Capítulo 73 -- A Rainha da Fronteira
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 73
Rainha da Fronteira
Alexandra encostou seu ouvido na porta, tentando escutar o que estava acontecendo lá dentro.
Victória parou atrás dela e apoiou as mãos sobre os ombros da loira.
-- Sabia que é feio ouvir a conversa alheia?
Alexandra deu um pulo e pôs a mão sobre o coração.
-- Você me deu um susto -- ela suspirou, tentando acalmar seu coração acelerado.
-- Que feio! -- Victória olhou para a porta fechada, depois, para Alexandra -- O que está acontecendo?
-- Já faz dois minutos que elas entraram e até agora nada.
Victória fez um gesto de enfado, revirou os olhos, e encostou o ouvido na porta.
-- Verdade. Não consigo ouvir nada.
-- Vai buscar um copo -- pediu Alexandra.
-- Pra que você quer um copo?
-- Busca lá que eu te mostro.
Mesmo usando saltos, Victória saiu caminhando com passos largos em direção a cozinha. Instantes depois, retornou acompanhada de Isabel e de André.
-- Aqui está o copo.
-- Eu não acredito que você vai espiar elas -- disse Isabel irritada.
-- Com certeza.
-- Que horror, poderosa. Isso é coisa de fofoqueira.
Alexandra encostou a borda do copo contra a porta para criar uma conexão acústica entre ambos. Depois, apoiou a orelha no fundo do copo.
-- Shhhhh! Será que dá pra vocês calarem a boca? Desse jeito não vou conseguir ouvir o que elas estão falando.
Silêncio por alguns segundos.
-- Então Xanda. Está ouvindo algo?
-- Espera um pouco Isa. A doutora vai começar agora.
-- Não vou aguentar ficar aqui parada esperando. Vou pegar um copo pra mim.
-- Traz um pra mim também, Isa -- pediu Victória.
-- Credo que mulherada mais curiosas -- André esfregou as mãos com nervosismo -- Mas, que droga! Vou buscar um copo pra mim também.
Ivo encarou a médica furioso. Seus olhos frios e cinzentos, causaram medo em Talita. A mão pesada do homem se fechou com força em torno do braço dela. A médica proferiu um grito de dor e se sobressaltou.
-- Me solte! -- gritou, puxando o braço com violência.
-- Primeiro terá que me garantir que vai voltar para casa.
Talita seguiu lutando enquanto berrava.
-- Me solte! Está me machucando.
-- Você não presta. Não vale nada -- disse Ivo com desprezo.
-- Você usou de má fé comigo, Talita. Foi trabalhar na ilha para ficar mais perto de sua amante. Fiz papel de idiota! - exclamou, olhando-a nos olhos.
-- Não é nada disso. Por favor, me escute -- tentou explicar -- Eu fui para a ilha porque era uma grande oportunidade para a minha carreira profissional.
-- Você realmente acha que eu vou acreditar nessa sua conversinha? Confiei em você. Como fui imbecil. Como fui acreditar que seria apenas um trabalho temporário? Você jogou sujo demais, comigo.
-- Estou apaixonada por outra pessoa, Ivo. Sinto muito, não foi minha intenção te magoar.
Ivo empalideceu. A expressão furiosa do rosto dele a assustou. Nunca sentira tanto medo em sua vida. Ele passou a mão pelos cabelos, num gesto quase de desespero. Era impossível prever qual seria sua próxima atitude.
-- É aquela depravada, não é mesmo? Aquela Falcão dos infernos -- Ivo soltou o braço dela nervoso e começou a esbravejar, enquanto andava em círculos -- Eu devia tê-la matado naquele dia. Sou uma besta!
Ao ouvir aquelas palavras, Talita ergueu a cabeça, aterrorizada. Chegou a conclusão estarrecedora de que Ivo foi o autor do disparo contra Natasha.
-- Então foi você quem tentou matar a Natasha -- sentia-se destruída -- Nunca pensei que fosse capaz de uma coisa assim.
-- A culpa foi sua. Você deveria ter imaginado que eu nunca aceitaria ser trocado por uma mulher. Nunca! Prefiro morrer na cadeia.
-- Você está enganado. Minha relação com a Natasha é puramente profissional. Eu amo outra pessoa.
Quanto mais Talita tentava explicar, mais Ivo se enfurecia. Estava transtornado.
-- Diga a verdade, sua vagabunda -- ele berrou.
-- Eu vou te denunciar a polícia -- ela ameaçou -- Você vai pagar pelo que fez.
Num impulso de ódio, Ivo aproximou-se dela e levantou a mão na altura do rosto, como se fosse lhe dar uma bofetada.
Talita colocou as mãos no rosto, procurando se proteger. Neste momento, duas funcionárias do hospital apareceram, fazendo com que ele recuasse.
-- Vá embora, Ivo. Não me procure nunca mais -- sussurrou a médica tristemente.
Ivo hesitou por um longo instante, um tempo quase insuportável, fitando-a nos olhos.
-- Eu vou agora, mas, tenha certeza que brevemente nos encontraremos -- ele deu alguns passos e se voltou para ela de forma ameaçadora -- E ai de você se abrir o bico.
Ele finalmente virou-se e saiu. Esse era um dos dias que Talita jamais esqueceria.
Bruna e Natasha sentaram-se ao redor de uma mesa.
-- Está pronta? -- perguntou lentamente.
Natasha sorriu para ela, um tanto cautelosa e insegura. Porém, estava determinada a continuar, custasse o que custasse.
-- Estou pronta.
-- Vou começar a sessão com uma prece -- com os olhos fechados, Bruna iniciou: -- "Meu Deus, permita que os Bons Espíritos que me assistem possam ajudar-me, nesse momento de dificuldade, e amparem-me nas minhas vacilações. Senhor, que eles me inspirem a fé, a esperança e a caridade, que sejam para mim um apoio, uma esperança e uma prova da vossa misericórdia. Fazei, enfim, que eu neles encontre a força que me faltar nas provas da vida, e para resistir às sugestões do mal, a fé que salva e o amor que consola.
Espíritos amados, Anjos Guardiães, vós a quem Deus, na sua infinita misericórdia, permite velarem, pelos homens, sede o nosso amparo nas provas desta vida terrena. Fazei que sintamos a presença, ao nosso lado, de um amigo devotado, que assista os nossos sofrimentos e participe das nossas alegrias".
Natasha sentiu-se muito bem naquele momento. Sentiu uma brisa suave, vinda não sabia de onde. Aspirou aquele ar e sentiu muita calma e tranquilidade.
Ainda com os olhos fechados, Bruna deu um suspiro e com uma voz estranha pediu:
-- Me alcance papel e caneta.
Natasha prontamente atendeu. Colocou sobre a mesa folhas de papel e uma caneta. Ela ficou em silencio observando a entidade escrever pelas mãos da médium. Após algum tempo, Bruna pousou a caneta sobre os papeis e sorriu com bondade para Natasha.
-- Que essa mensagem nos ajude e que o amor de Deus encha o nosso coração -- Bruna massageou o pescoço, dolorido e tomou os papeis em suas mãos -- Agora vamos ver o que temos aqui -- Bruna iniciou a leitura:
"Querida... Eu sei que ficaram muitas perguntas, muitos questionamentos a respeito do nosso desencarne. Tantos sonhos frustrados e interrompidos. Estávamos felizes e certos de que fazíamos o melhor para você e sua irmãzinha.
O que parece ser injustiça, quando visto de cima, todas as ideias e conceitos sobre o divino são repensados, refeitos, colocados em testes, em refazimento. Quero primeiramente que saiba que nada acontece por acaso. Não existem vítimas no Universo.
Colhemos o que plantamos. Aprendo aqui que esta é a lei universal e inalterável, a lei da ação e reação.
Quero que saiba que Deus não foi o culpado pela nossa morte. Aliás, minha filha, a morte não existe. Nós apenas vamos para outro lugar, aprender muitas coisas para só depois poder se comunicar com nossos entes queridos que permanecem na crosta terrestre.
Naquele sábado, você chorou muito, pedindo que não fossemos para a festa. Achávamos que fosse devido ao medo que sentia de deixar a ilha, mas na verdade eram espíritos amigos que tentavam nos avisar através de você que não deveríamos pegar a estrada naquele dia. E assim, a boa justiça divina nos chamou para o acerto!
Filha... Minha filha Natasha... Eu sei que o seu coração sofre com essa saudade; sei que não é fácil ver os dias passarem e não ter a nossa presença física ao seu lado. Ah, filha! Eu sei o que é isso. Sabe... quando tudo aconteceu, foi bem complicado. Estava feliz, eu brincava com sua irmãzinha quando tudo de repente se tornou um grande caos.
Mas eu pude, minha filha, no meio desse caos e gritos de desespero, jogar a sua irmã pela janela e antes que o carro explodisse eu lembrei de você. Passou como um filme na minha cabeça e eu pedi a Deus força e misericórdia.
Quando de repente me vi, fora do corpo, alguns irmãos vestidos como enfermeiros e outros com crachás médicos vieram nos ajudar. Veja, minha querida, eu me dei conta quando senti uma mão macia e amiga sobre o meu ombro. Era a minha mãe desencarnada há muito tempo.
Foi mamãe quem me acolheu e me auxiliou naquele momento. Me acalmando e pedindo para eu ficar tranquila.
Seu pai reencarnou. Não sei se foi ele quem escolheu ou se foi forçado a isso, mas o certo é que ele precisava passar pela reencarnação a fim de elevar a sua alma para a perfeição espiritual. A Rainha da Fronteira o acolheu e ele há de velejar por onde os ventos da Providência Divina o levar, com a segurança da felicidade.
Sua mãe está bem! Eu quero que fique bem, também, minha filha!
Eu cumpri a minha agenda. Aquilo mesmo que eu programei e escolhi. Filha... Eu te amo muito, minha filha... Cuide da sua irmãzinha, minha Carolina, meu anjinho! Te amo, Elisa, minha querida amiga! Força!
Natasha, minha filha querida! Estarei sempre ao seu lado, nunca se esqueça disso. Nunca deixarei você só. Eu amo muito vocês, não chorem por mim! Eu estou muito bem. Rezem! Rezem muito. Não só por mim, papai e João Carlos, mas por todos nós. Muita luz sempre, com amor".
Eu te amo!
Ângela
Natasha começou a chorar.
-- Reconhece alguém nessa carta? -- perguntou a médium.
-- Sim. É a minha mãe que juntamente com o meu pai, faleceu em um acidente automobilístico.
-- Quem é Carolina e João Carlos?
-- Carolina é a minha irmã. Ela estava no carro e... Quem diria, foi mamãe quem a salvou -- a forte emoção embargou a sua voz -- João Carlos era o motorista.
-- Pode ficar com a carta. Ela é sua.
-- Obrigada -- Natasha pegou a carta e se levantou -- Estou muito feliz. Saber que a minha mãe está bem e olha por nós, é maravilhoso. É uma sensação indescritível, uma emoção que não consigo explicar. Mas...
-- Mas, ficou faltando uma informação.
-- Sim...
Um barulho irritante vindo do lado de fora fez Bruna caminhar até a porta e abri-la de supetão. Os curiosos que estavam encostados nela, caíram para dentro uns sobre os outros.
-- O que significa isso? -- perguntou Bruna, indignada.
Alexandra se levantou rapidamente, com o copo na mão.
-- Querem uma bebida?
Bruna balançou a cabeça de um lado para outro.
-- Que vergonha! Até você Vic?
-- Má influência -- respondeu ela, entrando na pequena sala -- E aí?
-- Pela demora não foi uma carta. Foi um livro de auto ajuda.
-- Cala a boca, Xanda -- Isabel tocou no braço de Natasha com delicadeza -- Recebeu a mensagem?
-- Recebi uma mensagem de minha mãe. Foi muito emocionante, impossível não acreditar.
-- Ela mencionou o nome da cidade? -- perguntou Alexandra.
-- Infelizmente, não -- disse Bruna, desanimada.
-- Então volta lá Bruna. Pede pra falar com ela novamente. Dessa vez não precisa ser uma carta, pode ser um bilhetinho...
-- Não vou nem responder, Xanda -- Bruna saiu da sala.
-- Mal-humorada -- Alexandra foi atrás dela -- Espera doutora...
Isabel parou ao lado de Natasha.
-- Posso ver a carta?
-- Claro. Fique à vontade -- Natasha entregou a carta para ela e saiu.
Isabel sentou à mesa, Victória sentou ao seu lado.
-- Essas cartas me deixam arrepiada, Vic.
-- Sério? Eu já estou acostumada.
Isabel abriu a carta e começou a ler em voz alta para que Victória também acompanhasse. Em um trecho da carta ela pediu para que Isabel fizesse uma pausa.
-- O que foi? -- Isabel olhou para ela curiosa.
-- Repete essa parte que fala sobre a reencarnação do pai da Natasha.
-- Tá certo.
"Seu pai reencarnou. Não sei se foi ele quem escolheu ou se foi forçado a isso, mas o certo é que ele precisava passar pela reencarnação a fim de elevar a sua alma para a perfeição espiritual. A Rainha da Fronteira o acolheu e ele há de velejar por onde os ventos da Providência Divina o levar, com a segurança da felicidade".
-- A Rainha da Fronteira o acolheu? -- Victória apoiou o cotovelo sobre a mesa e segurou o queixo pensativa -- Que estranho. Olha no Google Isa.
-- Vejamos... Rainha da Fronteira, música do Teixeirinha.
-- Música do Teixeirinha? Vamos olhar a letra, Isa.
Cheguei em Bagé naquele lindo pago
Tomei mate amargo com a gauchada
Cantei quatro dias verso lindo e novo...
-- A cidade é Bagé!!!
Elas gritaram juntas.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Anny Grazielly
Em: 18/09/2020
Caracaaaa.... que emoção!!
NovaAqui
Em: 13/11/2018
Capítulo emocionante!
Para Natasha deve ter sido uma felicidade enorme. Só espero que essas palavras toquem o coração de Carolina.
Agora é partir para Bagé e encontrar sua família
Amando, Vandinha!
Obrigada pelos esclarecimentos.
Só falta você publicar um livro para eternizar sua escrita ;-)
Abraços fraternos procês aí!
Resposta do autor:
Boa tarde!
Obrigada. Você é um anjo.
Fica em paz. Beijos.
[Faça o login para poder comentar]
Mille
Em: 12/11/2018
Oi Vandinha
Emocionante a carta
E nela ainda tem a informação do nome da cidade graças a curiosas e perspectivas da Isabel e Victória.
Agora será uma grande tripulação para revirar Bagé.
Bjus e até o próximo capítulo uma excelente semana.
Resposta do autor:
Boa tarde, Mille.
Agora entraremos na reta final. Muitas emoções.
Beijos. Fica em paz.
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]