Boa noite...
Imagino que assim como pra mim, não deve estar sendo tão boa assim. Mas, sigamos pois agora é que começara a nossa resistência.
Bom, quase não conseguia terminar esse capítulo, mas me obriguei a fazê-lo, pois se não o fizesse me sentiria ainda mais derrotada e não queria ficar longe da Ordem. Principalmente agora.
Talvez esse capítulo não seja exatamente o que gostaríamos de ler nesse momento tão tenebroso, mas por outro lado pode ser exatamente o que precisamos.
Lhes desejo força para lutarmos e espero continuem comigo.
Ps. Peço perdão pelos erros, eles serão corrigidos.
Capítulo 69 O Livro das Sombras (Parte 3)
Completamente tomada pela energia que a cercava e emanava daqueles textos antigos, Cosima estava finalmente tendo a real dimensão de tudo o que de fato a Ordem representa. Perambular por aqueles corredores subterrâneos, respirar aqueles ares místicos e ter conversado com aquela misteriosa mulher só potencializaram o que estava sentindo.
Releu aquela poderosíssima citação mais uma vez e suspirou, jogada na cadeira, voltando a segurar aquele fabuloso desenho em mãos.
- A Mestra da Ordem não é apenas uma... – Repetiu em voz alta o inicio daquela narrativa que tentava, com bastante sucesso, dimensionar um pouco do poder que aquela posição representava. Mas tudo o que estava descobrindo nos últimos dias lhe dizia que tal posição ganhou novo significado após Evelyne. Pois ela havia lido as memórias de Melanie e o livro que ela e Eve haviam escrito e nada neles mencionava nada relacionado a imortalidade, mesmo que muitas questões fantásticas tenham feito e façam parte da Ordem, vida eterna ultrapassava todos os limites racionais e irracionais do absurdo.
Mas lembrou-se do grotesco ritual realizado por Armand que lera no primeiro volume dos diários de sua amada e voltou a experimentar aquele desagradável embrulho em seu intimo. Não conseguia compreender como um pai poderia ser tão cruel ao ponto de sacrificar a própria filha para oferece-la em uma cerimônia terrível e ainda por cima consumir o que restava dela. Sacudiu a cabeça sentiu um calafrio percorrer seu corpo.
Já havia assumido e aceitado a sua relação sobrenatural com aquela jovem mulher do século XVII, e quase foi possível experimentar toda a dor e partilhar o sofrimento que aquela pobre pessoa passou em suas ultimas horas de vida.
Ambas foram ingênuas ao acharem que um homem como Armand teria honra e manteria suas promessas torpes. Acreditando que seu sofrimento salvaria a outra, ambas sucumbiram diante de um ser sem nenhum escrúpulo ou moral. Ele apenas pensava em si mesmo e em alcançar seus torpes e insanos objetivos.
- John Lamartine... – Disse com todo o ódio e asco que aquele nome poderia lhe causar e sentiu uma vontade inédita dentro de si ganhar força. Jamais havia se quer cogitado a possibilidade de desejar a morte de alguém, mas facilmente conseguia imaginar ele sendo morto e experimentou uma pontada de sadismo ao se imaginar tirando a vida dele.
Mas como aquilo seria possível? Pensou, já que ele havia conseguido a sua tão desejada imortalidade. Olhou de forma desconfiada para os pergaminhos que estavam relaxando a sua posição ondulada e sentiu em seu intimo que a resposta para aquela pergunta estaria neles.
Estava desesperadamente ansiosa para lê-los, contudo estava receosa na mesma proporção do que encontraria neles. Saber da reação de Helena, alguém que parecia extremamente corajosa não lhe ajudava em nada. Assim como da expressão no rosto daquela velha mulher quando viu os pergaminhos na mão dela. Tudo aquilo lhe alertava para o estava prestes a enfrentar.
Buscou o ar com mais força e sentiu um calafrio em sua espinha e a boca ficando seca. Lamentou não ter trazido água e pensou em ligar para Siobhan para lhe pedir, mas relutou em incomodar. Decidiu então que não dava mais para adiar o que parecia ser inevitável e procurou ajustar sua posição e pigarreou como se com aquele simples gesto desejasse afastar todas as duvidas e temores que a estavam impedindo.
Tomou o cuidado de deixar aquela folha com o desenho de Evelyne ao alcance dos olhos. Sentiu que iria necessitar de buscar algum tipo de apoio nele ao longo daquela leitura.
Estava certa.
- Izabelle Munoz! – Leu o nome daquela que foi a autora daqueles pergaminhos e de imediato Cosima ligou o nome a pessoa. Tratava-se da Protetora de Emanuelle Chermont e isso lhe causou certa admiração e surpresa. Em seu intimo achava que aquelas linhas foram escritas pela própria Mestra de então, mas algo dentro dela lhe dizia que aquilo seria impossível e por um motivo assustador. Tentou afastar aquele pensamento de sua mente, mas ele persistia cada vez mais latente.
Esfregou o rosto e cocegou os olhos por baixo dos óculos e debruçou-se sobre a leitura, segurando aquelas folhas com cuidado e adoração. Acariciou as palavras lindamente registradas no linho e lamentou um pouco não ter acesso as originais, pois aquelas folhas já foram transcritas e adaptadas para o idioma mais contemporâneo.
Suspirou pela derradeira fez, buscando uma coragem que parecia cada vez mais distante e deu inicio a leitura que iria definitivamente mudar a sua vida.
******
Devoção! Entrega e Sacrifício. Essa é a essência do que define a Ordem do Labrys e é o que irás encontrar nessas páginas!
Irmã... Entregue-se a essa leitura, deixe-se preencher pela mensagem deixada, dispa-se de qualquer julgamento de valor e permita-se a compreender a magnitude do que aquelas mulheres realizaram naquela noite.
E é por isso que registro seus feitos, para que aquelas que virão depois de mim jamais se esqueçam do que aconteceu naquela terrível noite de lua cheia.
Hoje, exatamente uma semana após aquele ocorrido, me encontro aqui, sentada num castelo vazio e mortalmente silencioso. Onde outrora habitavam várias de nossas irmãs, agora só perambulam por esses corredores eu e ela. Parecia que toda a vida e alegria que preenchiam esses quartos e salas pertenceram a um sonho bonito e cuja realidade é bastante diferente e lembra muito mais um pesadelo de desolação e escuridão.
As dores de meus ferimentos vão diminuindo a cada dia, mas as cicatrizes em minha carne nada se comparam com aquelas em minha alma, pois tenho sangue em minhas mãos. Embora que a minha culpa e o meu pesar são impossíveis de serem comparados ao dela.
Oh minha criança... Agora minha senhora... Minha Mestra. Aquela que menos queria tal posição é justamente aquela que nasceu para isso e que, por mais que fugisse seu destino lhe alcançou. Porém o preço desse destino certamente ela nem ninguém jamais poderia prever.
Amaldiçoada agoniza em sua dor... Num estado lastimável de simples existência. Essa é a única definição que mais se aproxima do estado em que ela se encontra.
Acabei de deixa-la mergulhada em toda a sua amargura. Não dorme, não se alimenta... Para ela cabe apenas o sofrimento que se torna ainda mais intenso sempre que ela tenta por fim a sua vida apenas para perceber que isso é impossível.
“Até isso me foi negado!” “Ne se quer posso acabar com minha dor.” “Ele me tirou absolutamente tudo!”
Ela me disse secamente.
É assustador estar na presença dela. Não sei se sou capaz de definir em palavras o que sinto sempre que me aproximo de minha mestra. É como se eu esquecesse ou desconhecesse o que é a felicidade. É doloroso demais. Mas jamais a abandonarei enquanto eu viver e preciso garantir que aquelas que vierem depois de mim façam o mesmo. Essa foi a tarefa que me foi pedida e a promessa que fiz com toda a força de meu ser.
Uma promessa sussurrada em meio ao caos... A insanidade daquele momento... O que preciso aqui registrar em palavras para que não se perca e para que ela mesma possa saber o que lhe aconteceu no dia de sua morta e de seu “renascimento.”
Já que ela se recusa a ouvir meus relatos, os deixarei escritos e preservados para quando ela estiver pronta para se confrontar com ela mesma e puder aceitar e se perdoar. Rogo as deusas para que isso seja possível e que ela encontre alguma paz.
Protelo o inevitável, mas alerto-lhe que o que vem a seguir é a mais verdadeira e aterradora das histórias e que carrega em seus enlaces o início e a possibilidade de fim do tormento de minha Mestra.
Escolho iniciar minha narrativa pela manhã em que aquela terrível notícia chegou até nós. Era mais um dia comum aqui no castelo, onde cada uma de nós cuidava de seus afazeres, embora que a alguns dias eu percebera uma sutil mudança no comportamento de Emanuelle. Aquela que sempre era tão serena e segura estava distante e inquieta, chegando ao ponto de cometer erros tolos, causando estranhamento em todas nós. Parecia até mesmo que ela estava antevendo tempos sombrios.
E ela estava certa.
Os gritos esganiçados de Josephine invadiram os corredores do castelo e até mesmo a temperatura aqui dentro pareceu ser afetada assim que aquelas frases chegaram aos ouvidos de Manu.
“Ele as capturou!” Repetia ela de forma angustiada.
Com estarrecimento, a ouvi relatar o que algumas de nossas irmãs nos trouxeram como informações. Virei em direção a Manu, temendo o que encontraria nos olhos de minha amiga. Ela estava paralisada, segurando nas mãos uma buquê de hortênsias e a boca levemente aberta e os olhos arregalados.
“Minha senhora... Vai haver uma execução!” Tais palavras nos acertaram como flechas certeiras. Josephine nos trouxe a pior das notícias. A jovem Melanie e Evelyne, que a anos fugiam das garras do Martelo, foram pegas e o que era pior, tudo indicava que seriam mortas.
Esperei suplicante pelas determinações de Manu, mas ela ainda parecia estar perdida em seus pensamentos. Busquei o máximo de informações que pude sobre o que estava prestes a acontecer.
“Minha senhora... Precisamos fazer algo!” Ousei sacudi-la, na tentativa de arrancá-la daquele transe e trazê-la de volta. Como se acordasse de um sono profundo ela focou seus olhos em mim e percebi que sua mente estava de volta.
Com a firmeza que lhe era costumeira, se recompôs e deu as ordens que eu mais desejava ouvir. Emanuelle era uma mulher muito sábia e sempre procurava evitar confrontos diretos com o Martelo, pois sabia que isso certamente custaria vidas de nossa parte e ela abominava isso. Mas aquela não era uma situação de embate comum. Eles haviam capturado sua filha. E havia a ameaça concreta de uma morte.
Preciso confessar o prazer que senti quando o sangue ferveu em minhas veias ao ouvi-la proclamar o que desejava.
“Vamos buscar minhas filhas!”
*****
- COSIMA! – O seu nome gritado a plenos pulmões lhe interrompeu a leitura.
- O que foi Manu? – Sobressaltou-se levando as mãos ao peito devido ao susto causado pela entrada brusca da menina.
- A Delphine nem desconfia que você tá viva! – Disse ofegante. A mulher encarou a menina que possuía um leve brilho na testa, proveniente de pequenas gotinhas de suor, indicando que a pequena havia vindo correndo até ali. Demorou-se olhando para ela que lhe retribuía o olhar um tanto confusa. - Cos? – Gesticulou as mãos diante do rosto da mulher, mas a mente dela estava no que acabara de ler. Emanuelle Chermont ordenando um ataque ao Martelo para resgatar suas “filhas”. Ainda estava tomada pela admiração que sentia por aquela mulher e justamente naquele instante, a Pequena Manu irrompeu naquela sala. Foi inevitável não converter aquele sentimento do passado contido nas folhas que lia para o presente diante daquela impressionante criança.
- Oi... Obrigada! – Disse e a menina ergueu uma das sobrancelhas e mordeu o lábio inferior visivelmente surpresa com aquele agradecimento. – Por tudo que você fez! – Foi o que ela conseguiu explicar.
- Você tá falando de bagunçar a cabeça da Delphine? Ah... molezinha! – Tentou assoviar demonstrando que aquela impressionante demonstração de poder não era nada para ela.
- E... Onde ela está agora?
- Conversando com a Tia Helena e a Sra. S! – A garota levou as mãos a boca e soltou um risinho maroto. – Você precisava ver a cara delas de nervoso e a Del sem entender nadinha.
- E como ela está? – A pergunta pareceu pegar a menina de surpresa, pois o sorriso dela foi esmorecendo e os olhos dela fitaram os próprios pés.
- Muito triste! – Responde em tom de sofrimento, como se estivesse sentindo algo.
- Manu?
- Dói demais sentir a dor dela. – A menina apertou o próprio peito, o que impactou Cosima a tal ponto, que seus olhos ficaram marejados e ambas partilharam daquele pesar. Instintivamente a mulher puxou a menina e abraçou apertado.
- Eu quero que isso acabe tanto quanto você, mas...
- UAU! Essa é a Delphine!? – A mudança no humor da menina foi evidente. Ela debruçava-se e já tentava alcançar o desenho.
- Opa! – Cosima a impediu. – Coloque isso aqui! – Lhe entregou um par de luvas descartáveis que havia trazido a mais. A ruguinha na testa de Manu lhe dizia que a pequena não havia compreendido bem. – Esses papeis são muito antigos, e não devemos tocar com a mão neles, pois o nosso suor pode estraga-los. – Manu arregalou os olhos, mas concordou sem maiores protestos, pois estava sentindo-se muito importante com as folgadas luvas nas mãos.
- O que é isso no rosto da Del?
- Não conhece um Labrys? – Cosima se surpreendeu.
- Ah, isso é um Labrys? Não sabia exatamente como era. Quero um pra mim! – Virou-se para Cosima, e a encarou bem de perto, pois estava sentada em seu colo.
- Manu, isso é uma arma e não um brinquedo. – A mulher a interrompeu.
- Sim Cos... Mas quando eu crescer e ficar do tamanho da Del eu posso ter um pra mim? – Cosima abriu a boca para retrucar, mas parou de imediato ao constatar que, se aquela arma simbólica pertencia a Mestra da Ordem, viu na Pequena Manu os traços que lhe levaram até Emanuelle e pensou que certamente aquele impressionante objeto já teve ter sido possuído por ela.
- Tudo bem Manu. A gente pode perguntar a Del e... – Pausou sua frase quando se lembrou do segredo que mantinham. Sentiu o pesar da culpa dilacerando o seu peito e ouvir daquela pequena menina o quanto sua amada estava sofrendo só lhe maltratava ainda mais.
- Ai está você! – Siobhan entrou no escritório e parou com ambas as mãos na cintura. Cosima sentiu a menina se encolhendo em seu colo, pois havia sido descoberta. - Mas deverias estar assistindo sua aula.
- Mas é matemática... – Protestou a menina e arriou os ombrinhos.
- Já lhe disse que matemática é bastante importante. – A morena disse pertinho do ouvido dela. – Vá com a S. Até porque você precisa ficar de olho na Del por mim. – Pisco um dos olhos para a menina que lhe sorriu enormemente como resposta e saltou do colo dela, indo em direção a Siobhan.
- Cosima, em breve pedirei que lhe tragam o almoço, e a srta venha comigo. – Segurou a mão da criança e as duas saíram do escritório. A morena ainda prestou atenção nos passos delas se afastando e o silêncio voltando a ser seu companheiro. Buscou o ponto exato onde havia parado e continuou aquele surpreendente leitura.
******
Pouco mais de uma hora depois já estávamos a postos com as carruagens e os cavalos prontos e selados. Cavalgávamos sem descanso, e corríamos contra o tempo, pois não sabíamos o quanto ainda tinhas.
Seguíamos tendo Manu a nossa frente e parecia que dela provinha uma forte energia que nos puxada, nos dava força e sempre que eu olhava nos olhos de cada uma das irmãs que seguiam conosco, eu sentia a confiança e a certeza de que estávamos fazendo o certo e quando o cansaço ameaça nos alcançar, ela apenas nos olhava e seguíamos com ainda mais intensidade
Paramos apenas para dar uma trégua aos animais, pois de nada adiantaria se eles colapsassem. E com apenas uma terço do tempo necessário, chegamos a Nice a tempo de vermos a movimentação nas ruas que estavam se esvaziando, já que muitos moradores estavam entrando em suas casas, aparentemente mais cedo que o usual e poucos conversavam entre si. Uma terrível sensação nos atingiu e então vimos aquela densa cortina de fumaça que parecia estar se desfazendo e o desespero fez morada em nossos corações.
Confesso que em todos os meus anos na Ordem e ao lado de Manu, jamais a vi esmorecer ou fraquejar, mas naquela noite eu vi o véu do temor nos olhos dela. E percebi que estávamos diante da maior batalha de nossas vidas.
Fomos cautelosas e procuramos não chamar mais atenção desnecessária, pois éramos um grupo de mulheres em cavalos e carruagens sem homem algum ao nosso lado ou nos guiando. Silenciosamente nos aproximamos do pátio da Igreja e vimos, em meio a escuridão, o dançar das sombras contra as altas paredes da catedral que circundavam aquele espaço.
A náusea que compartilhamos foi inevitável assim que aquele asqueroso odor chegou até nós. E eu o reconheci de imediato, pois já o havia sentido ainda quando era só uma menina e testemunhei uma execução de bruxas em Madri. Aquele cheiro feriu minhas narinas e jamais saiu de minha mente.
Eu temia, todas temíamos e assim que conseguimos ver os poucos que permaneciam naquele pátio, vimos a fogueira em brasa. Quem quer que seja, já não existia mais. Gelei quando senti um aperto forte e tremulo em meu antebraços. Manu tremia e parecia buscar apoio em mim, e eu jamais o negaria. Silenciosamente ela me olhou suplicante e eu entendi perfeitamente o que ela queria me dizer.
Apertei sua mão de volta e me esgueirei por trás das árvores e lápides do cemitério que ladeava a igreja e quando estava próxima o suficiente daquela tenebrosa fogueira, vi as evidências que me machucaram com uma dor imensurável. Caídos por trás das madeiras em brasa, ossos humanos carbonizados estavam presos ao que identifiquei como um crânio.
Lágrimas desceram de meus olhos assim que vi algumas mechas de cabelo vermelho, que bravamente resistiram as chamas.
Tenho certeza que jamais, em todos os dias que me restam, esquecerei aquela imagem. E me senti preencher por um ódio crescente, mas precisei me conter. Foi então que ouvi a voz daquele homem asqueroso, o que me obrigou a me posicionar melhor e então paralisei. Minhas pernas amoleceram e meu coração disparou assim que a vi.
Acorrentada, machucada e torturada estava Evelyne. Eles a obrigaram a assistir a morte de sua amada? Definitivamente não havia limites para a perversidade deles.
Juntei minhas forças e controlei minha ira e caminhei de volta para onde Manu estava, mas a medida que a via se mover, temi que ela pudesse ver Evelyne antes que eu chegasse a ela. Eu precisava estar ao seu lado.
Eis então que estarrecida ouço palavras assustadores proferidas por Armand. Custei a crer no que ele estava dizendo e mais ainda quando o vi colher um pouco das cinzas de sua filha. Que mostro!
Em largos e silenciosos passos eu me aproximei de Manu e temendo a reação dela, disse o que vi.
- São as cinzas... Da Melanie! – Sussurrei e ela me olhou incrédula, seus lábios tremeram e seu maxilar travou em seguida. Contudo, antes mesmo de eu alerta-la sobre sua filha, Armand o fez. – Manu! – A segurei pelos ombros e pude sentir o tremor que percorreu seu corpo assim que vislumbrou a filha naquele estado.
Juntas vimos aquele asqueroso homem aproximar-se dela e golpeá-la quase mortalmente. No exato instante Manu retesou todos os músculos do seu poderoso corpo e minha ira ultrapassou todos os limites. Porém, quando fiz menção a me levantar e partir para intervir, a senti me segurando. Me impedindo. A olhei confusa e vi os olhos dela marejados, mas havia algo mais. Uma surpreendente resolução.
- Ele não tem tudo! – Ela me disse e naquele instante não compreendi de imediato a que ela se referia. E como se ela compreendesse minha confusão, prosseguiu. – O Livro das Sombras... O Feitiço... Ele não o tem completo.
- Mas que feitiço é esse? – Só que antes dela me responder, correu e montou em Minerva e com um vigoroso aceno de braço, demandou a nossa investida.
Era o que eu mais desejava!
Em pouquíssimos minutos nos demos conta dos que estavam lá e dos demais chegaram sob as ordens de Armand que fugiu na primeira oportunidade.
Cara leitora reservo-me o prazer de dizer que foi na ponta de minha lâmina que mais da metade deles sucumbiu. Mas não tivemos tempo algum de goz*rmos nossa breve vitória, pois Evelyne estava perdendo sua vida bem ali.
A libertamos de suas correntes e amarras e ela caiu no colo da mãe extremamente fraca. Assustei-me quando vi a extensão dos machucados no rosto dela, assim como os ferimentos de onde minava sangue com bastante intensidade.
Manu solicitou bandagens e ervas que trouxemos e improvisou ataduras na vã tentativa de estancar os sangramentos. Confesso que não sei como, mas ela conseguiu se restabelecer e parecia estar calma e serena. Hoje percebo que a ela não era permitido o desespero. Nem mesmo quando a carne de sua carne estava sofrendo diante dela.
- Josephine... Vá ao porto. Arrume um navio... Pague o que for necessário. – Ela ordenou.
- Para onde minha Mestra? – Foi a pergunta dela, mas eu já fazia uma ideia do que Manu queria.
- Para Dublin! – Josephine anuiu com a cabeça.- Leve Minerva. Ela é a mais rápida. – Todas nos a olhamos incrédula. Ninguém além dela montava naquela égua. Mas para a sorte de Josephine, aquele animal era tão sereno quanto a sua amazona e a recebeu sem maiores protestos.
Com todo o cuidado, nós colocamos uma desacordada Evelyne em uma das carruagens e quando estávamos prestes a partir, Manu desceu e retornou para o centro da praça. Corria atrás dela e quando cheguei lá ela estava parada diante da fogueira, que aquela altura já não possuía mais chama alguma.
- Minha senhora? – Lhe toquei o braço e quando ela se virou para mim, lágrimas lavavam o rosto dela.
- Isso não é justo Izabelle! – Foi o que ela me disse, e voltamos as pressas para a carruagem que partiu logo em seguida.
Durante a turbulenta viagem até o porto de Lympia, Manu manteve-se com Evelyne em seus braços, que oscilava entre a consciência e um perigoso sono. A impressionante habilidade com as ervas de minha Mestra possibilitou que os ferimentos parassem momentaneamente de sangrar.
- Lute meu amor... Lute! – Ela repetia bem próxima ao ouvido da filha.
Chegamos ao porto quando os primeiros raios de sol irrompiam no horizonte e devido ao horário, o porto estava pouco movimentado, o que foi ótimo, pois seria bastante delicado explicar toda aquela operação acontecendo.
A viagem foi tranquila, embora o estranhamento dos marujos sobre o que acontecia no camarote do comandante, que fora cedido após um substancial pagamento. Assim como o segredo dos demais tripulantes. O fato é que Manu deixou uma pequena fortuna naquele navio.
As horas se arrastaram, mas os ventos pareciam que estavam a nosso favor, para a surpresa dos mais experientes marinheiros que não compreendiam a velocidade com que o navio cortava as águas do Atlântico. Parecia até mesmo que os deuses dos ventos e dos mares queriam que chegássemos ao nosso destino o quanto antes.
Quando atracamos no porto de Dublin, Evelyne já não mais acordava e a cor de seu rosto estava cada vez mais fraca, assim como as batidas de seu coração.
Estaria ela se entregando?
Só que, para o estarrecimento de muitos que estavam no porto, saltei antes do navio antes mesmo das amarras serem feitas e providenciei uma carruagem para nos levar. Felizmente estávamos em todos os lugares e nossas irmãs que tinha uma confecção ali perto nos ajudaram.
E logo estávamos passando pelos portais do antiguíssimo castelo de Foley, e fomos recebidas com surpresa pelas irmãs irlandesas que mal conseguiam acreditar quando viram sua Mestra descer da carruagem com suas roupas sujas de sangue. Um pequeno aglomerado se formou, mas logo o silêncio se formou quando descemos a maca onde Evelyne repousava desacordada.
- As anciãs! – Manu berrou. – Levem-na para as catacumbas! – Foi a ordem dela. E espontaneamente as irmãs fizeram um corredor por onde passávamos carregando Eve e por onde passávamos cada uma delas fazia questão de tocar em alguma parte do corpo ou da roupa dela e pude ouvir os desejos de fé em que ela se recuperasse. Vários idiomas, dialetos que eu desconhecia, mas naquele momento não fazia diferença, pois todas sabíamos que elas desejam o bem da nossa irmã.
Cara leitora... Minha irmã de Ordem... Aquela que recebeu essa difícil missão de perpetuar esse legado, alerto-lhe para o que está por vir. Peço que se dispa de qualquer julgamento. Abra sua mente e procuro compreender o todo, não as partes, as ações que narrarei a seguir tem um significado muito maior. E saber que você irá ler minhas palavras é a melhor prova que você necessita.
Assim que alcançamos os tuneis do subterrâneo do castelo, a atmosfera estava carregada e a preocupação pairava no ar. E o desespero se instalou quando assim que a colocaram sobre a pedra central daquela salão sagrado, uma quantidade impressionante de sangue escorreu de seu ferimento mais grave. As velhas anciãs tentavam inutilmente estancar aquela hemorragia, mas não tinham sucesso algum.
E nesse momento, até mesmo a serena Emanuelle Chermont perdeu um ultimo resquício de controle e debruçou-se sobre a filha. Ela berrava, suplicava, sacudia o corpo desfalecido de sua filha.
- Façam alguma coisa! – Manu gritou com as anciãs que a olharam com incredulidade. Por horas eu as assisti aplicando toda a sorte de ervas, cataplasmas e soluções, mas nada parecia ter efeito algum.
Ela estava desistindo.
Numa ultima tentativa, as anciças formaram um circulo ao redor da pedra e, com as mãos dadas começaram a entoar cânticos antigos. Manu as olhou enfurecida. Parecia não estar crendo no que via e ao lado do corpo de Evelyne desesperou-se.
- Cantar? – Ela desdenhou, mas as velhas mulheres pareciam estar em transe e não a ouviram. Todas as tentativas delas falharam e parecia que elas estavam desistindo, o que só enfurecia Manu ainda mais.
Fora do circulo eu e as demais assistíamos aquela cena tomadas pela angustia e comovidas com o desespero da nossa Mestra que assistia a vida de sua filha se esvair. Em determinado momento ela escorregou no sangue que escorria daquela mesa e com os joelhos e as mãos apoiados naquele liquido vermelho ela tomou aquela temível decisão.
Num instante que pareceu um piscar de olhos, ela saltou e ficou de pé sobre a mesa de pedra e debruçou-se sobre a filha, segurando o rosto dela. Para qualquer pessoa foi impossível ouvir o que ela sussurrou, mas por uma instante quase imperceptível, Eve abriu os olhos e pareceu responder algo para sua mãe. Contudo, não foi a resposta que Manu esperava.
- Não minha filha... – Ela ficou de pé e elevou sua voz. – Infelizmente não podes se dar ao luxo de desistir.
Aquelas palavras foram tão fortes que trouxeram as anciãs de volta do transe. Elas trocaram olhares desconfiados e assustados e um burburinho teve início, e algumas delas tentaram alertar Manu contra alguma coisa, mas ela fez questão de ignorá-las.
- Izabelle? – Ela me chamou e com certo temor eu me aproximei. Temia porque jamais havia visto a minha amiga de tantos anos tão consternada daquela maneira. Assim que me aproximei ela se baixou e me segurou no rosto com as mãos encharcadas do sangue da própria filha. Senti um tremor que jamais esquecerei e gelei com o olhar que recebi dela. – Minha amiga... Vou lhe pedir o que jamais imaginei ser necessário e espero, com todas as minhas forças que não me julgues e não me questiones. Nunca lhe pedi isso.
- Não minha senhora! O que desejas? – Perguntei e a vi desviar o olhar para encarar cada uma das anciãs. Aproximou-se de meu rosto ao ponto de eu sentir o toque dos lábios dela em minha orelha e após um instante de tensão ela disse o que desejava.
Atônita eu afastei minha cabeça, que girava de forma desenfreada com o que eu acabara de ouvir. Pisquei os olhos várias vezes tentando me situar mas sempre que os abria a via anuindo firmemente com a cabeça.
- Manu... Eu...
- Por favor Belle... – Ela jamais havia usado aquela palavra comigo e foi o que precisava para que eu a obedecesse.
Tropeçando eu passei pelas irmãs que me olhavam curiosas, algumas delas ousaram me questionar acerca de minha missão, mas eu não tinha condições de respondê-las. Meus pés me levaram onde eu precisava enquanto minha mente montava as hipóteses para o que Manu pretendia com aquele pedido e nenhuma das ideias que passaram por minha mente era boas.
Rapidamente eu cheguei em meu destino e usando a chave que só eu e ela possuíamos, abri aquele armário de pesadas portas de carvalho e fitei o objeto que eu havia ido ali para buscar. Com as mãos tremulas e com toda a reverência que ele merecia, o desembrulhei de sua capa de linho escuro.
Pela primeira vez em toda a minha existência eu o segurei em mãos. O Labrys sagrado.
Senti seu peso... Perfeitamente equilibrado... Admirei a perfeição com que aquela impressionante arma foi construída. E ao aproximá-la de meu rosto, vi as imperfeições em ambas as lâminas. Cicatrizes que aquele machado carregava de todas as batalhas travadas por ele.
Mas a urgência da situação me alcançou e lembrei porque havia ido buscar aquela arma. Sem nem fechar o armário que a guardava, corri de volta para os subterrâneos e passava por irmãs que me olhavam em choque ao verem o que eu levava em mãos. A mesma reação que tiveram aquelas que estavam naquele salão.
- Minha senhora... O que farás com isso? – Uma das velhas mulheres se adiantou e segurou no braço de Manu, mas essa apenas a olhou com dureza e a mulher se afastou boquiaberta.
Para a minha surpresa, logo após eu entregar o Labrys a Manu, Josephine retornou de uma busca também. E dessa vez fui eu que tentou repreende-la.
- Manu, isso é Livro das Sombras... – Afirmei o óbvio.
- LOUCURA! – Um brado de reprovação teve início entre as anciãs. Então, com o Labrys e o livro em mãos, Manu dirigiu-se até aquelas mulheres. Ou melhor, a todas nós que estávamos lá embaixo.
- “Loucura” vocês dizem... Mas não fazem ideia do significado dessa palavra. Na verdade insanidade seria o que melhor definiria o que nos aguarda. – Ela bradou! – Vejam isso! – Abriu o livro onde desejava. – O que veem? – As mulheres ficaram confusas. – Estão faltando páginas! Aquelas que continham um dos piores feitiços que alguém já poderia ter conjurado. O Immortalitatis! – As velhas senhoras arregalaram os olhos e cambalearam incrédulas. – E ele o conjurou na noite passada. – Silêncio mórbido. – E sabem o que isso significa? Aquele monstro... O nosso inimigo agora pode ser assim chamado.
- Mas Manu... – Arrependi-me de te-la interrompido no momento em que abri a boca e ela me olhou furiosa. – Você disse que ele não possuía o feitiço completo. – Insisti extremamente temerosa.
- Sim... Mas ele se tornou imortal... O que ele não sabia é que... – Deixou o Labrys ao lado do corpo de Evelyne e retirou de suas vestes um pequeno frasco. – É que há uma maneira de por fim a esse feitiço. –
- Como? – Foi a pergunta repetida por todas nós.
- Ele precisou sacrificar a carne da carne dele. Melanie... – Ergueu o frasco que trazia em mãos.
- Isso é? – Josephine ousou questionar, mas não obteve resposta direta.
- Mas isso... Para o azar dele... O prendeu a alma dela! – Pegou uma taça de cobre de uma das prateleiras próximas.
- O que isso quer dizer? – Questionei enquanto assistia Manu depositar o conteúdo do frasco que trazia naquela taça.
- Quem o deu a vida eterna... É a única pessoa que poderá tirá-la dele! – O choque causado por aquela informação só não foi maior que a incredulidade do que Manu estava fazendo.
Ela acariciava o rosto extremamente branco de Evelyne enquanto colhia um pouco do sangue que ainda escorria do ferimento na barriga dela. Em seguida repetiu as mesmas aterradoras palavras em latim que Arman dissera em seu ritual.
- O que vais fazer? – Perguntei já sabendo a resposta, mas eu não conseguia assistir aquilo tudo em silêncio. Era angustiante demais.
Mas antes de Manu responder, algo a alertou, obrigando-a a interromper o que dizia e debruçar-se sobre o corpo da filha.
- Eve? EVELYNE!!! – Ela berrou e todas nós entendemos o que acabara de acontecer. – Não! Não... Você não pode... Não aceito. – Disse debilmente enquanto foleava aquele livro buscando algo mais. E assim que achou o que buscava, não hesitou um segundo se quer.
“Et sanguis meus sanguis... Carpe vita tua, et non faciunt.”[1]
Esforcei-me para ter certeza de compreender o que achava que aquilo significava e a minha resposta veio em seguida.
- Irmãs! – Ela ficou de pé sobre a mesa. – O inimigo agora é mais poderoso do que jamais foi. E nenhuma de nós é páreo para ele nessa forma que ele assumiu. Então... – Ela me olhou de canto de olho. – Precisamos nos unir... Em uma só! – E apontou para o corpo sem vida de Evelyne. Abaixou-se e pegou o Labrys e veio em minha direção. Recuei o quanto pude até que a parede impediu que prosseguisse. – Faça! – Lágrimas caiam aos montes do rosto dela assim como no meu.
- Fazer o que Manu? – Desesperei-me.
- Tire minha vida! – E me entregou o Labrys sagrado. – Tire-a e dê a ela.
- Não Manu! Isso é insanidade!
- Izabelle... Eu... Não estou... Pedindo. Eu o faria se fosse possível, mas esse feitiço só pode acontecer se minha vida for retirada de mim e oferecida. Por favor! – Ela me suplicou pela segunda vez naquela noite.
- Eu... Eu...
- Só você minha irmã... Faça isso por mim... Por nós... E por todas que estão por vir. Aquele mostro não pode governar esse mundo sozinho... Ele precisa se alguém que o enfrente... De igual para igual... – Ela dizia entre soluções desesperados. – E essa pessoa é a Evelyne... Vocês sabem disso. Sentiram isso assim que ela nasceu! – Ela se dirigiu as mais velhas. – Sabem que ela nasceu para isso. Para nos liderar! Só ela pode suportar a dor de... ‘Renascer.’
Todas se entreolharam e num entendimento imediato, anuíram positivamente com a cabeça.
- Não Manu... Não posso. Não me peça isso! – Mas ela sorria e se afastava de mim com os braços abertos e anuía com a cabeça e balbuciava sua suplica.
Uma terrível batalha acontecia dentro de mim naquele instante. A loucura daquela situação fazia um sentido absurdo em minha mente, mas como eu poderia atentar contra a minha Mestra? Contra a minha mais antiga e querida amiga?
- Belle... Por favor! Ela não tem mais tempo... – E seguiu com os dizeres daquele que era o mais terrível dos feitiços contidos nos escritos da Ordem.
Empunhei aquela impressionante arma em minhas mãos. Ela se tornou absurdamente pesada e as lágrimas que despencavam de meu rosto dificultava a minha visão, mas eu sabia o que precisava fazer. Só que não queria.
- Você precisa! – Senti uma mão tremula em meu braço. Uma das anciãs estava ao meu lado e logo sentir outras mãos me tocando. Várias delas deslizaram sobre minhas mãos que seguraram aquele machado e me guiaram em direção a Emanuelle. Foi então que compreendi o que estava acontecendo ali.
Todas nós estávamos nos tornando uma.
E com todas aquelas mulheres que tocando, eu baixei o machado com a intenção de imprimir a força suficiente para o que tinha de ser feito, mas poucos instantes antes de desferir o golpe final, as ouvi repetindo, em coro, as mesmas palavras de Manu que sorriu largamente quando as ouviu.
E num movimento preciso e certeiro, lancei o machado, de baixo para cima e afundei uma das lâminas no abdômen de Manu.
Ela não gritou... Nem se quer um gemido ela soltou, apenas me olhou profundamente e disse as palavras que jamais esquecerei.
- Termine o que comecei... – Os olhos dela abriam e fechavam lentamente. – E a proteja... Proteja as memórias de Melanie... – Ela dizia com dificuldade enquanto a arma estava cravada nela. – Assim como o destino de Armand está ligado a alma da Melanie, o de Eve também estará... – Ela tossiu e cuspiu sangue. Estava no final de suas forças. – Quando a alma da Melanie retornar para a Eve... Essa... Maldição terminará... – Cambaleou e sustentou-se na pedra. Tocou o braço gelado de Eevelyne e disse suas ultimas palavras agora para ela. – És a melhor parte de mim. Estarei com você onde você for... Amor de minha vida... E será o amor que irá vencer o mal! – E suspirou seu ultimo suspiro e foi quando eu soube o que deveria fazer.
Retirei o machado de Manu e numa fração de segundos retirei a vida de cada uma daquelas mulheres, seguindo aquilo que elas desejaram. Até mesmo Josephine me sorriu pouco antes de eu arrancar a vida dela.
Ali, cercada dos corpos de minhas irmãs, com o Labrys sagrado, coberto do sangue de todas aquelas mulheres, posicionei-me ao lado de Evelyne e num golpe certeiro, o cravei em sua barriga.
Cerrei os olhos enquanto apertada o cabo de madeira com tanta força que meus dedos doíam. Fiquei daquele jeito por alguns instantes, processando o que eu acabara de fazer, e ainda com os olhos fechados senti um leve toque em meus dedos. O susto daquele toque me fez abrir os olhos e dar de cara com os olhos verdes brilhantes de Evelyne me encarando perdida.
- O que... – Ela tentou dizer, mas antes que ela percebesse o que acabou de ocorrer ali, cumpri com a minha promessa. Eu precisava terminar o que havia sido iniciado e assim que avistei a taça de cobre contendo as cinzas de Melanie e o sangue dela mesma, ofereci aquela surreal mistura para que ela o bebesse.
Foi então que ela me olhou com os olhos arregalados e uma estranha convulsão teve inicio e senti uma estranha força contra meu corpo, e fui lançada violentamente contra a parede.
Não sei quanto tempo eu desacordada, mas quando abri os olhos vislumbrei os pés descalços de Evelyne caminhando por entre os corpos e quando ergui os olhos não acreditei no que vi.
No abdômen onde havia uma serie de ferimentos mortais não havia mais sinal algum de ferimento, nem tão pouco cicatriz alguma. E quando ela se virou para mim, o rosto que estava desfigurado a pouco estava perfeito. E seu olhar confuso indicava o quanto ela estava perdida.
Só então ela percebeu que segurava algo nas mãos.
Era o Labrys. Ela encarou aquela arma até que seus olhos alcançaram outra coisa. De repente toda a carregada atmosfera daquele ambiente se modificou e uma pesada energia tomou conta daquele ambiente.
Lentamente Evelyne se agachou e caiu de joelhos ao lado do corpo sem vida de Manu.
- Mãe? O que aconteceu aqui?- Ela não esperou por minha resposta e sem se quer eu pudesse perceber, minha mente foi varrida por ela. – Não! Não! – Ela repetia de forma incrédula. Havia visto bem no intimo de minha mente as loucuras que aconteceram naquele ambiente e relutava em aceitar tudo aquilo e confesso que senti um medo inominável.
Naquele exato momento, vozes desesperadas foram ouvidas através dos corredores e atraíram a atenção dela.
- Eles estão vindo... O Martelo está vindo. – Me coloquei de pé, sem saber ao certo o que deveria fazer.
De joelhos e com a cabeça baixa, Evelyne inclinou levemente sua cabeça em minha direção.
Aquela foi a primeira vez que eu tive um vislumbre de como deveriam ser as trevas.
Onde outrora haviam lindíssimos olhos verdes, estava uma névoa negra e sem brilho algum. Cada pedaço de meu ser estremeceu sob aquele olhar e então a ouvi com um misto de pavor e admiração.
- Deixe-os vir!
[1] Sangue de meu sangue... Pegue minha vida e a faça sua.
Fim do capítulo
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Lanezann
Em: 02/11/2018
Vontade de estar lá e fazer parte de tudo isso. Estou adorando tudo, as partes boas e as sombrias, que acredito serem necessárias para a nossa evolução...
Aguardando os próximos capítulos e espero que a Del seja feliz ao menos daqui em diante. Chega de sofrimento!!!
LeticiaFed
Em: 29/10/2018
Puxa vida, que pesado... Bem que Helena tinha razão quando disse que sofria de pesadelos desde que tomou conhecimento dos fatos. Amor incondicional de mãe e responsabilidade de mestra. Imagino o banho de sangue dos servos do martelo que deve ter se seguido a isso, mas foi merecido. Cosima cada vez mais percebendo o fardo de Del e de seu proprio papel em tudo. E eu só esperando o reencontro delas...rsrs Te desejo paz no coração e uma otima semana, beijo!
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