Capítulo 12 - Consequências irreparáveis
No horário marcado para a visitação da UTI, Roberta chegou com Lucas, esperava na recepção para subir e ver a amiga, Carlos estacionava o carro em uma vaga fora do hospital, o encontro seria inevitável, Carlos sabia que em algum momento ele teria que encarar a ex-namorada, ele ainda a amava, por mais que tenham cometido muitos erros quando eram mais jovens, ele não a esquecera, e se arrependia muito pela forma como se omitiu, infelizmente tiveram tantas complicações que acabou culminando com o término da relação.
No saguão, avistou a mulher linda que Roberta havia se tornado, ele a reconheceria em qualquer lugar, ela estava diferente, as feições haviam mudado devido a perda de peso, ela estava vestida casualmente, uma calça jeans, camiseta preta, os cabelos em um rabo de cavalo, e tênis nos pés. Sem maquiagem, ela continuava linda como ele sempre lembrava, estava magra, muito diferente da época em que namoravam. Mas o excesso de peso da menina nunca foi um problema para ele. Ele se apaixonou pela mulher incrível que ela é.
Respirou fundo e caminhou em direção ao casal que estava sentado aguardando a liberação para subir para a visita. Ele sentiu uma pontada de ciúmes, ver a amada segurando a mão de um outro homem, resolveu falar com ela de uma vez, já que seria inevitável.
-- Boa tarde, Roberta. – disse um pouco tímido –
A moça olhou para cima reconhecendo a voz doce do ex-namorado, e vislumbrou as feições pesadas de Carlos, preocupado com o estado de Carolina, ele estava lindo como sempre, os cabelos lisos, negros como os olhos, estavam grandes, caindo sobre seus olhos. Vestido com uma bermuda cargo, e camisa polo azul, ele parecia que não tinha envelhecido. Pelo menos para Roberta. Seu coração disparou no momento em que colocou os olhos sobre ele.
-- Oi Carlos. Tudo bem? – Levantou e estendeu a mão para o rapaz –
Ele a segurou e sentiu o toque de sua pele transportando uma corrente elétrica entre os dois. Muitas lembranças surgiram. Quase pararam de respirar, o coração saltou dentro do peito, os pelos do corpo inteiro arrepiaram, sensações vivenciadas pelos dois naquele mesmo momento com a mesma intensidade.
-- Tudo bem.
O tempo pareceu parar quando os dois se encontraram. Ficaram alguns segundos se encarando, quando Roberta lembrou de Lucas e para não ficar em uma saia justa com o namorado, resolveu apresentá-lo.
-- Carlos, esse é o Lucas, -- Encarava o ex-namorado -- meu namorado.
Carlos já sabia que Roberta estava namorando, Carolina havia lhe contado, mas ver com seus próprios olhos estava além do que ele gostaria, sentiu ciúmes, mas não poderia fazer nada, apenas se conformar com aquela situação.
Lucas levantou e cumprimentou o rapaz alheio a tudo o que estava acontecendo entre os dois. – É um prazer, sinto muito por ser nessas circunstâncias.
-- Eu também, muito obrigado por virem. – Deu um meio sorriso --
Roberta suava frio, seu coração acelerou e ela ficou nervosa com a presença de Carlos. O rapaz saiu de perto deles e sentou do outro lado da sala de espera, observava aquela mulher que nunca deixou de ser o objeto de sua saudade, nunca deixou de ser o seu amor. Pareceu uma eternidade os minutos que antecederam a liberação da visita, e na hora de subir os três foram avisados que só poderiam subir duas pessoas por vez. Lucas sabendo que era o único que estava sobrando ali, deixou sua vaga para a namorada subir e ver a amiga.
No elevador, o silencio era sepulcral. Ninguém queria quebrar o clima tenso que existia entre os dois. Aquela viagem parecia não ter fim, o perfume amadeirado que Carlos usava, entrou pela respiração de Roberta tirando sua razão, ele olhava para ela com devoção, como se fosse intocável, estavam tão perto, mas ao mesmo tempo separados por um imenso abismo que eles mesmo tinham aberto no passado.
Na UTI, eles encontraram a médica do mesmo jeito que ela estava desde a última vez que a viram, com muitos aparelhos e uma faixa na cabeça, os membros imobilizados e aquele barulho irritante dos bips dos aparelhos de controle de batimentos cardíacos. Carolina parecia dormir um sono profundo, seria simples se eles não soubessem a gravidade do caso dela.
-- Carol, você precisa sair dessa. – Roberta quebrou o silêncio – Eu preciso de você amiga. – Lágrimas surgiram em seus olhos –
-- Izabel disse que não sabe se quando ela acordar ela vai estar bem. –Segurou uma das mãos da irmã – Ela pode acordar com sequelas, ou nem acordar mais.
-- Ela é forte! Ela vai acordar sim! – Chorou – Ai dela se me deixar aqui sozinha. – Limpou o rosto com as mãos –
-- Como você está? – finalmente teve coragem –
-- Eu estou bem. E você? Sua filha deve estar enorme. – lembrou Roberta –
-- Sim, ela está linda. Fez um ano em novembro. – Pegou o celular no bolso – Olha.
Roberta pegou o aparelho e olhou para a foto de Carlos com a filha no colo, ela era muito parecida com o rapaz, os olhos e os cabelos lisos, tinha poucos traços da mãe.
-- Linda. Ela parece muito com você. – Devolveu o aparelho –
As mãos se tocaram mais uma vez, e novamente a respiração dos dois quase parou, ali naquele espaço eles pareciam que nunca tinham se separado, o sentimento ainda era o mesmo, o amor ainda estava ali, mas também havia mágoa e ressentimentos que nunca foram superados.
-- Obrigado. – Estava sem graça –
-- Eu sinto muito Carlos. – Encarou o rapaz –
-- Por que?
-- Por tudo.
Os olhares se encaravam, os dois sabiam muito bem o que estava em pauta, o fim do namoro e a forma como tudo aconteceu, Carlos sabia que os dois erraram, cada um com seus motivos e seus medos. E naquele momento, constataram que nada havia mudado, nunca falaram sobre o fim do relacionamento, ou tentaram uma nova aproximação, mas aquela situação de Carolina, estava reaproximando os dois, de alguma maneira eles iriam se esbarrar algumas vezes, mas resolver essas questões teriam que esperar, se é que seriam realmente resolvidas.
-- Nós dois erramos Roberta! Eu não fui homem para você quando precisou de mim. Eu sinto muito também.
-- Você acha que teríamos conseguido? Depois de tudo o que aconteceu? – Olhou para o chão –
-- Eu não sei, mas com certeza hoje eu teria agido diferente. Muito diferente. – Também encarou o chão –
O silencio voltou a reinar naquela UTI fria, e com o consentimento dos dois, mais nada foi dito até o momento em que deixaram Carolina, a dor era sufocante, parecia que iriam sucumbir, os dois sentiam as dores do passado, lembranças e sentimentos voltavam e reviviam como uma avalanche, tantos erros e o maior de todos continuava perdurando, eles não conversaram, nem antes e nem agora.
No carro, Carlos sentou no banco do motorista e segurou o volante como se este fosse sua tábua de salvação, parecia que não conseguia respirar, tremia, seu coração estava acelerado, a emoção de rever Roberta ultrapassou tudo o que ele poderia ter imaginado para esse dia, ficava pensando em como seria quando a reencontrasse, as perguntas que ele queria fazer, e o que estava sentindo não parecia nada do que ele tinha imaginado, não conseguiu elaborar nenhuma frase completa. Encostou a cabeça no encosto do banco e fechou os olhos se permitindo finalmente chorar copiosamente tanto pelo medo de perder a irmã como a sensação de ter perdido para sempre o amor de sua vida.
Ligou o carro para ligar o ar condicionado enquanto se acalmava para poder dirigir e o rádio ligou invadindo o carro com o som da sua dor, aquelas palavras pareciam serem ditas por ele, apenas se deixou levar pela emoção que estava sentindo.
Memórias (Banda Malta)
https://www.youtube.com/watch?v=cGN-9OQFMHw
Hoje eu vejo que não consigo entender
O que houve entre nós
Eu ainda consigo ouvir sua voz
Me dizendo o que eu já sei
Tudo tem um começo e o fim
Eu vejo a dor em seu olhar
E mesmo sem querer eu te deixo partir
Pra que possa tentar ser feliz
Outra vez recomeçar
E quando eu me perco em suas memórias
Vejo um espelho contando histórias
Sei que é difícil de esquecer essa dor
E quando penso no que vivemos
Fecho os olhos, me perco no tempo
Pra mim não acabou
Tudo tem um começo e um fim
Eu vejo a dor em seu olhar
E mesmo sem querer eu te deixo partir
E quando eu me perco em suas memórias
Vejo um espelho contando histórias
Sei que é difícil de esquecer essa dor
E quando penso no que vivemos
Fecho os olhos, me perco no tempo
Pra mim
Sei que você vai seguir
Mas eu não vou desistir
Eu espero que você se entregue neste amor
Sei que você vai seguir
Mesmo com a dor
Vai lembrar de mim
Hoje eu vejo que eu não consigo entender
O que houve entre nós
E quando eu me perco em suas memórias
Vejo um espelho contando histórias
Sei que é difícil de esquecer essa dor
E quando penso no que vivemos
Fecho os olhos, me perco no tempo
Pra mim não acabou
Pra mim não acabou
Fevereiro 1998
Carolina entra em casa correndo e gritando o nome do irmão e da mãe, tinha um jornal nas mãos e o sacudia sobre a cabeça.
-- MÃE! CARLOS! – Corria na sala – MÃE! – Jogou a mochila no sofá –
-- O que foi menina? – Carmem apareceu na sala enrolada em uma toalha – O que está acontecendo?
-- Mãe, eu passei. – Segurou o rosto da mais velha e beijou – Eu passei! – sorria –
-- Passou? Passou para a faculdade? – Estava surpresa –
-- Sim, eu passei! Eu entrei na UFF, eu vou fazer medicina na UFF. – Sacudia o jornal e pulava –
-- Ai Meu Deus, que felicidade! – Abraçou a filha – Você é meu orgulho! Seu irmão vai ficar tão feliz!
-- Onde ele está?
-- Na farmácia. Ele não chegou ainda! Meus parabéns minha filha! – Deu um tapinha nas suas costas – Agora deixa eu terminar o banho, você me assustou gritando daquele jeito. – Saiu da sala –
A menina ficou rindo, foi na cozinha e pegou um pano para limpar o chão que a mãe havia molhado por causa do susto, estava feliz como a muito tempo não ficava, conseguiu entrar para a faculdade federal e estava prestes a começar sua jornada mais difícil, mesmo sabendo disso ela estava confiante e muito animada, contra todas as previsões, Carolina venceu o sistema e passou no vestibular.
*************
Enquanto isso Carlos deixava o turno na farmácia em que trabalhava com um pacote nas mãos, foi direto para a casa de Roberta e tocou a campainha. Enquanto esperava ansioso pela resposta da menina, ele roía as unhas.
-- Oi. – Ela respondeu nervosa – Trouxe?
-- Sim. – Entregou o pacote –
Roberta olhou para o namorado e hesitante pegou o embrulho, beijou o rapaz e não deixou que ele entrasse, o mandou para casa.
-- Roberta me deixa ficar com você, não quer conversar melhor sobre isso? – segurava suas mãos –
-- Não Carlos, eu preciso fazer isso! Se você ficar eu não sei se eu vou conseguir. – Seus olhos lacrimejaram –
-- Então não faz, nós podemos dar um jeito. – Apertou as mãos da namorada --
-- Eu não posso! – Soltou suas mãos – Eu não posso ter um filho agora. – Falou mais baixo – Por que eu me esqueci de tomar aquele maldito remédio?
-- Roberta, isso não é o fim do mundo, eu posso pegar dois turnos na farmácia, ganhar mais dinheiro para sustentar nosso filho.
-- Mas e os meus planos? Minha vida acaba aqui, não é? Você vai continuar do mesmo jeito, e eu vou engordar mais ainda e não vou poder ir para a faculdade, tudo vai ser adiado, e o que a minha família vai dizer? – Andava de um lado para o outro –
-- Nossa família vai adorar, no início seu pai vai querer me matar, mas depois acho que eles vão gostar de ter um bebê correndo pela casa. Deixa eu falar com Carol pelo menos.
-- Nem pensar! Você não vai falar com ninguém, eu não quero uma gravidez agora, Carlos, eu sou muito nova. Deixa eu fazer isso logo.
-- Roberta, pensa melhor... – Foi interrompido --
-- Vai embora! – Virou de costas – Amanhã nós conversamos.
Carlos sem dizer mais nada, deixou a casa da namorada vencido, estava triste e cabisbaixo, não acreditava que aquele era o caminho, mas Roberta estava decidida, ela descobriu a gravidez a uma semana depois de fazer um teste de farmácia, e desde então evitou a casa de Carolina, estava nervosa e com medo e depois de muito insistir, Carlos levou um remédio abortivo que o farmacêutico que trabalha com ele indicou em sigilo.
O rapaz chegou em casa com o semblante cansado e foi recebido com uma festa por Carolina, que correu para a sala assim que ouviu o barulho da porta.
-- Carlos! – chegou correndo – Eu passei! – mostrou o jornal –
O rapaz estava com os pensamentos longe e demorou a entender. Estava desanimado, não gostava de esconder as coisas da irmã, mas Roberta o fez prometer que ele não diria nada sobre a gravidez, olhou para Carolina e não processou as informações que ela dizia, ele só pensava que estava errado e que ela poderia ajudar com o problema que ele e Roberta estavam passando.
-- Passou o que?
-- Passei pra UFF, alou! – Balançou o jornal – Meu nome está aqui! – Abriu outro sorriso –
Ficou parada diante do rapaz que estava apático, olhava para ela, mas não a enxergava efetivamente, percebeu que algo muito errado estava acontecendo, esperou que ele a respondesse enquanto sacudia o jornal em sua frente.
-- Ah, o vestibular! – Abraçou a irmã – Parabéns minha irmã! Eu estou muito orgulhoso! – Disse desanimado –
Carolina percebeu que havia algo errado com o irmão, ele não esboçou nenhuma reação com a boa notícia que todos estavam esperando. Carlos a soltou e já ia entrando para o quarto.
-- Carlos, o que você tem? Seja lá quem for aí dentro, devolva meu irmão. – Falou abrindo a boca do rapaz –
-- Para Carol, eu não estou bem hoje.
-- Onde está Roberta? Eu quero contar para ela.
-- Ela está em casa, não está se sentindo bem. – Mentiu – Deixa pra falar com ela amanhã.
Carolina por um momento pensou que os dois tinham brigado, mas resolveu pedir a mãe que deixasse ela ir até a casa de Roberta para ver a amiga e dar a boa notícia.
-- Vai, mas toma cuidado na rua, essa hora é perigoso. E não demore.
Carolina foi para a casa da amiga, não era muito longe, mas levava uns quinze minutos a pé. Uma vizinha estava saindo de carro para ir à igreja e ofereceu uma carona para a moça, e ela foi contando orgulhosa que havia passado para a faculdade.
Na casa de Roberta ela tocou a campainha, uma vez, duas vezes, na terceira ficou preocupada, nem Roberta e nem sua avó atendiam a porta. Carlos disse que ela não estava se sentindo bem, ligou um sinal de alerta em sua cabeça. Uma vizinha saiu no portão e disse que a senhora deveria estar na igreja, mas que não viu Roberta sair.
Carolina resolveu pular o muro da casa da amiga e foi até a porta, ela sabia que sua avó tinha uma chave extra dentro de um vaso de plantas ao lado da janela da sala. Carolina sabia que havia algo de errado acontecendo. Carlos daquele jeito em casa, e agora Roberta sem responder a campainha, precisava ver se a amiga estava bem.
Abriu a porta da frente e caminhou pela sala escura, tinha uma luz acesa no corredor, era o banheiro e quando Carolina aproximou-se, viu os pés de Roberta caídos perto da lixeira, ela estava suja de sangue e estava desmaiada. Carolina ficou desesperada e sem saber o que fazer, não sabia o que estava acontecendo.
Correu até a sala e pegou o telefone, ligou para a casa da vizinha e pediu para chamar Carlos. Seus sentidos diziam que alguma coisa estava muito errada, a menina precisava ir para um hospital com urgência.
-- O que houve Carol? – Carlos ficou assustado –
-- Carlos, vem para cá agora! Roberta está desmaiada, eu preciso de ajuda, temos que levá-la para um hospital.
-- Eu estou indo!
Carlos saiu correndo, pegou sua moto e pilotou como um louco até a casa de Roberta. Chegando lá entrou e encontrou Carolina tentando acordar a amiga. O rapaz se assustou com a quantidade de sangue que estava no chão do banheiro, lembrou-se do remédio que Roberta Iria tomar. Sabia que algo deu errado. Começou a chorar imaginando que perdera além de seu filho, sua namorada também.
-- Meu Deus! – Colocou a mão na boca –
-- Carlos me ajuda, não adianta ficar assim, ela está sangrando muito, temos que levar Roberta para um hospital, e não me faça repetir isso de novo. – Carolina brigou com o irmão –
-- Eu vim de moto!
-- Eu sei, vai lá fora e chama algum vizinho dela, pede ajuda. – Olhou para o irmão – Vai!
Carlos saiu da casa e bateu na porta do vizinho de Roberta que tinha um carro na garagem, o rapaz se ofereceu na mesma hora em levar a menina para o hospital. Voltaram para dentro da casa e Carolina tinha pego algumas toalhas nos armários para tentar enrolar a amiga, se ela não acordasse seria difícil de carregá-la.
Carolina tentava chamar Roberta para que acordasse, batia de leve em seu rosto, pegou um pouco de álcool e fez a menina cheirar, e aos poucos ela dava sinais de recuperação. Ainda estava atordoada, mas quando os rapazes chegaram, ela conseguiu levantar com muita dificuldade. Carolina envolveu a cintura da jovem com as toalhas e conseguiram levar Roberta para o carro.
No hospital, um enfermeiro trouxe uma cadeira de rodas para levar a moça para a emergência, e todos entraram atrás dela, pelo estado de Roberta ela foi levada direto para os médicos, ainda havia muito sangue.
Os três tiveram que ficar na sala de espera, Carlos estava desesperado, tentando não demonstrar, mas Carolina sabia que o irmão tinha alguma ideia do que estava acontecendo e o levou para um canto.
-- Agora você pode me dizer o que aconteceu? – Segurava o braço do rapaz –
-- Eu, eu não sei, por que você acha que eu sei? – Gaguejava –
-- Carlos não me enrola, você chegou em casa mais pra baixo que grama, e disse que ela estava se sentindo mal. Tem uma semana que Roberta não vai lá em casa. Tem alguma coisa errada. Eu acho que você sabe o que ela fez.
-- Carolina. – Olhou para a irmã –
-- Desembucha! – Deu um tapa no braço dele --
-- Ela está grávida!
-- O que? – soltou o irmão –
-- Ela descobriu que está grávida a uma semana, e ficou isolada em casa, não queria sair, nem ir para lugar nenhum. – Balançou a cabeça – Eu quis te contar, mas ela surtou.
Carolina olhava descrente para o irmão, não podia acreditar que Roberta descobriu que estava grávida e não havia lhe contado nada, elas sempre contaram tudo uma para a outra. A primeira parte da decepção pela omissão da amiga, passou pelo medo do que ela poderia ter feito para estar no hospital.
-- E o que ela fez Carlos? – Perguntou assustada –
-- Ela me fez levar um abortivo para ela hoje. E não me deixou ficar com ela.
-- O que? E você levou? – Bateu no braço do irmão – Carlos ela pode morrer! Se a gravidez estiver avançada, esse abortivo não vai resolver, pode matar os dois.
-- Eu não sabia disso. – Começou a chorar – Ele não me disse isso. – Balançava a cabeça –
-- Ele quem?
Carolina sentia seus sentidos aguçados, sabia que essa não era a melhor alternativa de Roberta, ela deveria ter ido ao médico antes de qualquer coisa.
-- O farmacêutico que trabalha comigo. Eu não sabia quanto tempo ela está de gravidez, ela só fez um teste de farmácia.
-- Irresponsável! – Carolina se exaltou – Ele é um irresponsável! E vocês dois também!
Carlos chorou desesperado e mesmo contrariada Carolina o amparou, afinal de contas ele é seu irmão e por mais que tenham tomado uma decisão errada, aquele momento o que estava na prioridade era a saúde de Roberta. Depois de esperar por mais de uma hora, um médico saiu da emergência e veio falar com Carlos.
-- Quem é o acompanhante de Roberta Moraes?
-- Eu. – Os dois gritaram –
-- Ela deu muita sorte de chegar aqui a tempo, mais um pouco ela teria morrido de hemorragia. Vocês sabiam que ela estava grávida?
-- Sim. – disse envergonhado --
-- Você era o pai?
-- Sim, o que houve?
-- Eu sinto muito, ela perdeu o bebê. Nós tivemos que fazer uma curetagem para retirar o feto, infelizmente nós não conseguimos manter a gravidez.
-- Ela estava com quanto tempo? – Carolina perguntou –
-- O feto já estava totalmente formado, a ultra que fizemos deu 16 semanas. – Fechou a boca em uma linha – Não pudemos fazer nada o feto já estava morto quando chegou aqui. Vamos enviar para biópsia para tentar descobrir o que causou o aborto, mas agora ela precisa descansar.
Carlos sentiu uma pontada no peito, seu bebê acabou de perder a vida, talvez se ele tivesse sido mais forte, se ele tivesse falado com Carolina. Roberta poderia ter aceitado ficar com o bebê. Mas ele foi fraco e teve medo de assumir a responsabilidade de criar uma criança e não insistiu como deveria.
Carolina ficou sem palavras, não sabia o que dizer, ela não sabia se sentia raiva, ou decepção, tanto do irmão como da amiga. Mas ela sabia que não era a hora e nem o lugar para questionar nenhum dos dois, não iria julgá-los, apenas apoiá-los.
Pediu ao vizinho da menina para avisar em sua casa onde ela estava, e mandou Carlos para casa, sabia que a avó de Roberta não ia gostar de ouvir aquela notícia e achou melhor poupar o irmão de um problema maior naquele momento.
Quarenta minutos depois o vizinho chegava novamente trazendo a avó de Roberta. A senhora entrou no hospital e veio logo na direção de Carolina, a menina achou que levaria a bronca pelo irmão. Mas a senhora a abraçou com força e a agradeceu.
-- Obrigada por salvar minha neta. – Olhou para Carolina—
-- Faria qualquer coisa por ela.
-- Eu sei, minha filha. Onde ela está? O que aconteceu?
-- Eu vou chamar o médico.
Carolina foi até a recepção e a enfermeira pediu para que a senhora de idade a acompanhasse até a enfermaria. A menina ficou esperando do lado de fora. Sabia que chegaria o momento de encontrar com Roberta, mas não queria que fosse naquele dia.
Esperou a avó da menina sair e as duas foram embora com o mesmo rapaz que as levou.
-- Dona Abigail, o Carlos estava aqui com ela, eu que mandei que ele fosse embora, eu não sabia como a senhora ia reagir, se ia brigar com ele. Eles merecem um puxão de orelhas, mas eu garanto que ele se colocou à disposição para conversar com a senhora e com os pais dela assim que Roberta melhorar.
-- Minha querida, não se preocupe, Roberta estava acordada e me contou o que aconteceu, ela me disse que o Carlos tentou fazer com que ela mudasse de ideia, mas ela foi teimosa. – Balançou a cabeça – Poderia ter morrido.
O rapaz foi solicito e deixou dona Abigail em casa e depois foi levar Carolina em sua casa, já era muito tarde. Ao chegar, encontrou Carlos sentado na varanda com dona Carmem esperando por ela.
-- Minha filha, o Carlos me contou, como ela está? – levantou-se --
-- Eu não pude entrar por causa do horário, só Dona Abigail. Amanhã nós podemos ir visitá-la, mas acho que ela está bem.
Carlos estava com cara de choro no canto da varanda, dona Carmem apontou para o filho com pesar e beijou sua cabeça deixando os irmãos sozinhos.
-- Carlos, por que vocês não me contaram? – Carolina dizia magoada – Eu poderia ter ajudado.
-- Como Carol? – Limpou o rosto com a palma da mão – Roberta surtou, ela só ficava repetindo que não poderia ter um filho agora, que isso iria arruinar os planos dela de tentar o vestibular, e tentar um trabalho.
Carlos tentava se justificar, sabia que deveria ter dito alguma coisa para a irmã e para a mãe, mas também sentiu medo e uma parte dele também não queria aquele filho naquele momento.
-- No fundo eu também fiquei com medo, eu também não quis encarar essa responsabilidade.
-- Carlos você tem vinte e dois anos, é jovem sim, mas já trabalha, tem sua vida, e além do mais tem o apoio da sua família, não era para ter medo. Você não é mais uma criança.
-- Eu sei Carol, mas na hora do desespero, a gente não pensa. – Levantou-se da cadeira – Eu só fiz o que Roberta pediu. Comprei o tal remédio que o farmacêutico passou e pronto. – Sentia-se culpado – Eu devia ter insistido para ficar com ela.
Carolina abraçou o irmão com carinho, ele estava desnorteado, desamparado, quase perdeu a namorada, e se deu conta que perdera seu bebê, o feto já estava formado, já era um bebê. O remorso tomava conta de seus pensamentos, pediu perdão a Deus por ter sido tão fraco e ter deixado Roberta sozinha em casa.
-- Eu estou tão arrependido! – Chorou no ombro da irmã – Eu devia ter apoiado Roberta, mas eu fui fraco, e eu deixei que ela resolvesse tudo sozinha. E ainda dei as ferramentas pra ela quase morrer.
-- Acho que ela não mediu as consequências de tomar um remédio desse tipo sem fazer exames e saber quanto tempo estava de gravidez.
Carolina se afastou do irmão e olhou fundo em seus olhos. Percebia a confusão no olhar perdido de Carlos. Ficou com pena dele e de Roberta também, sabia que eles iriam sofrer com essa decisão impensada, todas as escolhas têm alguma consequência.
-- Não adianta buscar culpados agora, o que você tem que fazer é dar o apoio que Roberta precisa, entendeu? – Segurou seus braços – Ela precisa de nós, e você estará lá por ela.
-- Claro, eu nunca faria diferente. – Limpou o rosto novamente – Eu a amo. Ela é tudo para mim.
-- Então vamos entrar, pois já é madrugada, e você precisa acordar cedo para trabalhar, saia mais cedo para irmos ao hospital.
-- Tudo bem, eu venho te buscar. – Beijou a testa da irmã – Às vezes parece que você é mais velha que eu.
-- As vezes eu sou. – Sorriu -- Mas isso não é assunto para agora. Vamos entrar.
Carolina entrou em casa com o irmão e os dois foram para seus quartos, cada um com suas frustrações e medos, cada um com uma conclusão do que aconteceu. Carolina ainda estava magoada com Roberta por esconder a gravidez dela e de ter feito o aborto. Ela poderia ter morrido. Mas aquele não era o momento certo para que ela a questionasse sobre essa decisão, talvez nem haveria momento certo, só queria que sua amiga melhorasse.
*************
No dia seguinte, Carlos a pegou em casa para irem ao hospital visitar Roberta e tiveram uma surpresa desagradável quando a recepcionista os informou que a moça havia sofrido uma hemorragia durante a madrugada e passara por outra cirurgia pela manhã. Roberta perdeu o útero por causa das complicações do aborto na noite anterior, nunca mais poderia ter filhos.
Carlos ficou em choque, e Carolina não sabia o que falar, nem para o irmão e nem para a amiga. Roberta ainda tão jovem, por medo de assumir essa responsabilidade muito cedo, agora nunca mais teria essa chance, a chance de ser mãe.
Na hora em que a visita foi liberada, Carlos entrou com Carolina, ainda estavam muito abalados. Roberta conversava com sua avó, tinha lágrimas nos olhos. Estava abatida, com aparência de cansada.
Quando a moça viu Carlos na porta da enfermaria, Roberta chorou mais ainda, e ao contrário da reação esperada por todos, ela o mandou embora, gritando e se recusando a falar com o rapaz.
-- VAI EMBORA! Eu não quero te ver! – Se contorcia na cama – Sai daqui!
-- Roberta, o que é isso? – Sua avó questionava –
-- Roberta, eu só quero conversar. – Carlos tentou se aproximar –
-- Não se aproxime! Vai embora daqui! – Continuava exaltada –
Carolina não conseguiu entender o que estava acontecendo com sua amiga, ficou triste por ver a forma como ela tratou o irmão, queria dar apoio à amiga, mas reprovando sua atitude ela saiu junto com o irmão sem conseguir dizer nenhuma palavra para Roberta.
A enfermeira entrou na mesma hora com um sedativo e aplicou na moça que acabou dormindo depois do episódio, ela não podia fazer nenhum esforço, muito menos ficar exaltada daquela forma.
Em seguida a avó de Roberta saiu do quarto e encontrou os irmãos na recepção, Carlos estava desolado, chorando nos braços de Carol. Seu coração parecia que ia despedaçar de tanta dor, ele só queria estar perto da namorada e dizer que ela tinha o seu apoio.
-- Meu filho, eu sinto muito pela reação de Roberta, ela não aceitou bem a notícia que não pode mais ter filhos.
-- Tudo bem, não se preocupe Dona Abigail. Eu só quero falar com ela, dizer que eu estou aqui para apoiá-la sempre. – Chorava – Eu não vou abandonar sua neta. Desculpe pelo que aconteceu.
-- Não se preocupe Carlos, eu tenho certeza que você não faria isso com ela. – Acariciou o rosto molhado dele – Você é um bom rapaz, tem um bom coração. Dê um tempo para ela se acalmar, ela só precisa descansar.
-- Dona Abigail, a senhora é um anjo, sabia? – Carol abraçou a senhora de idade – Qualquer outra pessoa estaria dando uma bronca nos dois.
-- Eu já conversei com Roberta, ela está passando por um período muito complicado, e não adianta reclamar agora que o mal já está feito. – Balançou a cabeça – Vocês dois foram muito teimosos e inconsequentes. – Olhou para o rapaz – E agora estão pagando pela bobagem que fizeram.
-- Eu sinto muito Dona Abigail, eu estou arrependido de ter ajudado Roberta sem falar com ninguém, eu sou tão culpado quanto ela. – Abaixou a cabeça – Mas eu a amo tanto! Ela está me culpando e não quer mais me ver.
-- Ela está nervosa, dê um tempo, ela vai colocar a cabeça no lugar e vocês vão conversar. Agora ela precisa descansar. – Afagou o braço do rapaz –
-- Vamos embora Carlos. Vamos para casa, amanhã nós voltamos.
Carolina se despediu de dona Abigail e foi para casa com Carlos. O rapaz estava arrasado, chorando pelos cantos, sua mãe e sua irmã tentavam dar apoio ao mesmo tempo que repreenderam por sua atitude em esconder o que estava acontecendo, ele deveria ter assumido a responsabilidade e apoiar Roberta de outra maneira.
*******
Roberta estava inconsolável, totalmente arrependida de ter tomado aquela decisão por impulso, suas atitudes tiveram consequências irreparáveis, e culpava a todos por seus erros, culpava Deus e perdeu a motivação para viver. Não queria ver ninguém além de sua avó. Mas Carolina foi visitá-la novamente no hospital.
Dessa vez foi sem o irmão, e queria apenas conversar com a amiga de muitos anos.
-- Boa tarde! – Encostou na porta do quarto –
-- Boa tarde minha filha! – Abigail cumprimentou Carol –
Roberta apenas olhou para a amiga e não emitiu nenhuma palavra nem para cumprimentá-la. Estava impassível e não queria ver ninguém, mas não a expulsou dessa vez.
-- Entra minha filha, que bom que você veio!
Abigail levantou e foi até a moça, abraçou Carolina que estava se sentindo indesejada naquele lugar.
-- Fico feliz que alguém tenha gostado da minha visita. – Foi irônica para implicar com a amiga –
Roberta olhou para ela com cara de poucos amigos, mas permaneceu quieta. Elas apenas se olhavam, havia muita tristeza naquele olhar. Carolina só queria conversar com a amiga, mas estava receosa com o rumo daqueles acontecimentos.
-- Senta aí, eu vou aproveitar que você chegou e vou dar um pulinho em casa, você pode ficar com Roberta um pouco? – Pegava a bolsa em um armário –
-- Posso sim, pode ir sossegada. Eu cuido dela. —Sentou em uma cadeira ao lado da cama –
-- Eu já volto. – Beijou a testa da neta – Comporte-se. – Sussurrou em seu ouvido –
Roberta mantinha-se em silêncio, não queria encarar a amiga, sabia que ela também deveria estar magoada com sua atitude, principalmente sua reação com Carlos, ainda sentia o peso de suas ações, estava sentindo reações dos remédios que estava tomando e estava com dores que incomodavam muito, permaneceu deitada sem olhar para Carolina.
-- Bom, já que você perdeu a língua nessa cirurgia também, eu vou fazer um monólogo. – Cruzou as pernas – Roberta, eu não sei que raio de surto você teve nessa cabeça de vento que não conversou com ninguém sobre a gravidez, eu sei que não é hora para “esporro”, mas eu não vou ficar quieta só porque você está zangada com o mundo.
Pausou esperando alguma reação da outra, mas não houve, então continuou.
-- Primeiro, você não sabia o tamanho do bebê, se já tinha muito tempo de gravidez, se estava apenas no começo, você tinha que ter feito uma ultra para saber. Segundo, você deixou Carlos sair da sua casa, você não pensou que poderia passar mal? Você foi inconsequente, Carlos também, por ter entrado na sua, ele deveria ter falado comigo ou com minha mãe, nós poderíamos ter ajudado.
Roberta parecia que estava prestes a falar algo, mas estava com o semblante fechado, os olhos cheios de lágrimas, mas manteve o silêncio. Carolina sentia a dor da amiga, e queria que ela conseguisse reagir, então estava a provocando para Roberta sair daquela inércia para poderem conversar como sempre fizeram.
-- Não vai dizer que eu não tenho nada com a sua vida? Eu diria. – pausou -- Continuando. Vocês dois são culpados por terem feito sex* sem proteção, e você deveria ter se cuidado, sempre conversamos sobre isso, camisinha, pílulas, mandava ele goz*r fora, merd* Roberta, você não tem mais dez anos, e você conhecia muito bem as consequências de não se proteger ao fazer sex*.
A garota ouvia atentamente, mas ainda imóvel. Carolina insistia, sabia que em algum momento ia conseguir atingir a amiga.
-- Agora você resolve se isolar e brincar de cinema mudo? Expulsou meu irmão ontem, como se ele fosse o único culpado do que aconteceu. Ele está apavorado com medo de te perder.
Nesse momento as lágrimas caíram sobre o rosto de Roberta, ela sabia que tinha sido grossa e que tinha magoado Carlos, ela o amava demais, mas estava muito zangada com a vida e com o mundo, estava descontando sua frustração no namorado como se ele fosse o maior culpado de tudo o que aconteceu.
-- Ele só quer estar ao seu lado, e cuidar de você, ele nem quis voltar aqui hoje com medo de acontecer outro escândalo como o de ontem. Ele não teve culpa, ninguém teve culpa pelas complicações, infelizmente aconteceu, e você terá que superar isso, você pode adotar uma criança, ou não, talvez sua vida tome proporções diferentes, e não teria como cuidar de um filho, sei lá. Mas você precisa sair dessa. Você precisa reagir.
-- Cala a boca Carolina. – Finalmente Roberta falou – Eu realmente não quero ouvir um sermão, e você tem razão, minha vida não é da sua conta, então minhas decisões foram só minhas. Você tem uma filosofia de vida que filhos e marido não cabem no seu dia a dia, mas minha filosofia é diferente, eu queria ter a oportunidade de curtir uma gravidez e ser mãe, mas nunca mais vou poder.
-- Você poderia ter feito isso agora, você estava grávida. Eu não vim aqui pra te julgar, pois só você sabe o que está sentindo e eu sei que não deve estar nada fácil, mas você não pensou na criança que estava dentro de você, se você tinha tanta vontade de ser mãe, por que não pensou nisso agora?
-- Com dezoito anos?
-- Com quantos fosse preciso. Você transou porque quis. Ninguém te forçou a nada. – Lágrimas vieram em seus olhos, recordando como perdeu sua virgindade para o pai – Ao contrário de muitas pessoas por aí, que não tem opção, você escolheu isso, e fez de forma indiscriminada. Esse foi o seu único erro! Se você não queria ter um filho agora, ou não fazia sex* ou fazia da forma certa.
-- O que você sabe sobre sex*? Nunca transou com ninguém, nem namorado tem, você não sabe o que eu estou passando.
Carolina respirou fundo e encostou na cadeira, não confiava nos homens, não queria namorados porque sabia que em algum momento teria que passar pela fase da primeira trans*, e não queria viver essa experiência novamente, para ela todos os homens eram iguais. Lembrou-se da experiencia que teve quando Samantha falou aquelas palavras, sabia que seu trauma era muito maior do que ela sequer imaginava. Suspirou alto e resolveu se abrir com Roberta. Pela primeira vez falou sobre o que lhe aconteceu na infância.
-- Eu vou te contar uma coisa, mas você tem que prometer que nunca vai falar com ninguém sobre isso.
-- Eu não quero ouvir nada. – Virou o rosto –
-- Vai ouvir sim, e presta atenção pois eu nunca mais vou repetir. Eu não sou mais virgem.
Roberta olhou de volta para a amiga com espanto, e até um pouco de mágoa, achando que Carolina tinha se envolvido com algum menino e nunca contara, mas não achava nenhum momento em que isso poderia ter acontecido, então estava confusa. Carolina estava quase arriada na pequena poltrona que estava ao lado de sua cama, derrotada, como se estivesse sentindo uma dor que a dominava e que ela carregava desde sempre.
-- Eu conheço as frustrações de ter perdido algo que me pertencia sem ter vontade. Eu perdi minha confiança e minha dignidade junto com minha virgindade. Fui forçada a isso.
Roberta continuava sem entender, muitas situações passavam pela sua cabeça, mas uma gritava sonoramente, Carolina foi estuprada. As palavras traziam um peso enorme e um significado maior ainda, sentiu pena da amiga e esperou que ela narrasse o que estava lhe incomodando tanto.
-- Nelson, meu pai, ele está preso porque nos violentava em casa, foi ele quem tirou minha virgindade quando eu tinha dez anos. – Suas palavras saíram trêmulas --
Roberta deixou a guarda baixar, sentiu pena de Carol, queria abraçá-la, mas não podia. Permaneceu calada escutando a amiga. Seu corpo estremeceu ao ouvir aquela afirmação, ali pôde entender um pouco sobre a amiga, o porquê da sua filosofia de não ter namorados ou casar, seu jeito reservado, sua timidez ao falar sobre sex*, suas esquivas sobre namorados, sua dificuldade em fazer novas amizades.
-- Ele aparecia quase toda a noite e me tocava, e quando eu fiquei menstruada ele aproveitou para me comer. – Suas palavras saiam como o corte de uma navalha – E assim foi por um tempo, até que o Carlos viu o que ele ia fazer um dia e bateu nele para me proteger. Foi o Carlos que me salvou.
As duas tinham lagrimas nos olhos e sentimentos confusos em seus corações. Carolina estava ali, se desnudando por completo para a amiga, sentiu que era hora de se abrir, precisava contar aquilo para alguém e Roberta era quem ela mais confiava. Sua alma estava exposta, com suas dores e medos, seus temores e fantasmas sendo revirados mais uma vez.
-- Meu irmão tinha quinze anos e enfrentou o padrasto para me proteger, Nelson era um bêbado, batia na minha mãe e fazia o mesmo com meus irmãos, ele também molestou Carlos e Caio.
-- Por que você nunca me contou? – Sua voz saiu embargada --
-- Vergonha e medo. – Uma lágrima escorreu – Eu só queria esquecer tudo isso.
-- Somos amigas. – Dizia com mágoa – Eu iria te apoiar.
-- Pois é, eu também iria te apoiar.
Roberta recuou, percebeu ali a diferença entre as duas, Carolina tinha seu trauma por uma imposição, ela fez suas próprias escolhas e acabou indo por um caminho errado, entendeu que Carolina queria lhe dizer que ela não perdeu tudo, ela poderia sair daquela situação e fazer novas escolhas, melhores escolhas.
-- Eu estava com medo, pensei que um filho agora acabaria com meus planos de ter uma carreira e estudar, não temos dinheiro suficiente, Carlos trabalha de motoboy.
-- Com relação a isso, eu tenho certeza que ninguém deixaria vocês desamparados, seus pais, minha mãe e eu, nunca deixaríamos você e Carlos passarem dificuldades.
-- Eu fiquei com medo. Agora não adianta achar desculpas, eu perdi tudo, não sei mais porque continuar vivendo.
-- Roberta, eu te contei isso, porque eu também sofri, eu também passei por muitos problemas, mas eu estou aqui, eu segui em frente, eu não tenho namorados porque eu não quero me envolver, não me sinto segura para passar por tudo isso de novo. E sim, levar uma vida sozinha é uma escolha minha. Assim como será sua escolha, seguir em frente e perceber que você pode fazer tudo o que você planejou, mas com algumas diferenças, você pode casar e ter filhos, eles só não serão seus de sangue. Adote. Você está viva e pode escolher lutar ou se entregar. Eu escolhi lutar. Luta minha amiga.
-- É fácil falar. Eu tenho dezoito anos, e perdi meu útero, você acha fácil porque você tem o seu. Eu queria engravidar, mas não agora. – Voltou a chorar –
-- Mas infelizmente foi o que aconteceu. E você tem que enfrentar as consequências, só cuidado para não descontar nos outros as suas frustrações, sua avó e seus pais não têm culpa do que aconteceu e Carlos não merece ser tratado como você fez ontem. Ele está tão assustado quanto você. Não se entrega, por favor. Nós te amamos e estaremos ao seu lado pra sempre.
Roberta ficou calada, Carolina também, as duas sabiam que a amizade estava abalada, o silêncio selou o término da conversa. Ambas sabiam que tais segredos nunca sairiam daquele quarto e nunca mais tocaram no assunto.
Depois que saiu do hospital, Roberta não suportou o que aconteceu e acabou terminando o namoro com Carlos, se afastou de Carolina, pois deixou de ir à casa da amiga e passou a evitar contato com ela, para não saber sobre seu irmão. As duas se afastaram, voltando a se falar muito tempo depois, já adultas.
Carolina e Carlos tentaram inúmeras vezes falar com Roberta, mas a garota nunca mais quis atender os dois, terminou com o rapaz pelo telefone e ficou sem falar com a amiga para não ter que encarar os questionamentos dela ou mesmo lembrar de Carlos.
Carlos nunca se conformou com fim do relacionamento deles e nunca deixou de amar Roberta, assim como a moça ainda nutria sentimentos por ele.
Tantas dores, tantos erros, escolhas com consequências irreversíveis, imaturidade, medo e raiva, uma receita destrutiva que tem resultados catastróficos nas pessoas. E essa foi a mistura que determinou tantos anos de afastamento desses corações cheios de amor e mágoa.
Fim do capítulo
Oi meninas
Tudo bem? Chegou capítulo novo, a estória de Carolina está tomando mais forma, algumas questões estão sendo respondidas.
Enfim, o reencontro de Carlos e Roberta, o amor ainda está lá, será que eles conseguirão resistir a essa conexão que os atrai?
E Carolina passou no vestibular, ela conseguiu a tão sonhada vaga para fazer medicina na faculdade federal, essa comemoração teve que ficar para depois devido a tristeza de perder a amizade de Roberta e Carlos ter ficado tão triste ao perder a namorada.
Espero que estejam gostando, mandem suas ideias, comentem. Estou ansiosa para saber o que vocês estão achando.
Obrigada pelo carinho a Lis, Mille, NovaAqui e Lai.
Lai, minha amiga, entrou aqui no último sopro, vi que tinha um comentário novo na hora de postar o capítulo. Viu, tem dois capítulos mesmo. kkkkk Vai ler logo!
Beijos
Cris Lane
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lis
Em: 17/11/2018
Ops não comentei esse hehe, desculpe autora mais ta corrido, final de faculdade ai complica rs. Mas bora lá comentar bom como vc disse a Roberta fez escolhas que levaram ela a esse dano inreversivel na vida dela e trouxe consequencias para todos, que pena um amor como o dela e do Carlos ser interrompido assim por uma decisão com a cabeça quente, espero que eles consigam superar e quem sabe ficarem juntos pois pelo que vemos ainda tem muito amor entre eles apesar da magoa.
Resposta do autor:
Oi Lis
Eu sei como é, também estou nessa de fim de faculdade, está desculpada, rs.
Roberta errou muito e paga o preço até os dias de hoje, esse amor que estava adormecido está cada dia mais palpável, mas para eles resolverem isso no presente, terão que remexer esse passado doloroso e talvez por isso que eles estejam evitando essa conversa.
Temos que ter muito cuidado com nossas escolhas, elas podem ser irreversíveis.
Obrigada pelo carinho.
Beijos
Cris Lane
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NovaAqui
Em: 07/11/2018
Que triste o que aconteceu com Carlos e Roberta. O reencontro foi cheio de saudades. Agora é segujr com. A vida
Carol conseguiu passar no vestibular! Uhuuuuuu
Abraços fraternos procês aí!
Resposta do autor:
Oi NovaAqui
Verdade, igual a eles, existem muitos jovens que por falta de informação se perdem em abortos sem orientação e sofrem com essas decisões, nesse caso custou um relacionamento e uma amizade. MAs o amor ainda está lá, será que ele vence a mágoa?
Carol passou! Futura médica!
Espero que esteja curtindo. Abraços!
Beijos
Cris Lane
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Mille
Em: 07/11/2018
Oi Cris
Capítulo triste pelo ocorrido da Roberta e o Carlos.
Carolina abriu seu coração e segredo espero que está conversa tenha a ajudado no futuro.
E a Carol venceu e lutou para conquistar seu objetivo tornar-se uma medica e salvar as vidas.
Bjus e até o próximo capítulo
Resposta do autor:
Oi Mille
Sim, muito triste o que aconteceu, nossas escolhas as vezes nos levam a consequências muito sérias, e foi o que houve com eles. Mas o amor ainda está lá, vamos ver se eles se perdoam.
Carol conseguiu externar seu maior trauma, carregar esse tipo de fardo é muito pesado, mas acabou perdendo sua amiga logo na sequencia e isso a machucou muito.
E a medicina agora é uma realidade, a luta será grande, mas ela vai conseguir.
Obrigada pelo carinho, espero que esteja curtindo.
Beijos
Cris Lane
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Mille
Em: 07/11/2018
Oi Cris
Capítulo triste pelo ocorrido da Roberta e o Carlos.
Carolina abriu seu coração e segredo espero que está conversa tenha a ajudado no futuro.
E a Carol venceu e lutou para conquistar seu objetivo tornar-se uma medica e salvar as vidas.
Bjus e até o próximo capítulo
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