Capítulo 3
Em casa, a mente de Valentina ainda lhe pregava peças. Mesmo tentando pensar em outras coisas, não estava dando muito certo. Olhou para o relógio e ainda marcava 21h20. Deveria ter ido treinar, assim descarregaria a frustração que estava sentindo. Estava zapeando na TV quando ouviu seu celular tocar, na tela apareceu o nome da sua professora da academia, atendeu preocupada:
– Oi Mel, aconteceu alguma coisa?
– Aconteceu sim senhora, porque não veio treinar? – iniciou sua frase de forma séria, mas logo sorriu.
– Ah, é isso. – disse desanimada – Cheguei a pouco do trabalho, não estava com ânimo para treinar.
– Largou o plantão agora?
– Isso. Estou com dor de cabeça também, por isso acabei nem avisando que não iria.
– As meninas da recepção me informaram que você é muito cuidadosa quanto isso, por isso liguei. Achei que tivesse acontecido alguma coisa.
– Não, tá tudo bem – não estava com vontade de conversar, mas não queria ser mal educada. – Olha, eu preciso verificar algo aqui, depois nos falamos, desculpa ter te deixado preocupada.
Mel sentiu um constrangimento por ter ligado, e se arrependeu amargamente de tê-lo feito. Era nítido que por mais que tentasse a médica não queria conversar, o melhor a fazer era aceitar a despedida da outra sem reclamar.
– Então, boa noite – sorriu disfarçando a vergonha que estava sentindo. – Se precisar de alguma coisa, é só me ligar. Te espero na quarta, beijo, tchau.
– Tchau – e desligou. Jogou o celular de lado e focou sua atenção em uma reportagem sobre implantes ortopédicos que passava na TV, acabou adormecendo ali mesmo no sofá; teve um dia cheia no trabalho e só precisava esquecer aquelas lembranças.
A semana passou e por mais que Melissa tenha tentado, Valentina não deu espaço para um segundo “passeio”, muito menos para uma conversa que passasse do “como você está?”.
Absorta em seus pensamentos, a médica nem reparava na atenção que sua professora lhe dava. Na sexta resolveu treinar mais cedo, tinha sido convidada para um happy hour e depois de tanto sua amiga insistir, ela estava tentada a ir.
– Tina, não faz esse exercício. Sem salto para você hoje. – Mel disse se aproximando.
– Algum problema? – perguntou ofegante enquanto limpava o suor do rosto.
– Essa cicatriz, – apontou para o seu calcanhar – incomoda muito?
– Que?
– Te vi mancando enquanto trocava de aparelho. Melhor não forçar, ou então seu final de semana será acompanhada de uma bolsa de gelo e remédios. Termina essa série e tá liberada.
– Cara, tá tudo bem, não estou sentindo nada. Posso treinar como todo mundo.
– Não insiste, vai por mim.
Deu as costas a professora e foi fazer os agachamentos com salto. No quinto sentiu um pequeno incomodo no tornozelo, olhou para Mel que balançou a cabeça, e continuou. Estava no décimo segundo quando percebeu que se continuasse insistindo sentiria ainda mais dor. Encostou na barra que tinha na parede e fechou os olhos esticando a perna.
– Você é sempre teimosa assim ou só estava querendo me mostrar que não mando em você?
– Não força, vai. Estou com dor!
– Eu falei para parar. Não me escutou, deu nisso. – agachou tentando ajudar – Onde doí?
– Deixa pra lá, melhor eu ir. Vai passar!
– Espera, eu te ajudo. A aula tá acabando e tenho um intervalo de meia hora até começar a outra. – puxou uma cadeira que estava próxima – Senta e tira o tênis, vou fazer o alongamento com o pessoal e já volto.
Valentina estava irritada, sua semana não foi nada fácil, havia sonhado com Margô mais algumas vezes e isso mexia muito consigo. Por isso até estava tentada a sair com os amigos mais tarde, agora parecia que seu final de semana seria de molho em casa, era sempre assim, quando forçava o pé direito. Já deveria ter feito outra cirurgia nele, mas o tempo que passaria de molho lhe desencorajava, mesmo porque, ele não doía sempre. Mas, essa semana ela tinha judiado bastante dele, tanto nos treinos, quanto no trabalho
Melissa concluiu a aula voltando para perto de Tina com uma bolsa de gelo.
– Posso?
– Não precisa, eu faço. Não quero te atrapalhar!
Mel entregou a bolsa de gelo e se retirou da sala. Estava se cansando daquilo, já tinha meses tentando ser notada por Valentina e nada parecia dar certo, tudo bem que no domingo passado ela cometera aquele deslize, mas mesmo assim, elas não tinham nada, não devia satisfações dos seus atos, ao menos era o que pensava.
– Calma prof. Vai tirar o pai da forca?
– Desculpa, não te vi ai.
– Percebi. É isso que dá ficar atrás das pilastras no escuro.
– Sarcasmo? Me dá um desconto, não estou para brincadeiras.
– Que bicho te mordeu? – estava olhando para frente e sorriu ao ver alguém dentro da sala do outro lado do corredor – A Tina tá aqui! Huuum, você deu aula naquela sala?
– Sim! Dei, – bufou – a sua amiga está sentindo dor no pé, se é o que quer saber.
– Não perguntei nada disso. Agora me diz, que cara feia é essa?
– Sério, eu tentei, e muito por sinal. Mas desisto. Definitivamente, aquela mulher não é para mim.
– Não acredito – fez uma cara de espanto, deixando Mel ainda mais irritada. – Só agora percebeu isso? Faça-me o favor, me tira dessa, não dou dois dias para você voltar atrás dessa decisão.
– Agora é sério!
– Eu duvido. Ficaria aqui jogando conversa fora, mas tenho outras coisas para fazer, por isso tenho que ir.
– Não vai treinar?
– Hoje não, vim apenas pagar! Tenho compromisso logo mais, não dá para treinar hoje.
– Depois sou eu que não paro em casa.
– Até parece que você não vai sair hoje. Me engana que eu gosto.
– Não, não vou!
– Vai sim. Te espero as 21h no restaurante do seu pai, e não se fala mais nisso.
– Volta aqui.
– Não dá, tenho que passar na casa do Caio ainda. Não se atrasa prof. Conto com você, ah, e cuida bem da minha amiga, ou então, ela não estará no encontro de logo mais. – enquanto falava ia andando pelo corredor que dava acesso a saída.
– Olivia, volta aqui e conversa direito comigo. – ela falava tentando não chamar a atenção das pessoas que passavam por ali.
Olivia saiu sorrindo, estava cansada de deixar aquelas duas resolverem as coisas sozinhas, resolveu dar um empurrãozinho maior para ver a coisa andar de verdade.
De volta a sala, Mel encontrou uma Valentina cabisbaixa, ela parecia pensativa. Olhando bem, seu olhar estava diferente, não parecia a mesma mulher animada de sempre que chegava sorrindo e encantando a todos com o seu astral.
– Tudo bem?
– Sim.
A resposta seca lhe deixou incomodada. Mas deixou passar e continuou: – Diminuiu a dor?
– Sim, menos incomodo. Acho que a sua previsão de companhia para o meu fds se concretizou.
– Desculpa!
– Relaxa, eu mereci.
Respirou fundo e moveu os lábios sem som: – Ainda bem que sabe disso.
– Não precisava ser tão transparente assim. Mas valeu pela sinceridade.
– O que?
– Eu faço leitura labial – piscou para ela.
– Droga!
Valentina olhou para a cara incrédula que ela fez e gargalhou puxando o tênis.
– Relaxa, não vou morrer por isso. Obrigada pelo cuidado e atenção. Tenho que ir.
– O que teve nele?
– Moto.
– Imprensou nela?
Sorriu: – Antes fosse, mas não, cai mesmo.
– E mesmo assim você ainda pilota?
– Claro! E não tem porque fazer careta, eu não senti a dor.
– Você é maluca.
– Minha mãe diz o mesmo! Agora é sério, vou indo. Ou então a Liv me mata. – estendeu a mão para a professora – Até mais.
Mesmo a contragosto Mel retribuiu o gesto. Quando Tina fechou a porta, ela esmurrou a parede, sacudiu a mão e gritou de dor, que ideia genial essa, agora além da frustração por não ser ao menos notada por quem queria, estava sentindo uma dorzinha nada agradável na mão.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: