vamos comprar um celular por rádio para você. Não vai ter essas modernidades de facesbukres...

— Facebook, vó.

— Tá, tá... Essas coisas aí. Mas esse outro você o usa dentro da fazenda e onde não tem sinal, ok?

— Certo.

— Leva ele sempre pra todo lugar que você for, filha. Porque é uma segurança! Já teve o dia que o Tonho precisou ir atrás de você... E se Lorenza não estivesse ali no Riachão? Não quero nem imaginar o que poderia ter acontecido.

— Vó... Preciso contar uma coisa...

Enquanto eu falava para a vovó que o meu marido sabia onde eu estava e da sua ameaça, ela ficava cada vez mais irritada e vermelha.

— A gente vai falar com o Ramiro depois do almoço.

— Mas vó... A tia Zefa.

— Zefa tem que saber. E vai saber na frente do Ramiro, aí ela não vai ter jeito de fazer besteira e sair que nem touro xucro atrás daquele playboyzinho dispiruzado.

— Cá... O que houve, por que você tá assim, mulher de Deus?

— Come Zefa, come que a gente precisa ver o Ramiro.

O silêncio ficou gigantesco e minha tia sabia que algo estava errado. O clima se amenizou um pouco porque Júnior apareceu e sentou à mesa com a gente. Pelo jeito vovó e tia Zefa gostavam muito dele também.

O homem era engraçado e muito gente boa. Ele ficou contando piadas para tia Zefa que ria parecendo um porco indo para o abate. Eu ria mais da tia do que das piadas que ele contava. Vovó o intimou a me ajudar com a clínica e ele prontamente atendeu. Júnior irá chamar o irmão e mais uns amigos para a mudança. Eu só não entendi o porquê ele fez questão em tirar uma selfie com elas, mas ele parecia ser assim mesmo, ser irreverente daquele jeito.

No escritório de Ramiro, vovó contou tudo à tia Zefa que só não saiu porta afora e pegou o primeiro ônibus para São Paulo porque foi contida pelo advogado.  Nós três ficamos abraçadas por um longo tempo, enquanto tia Zefa chorava e me apertava em seus braços. Ramiro nos deixou a sós, pois precisávamos de privacidade.

— Filha, esse imundo... – Ela falava com raiva no olhar... —Nunca mais... Nunca mais vai encostar um dedo em você... Porque se ele fizer isso... Eu mato... Eu acabo com a vida daquele cuzão filho de uma puta.

— Zefinha...

— Carolina você tá proibida de esconder qualquer coisa de mim. Qualquer coisa da nossa neta. Tá ouvindo?

— Tia, vovó achou...

— As duas me ouviram? Como eu vou proteger vocês se ficam me escondendo as coisas? – Ela nos olhava emocionada. — Eu não sei o que vai ser de mim se alguma coisa de ruim acontecer com vocês duas...

— Minha vida... – Vovó a beijou nos lábios. Eu fiquei abraçada àquelas duas mulheres me sentindo, mesmo preocupada, em paz.

         Por fim, Ramiro voltou e fomos até a delegacia falar com Mário, irmão de Júnior, que era o delegado. Não poderíamos entrar com uma medida restritiva contra Maurício, mas o delegado já estava de sobreaviso caso meu marido criasse algum problema na cidade. Vovó pediu extrema discrição no caso, pois não queria que meu nome fosse parar na boca das fofoqueiras de plantão.

         O outro dia amanheceu chuvoso e cinza, melancólico... Como meu humor. Nem eram sete horas ainda quando desci as escadas e encontrei a cozinha vazia. Todos já haviam saído. Noca me disse que isso era comum em alguns dias.

         Peguei minha caneca de café com leite e sentei na varanda olhando o movimento e sentindo o cheiro de terra molhada. Desbloqueei meu celular para, buscar notícias da Lô e vi uma mensagem de algumas horas atrás. Lorenza dizia que já estava bem instalada e que estava com saudades. Ela colocou. SDD. Saudade. S A U D A D E.

 “PUTA MERDA!” Meu coração bobo parecia de uma adolescente descontrolada. Quase derrubei o celular e a caneca de café em cima de mim. Escrevi e apaguei várias vezes a mensagem respondendo a ela... Mas no fim enviei a primeira que havia escrito.

Eu

Oi, Lolo. 

Que bom que chegou bem!

Aqui tá tudo tranquilo. Acabei de acordar, ainda estou deitada... 

(ri da minha pequena mentira, mas queria ver o que ela iria falar sobre isso)

Aqui são 7h e aí? Saudades de me pentelhar? Confesso que também já estou com saudades...

06:59 AM

         Ela responde na hora e eu abro um sorriso bobo. 

Lolo

Aqui agora são 23h, ainda estou com o fuso meio confuso... Rsrs Que gostoso te imaginar aí deitada... ;) Tá vestindo o que? Pijama, baby-doll ou nuazinha?

Eu aposto um beijo que vc vai me dar um fora!

07:00 AM

           Ela me manda junto uma selfie com uma expressão engraçada segurando uma caneca de Chopp Preto. Ela esta linda de casaco e cachecol.

— Puta merd*! Ela tá flertando comigo? Ai, caralh*! Então... O que eu digo?... Puta merd*! O que eu falo?... “Tô nua pensando em você”. Não Paty, ridículo isso.  “Só um beijo que você quer apostar?”. Não, pior ainda. “Um beijo onde?”.  Puta merd* eu não levo jeito pra isso mesmo, meu! 

Eu:

Você não tem jeito mesmo, Dra. Lorenza!

E você ganhou o beijo, pois já disse que quero ser só sua amiga...

Palhaça!

07:04 AM

         Eu estava gostando muito dessa troca de mensagens. Contei para Lolo como estava indo a reforma da clínica. Ficamos horas conversando sobre várias coisas... Foi leve, mas algumas vezes ela era safada... Tão safada que me dava um calor, um tesão, uma vontade..., mas eu me fazia de desentendida e desconversava. Notei que ela estava com bastante sono... Por fim me despedi, mas queria ter ficado mais. Na verdade, eu queria mesmo tê-la ao meu lado.

         Olho para o relógio e vejo que são quase 10 horas da manhã. Antes de me arrumar para ir para a cidade, entro nas redes sociais da Lolo para tentar matar um pouco a saudade que me toma. Quando me deparo com uma foto dela, abraçada com nada mais nada menos que com a maravilhosa atriz e modelo internacional LUIZA NADGE com cara de PÓS-SEXO e a seguinte legenda: “Ôôôô... Vontade não faltou, morena, de te laçar e te levar na minha garupa pro meu MS!”

         “Ah, PUTA MERDA, Patrícia, quem você quer enganar?! Lorenza é safada e cachorra! Olha pra tudo que é rabo de saia! Além do mais, você não pode se comparar com a mulher mais perfeita do universo, né? Luiza Nadge é uma deusa!”

         Comecei a stalkear como uma louca alucinada as redes sociais das duas procurando qualquer outro indício de que elas estivessem juntas. Porém vi apenas aquela foto com a resposta da atriz que não pareceu ser nada demais. Ainda assim um ciúme gigante tomou conta de mim e me cegou.

         Angustiada me dispo e fico me examinando no espelho. Lembro dos nus artísticos que já vi da famosa modelo, do seu corpo lindo e escultural, fixo os olhos em mim mesma me comparando a ela. Os seios dela eram durinhos e médios... Com tudo no lugar, os meus volumosos... Cheios. Maurício chamava de úberes de vaca leiteira. Meus quadris eram largos demais. Minha bunda, muito grande e volumosa... Eu tinha uma gordurinha na barriga que não importava o que eu fizesse... Não saia de jeito nenhum... Nem em meus tempos de bulimia... E Luiza, nossa... Luiza era escultural! Não que fosse magra! Ela era aquela mulher que todos olham e falam: GOSTOSA.

Por fim, sentindo uma tristeza imensa, visto uma calça jeans e uma camisa fechada e me dirijo para a cozinha.

         — Nadir, tô indo até a cidade ver como está o andamento da obra. Volto mais tarde, avisa a vovó que estou com os celulares.

         — Paty, come antes! Você só tomou um cafezinho... Vai pegar uma fraqueza...

— Tô sem fome... Fui!

— Peraí, menina! Leva pelo menos esse pedaço de bolo... – Nadir me deu um pote com bolo de fubá, a agradeci e entrei no carro, jogando-o atrás do banco onde ficou esquecido por muito tempo.

Na cidade, fiquei envolvida com a reforma da clínica que nem ao menos vi o tempo passar. Quando dei por mim eram oito horas da noite e eu havia ficado o dia todo sem comer nada. Fechei a porta e, quando estava entrando no carro, ouvi alguém me chamar.

         — Tá até agora por aqui? É perigoso uma nobre donzela indefesa ficar a mercê de delinquentes nesse breu...

— Puta merd*, Júnior, tá achando que tá na novela das seis? Que palavreado é esse? – Ele se aproxima rindo e eu noto que ele está vestindo roupas esportivas e está todo suado.

— Brincadeira! Mas sério, Paty, vou ver pra você uma empresa de segurança. Não é legal você ficar andando sozinha à noite, sem falar que vai ter um monte de equipamento caro aí né?

— Tem razão. Você indica alguma?

— Indico sim. Te passo por mensagem o contato. Fala no meu nome que ganha desconto.

— Você treina aí?

— Treino sim! Quem sabe um dia você não me acompanha – Diz ele todo galante e eu caio na gargalhada.

— Júnior, Júnior... Menos! Mas quem sabe, quando eu estiver com tudo pronto aqui, comece a fazer algo na academia aí do lado.

— Vou adorar te ter de companheira. Sabe quem vai amar?

— Quem?

— Lorenza – Me fiz de desentendida.

— Ela também treina?

— Treina comigo.

— Ah, legal. Vou adorar. Meu, vou indo, tô morta de cansaço. – Me viro rapidamente para entrar no carro e me dá uma tontura me fazendo dobrar as pernas.

— Paty, tudo bem? – Júnior me segura preocupado.

— Tudo sim. Só uma tontura. Eu vou pra casa agora, não se preocupe.

— Eu te levo. Depois alguém me traz de volta.

— Meu, não precisa!

— Paty, para de besteira. Vamos lá.

Fomos para a fazenda em um clima descontraído com o rapaz me contando que ele e Lorenza faziam musculação, Box Tailandês e Fitdance. Sim, FITDANCE! E que ele sabia todas as coreografias possíveis, sempre com a finalidade de se dar bem com a mulherada. Eu morria de rir dele contando de como era difícil rebol*r com bolas e um pinto, porque segundo ele: “Às vezes batiam uma na outra e doía”.

Chegamos em casa mais rápido do que eu achei e realmente adorei o tempo que fiquei ao lado dele. Ele seria um ótimo amigo. Vovó e tia Zefa ficaram preocupadíssimas comigo e só deixaram o Júnior sair depois de jantar. Eu tomei apenas uma sopa pois meu estômago estava muito embrulhado.

Ignorei de propósito as mensagens da Lorenza. Ainda estava com muito ciúme dela. Assim que Júnior foi embora eu fui dormir e acordei com o meu telefone tocando. Não conseguia achar onde estava e fui encontrá-lo embaixo do Alfredo que dormia apesar do barulho.

— Alô? – Atendi sem ver quem era.

— Patrícia, que porr* o Júnior foi fazer na sua casa hoje? – Uma Lorenza furiosa quase gritava no outro lado do oceano. 

Fim do capítulo