Capítulo 70 -- A Fuga
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 70
A Fuga
Talita, que observava tudo com atenção, se levantou e fez um gesto para Elisa e a fisioterapeuta.
-- Vamos.
Apesar de contrariada, Elisa acompanhou as duas para fora do quarto.
Alexandra se levantou da cadeira e caminhou em direção à Natasha com passadas rápidas e pesadas. -- Eu sou a Ale...
Natasha levantou a mão pedindo a palavra.
-- Alexandra Girani, empresária que comanda as baladas top do Brasil. Empreendedora que, à frente de bares, restaurantes e boates, ocupa o trono de rainha da badalação. Dedicada a receber o público endinheirado e disposto a esvaziar suas polpudas carteiras na farra. Você é uma milionária excêntrica -- Natasha fez um gesto de enfado, revirando os olhos, e ajeitando-se na cama -- Não sei se excêntrica seria a palavra adequada. Em alguns casos beira a loucura, em outros a ostentação, com meio termos levemente esquisitos.
Alexandra olhou para Natasha, com um ar debochado.
-- Investigou a minha vida? Só te passaram a parte chata. Não te informaram que eu fui eleita a empresária mais linda do Brasil? E além de toda beleza, ainda sou inteligente. Não é o máximo?
Bruna e Natasha entreolharam-se.
-- Você sabia? As pessoas mais inteligentes do mundo moram no mundo -- Alexandra fez um gesto de pouco caso -- Bem, mas não foi para conversar sobre a minha beleza e inteligência que viemos até aqui.
-- Finalmente! -- Bruna levantou as mãos aos céus -- Vamos aproveitar esse raro momento de sobriedade -- a médium virou-se para Natasha e fitou-a, notando aflição nos olhos verdes -- Me diga, como posso ajudar?
-- Não tenho certeza o que estou querendo -- disse inquieta. Seu rosto estava queimando, então suspirou. Sentia-se estúpida -- Vou contar toda a história. Talvez assim, me compreenda melhor.
Bruna puxou uma cadeira e sentou-se próxima à cama.
-- Pode falar.
-- Era o início do ciclo de Festas do Divino Espirito Santo, também chamado de "folias do Divino" ou "cantorias do Divino" é uma tradição cristã católica, com mais de oito séculos, introduzida na cultura local pelos açorianos, em celebração a sua devoção ao Espírito Santo. Florianópolis e vários outros municípios do litoral realizam essa festividade. Meus pais saíram logo cedo da Ilha do Falcão no iate do papai com destino a ilha de Santa Catarina. Chegando lá pegaram um carro e partiram em direção ao Continente pela ponte Colombo Sales. Eles estavam muito felizes com a vida. Se davam muito bem. Se amavam.
Meu pai era o meu melhor amigo e eu era a melhor amiga dele, a ponto de confidenciarmos um com o outro, coisas que a minha mãe nem sabia. Ele me ensinou muita coisa. Eu o tinha como um herói, e ele me via como uma bonequinha, como ele mesmo dizia.
Natasha engoliu em seco. Os olhos dela ficaram rasos d'água e com a voz embargada continuou:
-- O acidente aconteceu na Rodovia Governador Gustavo Richard, logo na saída da ponte.
Alexandra então pegou um copo, encheu-o de água e entregou-o a ela. Natasha deu um gole. Sua garganta estava totalmente seca e arranhando.
-- Segundo as informações que tenho, um bêbado surgiu na curva dirigindo na contramão e bateu de frente com o carro em que eles estavam. Meu pai, minha mãe e o motorista, morreram na hora. Com o impacto, minha irmãzinha foi jogada para fora do carro. Ela sobreviveu, mas só consegui reencontrá-la há pouco tempo.
-- História chocante -- comentou, Alexandra.
-- Muito -- Natasha respirou fundo antes de continuar -- Naquele dia eu perdi as pessoas mais importantes da minha vida. A família entrou em crise. Meus avós se desesperaram, minha crença em Deus se esvaziou por completo. Eu, uma criança perdida, logo me transformei em uma adolescente descrente de Deus.
Perguntava para todos: que Deus é esse que permite um casal tão maravilhoso morrer de uma forma tão injusta? Me diziam apenas: "Deus quis assim". Quis assim como? Ele fica feliz com a desgraça da família dos outros? Onde fica o tal amor que a Bíblia tanto fala?
Desde que meus pais se foram perdi totalmente a fé em Deus. E assim vivi. Não queria correr o risco de crer num Deus que eu pensava proteger os que amo e ter de conviver com novas tragédias.
Agora, depois de passar por tudo que passei, começo a ver Deus de uma outra forma. Há alguns dias atrás, depois de sonhar com o meu pai, cheguei à conclusão: Deus não teve nada a ver com a morte deles, pois ele não permitiu nada. Pedi perdão a Deus por tê-lo culpado pelas desgraças da minha vida. Espero que ele me perdoe por isso!
Bruna pegou a mão dela e esfregou suavemente os dedos.
-- Primeiro, lembre-se de uma coisa: você é humana e Deus sabe disso. Não quero passar a mão na cabeça do pecado, mas o que importa é que você entenda o olhar do Pai. É ele que perdoa todos os seus pecados. O Senhor é compassivo e misericordioso, paciente e cheio de amor. Não acusa, nem fica ressentido para sempre; não nos trata conforme os nossos pecados nem nos retribui conforme as nossas iniquidades. Ele não tem nada a ver com os acontecimentos humanos. Deus não controla nada, mas ama os seres humanos e lhes apoia nos momentos difíceis.
-- Verdade. Hoje percebo que foi ele quem me ajudou a suportar a tristeza da perda. Ainda tenho várias dúvidas sobre Deus, mas acredito nele como um pai misericordioso.
Bruna sorriu.
-- As religiões são imperfeitas, as pessoas são imperfeitas, todos nós somos. Nós, cristãos, somos, sem exceção, um bando de pecadores que amam a Cristo, e que devemos ajudarmos uns aos outros em nossas fraquezas.
-- Vai me ajudar? -- Natasha inclinou-se um pouco para frente.
-- Farei o que estiver ao meu alcance -- respondeu Bruna.
Alexandra deu um pulo da cadeira.
-- Pronto? Terminou a sessão? Agora vamos!
-- Vamos para onde criatura? -- Bruna olhou para ela com os olhos arregalados.
-- Vamos atrás da mamãe Gavião e seu filhote.
-- Falcão! -- Natasha fez um gesto de enfado, revirando os olhos.
-- Foi o que eu disse -- Alexandra falou bem próxima à Natasha -- Detesto conversar com pessoas bonitas. Parece que estou conversando com o meu espelho.
Bruna meneou a cabeça de um lado para outro. Natasha não conseguiu segurar uma risada. A loira era uma figura.
-- Estamos perdendo tempo -- Alexandra foi até o armário, abriu as portas e olhou para dentro -- Suas roupas estão aqui?
-- Estão, mas espere -- pediu Natasha -- Como sairemos daqui?
Bruna ficou ligeiramente alarmada com a forma abrupta com que Natasha saiu da cama e foi até o armário.
-- Espera um pouco! Você não está pensando em fazer o que essa doida está propondo. Não é mesmo?
-- Claro que sim! Estive pensando nisso desde ontem -- Natasha pegou algumas peças de roupas e jogou sobre a cama.
-- Você ainda está em recuperação. Não pode simplesmente sair assim do hospital sem receber alta médica -- insistiu, Bruna.
-- Quem disse isso? -- Natasha olhou séria para ela.
-- Eu, estou dizendo.
-- Ah, tá! -- Natasha fez um gesto de pouco caso e se virou para Alexandra -- Como sairemos daqui sem sermos percebidas?
-- Deixa comigo. Já tenho tudo esquematizado na cabeça. O plano A está pronto, no caminho eu penso no plano B e C. Troca de roupa e fica pronta. Já volto -- Alexandra ergueu a gola da camisa e saiu porta a fora.
-- Meu guia espiritual deve ser psiquiatra, pois é cada louca que ele coloca em minha vida -- Bruna encostou-se no batente da porta.
-- Loucura é loucura. Não tente compreender.
-- Verdade. Até eu pareço normal, mas já tentei acertar a lua com uma pedra.
Natasha parou o que fazia e olhou para ela.
-- Que legal, doutora! Eu também já fiz isso quando criança, só que usei uma espingarda.
-- Você tinha uma espingarda quando era criança? -- Bruna estava horrorizada.
-- Sim. Usava para me defender das baratas. O problema era quando elas voavam. Fazia um estrago! -- Natasha voltou a se vestir.
-- Você me falou de um sonho que teve com o seu pai. Me fale um pouco sobre ele.
-- No sonho, ele me levou para assistir a sua reencarnação.
Bruna ficou muito interessada. Caminhou até Natasha e tocou de leve em seu ombro.
-- Você acredita que esse sonho pode ter se realizado?
-- Até hoje, o único sonho meu que se realizou, foi o que eu estava toda mijada.
-- Fala sério. Duvido que não tenha pensado a respeito.
Natasha deteve-se em frente a Bruna com o tênis na mão e olhou-a incerta, depois se sentou cautelosamente na cama.
-- Claro que pensei. Pensei tanto que cheguei a ter dor de cabeça. Porém não cheguei à conclusão alguma.
Bruna caminhou pelo quarto. Na média as pessoas levam cerca de 200 anos para reencarnar, logo, as possibilidades de uma criança ser um parente recém desencarnado são bem pequenas, segundo a Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec. No entanto, existe algumas exceções. Uma pessoa que tenha falecido num acidente de carro (ou qualquer outro tipo de morte prematura). Desta forma, é bem provável que ele não tivesse terminado a prova prevista para esta encarnação. Caso esta pessoa tenha merecimento, e sua família também, poderá reencarnar neste mesmo grupo familiar a fim de concluir a sua prova.
-- Você pode ter tido um sonho premonitório. Sonhos premonitórios são aqueles em que o que foi visto durante o sono se torna realidade na vida material. Há três tipos diferentes. O primeiro é aquele em que o espírito, durante o sono, desprendido do corpo físico, tem uma vasta percepção de sua vida e da de outros. Com essa visão ampliada do momento, pode prever um desfecho lógico para determinada situação. A outra forma é quando estando o espírito em outro plano, recebe de um ou mais espíritos evoluídos informações sobre o futuro e, ao acordarem, trazem na lembrança esses registros. Por fim a terceira maneira de sonho profético é a mais rara de todas. Trata-se de uma forma mais precisa e rica em detalhes de datas, horas e locais. São visões proféticas de fatos que ainda vão acontecer, aos quais o espírito é transportado, despertando com a lembrança rica em imagens -- Bruna sentou-se ao lado dela na cama, decidiu não falar sobre a possibilidade do pequeno Marlon ser a reencarnação de seu pai. Seria demais para a cabeça de um leigo. Não criaria nenhuma expectativa, simplesmente se conectaria com seu mentor espiritual em busca de conselhos -- Nesse sonho, você recebeu informações detalhadas de datas, horas e locais?
-- Data e hora sim, mas o local não ficou muito claro. Lembro que pousamos em uma pequena cidade do Rio Grande do Sul, cujo nome tem quatro letras. Depois, caminhamos até a casa onde ele deveria reencarnar.
-- Hum, ótimo. Preciso de um local calmo para falar com o meu mentor, potencializar as energias boas. Sentar-se calmamente, acalmar a mente...
Naquele instante, Alexandra abriu a porta com uma violência assustadora.
-- De preferência bem longe da Girani -- completou, a médium.
-- O que é isso? -- Natasha foi ao encontro da loira.
-- Isso é um carrinho cesto de lavanderia hospitalar -- Alexandra respondeu, empinando o nariz -- Mais conhecido como veículo para fuga de hospital. Não vai me dizer que nunca fez isso antes?
-- Não sou louca de entrar em uma coisa dessa. Isso deve estar todo contaminado... Argh! Que nojo!
Alexandra lançou um olhar reprovador para ela.
-- Larga de ser fresca. Não é louco quem corre atrás de um objetivo, porque a nossa vida está tecida e emaranhada por um fio de uma transitória aventura. Pensa no pequeno Gavião e na sua bela família emplumada tão bem descrita a minha pessoa pela sua amiga Pedrita que come feito baleia, mas parece um palito.
Natasha hesitou um segundo ou dois, olhava vigorosamente para os olhos claros de Alexandra e depois mandou as suas restantes dúvidas para o espaço. Seu instinto dizia-lhe que podia confiar nela.
-- Pensando assim... Por eles vale o sacrifício.
-- Claro! Como diz a minha sogra que é tão feia, que quando vai tirar uma selfie, tem que desativar o antivírus: "Todo sacrifício é temporário, mas as vitórias são para sempre".
-- Sua sogra é uma mulher sábia -- comentou, Bruna -- Ela é idosa, Girani?
-- Minha sogra é tão velha, mas tão velha, que quando Jesus ressuscitou, ela foi a primeira a espalhar a notícia.
-- Meu Deus! Será que dá para você agir como uma pessoa normal ao menos uma vez na vida? -- disse Bruna, irritada.
-- Desculpa! É que sempre fico assim quando estou no comando de uma operação importante.
-- Ei, péraí -- Natasha empolou o peito e soltou a voz -- Sou eu quem estou no comando da operação.
-- Não sei se a empresária do ramo de motéis percebeu, mas eu estou no comando já faz tempo. Quem arquitetou o plano e providenciou o veículo e as roupas para a fuga?
-- Diga: Empresária do ramo hoteleiro, por favor -- Natasha abriu o carrinho e analisou o espaço -- Não sei se a empresária do ramo de boates percebeu, mas eu sou a protagonista dessa história.
-- Diga: Empresária do ramo de entretenimento, por favor -- Alexandra cruzou os braços na altura do peito, forte indicativo de que não gostara do comentário e muito menos que aceitaria o papel de coadjuvante -- Então, a protagonista da história, vai vestir o uniforme de zeladora, que eu arrumei, vai entrar no carrinho cesto, que eu arrumei, e vai sair pelos corredores empurrando o carrinho, que eu arrumei. Sabe por que?
-- Por que? -- Natasha deu pancadinhas no queixo na expectativa.
-- Não recebo ordens -- disse calma e de forma arrogante.
-- Será que as meninas podem dar uma pausa na guerra de egos e saírmos logo daqui? -- Bruna pegou o uniforme de zeladora e começou a se vestir.
-- Tá certo -- resmungou, Natasha -- Enquanto eu estiver dentro do veículo de fuga, quero que você esteja no comando -- disse ela baixinho para Alexandra.
Créditos:
https://www.altoastral.com.br/premonicao-espiritismo/
https://www.osvigaristas.com.br/frases/loucos/pagina2.html
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Mille
Em: 05/11/2018
Oi Vandinha
Muito bom o capítulo
Bruna sairá dai pirada com essas duas brigando para ficar no comando.
E a Alexandra falando nome errado do sobrenome deixando a Nat com raiva.. essa dupla vai nos fazer rir bastante.
Bjus e até o próximo capítulo
Resposta do autor:
Boa noite Mille.
Obrigada!
Beijos.
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NovaAqui
Em: 05/11/2018
Estava demorando para elas começarem a briga de egos. Pobre Bruna! AondA vai enlouquecer com as duas. Antes era só a Girani, agora tem a Falcão kkkkll o mentor espiritual dela deve ter sido psiquiatra kkkkk e ainda faltam Isabel, Vic e mais alguns que devem chegar kkkkk essa ilha vai ser pequena
Adorando esse interligação das suas histórias. Fico ansiosa para ver o que essas loucas vão aprontar kkkk
Boa semana!
Abraços fraternos procês aí!
Resposta do autor:
Boa noite NovaAqui.
Tô mandando mais um capítulo aê.
Beijos.
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