Patrícia

—...E eu gritava que iria ficar grávida de bezerrinhos e a Lorenza ria que não aguentava mais! – Estava comendo meu segundo pedaço de bolo de fubá, que a dona Nadir havia colocado no prato à minha frente, e tomando minha caneca de café com leite de vaca de verdade. Depois de uma semana meu intestino já havia se acostumado com a gordura do leite 100% integral e direto da fonte. Já não corria mais para a primeira moita a cada espirro, podendo tomar sossegada meu café com leite! Nunca a expressão “cagando e andando” foi tão verdadeira pra mim!

Ao redor da mesa havia se formado uma pequena plateia para ouvir meus “feitos” de ontem: Tonho, Nadir, Noca, vovó, tia Zefa e a meninada que ajudava nos estábulos, que eu ainda não decorei os nomes.

         Eu havia relatado a todos desde a minha chegada à fazenda do seu Joaquim até a minha partida. Lógico que eu não contei todos os mínimos detalhes. Não contei os momentos que me mantiveram acordada até altas horas... Relembrando...

 Não contei que quando visitei o trailer e vi aquela cama... Aquele espaço apertado... Aquele lugar limpo, organizado, cheiroso... Com o cheiro dela... PUTA MERDA, MEU! O cheiro dela!... Eu fiquei completamente excitada imaginando Lorenza nua naqueles lençóis.

Não contei que subi naquela cama de propósito para fazer um jogo de sedução que eu nem ao menos sei jogar. Não contei que quando desci a pequena escada fingi me desiquilibrar. Não contei a quão molhada eu fiquei ao sentir seu corpo colado ao meu, seu hálito na minha nuca, sua boca... Ah... Sua boca mordendo a pele do meu pescoço. Não contei que, por um momento, acreditei no que ela disse:

— Você me dá um Tzão louco, Dra... Você é linda... Chiliquenta... Gostosa demais! Tô louca pra te sentir na minha boca... Te ch*par bem gostoso!

Não contei que essas palavras me fizeram ter uma ousadia inédita e eu empinei a minha bunda descaradamente roçando-a no sex* daquela mulher que me deixava doida. Lorenza pareceu ficar mais excitada ainda e tentou colocar as mãos nos meus seios, mas eu a impedi... “Por que eu quis impedi-la? Eu queria tanto sentir o seu toque!”. O sentimento de vergonha com o meu corpo e de não ser o bastante me fez segurar as suas mãos. Mesmo assim ela roçou a ponta do seu dedo em meu mamilo e, apenas isso, já fora uma sensação enlouquecedora.

— E o que mais, Dona Paty? – Tonho perguntou e eu percebi que estava com a caneca de café parada no ar enquanto olhava o bolo de fubá sem falar nada. Constrangida enrubesci e iniciei novamente o relato. Vovó me fitava como se soubesse exatamente o que se passava na minha cabeça. Com certeza ela iria querer conversar sozinha comigo depois. — Conta de novo da Dra. Lorenza costurando a cabeça!

— Então, meu, Lorenza acha que é uma mistura de Chuck Norris, Rambo, Angelina Jolie e Wando!

— Wando? – Vovó perguntou me olhando espantada.

— Já viu o quanto ela é safada? Lá na fazenda do Joaquim e até aqui. E não se faça de boba que eu percebi, viu dona Noca? É só ela passar que as minas todas só faltam jogar calcinha aos seus pés! – Risinhos constrangidos foram ouvidos e Noca ficou com as faces coradas. No dia do churrasco eu percebi que ela olhava encantada para Lorenza.

— Conta, Paty – Falou o menor de todos os garotos. Ganhando um tapão na cabeça de outro garoto. — Quer dizer... Dona Paty. – Disse com um sorriso banguela.

— Pode ser Paty mesmo – Falei rindo para o menino — Então, Lorenza começou a suturar...

— Quê?

— Lorenza começou a costurar a ela mesma – Escutei um “ah tá” geral — E eu estava apavorada, mas não podia deixar que ela ficasse com uma cicatriz horrorosa. Então eu peguei das mãos dela a agulha... – Conforme eu contava a história pela terceira vez, alguns já iam repetindo o que eu dizia. Eu tenho a certeza que isso será mais um dos “feitos” da Dra. Fodona, e será espalhado como fogo em palha seca por cada fazenda da região. A coisa vai tomar uma proporção tão grande que no final é capaz de Lorenza suturar um pedaço do seu rosto que havia caído ao chão por causa de um coice de um terrível touro matador de homens.

O que eu não contei foi que toda aquela situação... Ao vê-la com a agulha em mãos, concentrada, suturando a si mesma... PUTA MERDA!... Me deu uma coisa... Me deu um desejo por aquela mulher. Uma coisa quase animal! Um tesão que eu nunca havia sentido na minha vida!

 Procurei ficar afastada dela o resto do dia para tentar entender realmente esse sentimento avassalador. O grande problema é que não foi apenas isso. Quando eu a vi sangrando eu fiquei desesperada. A minha vontade era de pegá-la e levá-la para o hospital. Só fiquei mais tranquila quando ela passou água no ferimento e mostrou que não era tão grave. “Tá certo que encheu de esterco por tudo, né? Espalhou o esterco que estava na testa por todo corte!”.

— Então, a prosa tá muito boa, mas o sol já tá alto e vocês tudo aqui como se fossem filhinho de papai! Vamos trabalhar? – Falou tia Zefa e a pequena plateia saiu se despedindo apressadamente. — Cá, vou ver as novilhas que chegaram – Tia Zefa diz já saindo.

— Zefa – Vovó resmunga séria e titia para revirando os olhos.

— O que, mulher?

— Meu beijo – Vovó diz calmamente enquanto beberica seu café amargo.

— Carolina, olha a menina... – Tia Zefa fica mais vermelha que um pimentão e segura o chapéu entre os dedos. Com a outra mão arruma os cabelos curtos prateados nervosamente.

— Zefa, meu beijo – Vovó diz se fazendo de braba. Tia Zefa se aproxima da mesa da cozinha se abaixando e beija a testa da vovó que a puxa pelo rosto e sela seus lábios nos dela em um beijo apaixonado. Minha tia corresponde na mesma intensidade e eu suspiro como uma adolescente apaixonada achando aquilo lindo! Tia Zefa sai toda cheia de sorrisinhos, mas ainda envergonhada por eu ter presenciado um momento tão íntimo. — Viu, Paty. É assim que se faz.

— Não entendi vó.

— Quando você ama alguém, demonstre. Não se prenda por vergonha, medo ou qualquer outra coisa. Faça-a se sentir querida e amada todos os dias. A cative todos os dias. E não a deixe esquecer de fazer isso com você também. Foi isso o que você viu. – “Puta merd*, mano do céu! Vou vomitar arco-íris de tanta fofura!”.

— Que fofo, vó! – Peguei sua mão e beijei.

— Bom, agora vamos conversar. – “PUTA MERDA! CAGOU TUDO AGORA!”. — Eu fiquei quieta matutando e ouvindo você contar sobre ontem. Patyta, você notou que a cada 10 palavras que você falou pelo menos umas sete eram ‘Lorenza’ ?

— Puta merd*, vó! Nada a ver... Trabalhei com ela o dia todo, meu. Claro que eu falei nela.

 Filha, Lorenza é uma mulher de 39 anos muito bem vividos. Nunca se casou e pelo que eu sei nunca amou ninguém.

— Não tô entendendo aonde você quer chegar, vó – “PUTA MERDA! PUTA MERDA! Claro que eu sabia aonde ela queria chegar!”.

— Patrícia, você é lerda, mas nem tanto! – Ela pegou as minhas mãos. — Não quero te ver magoada. Lorenza não é do tipo de mulher que tem relacionamentos – Dizendo isso vovó saiu me deixando na imensa cozinha, sozinha com os meus pensamentos.

A manhã do feriado amanheceu nublada. Vovó e tia Zefa foram a Bonito passar o feriadão. As duas saíram cedinho com um sorriso largo no rosto e duas malas.  Nesses últimos dias não ouvi falar de Lorenza, só sei que ela iria viajar na próxima segunda para Nova Zelândia para participar de um congresso ou algo do gênero. Eu andei stalkeando ela nas redes sociais, mas até mesmo ali o movimento não era muito. Ela postou apenas uma foto com um homem de barba bem bonito com a legenda: “Mais que irmão, brother!”. Eu ri da brincadeira e acabei deixando um like.

Eram umas 9 horas da manhã, peguei uma pequena mochila com algumas coisas, minha câmera e fui até a garagem pegar o quadriciclo que Tonho revisou essa semana. O veículo estava em desuso porque o pessoal da fazenda prefere muito mais andar a cavalo do que outra coisa, mas como eu estava com medo de que Geralda desse “a loka” novamente, resolvi não arriscar. Eu estava vestindo um biquíni azul por baixo de uma calça jeans larguinha, camiseta rosa, tênis rosa, óculos escuros e um boné que achei pela casa.

Cheguei no Rancho do Riachão e achei estranho estar tudo tão bem limpo. A grama estava aparada e a madeira acumulada havia desaparecido! Vovó deve ter enviado alguém para fazer a limpeza. Eu queria tirar fotos do outro lado da margem pegando a casa e a água, o efeito ficaria incrível! Então fui riacho abaixo procurar um ponto onde pudesse passar com o veículo. Andei quase uma hora até conseguir atravessar o leito d´água. Quando cheguei próximo a casa estava completamente molhada de suor. O único problema é que havia algumas moitas que impossibilitavam um bom ângulo, então eu teria que me “embrenhar” em um local mais propício. Deixei minhas coisas embaixo de uma grande árvore e resolvi cair na água para me refrescar. Estava relaxando quando escuto o barulho ensurdecedor de um funk vindo de uma caminhonete que não conhecia e logo atrás vi a monstruosidade dirigida pela Lorenza.

Não sei o porquê de eu ter feito o que fiz, mas corri e me escondi atrás das árvores e moitas. Fiquei encoberta pela mata e notei quando os carros estacionaram lado a lado e começou a sair mulher de dentro deles. “Puta merd*! Não para de sair mulher! Será que é chá de panela?” Até que vi o amigo, que pelas redes sociais descobri se chamar Júnior, da Lorenza carregando um grande cooler e colocando embaixo de uma árvore a beira do rio.

Reconheci uma das mulheres, que ao todo eram seis, como sendo uma ex participante de um famoso reality show. As mulheres pareciam umas gralhas falando e eu não conseguia entender o que diziam, mas elas estavam empolgadas com algo. Lorenza estava linda demais! Vestia um jeans claro, regata e, por incrível que pareça, não usava botas e sim tênis.

Me arrastei para que não me vissem e peguei minha mochila tirando meu pequeno tripé e minha câmera com a lente teleobjetiva. “Agora sim, tô me sentindo uma detetive!”. Eu sei que não deveria ficar espionando, mas a curiosidade era maior que eu. As seis mulheres estavam sentadas em dois colchões infláveis embaixo da mesma árvore que Júnior havia deixado o cooler de bebida. “Puta merd*, mas essa gente é rápida! De onde saiu isso? E essas loucas se trocaram quando? Puta merd* meu! Tão tudo de biquíni agora! Devem passar o dia na academia essas locas! Cada uma tem o corpo mais bonito que a outra! Quem será a noiva?”.

Lorenza e Júnior não estavam entre elas. “Onde será que esses dois se meteram?”. As gralhas no cio estavam enlouquecidas e falavam entre si o tempo todo. Passaram-se alguns minutos e ouço um barulho de buzina forte e reconheço a música da Annita “Show das Poderosas” e meu queixo cai quando de dentro da casa saem Lorenza e Júnior vestidos com uma sunga mínima e uma gravata borboleta. As únicas diferenças entre os dois é que Lorenza usava também um pequeno top e a cor da sua “roupa” era vermelha e do seu amigo azul.

Ainda de boca aberta eu vi os dois dançarem toda... TODA... T O D A... A coreografia para as mulheres que gritavam, se descabelavam e chamavam pelos nomes dos dois, que rebol*vam, se empenhavam...  Eles se aproximavam delas como se as tivessem seduzindo... Aquilo me deu um calor e minha garganta ficou seca!

         A música acabou e as gralhas ficaram em silêncio. Júnior e Lorenza pegaram uma cerveja gelada do cooler. As mulheres pegaram um saquinho e começaram a colocar algo dentro. “Ah, deve ser bingo. Certo que vão jogar bingo! É um chá de panela! A noiva deve ser aquela ruivinha que é a mais animada, com certeza!”. Júnior pegou o saquinho e foi tirando umas fichas de dentro. Não consegui entender, mas pelo que eu vi tinha nome nas fichas e cores. “Puta merd*, não to entendendo nada!”. 

         “Tá...Ah, cada ficha foi uma gralha que colocou e a cor é vermelha ou azul. Lorenza ta vestindo vermelho e o Júnior.... Ah, não! Ah, não, meu! PUTA MERDA! PUTA MERDA! PUTA MERDA!”. Eu não queria acreditar no que eu estava vendo, mas quando Júnior entrou com duas mulheres e Lorenza ficou com quatro eu tive a certeza: Chá de Panela era o CACETE! O que eu estava vendo era uma ORGIA ao vivo e a cores.

Fim do capítulo