AnaLu

A minha voz tremia várias vezes diante do nervosismo, mas ninguém percebia. Eu só tinha olhos para ela. Luiza. Minha Lu. Como ela estava maravilhosa. Caraca! Aqueles olhos, aquela boca... Continuava cantando o setlist mas meus olhos estavam nela. Mamãe sorria para mim me dando a força que eu precisava. 

Flashback on

Meus dias eram passados no meu quarto compondo, não surfava, não saía... AnaBea me falou para eu sair e ficar em outros cômodos da casa para não dar tanto na vista. Mamãe já estava me olhando diferente. Então eu resolvi ir para a sala de jogos perto da piscina com meu teclado. Coloquei o instrumento no volume baixo porque não queria incomodar ninguém. Mainha estava viajando e mamãe estava em casa na beira da piscina junto de vovó. Ela tinha dado plantão a noite e hoje era sua folga. Sentia seu olhar em cima de mim. Fui até a cozinha e quando voltei ela estava olhando as minhas composições.

— Que lindo, filha! Lindo demais! – seus olhos estavam cheios de lágrimas. – Você não sabe o quanto eu fico feliz em saber de todo esse amor que você tem dentro do peito.

— Privacidade pra que né, mãe. – falei tentando aparentar brabeza, mas sei que com as minhas mães nunca funcionaria.

— Não estavam trancadas então achei que eu poderia ver. – ela falou me beijando no rosto. – Canta para mim.

Sentei ao teclado e cantei para ela as palavras que eu escrevi para a Luiza. Palavras que diziam tudo o que eu sentia. Mamãe emocionada deixava escorrer algumas lágrimas no seu rosto. Quando enfim eu terminei ficamos em silêncio nos olhando.

— Você sempre foi diferente dos seus irmãos. – ela começou. – Seus irmãos são extraordinários, mas você, AnaLu... você é além... você, como mamãe gosta de dizer, é uma alma velha. Você se doa, você tem uma empatia...

— Mãe, não entendo...

— Filha... lembra quantas vezes eu tive que comprar tênis novos para você quando pequena porque você dava para os moleques na praia que não tinham? Eu brigava com Carlão que deixava, mas você passava ele na conversa. Acabei comprando a cada seis meses um monte de roupas e sapatos para a molecada da comunidade aqui da volta. Senão você sempre iria voltar para casa sem.

— Não lembro. – não lembrava disso.

— Ou quando você ficava sem lanche porque algum amiguinho esquecia. O que eu quero dizer filhota é que você sempre foi assim, em tudo. Você se doava, sem querer nada em troca. E eu só conheço uma pessoa assim como você.

— Quem?

— Sua Mainha.

— Mãe, ainda não to entendendo o que você quer dizer com tudo isso. Você quer dizer algo, não é?

— Eu sempre pensei que se eu morresse antes da Nanda, – mamãe procurou madeira para bater. – ela ficaria bem porque teria a Luiza. – agora eu começo a entender do que a mamãe estava falando. – Só que a minha amiga louca, já encontrou a sua alma gêmea assim como eu.

— Mãe, eu...

— Ana Luiza, eu não sou lerda como sua Mainha. Claro que quando você era criança ninguém dava bola. Mas na sua adolescência eu já via todas as evidências. – “Se eu quis cantar “Evidências” do Chitãozinho e Xororó agora? Sim, mas mamãe iria me bater, e ela tem a mão pesada! Me controlei para não falar merd*, mas queria rir me lembrando do cabelo da vovó em umas fotos dos anos 80 em que ela parecia o Chitãozinho ou o Xororó. A SandyJunior é filha do Chitãozinho com o Xororó? Será que são um casal gay? Afinal a lenda dessa paixão faz sorrir ou faz chorar?” – Você ama Luiza como sua Mainha me ama. – PARA TUDO! CARACA, MULEQUE! CARACA! DA ONDE VEIO ISSO? OK, VOU FALAR!

— Eu sou completamente apaixonada por aquela mulher, mãe. E não é paixão adolescente não. Tenho certeza que ela é quem eu quero viver a minha vida toda.

 — Eu sei, eu vejo os sinais. Vocês duas são iguais a Nanda e eu. Sempre foram. Desde sempre. No cuidado, nos carinhos... Sua vó foi a primeira a notar, mesmo antes de vocês. Eu notei.

— Então, você sabe que a gente ficou?

— Imaginei e sua vó me contou. Agora, me diz... o que a louca da minha amiga fez pra cagar a relação de vocês? Porque aquela ali não pensa!

Abracei a minha mãe contei tudo. Tudo. Desde o início, o primeiro beijo, a primeira trans*... logico que sem os detalhes porque mãe é mãe e não sou assim tão pra frente, né. Contei a ela sobre a Julietta e a chantagem. Mamãe ficou furiosa. Mas quando contei o término, achei que a mamãe iria pegar um avião pra dar na cara da Lu. Ficou andando de um lado para o outro falando coisas como: Isso não fica assim! Quem ela pensa que é!? Machucar o meu bebê!

Vovó entrou e foi aí que mamãe se acalmou. Dona Alice com toda a sua sabedoria falou por horas e nos fez ver que provavelmente Luiza disse aquele monte de merd* porque ela deve estar com medo da chantagem e da reação das mamães. Vovó ainda falou que Mainha poderia não reagir bem no início, mas que a mamãe deveria conversar com ela.

— Eu acho que vocês devem conversar.

— Não sei, vó. Acho melhor não. E ainda mais agora que ela anda pra lá e pra cá com aquela Cris.

— A Cris não fede nem cheira, AnaLu, nem te preocupa. Se até agora ela não conquistou a Luiza, depois de velha vai conquistar? – mamãe falou.

— Ela tentou falar com você, né? – vovó perguntou.

— Sim.

— Então filha, trata ela como se nada tivesse acontecido.

— Como assim, mamãe?

— Como se nada tivesse acontecido. Volta algumas “casinhas”. Antes do teu aniversário de 18 anos. Antes de vocês ficarem juntas. Apenas mostrando o que ela tá perdendo e a mulher maravilhosa que você é!

Flashback off

                Era uma música dançante, uma das preferidas do João, e a Cris abraça a Luiza por trás. Colando seu corpo no dela. Me irritei quando vi a cabelo de saco do diabo dar um beijinho no pescoço da MINHA Lu. Terminei a música.

— Joãozinho, quero pedir desculpas, mas vou cantar uma música fora do setlist. É dedicada a uma pessoa presente. – me virei pra banda e falei fora do microfone.

— Galera vou fazer uma sozinha agora.

— Como assim, AnaLu? Não foi o que a gente ensaiou! – Summer disse.

— Deixa comigo, prima, por favor confia em mim.

Peguei o Eagle que me acompanhava desde sempre, ele estava velhinho, mas era meu companheiro. Comecei a cantar Demônio Colorido da Sandra de Sá, olhando fixamente para os olhos verdes da Luiza que sorri para mim e eu sorrio de volta. Ela entendeu o que eu queria dizer. “Te chamar de amiga.”

Lógico que não é apenas isso que eu quero. E eu também estou machucada com o que ela me disse, mesmo querendo acreditar que tudo foi apenas da boca para fora como vovó falou. Mas suas palavras ainda doem. “Ah, Lulu, como eu quero ficar perto de você novamente. Eu sinto a sua falta como se fosse uma planta que precisasse de sol.”. Terminei de cantar e vejo que ela começa a se aproximar. Largo o violão e sinto braços ao meu redor e lábios nos meus. Aline completamente alucinada me beijava. Delicadamente termino o beijo.

— Eu também estava com saudade, AnaLu! Não precisava ter cantado pra mim sua louca!!!! Era só ter me chamado! Vamos aproveitar e fazer um som juntas!

O furacão Aline já conversa com a banda e o DJ. Então a festa tomou novo rumo ao som de DJ Lexy e The Sunshines. O importante é que João estava amando. Olho para onde estavam minhas mães e a Lu e não a vejo mais, ela havia ido embora.

Luiza

— Ela seguiu em frente, você deveria fazer o mesmo, Lu. – Cris falava enquanto preparava um chá para nós. Eu queria ficar sozinha, mas não tive como manda-la embora. Cris tem sido minha única amiga e a mais solícita.

— Eu não sei, Cris, eu me sinto vazia. Eu sinto saudade dela.

— Deixa de ser boba! Ela parecia muito bem com aquela DJ, você mesmo viu!

— Ela estava linda né? Ela é linda! – era impressionante como a minha menina ficava linda vestindo qualquer coisa. Mesmo com uma simples calça jeans, um vestido para noite ou até mesmo naquele estilo good vibes... – Cris, eu vou me deitar. Você se importa em fechar tudo quando sair?

— Não, claro que não! Amanhã eu volto pro almoço. Sr. Cadu me convidou!

— O famoso churrasco do tio Cadu! – rimos e me despedi com um beijo no rosto. Eu me sentia mal pela situação e acho que já estava na hora de me afastar da Cris. Ela já deu várias mostras de que queria estreitar o relacionamento, mas eu não posso... eu não consigo. Tirei minha roupa ficando apenas de calcinha e peguei uma camiseta da AnaLu que eu havia roubado. Dormi sentindo o cheiro da minha menina.

AnaLuiza

Como sempre acontecia quando a Luiza estava em casa eu fui silenciosamente pelo quintal. Abanei para o segurança e fiz sinal de silêncio. Os seguranças eram todos meus amigos e sempre me encobriam. Ninguém contava o que eu fazia de madrugada.

Entrei pela porta da varanda na casa da mulher que eu amo. Subi as escadas e quase pisei na Jurema que abriu as garras para mim. “Gata dos infernos! Depois vai pedir carinho pra mim, vai!”. 

Abro silenciosamente a porta do quarto da Lu. Ela estava apenas de calcinha deitada de bruços. Aquela bunda deliciosa empinadinha para mim. A minha camiseta da mulher maravilha, que eu não sabia onde andava, estava em seus braços como um ursinho de pelúcias. Me ajoelhei perto dela, sem fazer barulho. “Ah, Lu, porque você é tão maluca? Porque você não falou comigo? Porque você me magoou daquele jeito?”. Vejo que ela estava com frio e vou até a cômoda e pego uma manta quentinha e a cubro. Ela suspira e sorri. Eu não me contenho e beijo sua testa bem de leve. Ela murmura: “Te amo, Juju.”. Aquilo faz com que todo meu corpo trema, a minha vontade é acorda-la aos beijos, mas as suas palavras.... ainda estão na minha cabeça. Saio do quarto e olho pela porta entreaberta: “Te amo mais, Lulu.”.

Fim do capítulo